Capítulo 41
A dor se espalhou pelos meus músculos enquanto meu corpo acordava. Eu não me mexi quando ouvi vozes, minhas pálpebras pesadas demais.
- ...limpei os ferimentos e tirei os pontos de seu ombro. Ela está claramente desidratada, há quanto tempo ela não se alimenta? - ouvi alguém falar e demorei até perceber que era o médico.
- Eu não sei - a voz de Negan encheu o lugar.
- Eu disse que ela não estava comendo a comida - reconheci a voz de Dwight, mas Negan logo o cortou.
- Que diabos você está fazendo aqui ainda?
Uma porta se abriu e fechou, e passos pesados se arrastaram pelo chão para perto de mim.
- O soro vai hidratá-la por agora. Quando ela acordar precisa se alimentar - Harlan avisou e ouvi passos mais perto de mim - Ela se alimenta bem? Digo, ela come saudavelmente?
- Ela tem acesso a tudo, mas não é muito de comer saudável. Na verdade ela parece a porra de uma criança... - Negan disse, mas parou bruscamente no meio da frase. Ele tossiu e logo o médico continuou.
- Ela parece ter um pouco de anemia. Não posso garantir cem por cento sem um exame de sangue, mas como isso é inviável, o que posso recomendar é pegar pesado na boa alimentação. Uma doença comum nos dias de hoje pode ser uma bomba prestes a explodir.
- Ela precisa de algo mais?
- Caminhar, tomar sol e comer bem. Vi que tem algumas vitaminas disponíveis, isso também ajudará. Vou passar uma dieta para que ela se recupere logo.
Dieta, caminhar e tomar sol? Esse cara acha que estamos num spa?
A sala ficou em silêncio, e eu podia sentir-me começar a quebrar, ouvindo demais, sentindo demais.
Meu corpo começou a tremer e eu soltei um suspiro e abri os olhos, piscando quando a luz clara me incomodou. Eu estava na enfermaria agora, deitada na cama, coberta.
A primeira pessoa que vi foi Negan, de costas. Sua jaqueta de couro estava longe de ser vista e ele não tinha Lucille. Meu peito ardeu quando ele virou e eu olhei seu rosto, linhas duras cruzando seu rosto em uma carranca.
- Olá, Ellie. Como se sente? - Harlan perguntou, colocando a mão na minha testa.
- Onde estão minhas roupas? - eu perguntei, puxando a manta em volta do meu peito quando vi que só estava usando sutiã e lembrei porque estava sem elas.
- Vá com calma - o médico disse, mas eu o ignorei e puxei a agulha do soro para fora da minha pele, deixando-a cair no chão. Limpei o pouco de sangue que saía na manta.
- Ellie, você precisa tomar o soro e descansar - ele começou a dizer, me contendo, mas Negan o interrompeu.
- Pode ir, doutor. Chamo se precisar.
Eu não o olhei, eu não consegui. Eu só queria sair correndo, mas não sabia se ia conseguir. O médico se foi e Negan parou ao lado da cama, levando a mão até meu braço.
- Não toque em mim - sussurrei com a voz carregada pelos dias chorando, enquanto me afastava dele. Eu olhei para cima, encontrando seu olhar preocupado.
- Eu sei que está chateada por tudo que aconteceu, mas você precisa... - ele começou, mas eu não dei a oportunidade para que continuasse.
- Chateada? Você acha que estou assim por que estou chateada? - eu sorri sinicamente, engolindo a bola de choro da minha garganta.
Era tão cruel ele achar que eu estava meramente chateada depois de tudo. Ele me trancou como um animal, eu quase fui estuprada e ele assumiu que eu só estava chateada?
Eu desci da cama assim que avistei uma pilha de roupas descansando na maca ao lado.
- Eu sei como está se sentindo... - ele tentou falar de novo, mas eu virei bruscamente para trás, nossos corpos se tocando.
- Já tentaram te estuprar? - eu grunhi, o rosto próximo ao dele - Alguém já esfregou seu rosto no chão e disse que você é uma puta?
Era como se mil facas estivessem sendo enfiadas no meu coração, mas eu não me permiti derramar uma lágrima. Eu não queria lembrar de tudo, mas era impossível. Era tudo culpa dele.
- Acha que vou agradecer e me sentir sortuda por você ter chegado a tempo daquele desgraçado não terminar o serviço? - perguntei, derramando toda minha dor e raiva - Você não me salvou, foi o contrário. Isso aconteceu por sua culpa.
Negan passou a mão na boca, respirando fundo, como se quisesse bloquear o pensamento e ignorar o que eu acabei de falar.
Eu comecei a mexer nas roupas, mas todas eram de homens e grandes demais. Minhas mãos estavam tremendo e eu as apertei em punho.
- Você precisa se acalmar - ele disse atrás de mim. Quando ele tocou meu ombro eu saltei como se tivesse sido queimada.
- Eu preciso me acalmar? Depois de tudo o que você me fez passar é isso que tem a dizer? - eu gritei, empurrando seu peito. Eu já não conseguia me conter, a descarga de adrenalina e a sensação de ainda estar presa me sufocavam.
Eu estava no ponto mentalmente mais baixo da minha vida desde que cheguei ao Santuário. Superava até quando eu cheguei morrendo aqui. Eu estava cansada de ter minhas emoções empurradas de um lado para o outro.
Negan não falou nada, pela primeira vez ele parecia estar vazio de palavras, e era isso. Não havia palavras nem desculpas para justificar o que ele fez e está fazendo.
- Porque você faz isso comigo? Qual é seu prazer fodido em me ver assim?
Essa era minha ruptura final, eu não suportava mais viver nisso. Cada episódio sugava o pouco de sanidade que havia restado dentro de mim.
- Me desculpe. Eu vou concertar isso - ele disse, me arrepiando pelo quão sereno e amoroso seu rosto parecia quando ele falou. Mas sua afeição vinha a um preço íngreme e perigoso.
- Não, você não vai, porque não há concerto para isso - eu passei por ele, mas seu braço me envolveu. Eu o empurrei, não querendo nenhum contato. Eu estava tão ferida e cansada disso tudo.
Mas Negan não me soltou, ele deslizou pela parede comigo até o chão, me apertando contra o peito em um abraço inquebrável enquanto eu me debatia e o empurrava para que me soltasse.
- Me deixa concertar isso - ele pediu, mas eu balancei a cabeça.
- Você está me destruindo.
- Me desculpe - ele sussurrou contra meus cabelos, e eu desisti de lutar contra.
Relaxei meus músculos doloridos, meus dedos agarrando o tecido de sua camisa branca; isso era tão errado, mas eu senti tanta falta dele. Do seu conforto, de suas palavras gentis, do calor dos seus braços que me fazia sentir em casa. Mas seguido disso, suas palavras e atitudes ruins me tomaram.
- Eu não ia fugir - eu funguei, minhas lágrimas molhando sua camisa - Eu ia insistir em te fazer ver o meu lado, mas você estava ocupado demais fazendo sexo no seu escritório - eu informei com a voz rachando - Então eu decidi ir. Eu não ia machucar ninguém, eu só queria ir embora.
- Shhh, isso já passou - ele me abraçou mais forte - Não importa mais agora.
Senti meus olhos se rasgando em lágrimas quando as pontas dos dedos ásperos de Negan pressionaram o lado do meu seu rosto. Eu olhei para cima, nossas respirações se misturando.
- Você diz isso agora, mas quanto tempo vai levar até fazer isso de novo? Eu não confio mais em você - eu murmurei em uma voz áspera, e eu podia senti-lo endurecer um pouco.
- Acho que vamos ter que aprender a confiar um no outro novamente - as cerdas de sua barba estavam roçando em minha pele, e seu cheiro me cercava.
Devagar eu me desprendi dele e me sentei no chão, de costas.
- Volte para cima comigo - disse ele, tentando me virar para ele - Vamos conversar.
Quando eu o enfrentei, seu rosto estava mais suave do que eu pensei que seria e ele limpou as lágrimas das minhas bochechas.
- Eu vou dar um jeito de compensar o que fiz, você só precisa me dar uma chance.
Eu olhei para cima e soltei uma risada nasalada.
- Não tem como compensar ou concertar, você não vê? - eu tive que me esforçar para não gritar - Olha o que você fez comigo.
Parecia até uma piada ou um capítulo ruim descartado de um livro. Eu e ele, sentados no chão da enfermaria enquanto ele tentava me convencer que tudo isso poderia ser superado.
- Não haja como se eu tivesse feito tudo o que fiz simplesmente por ter acordado num dia ruim. Você me deu motivo.
- Um motivo que quase me fez ser estuprada por um de seus homens. Você quer ter razão sobre isso? Eu mereci?
Eu estava chorando de novo. A cena ainda era fresca demais e eu estava tremendo.
- Você não mereceu nada do que aconteceu - sua voz era firme, mas ainda suave, quase um sussurro, e senti ele se inclinar para mim - Eu fiquei louco e não soube lidar com a situação. Você ia fugir, porra.
- E você se perguntou por que?
- Eu sei o porque - ele respondeu calmamente.
Eu não tinha certeza do que responder, não sabia o que dizer, então continuei a olhar para o concreto cinza, vendo única rachadura no tijolo que ficava logo acima da bancada de remédios.
- Vou subir e pegar algo para você vestir. Prometa que vai ficar aqui - ele disse e isso me fez encará-lo. Eu neguei.
- Eu não vou subir com você. Não até me dizer porque me disse tudo aquilo e agora está agindo como se importasse comigo.
Ele riu, mas não porque achou graça, parecia que ele não sabia como lidar comigo agora.
- Eu me importo, esse é o problema.
Essa foi minha vez de rir. Isso era tão distorcido e sem sentido.
- Então alguém quase me estuprar foi o gatilho que você precisava para descobrir que me ama? - eu perguntei, exasperada.
Silêncio.
Não houve som nenhum quando Negan desviou o olhar do meu, me dando minha resposta.
- Tudo bem, você não precisa mentir. Pelo menos nisso você é honesto, nunca mentiu para mim.
Eu me forcei a levantar do chão, essa conversa tinha chegado ao fim. Negan fez o mesmo e me pegou pela cintura, me colando de pé. Quando dedos grandes roçaram meu cabelo, puxei minha cabeça para longe deles.
- Eu me preocupo com você e eu sinto muito pelo que aconteceu - ele proferiu suavemente, mas no fundo havia um desgosto em seu tom.
- Quem se preocupa não faz o que você faz - eu disse e interrompi o caminho de sua mão quando ele ia me tocar. Ele não se importou e eu balancei a cabeça, sabendo que ele podia ver, e senti seus lábios pressionados contra a minha testa antes de seus dedos se enroscarem no meu cabelo.
- Só suba comigo, me deixa cuidar de você, tentar contornar essa merda toda - ele pediu, o rosto descansando contra minha cabeça - Não precisa ser como antes, como homem e mulher, só quero cuidar de você.
E se essa fosse a última tentativa que eu tivesse? Era isso que eu queria fazer antes de tentar fugir. Talvez agora eu finalmente tivesse conseguido, mesmo que fosse decorrente a um evento ruim.
Eu levantei minha cabeça para olhá-lo, os fios do meu cabelo enganchando em sua barba. Ele os tirou, empurrando para trás da minha orelha quando eu assenti.
- Tudo bem.
O alívio em seu rosto foi nítido e ele relaxou os ombros, respirando fundo.
- Vou pegar algo para você vestir - Negan avisou e num gesto natural me colocou sentada sobre a cama da enfermaria - Me espere aqui.
Ainda estava deitada na cama, com os olhos fechados, mas a mente correndo, incapaz de relaxar completamente quando a porta finalmente se abriu.
Negan entrou com um roupão na mão e eu me sentei, tirando a manta de cima de mim quando ele me entregou a peça.
- Você vai querer tomar um banho quando subir, então não vai precisar ter o trabalho de se vestir - ele avisou.
Eu o vesti e Negan se agachou e colocou o primeiro par de meias no meu pé. Meus joelhos estavam esfolados e um arrepio ruim subiu pelo meu corpo quando lembrei do que aconteceu comigo.
- Vou pegar uma pomada para passar nisso, ok? - ele disse quando percebeu. Seus movimentos estavam desajeitados como eu nunca vi, e o nervosismo que ele emanava me atingiu também.
Negan se levantou e começou a procurar algo na prateleira de remédios perto da porta.
- Você vai matá-lo? - eu perguntei e seus dedos pararam de mexer nas caixas e cartelas, e ele ficou tenso.
- Sim - disse e pegou algo na mão, voltando a minha frente - Você usa depois do banho - avisou quando me entregou o tubo de pomada.
- Ele é irmão da Marie - eu falei, sentindo o peito apertar. Ela não merecia o que ia acontecer. O irmão dela era um monstro, mas ainda era sua única família.
- Não importa - Negan respondeu secamente, pegando o tubo da minha mão e guardando no bolso da calça.
- Eu sei, eu só... - eu não consegui completar. Ele estreitou os olhos para mim, seus olhar correndo por todo meu rosto.
- Você está com pena daquele monte de lixo? - indagou, incrédulo - Depois do que ele te fez?
- Eu sei, eu sei - eu balancei a cabeça, meus olhos em brasa - Só estou pensando em Marie. Ela vai ficar sozinha.
- Ela vai ficar melhor sem ele, além do mais não é como se eu fosse expulsar ela daqui pelo que o irmão dela fez. Ela vai continuar vivendo como sempre, só sem um estuprador andando pelos corredores.
Negan não matou ele na hora porque o faria na frente de todos, fazendo-o de exemplo. Antes que ele se afastasse, o segurei pelo pulso.
- Prometa que não vai deixar que ela veja - pedi. Era a única coisa que eu poderia fazer para ela. Negan assentiu.
- Tudo bem.
Tudo em seu quarto estava do mesmo jeito de quando eu vi pela última vez, até minhas roupas acumuladas na poltrona estofada perto da cama pareciam não ter sido tocadas. Parecia que ele não tinha entrado aqui ou pelo menos não ter mexido em nada.
Abaixei a tampa do vaso e sentei, observando Negan começar a encher a banheira. Ele jogou um líquido transparente e um cheiro de laranja invadiu o ar quando ele fez espuma na água.
- Leve o tempo que precisar. Estou esperando lá fora - ele avisou.
A ardência nos machucados na minha pele se fez presente no momento que eu submergi na água. Doeu terrivelmente, mas foi temporário e eu encostei a cabeça na banheira e fechei os olhos.
Quando terminei e vesti um pijama, passei a mão no espelho para desembaçar. Meu rosto estava machucado e esfolado, e onde haviam pontos no meu ombro agora era uma cicatriz vermelha.
Quando saí do quarto e entrei na sala, senti cheiro de comida, que fez meu estômago se revirar mas ao mesmo tempo ter vontade de comer. Negan estava no canto da sala falando no rádio e ele apontou para a mesa.
Descansando sobre a mesa de jantar havia uma vasilha branca fumegante com um monte de verduras boiando em algo que deveria ser uma sopa e uma garrafa de água ao lado.
- Algo leve para não pesar muito no seu estômago - Negan disse quando eu me sentei e mexi na sopa com a colher - Sei que não gosta, mas você está com...
- Eu sei, ouvi vocês dois falando - eu o cortei e abri a garrafa de água - Eu vou comer, não se preocupe.
Ele assentiu e deixou o rádio na ilha da cozinha.
- Vou tomar um banho enquanto isso - avisou. Ele sumiu para dentro do quarto e eu comecei a comer, me esforçando para comer o máximo que consegui. Eu não podia estar doente agora, mas eu estava e isso me assustou.
Entrei no quarto a tempo de ouvir o chuveiro ser desligado e segundos depois Negan saiu do banheiro usando uma cueca e secando os cabelos. Ele me deu um pequeno sorriso e eu desviei o olhar, correndo os olhos pela cômoda, não encontrando a pomada que ele trouxe.
- Onde está a pomada? - perguntei e ele andou até a mesa do quarto, ao lado do sofá e pegou o tubo.
- Eu faço - ele avisou e fez um gesto para eu me sentar no colchão.
Ele agachou na minha frente e abriu o tubo, o espremendo para que uma pasta transparente saísse. Ele passou com cuidado em cada machucado e arranhão das minhas pernas e braços.
Eu não olhei para seus olhos porque sabia que estava me olhando, mas foi impossível não fazer quando ele ficou de pé e segurou meu queixo, passando sobre o machucado do meu rosto.
- Eu sei que nada que eu faça vai fazer o que aconteceu ser apagado da sua mente, mas eu vou fazer o possível para que sim - ele continuou aplicando a pomada, mas eu não disse nada, então ele me chamou - Ellie?
Eu definitivamente não estava tendo uma conversa assim agora. Ainda parecia que eu estava vendo tudo por um vidro, eu não tinha forças para discutir, não hoje.
- Eu vou dormir - eu me afastei dele, engatinhando para cima da cama até me deitar em uma extremidade, de costas para ele.
Logo senti o colchão afundar e Negan me cobriu, deslizando para trás de mim.
- Tudo bem se eu te abraçar? - ele perguntou, sua voz aveludada e quente.
- Não - eu sussurrei de volta. Eu não queria ninguém agora, ou pelo menos me tocando. Tudo estava girando na minha mente e eu tinha que estabilizar tudo, mesmo sabendo que não ia ser num piscar de olhos.
Negan se deitou sem me tocar e eu adormeci mais rápido do que pensei que conseguiria depois de tudo.
Alguma ideia do que acontecerá nos próximos capítulos?? Beijossss
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