Capítulo 42
DOIS DIAS DEPOIS
Os dias se passaram rapidamente, ao contrário do que achei que seria. Na manhã seguinte ao que aconteceu, Negan saiu do quarto antes de eu acordar e mais tarde o vi entrando no quarto com a roupa suja de sangue e seguindo diretamente para o banheiro e sabia que tinha acontecido. O irmão de Marie estava morto.
Negan não disse uma palavra sobre e eu também não perguntei; ele parecia numa guerra consigo mesmo, assim como eu. Eu também queria ver Marie, mas não agora, eu não sabia como ela me receberia.
Negan estava me empurrando toda comida que eu conseguia comer, e ele estava comigo a maior parte do tempo, mesmo que eu não conversasse com ele. Basicamente se resumia nele tentando manter uma conversa enquanto eu apenas assentia com a cabeça.
Nesses dois dias eu descobri que o que mais o desestabilizava não era discutir com ele, e sim o meu silêncio. Ele estava claramente arrependido pelo que aconteceu, mas seu arrependimento não ia mudar nada.
Me deitei no sofá, meu corpo ainda dolorido e cansado. Parecia que não importava o quanto eu descansasse, eu sempre estava cansada e enjoada.
Acordei sentindo um afago em meus cabelos e quando abri os olhos, Negan estava sentado na beira do sofá, seus dedos gentilmente esfregando meu couro cabeludo.
- Oi - ele disse com um meio sorriso que não foi correspondido por mim. Eu me sentei, puxando uma almofada para meu colo e sua mão caiu em seu colo.
Aquele silêncio denso se formou entre nós, e apesar de ser exatamente assim os últimos dias, não ajudava.
- Seu rosto está melhorando - ele disse e eu assenti. Seu rosto decepcionado não passou despercebido e ele suspirou quando ficou de pé - Quero te mostrar algo - disse e estendeu a mão para mim. Eu não a peguei e ele engoliu em seco, deixando-a cair de volta ao lado do corpo.
- Tô de pijama - avisei, fazendo um gesto para a camisola que estava vestindo e ele assentiu.
- Não tem problema. Só vai estar nós dois.
Eu não sabia se devia ficar aliviada ou sair correndo. Ele fez um gesto para que eu levantasse e colocou a mão na base da minha coluna, me guiando para fora. Eu fiquei apreensiva enquanto subia as escadas que davam acesso ao terraço e quando Negan abriu a porta, o vento fresco beijou minha pele ao mesmo tempo que minhas sobrancelhas se franziram ao dar conta do que estava ali.
Havia uma cama redonda de vime, idêntica à essas que ficam na areia em resorts de praia, cheia de almofadas, e havia também uma mesinha com uma bandeja com frutas picadas. O vento fresco bagunçava meus cabelos e eu olhei para Negan, que estava com um meio sorriso.
- O que é isso? - eu perguntei e não era o que ele esperava que eu dissesse.
- Eu fiz pra você, não sei... achei que fosse gostar - ele passou a mão no cabelo, me dando um olhar meio nervoso.
- Foi você quem fez? - questionei, tentando ocultar minha surpresa. Isso não era do feitio de Negan.
- Sim - ele concordou, mas eu não me movi de onde estava parada.
- Porque?
- Porque eu quero te ver feliz - as palavras eram hesitantes, e ele realmente parecia um ser humano carinhoso pela primeira vez em tempos. Mas eu já tinha me enganado muitas vezes, e essa seria mais uma delas.
- E você acha que uma noite bonita no terraço vai concertar tudo? - perguntei, minhas emoções aflorando, e eu não queria isso.
- Eu sei que não, sei que não é fácil assim, mas eu tô tentando - eu podia vê-lo me dando um olhar suplicante, e eu congelei, apavorada até a alma - Olha só, eu queria que fosse uma noite legal para você depois de tudo o que aconteceu, que a gente pudesse...
- Nem tudo se resolve com sexo, mesmo que a relação que tínhamos fosse baseada nisso - eu o cortei, cruzando os braços na frente do meu peito.
Ele se moveu, passando a mão pelo rosto enquanto se afastava alguns passos e ficava de costas para mim.
- Vou voltar para o quarto - avisei. Eu nem sequer o ouvi se mover, mas quando olhei para cima, ele estava parado na minha frente.
Negan me puxou para um abraço, envolvendo seus braços em volta de mim enquanto eu ficava rígida, nervosa. As únicas vezes em que ele me tocou nos últimos tempos foram para forçar-me em algum lugar ou enxugar as lágrimas dos meus olhos quando me tirou da cela. Seus braços eram fortes ao redor do meu corpo, embora os meus pendessem frouxamente ao meu lado, meu coração batendo estranhamente.
- Eu juro que vou reparar tudo o que fiz você passar - disse ele no topo do meu cabelo - Você só precisa deixar.
Eu não pude responder, o som de seu batimento cardíaco enchendo meu ouvido enquanto meu rosto descansava em seu peito, e a imagem de seu corpo quente encheu minha mente enquanto eu me perguntava como seria senti-lo mais uma vez na minha pele nua, roçando contra mim. Um desejo furioso de experimentá-lo inundou meu corpo, me deixando completamente fora de ordem.
Talvez fosse o tempo longe, talvez fosse só o desejo de tê-lo comigo como antes, sem dramas e problemas, mas eu não podia, não de novo.
- Sinto muito - eu disse e afastando-me dele, corri até a porta, ignorando suas chamadas, e corri para o quarto.
Me sentei pesadamente no sofá, não sabendo o que fazer. Eu não queria ser enganada de novo, não ia suportar aceitá-lo para que logo depois todo o inferno recomeçar de novo.
Mas outra parte dentro de mim queria isso e acreditava que Negan estava arrependido. Eu estava numa luta contra mim mesma agora e eu era a única que poderia escolher qual lado eu ia abraçar.
Negan não voltou para o quarto e eu subi novamente as escadas. Abri a porta do terraço e o vi com os braços apoiados no parapeito, olhando o céu.
Quando virou para mim, Negan pareceu pensar por um minuto, e eu vi várias emoções cruzarem seu rosto como se ele estivesse em guerra com elas. Ele se endereitou e vi seu peito subir e descer numa respiração pesada.
- Oi - eu disse sem graça e fui imediatamente para aquela cama, sentando-me contra as almofadas quando ele veio e sentou-se, deixando uma almofada vazia entre nós.
Nenhuma palavra foi dita enquanto eu olhava para o céu. A lua estava cheia e redonda como o lume de um farol, aquelas mesmas estrelas e
aquela mesma lua haviam sido minhas companheiras durante o longo tempo que fiquei vagando lá fora sozinha.
Soltei um suspiro ofegante, arrepios se formando em cada centímetro da minha pele, uma resposta a esse pensamento. Negan notou, e ele se inclinou para a frente com um brilho nos olhos, a primeira vez que ele agiu como o seu habitual desde que eu voltei.
- Está com frio? - ele questionou, inclinando-se para mim.
- Não - eu disse, esfregando meus braços rapidamente, mas ele não comprou, procurando algo entre as almofadas atrás de nós.
- Tem uma manta por aqui... - ele resmungou, procurando até que eu segurei seu pulso, dizendo que não precisava.
Um borbulhar de calor e emoção fez o meu caminho através do meu corpo e eu o soltei e balancei a cabeça.
- Isso não vai dar certo - eu me movi para deslizar para fora da cama, mas sua mão se espalmou na minha barriga, me impedindo, o tecido da minha camisola subindo um pouco e eu rapidamente a arrumei.
- Ellie, por favor - ele implorou, sua voz tão áspera quanto uma lixa, fazendo os calafrios lutarem com o calor no meu corpo - Você vai me enlouquecer se continuar assim.
Eu me encostei de novo nas almofadas, sua mão na minha barriga estava quente por cima do tecido. Negan estava ainda meio inclinado sobre mim, mas ele não falou mais nada.
- É sempre assim - eu exalei depois de um longo minuto, olhando para o céu escuro - É sempre o mesmo roteiro. Você me destrói e depois quer me ajudar a colar os cacos.
- Eu sei.
Duas palavras. Duas palavras baixas e retumbantes, e mantive meu olhar para o céu.
Naquele momento, eu sabia que teria que continuar olhando para o céu. Não havia razão para eu ter dito isso a ele, porque ele já sabia. Mas eu não tive, porque senti sua mão roçar minha mandíbula, direcionando gentilmente meu rosto para ele.
Ele estava respirando pesadamente enquanto me estudava, seu rosto estava quase tocando o meu e eu soltei um suspiro trêmulo.
- Me deixe te beijar - ele murmurou e se eu inclinasse minha cabeça um centímetro, nossos lábios se tocariam. Eles estavam formigando, latejando quando os senti se entreabrir. Perto. Tão perto, com os olhos queimando os meus.
- Não - eu consegui sussurrar em resposta, me afastando um pouco.
Eu soltei um suspiro quando ele se inclinou mais perto novamente, de modo que estávamos quase nariz com nariz. Eu podia sentir sua respiração nas minhas bochechas, seus olhos olhando nos meus. Ele estava tão perto que eu podia ver enquanto suas pálpebras tremiam ligeiramente, cada vinco em seus lábios.
- Você me quer - ele insistiu, o fogo dentro de suas palavras me fazendo contorcer internamente e quase no sentido físico - Eu posso sentir isso. Você acha que eu não posso ver?
- Eu não posso controlar o que meu corpo faz - respondi, desejando voltar ao comando de mim mesma - Mas eu posso controlar minha mente.
Ele encostou a testa na minha, sua pele quente, quase febril, mas eu coloquei as mãos em seu peito, o encarando.
- Vamos, querida - ele me pediu em uma voz sedosa, seus olhos perfurando os meus.
- O que você fez na noite que me prendeu naquela cela? - eu perguntei, minhas palavras tensas - E nas seguintes? E na de ontem, quando você levantou da cama no meio da noite, quando achou que eu estava dormindo?
Ele desviou o olhar e não respondeu. Eu soltei uma respiração profunda enquanto afundava a cabeça nas almofadas novamente.
- Quando eu aceitei esse... acordo - eu comecei - Eu não sentia nada por você. Quer dizer, eu sentia tanta gratidão, mesmo todos tendo medo de você eu me sentia segura só de pensar em você, de lembrar de que foi você quem me salvou - continuei, as lembranças me inundando.
Negan não disse nada, estava olhando para mim enquanto eu mantinha meu olhar distante por medo de que se eu o olhasse, desabaria.
- Então você pediu para que eu ficasse com você. Eu aceitei porque eu não tinha mais ninguém que eu fosse envergonhar com a minha escolha, e se eu não gostasse de como as coisas se desenrolassem eu desistiria - pontuei, usando as mesmas palavras que ele usou comigo no dia.
Então eu o olhei. Ele estava com os olhos pregados em mim, o rosto indecifrável.
- Você sempre me tratou diferente, tanto para o bom quanto para o ruim. Quando era para o bem, você me fazia sentir como se eu fosse a pessoa mais especial e quando era para o ruim, você me destruía com uma só frase: você está sozinha, você não tem ninguém além de mim.
Ele tentou falar, mas eu ergui a mão para que se calasse.
- Eu me apaixonei por você, eu te amo e não tenho como mudar isso - soltei uma respiração trêmula, deixando tudo que eu tive por tempos dentro de mim sair - Mas eu posso mudar minha atitude diante disso. Eu cansei de ser humilhada, você me faz sentir como se não bastasse. Tem ideia do quão ruim é se sentir assim? Saber que a pessoa que você ama está com outra e ter que ficar quieta porque foi você quem concordou com isso?
- Ellie... - ele tentou de novo, mas eu não deixei que falasse. Eu tinha que por tudo para fora, era agora ou nunca mais.
- Você me ameaça, ameaça quem eu amo, me faz querer fugir e me tranca numa cela como se eu fosse um animal a ser controlado. Eu só estou aqui - eu apostei ao redor - Só estou numa cama confortável olhando as estrelas porque tentaram me estuprar, caso contrário estaria lá ainda.
- Isso não é verdade - ele rugiu de repente e eu me sentei - Eu estava indo te tirar de lá quando encontrei aquele desgraçado...
- Você ia me tirar porque? Para me oprimir ainda mais? Me ameaçar mais um pouco? - eu já estava elevando minha voz e isso acabaria mal.
- Não - ele negou - Ia te tirar porque eu fui um idiota. Porque você só quis ir embora porque eu dei motivos - ele justificou, mas eu neguei.
- Eu só quero ter minha família de novo - eu sussurrei, meus olhos se enchendo de lágrimas sem permissão. Tremi de susto quando suas mãos seguraram meu rosto firmemente.
- Eu nunca te disse que não veria mais seu irmão, eu só não quero que vá embora - ele respondeu em uma voz áspera e eu inalei bruscamente - Eu sei que são sua família e eu considero isso, tanto que devolvi Carl inteiro depois de ele ter metralhado meus homens e matei o cara que queria matar Rick. Mas você, porra... você só vê o que quer. Eu não sou um monstro, Ellie.
Eu fiquei em silêncio, ele tinha um ponto verdadeiro, ele fez isso. Eu sequer me lembrei disso porque ultimamente tudo o que eu sentia por ele era raiva. Negan limpou uma lágrima quente que escorreu pelo meu rosto, dedos ásperos deslizando por minha bochecha.
- Eu não aguento mais te ver chorar - ele sussurrou. Fechei os olhos e deixei ele me puxar para perto, seu nariz tocando o meu - Mesmo que esteja magoada agora, eu já te fiz feliz, você sabe disso. A gente pode ser feliz de novo.
Negan colocou seu nariz roçando entre meus cabelos, inalando meu cheiro minuciosamente. Meus lábios tremeram ainda mais enquanto eu guerreava com meus pensamentos.
Precisava processar o que tinha acontecido e sentir que podia confiar nele com toda a força como um dia já fiz.
- Me perdoa - ele inspirou profundamente e me puxou ainda mais para perto. Era nesse momento que eu tinha que decidir; eu ainda continuo o querendo com a mesma intensidade de antes, com a mesma fé cega que tudo mudaria daqui para frente. Mas eu estava certa dessa vez?
Então, a Ellie deve perdoar o Negan?
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