Capítulo 49

DIA SEGUINTE

A manhã seguinte chegou e com ela tudo o que aconteceu na madrugada. Eu não conseguia lembrar quando e como consegui pegar no sono depois que Negan foi embora, mas eu ainda estava exausta demais. Não havia ninguém além de mim no quarto e eu levantei da cama, indo em direção à porta. Antes de eu abrir, ouvi o barulho da chave na fechadura, e em seguida Negan entrou com um prato e um copo de suco.

- Você me trancou? - eu disse quando ele deixou tudo sobre a mesa - Qual é o seu problema?

- Bom dia para você também - ele disse e apontou para a comida - Trouxe para você.

Eu não podia acreditar nisso.

- Você me trancou? - eu repeti. Eu sentia a violação e meu rosto enrugou-se em desgosto, em como isso era doentio.

Eu queria gritar e rasgá-lo inteiro. A raiva queimou dentro de mim quando uma mão fria se colocou sob meu queixo, trazendo-me de volta à realidade.

- Ellie - Negan sussurrou para mim, segurando meu rosto para que eu não pudesse desviar o olhar - Apenas coma.

- Tire suas mãos de mim - eu rosnei quando afastei a mão do meu rosto e ele fez uma careta.

- Não há necessidade de hostilidade.

- Quero minhas roupas. Quero descer e caminhar como o médico disse que eu devia - eu avisei.

- Vou trazer isso mais tarde, se você comer - ele apontou para a mesa - Sente-se - ele disse. Então, mais suavemente ele acrescentou - Por favor.

Como ele achava que eu tinha estômago para algo? Ele estava calmo e pacífico, então deduzi que seu plano era mesmo me enlouquecer.

Em dois ou três dias eles iriam para Alexandria e se eu fizesse o que realmente estava com vontade de fazer com ele agora, ele não me levaria, e eu precisava ir.

Não havia mais porque eu estar aqui, então meu plano era fugir quando eu estivesse lá. Seria menos arriscado do que tentar sair do Santuário. Eu só iria correr o mais rápido possível e isso era tudo o que eu tinha planejado.

Correr para a floresta assim que saíssemos do carro quando chegássemos a Alexandria. Negan não mandaria atirar em mim, ele preferia me torturar, e eu era rápida e sabia me esconder. Eu já estava no inferno, qualquer coisa era lucro. Negan havia me machucado no momento em que eu já estava quebrada e isso eu jamais perdoaria.

A verdade era que minha cabeça estava uma lambança e eu não estava conseguindo por em ordem essa bagunça. Mas de uma coisa eu sabia: eu não podia mais viver nisso.

Em uma raia de resignação, eu caí na segunda cadeira do outro lado da pequena mesa e peguei um pedaço de pão branco da bandeja de comida.
Mastigando com rancor, evitei o olhar para ele.

- Agora eu entendo o porquê disso tudo - eu disse, sem mais tocar na comida - Você queria que eu ficasse enfiada aqui dentro para sempre.

Negan levantou uma das mãos para esfregar a testa como se estivesse dispersando uma dor de cabeça crescente.

- É uma ideia tentadora, mas não. Você tem que parar com essa mania de perseguição.

Eu só tenho que fazer um plano, isso é tudo. Faça um plano, siga-o e saia. Simples. Penso encorajadoramente para mim mesma. Eu me sentia morando dentro de uma prisão de minha própria autoria.

- Agora vai ser assim? Você vai me trancar aqui o dia todo como se eu fosse um animal? - eu estava segurando os fios remanescentes do meu autocontrole para não voar em cima dele.

- Você é livre. Só não quero que faça alguma merda e me obrigue a te trancar de novo.

Eu fiz algo do qual vou me arrepender para sempre.

- Talvez dessa vez você tome mais cuidado para ninguém tentar me estuprar - minhas palavras escorriam veneno e dor.

Como sempre isso o atingiu, mesmo ele fingindo que não. Ele levantou e pegou o taco.

- Coma e não saia. Posso confiar em você para não precisar trancar a porta?

O quê?

- Porque quer que eu fique aqui? Já descobri o novo item da sua coleção e eu não faço mais parte dela.

- Porque estou mandando ficar.

Eu queria ficar furiosa com ele sobre como traiu minha confiança, mas isso parecia tão infantil agora que a situação tinha se tornado tão terrível. Isso era sobre falta de compaixão. Sobre como ele era um enganador patológico. Sobre como ele queria me manter debaixo de seus pés.

A ideia de que em alguns dias eu estaria com Rick veio flutuando de volta em minha mente, um apelo fugaz para permanecer forte para que eu pudesse conseguir o que eu queria. Eu só queria ir embora. Então eu concordei.

.

A vergonha é uma coisa feia. Nós raramente podemos experimentá-la sem um erro que nos leva à ela.
A raiva pode nos colocar em uma névoa opaca, mas quando ela diminui, a vergonha está pronta. Ela nos obriga a olhar para todas as ações impensadas, a cada impulso que demos sem consideração.

Senti a vergonha se infiltrar em mim agora, enquanto me sentava aqui, com os braços em volta dos meus joelhos e a cabeça inclinada.

Todos nós nos enganamos de maneiras desprezíveis, enquanto no fundo sentimos a verdade, como um espinho na carne. Apesar de todo benefício da dúvida, não fui diferente. Me deixei cair nas mentiras de Negan, convencendo-me de que ele jamais me enganaria num momento como esse. Mas ele fez.

De novo e de novo, tentei racionalizar meu relacionamento com ele, cortar seu crescimento e ganhar distância para me libertar, mas eu não conseguia. A solidão me permeara até os meus ossos, me cimentando no lugar.

- Você parece distraída - a voz leve de Negan interrompeu meus pensamentos. Uma cadência agradável que poderia rapidamente se transformar na ponta afiada de uma faca.

Ele colocou sobre a mesa roupas e um par de tênis.

- Se vista - ele avisou quando eu não respondi - Descemos em cinco minutos.

Eu saí com as roupas o mais rápido que pude, querendo o máximo ficar longe dele. No banheiro eu vesti a calça de ginástica e os tênis. Fechei o zíper do casaco e quando voltei para a sala, Negan ainda estava lá, encostado na mesa.

Apenas fique quieta. Logo você estará longe de tudo isso.

- Dwight vai te acompanhar. Parece que ele é imune ao seu charme - Negan sorriu - Ou finge muito bem.

Se ele soubesse.

- Eu não preciso de babá.

- Ellie - diz ele com firmeza - Isso já está decidido. Não há nada que você possa fazer além de aceitar.

É claro. Sorria e concorde como um fantoche.

Eu assenti, querendo só sair desse quarto e isso pareceu derreter um pouco da sua tensão nervosa e ele chegou mais perto.

- É isso, logo tudo volta a funcionar - ele disse em um murmúrio baixo.

Eu olhei para cima, minha boca se abriu, mas eu segurei o escárnio.

- Eu não tenho escolha.

- Isso mesmo. Eu faço suas escolhas - ele disse calmamente, sua voz nivelada, sem emoção. Mas assim que ele disse isso, eu senti como se elas estivessem rastejando sob minha pele, queimando.

Dwight nos encontrou no corredor, ele estava tão tenso que parecia que ia quebrar no meio a qualquer momento, mas minha raiva era maior. Ele estava com o colete de Daryl e meu coração se apertou.

- D vai te acompanhar - Negan avisou para mim, em seguida olhou para Dwight - Cuide dela como se fosse sua - ele piscou e eu não suportei ficar ali por mais tempo.

Eu saí caminhando e logo ouvi os passos apressados de Dwight atrás de mim. Eu não dei diminui, descendo as escadas com agilidade até que uma mão tocou meu ombro, me parando.

- Da pra ir mais devagar? - ele disse eu empurrei sua mão de mim.

- Se tocar em mim de novo eu quebro a sua mão - avisei. Ele não disse nada, só manteve aquela cara de cachorro molhado e eu desci até chegar ao térreo, saindo pela entrada principal, ignorando os olhares estranhos que me fitaram pelo caminho.

O sol tocou meu rosto e esquentou minha pele. Tudo seria pacífico se não fosse pelo grunhido e bater de dentes dos caminhantes na cerca. A sombra - Dwight - apareceu ao meu lado e ficou parado ali.

Lembre-se de que você é forte.

As palavras de Daryl encheram minha cabeça. Ele me chamava de forte, inteligente, brilhante e dura três vezes mais do que ele me chamava de linda.

Seja sempre corajosa, Ellie.

O vento em meus cabelos, o sol em minha pele e as memórias foram o que me mantiveram em movimento todo esse tempo. Até eu encontrar Negan. Porque tudo tinha que ser sobre ele? Cada pensamento da minha cabeça era de alguma forma relacionado a isso. Minha vida era condicionada à um homem que sequer me respeitava como igual.

Eu desci as escadas do lado de fora, olhando o corredor cercado que levava há um terreno do lado de fora. O cemitério.

Eu caminhei a passos incertos, ouvindo Dwight atrás de mim, me seguindo como um cachorro treinado.

Era um terreno todo cercado e havia apenas uma cruz branca. Eu cheguei perto, lendo os nomes e meu coração caiu aos meus pés. Amelia e Louis estavam escritos em preto, um nome em cada extremidade horizontal da cruz.

Uma lágrima desceu pelo meu rosto e eu a sequei rapidamente. Eles estavam aqui por minha causa. Marie quem atirou neles, o tiro que era para ter acertado em mim.

- Sinto muito - ouvi a voz de Dwight e cerrei os punhos.

- Não ouse... não se atreva a querer falar comigo depois do que fez - avisei. Algo na minha voz deve tê-lo alarmado, pois um olhar de trepidação passou por suas feições. Ele se mexeu desconfortavelmente, olhando para os pés e depois para mim.

- Eu tive que fazer - ele começou mais uma vez e logo balançou a cabeça - Você não entende...

- Eu não entendo o quê? - o cortei - Que você me jogou no fogo para salvar sua pele?

Ele não disse nada por um momento e eu joguei de lado as flores secas que estavam debaixo da cruz. Amanhã eu traria novas.

- Eu precisava dar algo a ele, acha mesmo que Negan ia acreditar se eu dissesse que não aconteceu nada quando veio me procurar? - ele arriscou de novo e eu ri.

- Então você fez para me proteger? Que fofo - disse com sarcasmo. Porque ele sequer achava que eu queria uma desculpa? - O que acha que ele faria se soubesse que você não matou Sherry?

Dwight travou quando eu disse isso e eu sorri.

- Que foi, D? Achou que eu esqueci? - ele piscou, meio atordoado.

- Sherry está morta.

Eu estalei a língua. Eu jamais entregaria ela, só queria feri-lo para aliviar minha dor.

- Eu tirei Sherry daqui e Sherry tirou Daryl. E isso só foi possível porque você foi idiota ao ponto de achar que eu ia transar com você.

Como se possível, ele ficou ainda mais paralisado e por um segundo eu tive pena. Mas só por um.

- E isso não tem nada a ver com seu rosto. Tem a ver com quem você é. Você é fraco. Tá aí algo que temos em comum - eu olhei para o túmulo mais uma vez - Você fez isso acontecer. Eu fui presa, quase estuprada e morta por sua culpa. Esse menino e essa mulher morreram porque você me entregou.

Dwight não me devia nada para eu estar falando isso, ele não devia fidelidade a mim, mas eu queria que se sentisse culpado. Eu pretendia que minhas palavras o ferissem, mas por alguma razão eu não conseguia entender, o brilho de dor em seus olhos não me agradou tanto quanto eu esperava.

- Não foi culpa minha nem sua, a culpa é dele...

- Cala a boca - eu interrompi sua tentativa frustrada de passar a culpa para frente - Negan estava os ajudando, pela primeira vez na vida sem pedir algo em troca. Esse sangue está nas suas mãos.

- Está descontando sua raiva na pessoa errada. Você não percebe... realmente não vê o que Negan faz com você? - a inquietação soou em seu tom em uma resignação cansada. Eu estava fraca demais para levantar a cabeça, mas respirei fundo e estremeci quando respondi bruscamente.

- Eu não me importo.

- Já que você está colocando o chapéu de culpado nas pessoas, coloque essas mortes nas costas do seu irmão - Dwight disse quando eu já tinha dado alguns passos para sair dali. Eu olhei para trás sem entender - O marido dela era um dos Salvadores do posto avançado que seu irmão atacou e os matou dormindo. Ela só estava no escritório de Negan porque seu irmão matou o marido e pai do filho dela.

Seus olhos me perfuraram com um brilho implacável. Eu tentei não mostrar o quanto essa informação ardeu.

- A única coisa que eu lamento é por você não estar lá naquele dia - eu cuspi antes de fazer meu caminho para longe dele.

Voltando para a fábrica, eu subi e entrei no que era o banheiro compartilhado e fechei uma das cabines, abaixei a tampa do vaso e me sentei. Dwight estava do lado de fora, me esperando, mas eu ignorei isso, precisava de alguma minutos para assimilar tudo.

Estava chovendo lá fora agora, mas eu só podia dizer por causa da janela. As paredes eram tão grossas que era quase impossível ouvir o que estava acontecendo do lado de fora, a menos que você tivesse nas janelas ou na porta aberta.

As poucas coisas que lembro de quando Negan me encontrou era que estava frio e chovendo. Memórias eram mais perigosas que os caminhantes. Elas se agarravam a você e lembravam como era bom e como é ruim agora. Ninguém precisa ser lembrado de como era ruim.

Eu não sabia que estava chorando até que minha cabeça começou a doer. As lágrimas e a chuva se misturaram e eu me acalmei rapidamente, então de repente ouvi tropeços e vozes de mulheres, e fiquei onde estava.

- Todo mundo sabe que ela está louca - uma delas cochichou - Dizem que na noite que Marie matou aquelas pessoas, ela estava perambulando pelos corredores com uma camisola ensanguentada.

Eu não consegui me mover uma polegada. Elas estavam falando de mim.

- Que bizarro - a outra respondeu - Ouvi dizer que Negan só aceitou ela de novo por ter quase sido estuprada pelo irmão da Marie.

Com um empurrão barulhento eu abri a porta da cabine, fazendo as duas mulheres empalidecerem quando me viram. Elas olharam uma para outra com os olhos assustados e saíram como o diabo fugindo da cruz.

Eu engoli minha raiva e desgosto e sai depois de lavar o rosto, dando de cara com Dwight e Simon, com um sorriso gigante no rosto.

- Bem, inferno, finalmente estou te vendo - ele me lançou um olhar apreciativo sobre mim - Eu pensei que você ia estar para baixo, mas olhe para você, bonita como um pêssego. Eu respeito isso.

Eu estreitei os olhos para ele, dando-lhe um olhar que expressava claramente a minha resposta.

Ele jogou um braço em volta de mim e me deu uma boa sacudida, sorrindo largamente. Eu poderia dizer que ele estava zombando de mim, mas eu fiz uma careta de volta e resisti ao impulso de bater com um cotovelo em seu estômago.

- Obrigado, Simon, mas você pode pegar o seu respeito e enfiá-lo na garganta até engasgar com isso.

Ele encolheu os ombros, então eu ouvi vozes ficando mais altas no corredor e me endireitei, meu coração batendo dolorosamente quando Negan apareceu com um sorriso gigante no rosto e alguns Salvadores.

Simon o saudou e seu braço apertou em volta de meus ombros e ele se inclinou para sussurrar para mim, seus olhos em Negan.

- Não seja mau educada, diga oi para o chefe - Simon disse se afastou, os outros Salvadores seguindo atrás dele e Dwight.

- Oh, se olhares pudessem matar - disse Negan ainda sorrindo - Vamos.

Eu me afastei quando ele tentou passar o braço ao meu redor e subi, cada passo me queimando por dentro.

- Sente-se e eu vou pegar algo para você beber - disse ele, apontando para um sofá de couro preto à esquerda quando entramos no quarto.

Fui até lá e me sentei cansada e com raiva. Eu não queria estar aqui. Eu
não deveria estar aqui. Levou todo o meu autocontrole para não correr para a porta e tentar fugir, mas permaneci sentada onde estava, minhas mãos agarradas ao couro.

Negan foi até lá e voltou com dois copos na mão e uma garrafa de uísque na outra. Ele nos serviu um dedo e me entregou um copo.

- Você viu o cemitério? - perguntou, em pé na minha frente junto à mesa de vidro. Ele tomou um gole de seu uísque e me olhou. Ele sorriu quando eu não disse nada - Vamos lá, eu sei que você adora conversar comigo.

Eu abaixei meus olhos para o meu colo e coloquei o copo sobre a mesa, então olhei para ele.

- O que você quer?

- Conversar com você - ele sentou-se pesadamente ao meu lado, jogando um braço atrás de mim para descansar nas costas do sofá. Eu me afastei dele, silenciosamente fumegando e querendo fugir.

- Eu não tenho nada para falar, tirando o que você já sabe: eu quero ir embora.

O copo na mão de Negan parou no meio caminho de sua boca e o canto de seus lábios entreabertos se elevou ligeiramente.

- Por que você não toma um gole do seu uísque para relaxar um pouco - sugeriu ele. Eu sabia exatamente o que ele estava tentando e onde pretendia parar com essa conversa. Não dessa vez.

- Aconteceu alguma coisa com você quando criança? - eu atirei de volta com raiva e deboche - Você não foi amado o suficiente ou algo assim ou você sempre foi uma merda demente?

Ele apenas sorriu e tomou um gole de sua bebida. Ele ergueu as sobrancelhas, encostando a cabeça no sofá enquanto soltava um grande suspiro. Seus dedos tamborilaram no couro atrás da minha cabeça, vibrando irritantemente de novo e de novo. De repente, ele se inclinou para frente e colocou o copo na mesa. Ele virou o corpo para encarar o meu e colocou a mão no meu joelho.

- Não - eu avisei, empurrando sua mão para longe de mim.

Eu ofeguei quando ele agarrou minha coxa e puxou meu corpo para encará-lo.

- Eu te trouxe aqui para conversar, não para você sentar aqui e me ignorar. Quando eu falo com você - ele ergueu as sobrancelhas - Você olha para mim e responde.

Ele colocou a mão no sofá do lado oposto de mim, inclinando-se para olhar nos meus olhos. Eu me empurrei de volta para o couro, meu coração acelerado. O ar mal se mexeu ao nosso redor enquanto olhávamos um para o outro, seus olhos quentes e austeros e os meus desafiadores. Nós nos sentamos assim por um momento, desafiando um ao outro a fazer um movimento ou dizer algo primeiro. Eu queria correr para a porta novamente. Eu não tinha certeza do que ele queria, mas eu podia adivinhar.

- Rick vai te matar - eu disse finalmente, meus olhos ainda fixos nos seus - Você não tem ideia de quem meu irmão é.

Ele apenas riu e umedeceu os lábios.

- Eu adaptei muito bem para o mundo do jeito que está agora. Você vê, eu não sei se você tem percebido, e eu já disse isso algumas vezes, mas vou falar de novo: eu faço o que precisa ser feito. Eu estabeleço as regras do jeito elas devem ser então me agradeça por isso, porque sem um líder como eu eles seriam apenas mais um grupo de idiotas que não sabem de nada.

Eu não sabia por que ele estava entrando nesse assunto, mas ele sempre se abria como uma pavão para mostrar o quão melhor que Rick ele era. Agora eu via que ele só me mantinha por perto para controlar Rick e isso me quebrou ainda mais por dentro. Era tudo um jogo de poder. Mas apesar disso, eu não queria que Negan morresse.

- Uma comunidade pode ter um líder que não é um imbecil assassino e sobreviver - eu respondi furiosamente.

- Pode, Ellie, você está certa, mas não dura muito em um mundo como o que estamos agora, olhe seu irmão. Quer saber por quê?

- Eu não... - eu comecei, mas ele me cortou.

- Porque é fraco, e mais cedo ou mais tarde alguém vai vir e derrubá-lo - ele me deu um sorriso significativo - Mas isso não é o que eu quero. Eu quero vassalagem, não erradicação. É importante que você saiba disso. Nós todos podemos viver em harmonia, ou o que diabos você quiser chamar, contanto que eu mantenha a soberania - seus olhos castanhos procuraram os meus, vibrantes e misteriosos - eu não sou um idiota assassino apenas por diversão, Ellie. As pessoas neste mundo precisam de controle. Caso contrário, não haverá mais nada. Nem todo mundo é forte o suficiente para definir essa ordem, seu irmão não é. Eu sou.

Engoli. O que ele estava dizendo era apenas a ponta do iceberg do que era sua consciência moral. Ele queria dominar através do medo, da dor e estava tentando fazer isso comigo, mas o que ele não percebeu foi que seus caminhos causaram ainda mais caos e destruição no final.

- Você não teme que talvez um dia você possa acabar com uma faca gigante nas costas de seus chamados vassalos? - o rosto de Dwight brilhou na minha cabeça e eu estreitei meus olhos para Negan - Você não pode exigir respeito com medo, apenas ressentimento. E mais cedo ou mais tarde, quando você pensa que tem tudo sob controle e está se sentindo seguro na sua jaqueta de couro - eu toquei seu zíper com desdém nos meus olhos - Você será aquele que será derrubado.

Apesar de tudo, eu não o queria morto, então talvez o grande problema fosse comigo.

Com isso, eu empurrei seu braço que me bloqueava e me levantei, caminhando para a porta tão firme quanto pude, dada a minha atual condição física. Eu quase a alcancei, estendendo a mão para segurar a maçaneta quando ele passou um braço em volta da minha cintura e me puxou de volta. Ele me virou e me jogou para a mesa, vindo até mim antes que eu tivesse a chance de me endireitar.

Seus dedos rodearam meu pescoço, seu rosto tinha uma expressão de animosidade, mas enquanto seu aperto era firme, não estava me machucando. Ele só olhou para mim atentamente, seus olhos escuros de raiva. Nós dois estávamos respirando pesadamente e minhas mãos estavam apertadas em seus ombros, o couro de sua jaqueta enrolado neles. Eu estava pronta para lutar contra ele, mas não achei que pudesse ganhar.

Suas feições mudaram então, tão sutilmente. Estava claro que ele ainda estava com raiva, mas parecia que estava tendo uma batalha interna consigo mesmo, como se estivesse decidindo entre apertar seus dedos ao redor da minha garganta e rasgar minha roupa - e as duas me faziam querer fugir.

Em vez disso, ele levou as mãos à minha cabeça, colocando-as sobre meus ouvidos em um aperto firme. Ele colocou a testa na minha e fechou os olhos, respirando profundamente. Sua barba arranhou meu queixo quando ele enfiou os dedos no meu cabelo.

- Sente-se no sofá. Ainda não terminei com você - ele murmurou e me soltou, dando um passo para trás e abrindo o zíper da jaqueta, que ele tirou para jogar na mesa atrás de mim.

Eu estava tremendo incontrolavelmente na minha reação de luta ou fuga, a adrenalina aumentando minha mobilidade, e eu caminhei desarticulada para o sofá, afundando nele, me sentindo perplexa com o que tinha acabado de acontecer.

Eu olhei para cima para vê-lo ainda em pé no mesmo lugar, olhando fixamente para onde ele havia me colocado contra a mesa. Ele parecia ameaçador novamente, seus braços nus se contraindo enquanto ele cerrava e abria os punhos. Então ele se virou e marchou em minha direção. Eu sentei, o pânico como um rápido interruptor no meu coração.

- Aqui está o ponto - ele disse enquanto pegava sua bebida e bebia. Ele estava de volta ao normal enquanto me mostrava um sorriso - Eu vou compartilhar um pedaço da minha vida passada com você, o que é algo que eu raramente faço, e você vai sentar aqui e ouvir. Você só vai falar quando eu fizer uma pergunta direta. Vamos tentar ver se você entende.

Negan colocou o copo com força na mesa e eu recuei com o som que fazia. Ele colocou as mãos nos bolsos e se concentrou em mim. Seu cabelo estava desgrenhado pelo que aconteceu a segundos atrás, mas ele não se mexeu para consertá-lo.

- Antes das pessoas começarem a morrer aos milhões e reanimar, eu era um professor do ensino médio e um treinador.

Meus olhos foram para o bastão de arame farpado que estava atrás na mesa. Ele esperou até eu olhar de volta para ele.

- A maioria das crianças que eu treinei estava apavorada comigo, mas nós ganhamos quase todos os torneios - ele sorriu nostálgico.

Fiquei chocada com o fato de ele ter tido uma vida normal antes. Eu percebi que ele sempre foi um brutamontes egoísta em uma posição de poder.

- Por que você está me contando isso?

Ele me encarou por um minuto, contemplando alguma coisa.

- Para que você possa me entender - ele disse e se aproximou para se inclinar na minha frente. Ele colocou as mãos no encosto do sofá em ambos os lados da minha cabeça - Você não sabe nada sobre mim, querida. Eu tenho um coração batendo apesar de todas as evidências ruins contra mim. Eu posso sentir dor. Eu senti a perda, mas eu também sei que sou um bastardo depravado. Fiz muitas coisas fodidas na minha vida, e eu sei que eu só comecei.

Eu olhei para ele, tentando não me sentir tola. Eu sabia o suficiente sobre ele agora para não confiar em nenhuma palavra que saísse de sua boca, não mais. Ele estava me contando algo sobre o seu passado para que eu tivesse empatia por ele.

- Eu sei que quebrei minha promessa, mas foi você quem me fez fazer isso quando planejou fugir. Eu estava com raiva e você nunca sabe o que alguém vai fazer quando está com raiva.

Seus olhos procuraram os meus. Eu podia sentir o calor do seu corpo, um dos braços dele roçando o meu. Eu empurrei mais para trás no sofá, negando.

- Você é um mentiroso - eu disse e ele se sentou. Ele não me deu tempo de nada quando me beijou, sua língua um dardo molhado no meu lábio inferior, e eu rapidamente me afastei dele, uma mão em seu peito para empurrá-lo de volta.

- Não faça isso - eu disse enquanto meu batimento cardíaco continuava a correr sob meu peito.

- Por que não? - ele falou devagar.

Ele levou a mão ao meu pescoço e esfregou o polegar na minha mandíbula. Eu podia sentir o cheiro da bebida nele, e eu não sabia o quanto ele tinha bebido antes de eu chegar, mas eu poderia dizer que ele estava um pouco ansioso agora.

Ele começou a se inclinar para perto de mim novamente, suas pupilas dilatadas e os lábios entreabertos e eu o empurrei novamente. Ficou claro que ele estava se sentindo de certo modo e eu não queria prolongar isso.

- Porque eu te disse para não fazer isso - eu respondi bruscamente em um tom uniforme.

- Não me faça implorar por isso, Ellie - ele disse alegremente.

- Por que eu iria querer você? - eu perguntei a ele sinceramente, me afastando dele - Você é um maldito mentiroso. Por que eu iria querer estar em qualquer lugar perto de você depois do que fez para mim?

Negan levantou os olhos para o teto, um olhar pensativo em seu rosto enquanto fingia pensar sobre isso. Ele trouxe seu olhar de volta para baixo para encontrar o meu, seus dentes aparecendo em um sorriso branco na luz fraca.

- Você não tem que gostar de mim para trepar comigo - seus olhos fixaram atentamente os meus - Você adora isso Ellie, essa nossa conexão. Você me odeia e me ama ao mesmo tempo.

- Não - eu balancei a cabeça para ele - Minha resposta sempre será não, então você pode se acostumar com a frustração agora.

Eu podia sentir a pequena risada que ele soltou vibrar sob a minha mão em seu peito.

- Se você diz isso, querida - ele se sentou de volta, soltando seu braço em volta de mim com um suspiro - Estou curioso para ver até quando isso vai durar.

A proximidade fazia minha pele formigar, e eu engoli antes de encará-lo.

- Quero que me coloque em outro quarto, pode ser compartilhado, tanto faz. Não faz sentido eu ficar aqui já que não estamos juntos.

- Você não vai sair daqui, eu já disse - ele disse e eu me levantei num salto.

Cerrei os dentes e olhei para longe. Eu me sentia nauseada com o tanto de raiva que corria em minhas veias.

- Ellie - Negan disse suavemente, ficando de pé e colocando a mão no meu ombro. Eu me livrei de sua mão.

- Não - sibilei - Jamais me toque de novo. Eu nunca vou te perdoar. Eu nunca vou te perdoar por ter me quebrado assim.

- Te quebrado? - ele perguntou quando passou a mão na barba - Eu te concertei, porque eu gosto de arrumar coisas quebradas. E você nunca me agradeceu! Que tal um "obrigado", então, Ellie? - Negan gentilmente colocou o braço em meu ombro para que ele pudesse pegar meu queixo e dirigir meu olhar para ele. Até agora, eu estava evitando olhar para ele.

Agora, com os dedos cobertos de couro suavemente curvados em torno da minha mandíbula, eu estava encarando-o.

- Você está chateada, mas você me ama. Isso não é algo que morre da noite para o dia.

- Você pode pegar o seu casamento e enfiá-lo no seu traseiro. Você é uma merda psicótica e eu jamais vou deixar que me engane de novo.

- Eu vou relevar isso porque você está chateada e não sabe o que está falando - ele disse com incômodo, largando meu rosto.

Quase instantaneamente, houve uma separação fria entre nós, e ele respirou fundo, com o rosto voltando a uma expressão fria.

- Estou saindo - ele me avisou e pegou a jaqueta - Eu não preciso de você, é o contrário. Você quem precisa de mim até para ter um par de roupas para vestir. Não se esqueça disso.

Era quase como se eu pudesse fisicamente sentir as facas esfaqueando meu coração. Meu corpo dolorido nem sequer se comparava com o que meu coração estava sentindo. Eu reprimi o choro, engolindo-o.

- O que foi? - Negan perguntou, erguendo as sobrancelhas - Tão ansiosa para cuspir insultos, mas depois se transforma em uma confusão fraca e soluçante assim que eu disparo de volta.

Eu me movi, ainda instável, andando alguns passos em direção à porta que dava para o quarto antes de me virar.

- É por isso que eu disse não. Porque eu sou substituível para você - eu sorri melancolicamente - Você vai passar para a próxima para conseguir o que quer. Nada disso significa nada para você, mesmo fingindo que sim.

Ele sabia disso, e eu também, e é por isso que ele me deixou ir sem uma discussão. Engolindo meus sentimentos, deixei a sala e entrei no quarto, encostando na parede para me recompor.

Negan não ia mudar. Não importava o que acontecesse comigo, o quanto eu implorasse, ele seria o mesmo, mas eu não. Eu não podia mais aguentar isso, eu fui uma mulher forte e essa mulher forte ainda existia, escondida em algum canto, encolhida dentro de mim. Eu só precisava despertá-lá.

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