Capítulo 33
Acordei sozinha, apenas com um bilhete no colchão ao meu lado.
Estou fora. Coma e tome seu remédio. Não faça merda, volto logo.
Negan.
Havia um suco, frutas e pão na mesa da sala quando sai do quarto e eu comi. Meu curativo estava sujo de sangue e eu desci até o andar da enfermaria para Carson me dar algo para que eu limpasse isso sem precisar dele.
Os corredores estavam silenciosos como nunca antes, e eu vi apenas dois homens no meu caminho até a sala de Carson. Dei duas batidas na porta e ninguém abriu, então girei a maçaneta, mas estava trancada.
- O que você quer? - a voz de Dwight falou atrás de mim e eu pulei. Ele estava com um pequeno curativo na testa e com cara de poucos amigos. Não precisei perguntar o que havia acontecido, era nítido que era por causa da fuga de Daryl.
- Você sabe se Carson pode me atender agora? - perguntei, ignorando o sentimento de culpa por vê-lo assim.
- Não ficou sabendo? - ele perguntou com uma cara que me deixou culpada antes mesmo de ele continuar, e eu tive medo de perguntar o que - Negan descobriu que foi ele quem ajudou Sherry a fugir e o jogou na fornalha. Foi um show logo pela manhã, devia ter visto - ele disse como piada, mas havia tanto desgosto em sua voz quanto o choque em meu olhar pelas palavras.
Negan matou o médico.
- Não foi o Carson - eu pensei alto, ainda sem acreditar. Dwight deu um passo para mais perto e eu achei que ele fosse me engolir com o olhar.
- Não, foi você - ele cuspiu com raiva - Não devia ter feito isso. Quando Negan os pegar, vamos vê-los morrer na nossa frente.
- Ele nunca vai pegar nenhum deles - eu acreditava nas minhas próprias palavras, mas a forma como ele me olhava me arrepiou.
- Ele sempre consegue - Dwight disse antes de se afastar, me deixando com medo de ter feito a coisa errada.
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Já passava do meio dia quando Negan voltou. E ele não veio sozinho. Um homem meio loiro e com o rosto assustado estava ao seu lado quando eu entrei no escritório onde Dwight me trouxe depois de dizer que Negan estava de volta e queria me ver. O homem estava claramente deslocado e Negan o apresentou.
- Ele é o nosso novo médico - Negan fez um gesto para que ele se apresentasse e ele nervosamente estendeu a mão para mim.
- Sou Harlan Carson - ele apertou minha mão e eu o cumprimentei.
- Ellie Grimes - eu disse meu nome e eles assentiu, parecendo me reconhecer.
- Você é a irmã do Rick - ele constatou e Negan riu, passando o braço pelas minhas costas.
- Está vendo, doutor? Estamos todos do mesmo lado, somos todos uma família - ele disse sorrindo e olhou para Dwight.
- Mostre o lugar onde o doutor vai trabalhar e o deixe por dentro de tudo - Negan ordenou - Mais tarde Ellie vai vê-lo para uma consulta - avisou antes dos dois homens saírem e fecharem a porta.
- Da onde você tirou outro médico? - eu perguntei quando virei para ele.
- De uma das comunidades - ele deu os ombros - Essa foi a primeira vez que você disse seu nome completo - comentou quando se encostou na mesa, me puxando junto pela cintura - Ellie Grimes. Soa bem.
Ele falou como se precisasse que eu dissesse algo sobre isso. Um sorriso de brincadeira em seus lábios sugeriu que ele já sabia o que estava passando por minha cabeça, mas decidi fazê-lo de qualquer jeito.
- Não há porque esconder nada agora, não mais.
- Uhum - ele murmurou roucamente e uma das mãos subiu por minhas costas - Eu passo algumas horas longe de você e parece que foram dias - ele suspirou e depois tocou meus cabelos, cheirou-os e me abraçou, beijando carinhosamente meu ombro machucado - Você vai ficar com uma cicatriz de garota má.
Dei um meio sorriso e soltei uma respiração instável. Ele olhou para baixo, sorriu e roçou o nariz em meu pescoço.
- Passei a manhã toda pensando em como queria estar aqui com você, sentindo seu cheiro, seu gosto - ele pontuou cada palavra com um beijo molhado em meu pescoço, fazendo meus pelos se arrepiarem - Você sempre sabe como fazer com que eu me sinta melhor.
Sua boca procurou a minha, ansiosa num beijo quente, sem me dar tempo para pensar. Passei os dedos entre seus cabelos, correspondendo como sempre, mas no fundo uma voz gritava para parar, e foi o que eu fiz. Com as mãos em seus ombros eu afastei a boca da dele, mas Negan me puxou de volta.
- Shhh... não precisamos fazer nada. Só quero te beijar - ele pediu e me beijou de novo.
Seu cheiro acariciava seus sentidos, enquanto sua boca se movia sobre a minha, devorando-me, minha mente girava. Eu deveria estar lutando para ele se afastar, resistindo, mas o calor de seus braços era tão familiar, tão forte e reconfortante, que tudo o que eu queria era se entregar àquela sensação.
Mas eu me afastei e limpei a garganta, pondo alguns pés de distância entre nós.
- Desculpa, eu não estou me sentindo bem - era mentira, eu sabia e ele sabia, mas como sempre quando eu dizia para parar, ele não insistia. Ele ficou onde estava e seus olhos se estreitaram.
- Tem certeza que é só isso? - a pergunta veio acompanhada daquela inclinação de cabeça, me estudando - Me contaria se houvesse algo que eu precisasse saber, certo?
Negan olhou para mim de um jeito que fez com que a minha boca secasse e o meu coração acelerasse.
- Claro.
- Isso é estranho, porque estou sentindo que há algo pairando aqui - ele se desencantou da mesa e ficou na minha frente.
Eu odiava sentir essa pressão. Odiava mentiras e isso era tudo o que eu fazia agora.
- Eu levei um tiro dias atrás, perdi sangue e a única coisa que você pensa é em quando eu vou estar bem para trepar com você - eu cuspi e dei as costas, querendo sumir de suas vistas.
- Não aja assim - ele me puxou, segurando-me pelo cotovelo. Eu respirei fundo, esperando a gritaria começar, mas ele só tocou meu rosto para que eu encontrasse seu olhar - Eu me preocupo com você. Quero que confie em mim para falar qualquer coisa.
Um dia eu confiei nele plenamente. Hoje eu só sabia ocultar sentimentos que poderiam ser usados contra mim. Mas agora o olhando assim, sua expressão não parecia nem um pouco mentirosa. Talvez eu estivesse ficando louca. Dei um passo para trás, deixando sua mão cair de meu rosto.
- A única pessoa com qual você se importa é com você mesmo - eu murmurei antes de sair dali o mais rápido possível.
.
- Oi, Ellie! - uma voz feminina me parou nas trilhas quando eu já havia descido alguns lances de escada. Virei para ver Marie com uma cesta nas mãos. Respirei fundo e tentei por um sorriso no rosto.
- Oi, Marie.
Ela veio até mim e seu olhar voou para meu ombro.
- Soube o que aconteceu. Como se sente?
- Estou bem - assenti e ela também, colocando um par de fios de cabelo para trás e levantou a cesta.
- Quer algumas frutas? - ela perguntou - Chegaram hoje.
Ela era tão legal que eu não pude dizer não e peguei uma maçã e coloque no bolso do casaco.
- Então, como você está depois do que aconteceu? Sei que não era amiga dela, mas uma morte é sempre uma perda - ela disse tristemente e eu franzi o cenho, não entendendo.
- Do que você está falando?
- De Sherry - ela disse com pesar - Ela fez a escolha errada, mas Dwight ter que matá-la...
Eu engoli em seco, sabendo que era mentira. Eu vi Dwight depois disso e se ele tivesse a matado, não estaria tão normal como estava. Ele disse isso para que ela tivesse a chance de fugir.
- Ela soube o que a esperava quando fez a escolha dela - e disse e ela concordou.
Agradeci a Marie e continuei descendo. Não sei se era o nervosismo ou a ansiedade, mas a medida que eu descia os degraus, eu me sentia enjoada e tonta. Eu apressei o passo para chegar no corredor que sabia que havia um banheiro, mas esbarrei em alguém em uma esquina e coloquei tudo para fora ali mesmo.
- Que porra - ouvi alguém xingar enquanto eu vomitava, o que um dia foi minha refeição saindo pela minha boca, queimando minha garganta e respingando em minhas roupas.
- O que você tem? Tá passando mal? - Era Dwight. Eu limpei a boca com as costas da mão e levantei o rosto para vê-lo meio desesperado.
- O que você acha? - ironizei e outra onda de enjôo me atingiu, mas eu não tinha mais nada para vomitar.
- Vou te levar no médico, ele já está na sala dele - ele disse e eu não fui contra, só queria algo que fizesse isso passar.
Minha cara devia estar uma merda, porque assim que cheguei, o médico arregalou os olhos.
- Aconteceu algo? - ele perguntou de pronto, fazendo um gesto para que eu me sentasse e eu olhei para Dwight, que estava ao lado. Ele deu os ombros, se encostando na parede.
- A ordem é para não deixar ninguém sozinho com o doutor por enquanto.
Eu revirei os olhos e me sentei.
- Eu só preciso de algo para o estômago, talvez um antiácidos - pedi.
- Certo, o que aconteceu aí? - ele perguntou, apontando para meu ombro enfaixado.
- Levei um tiro.
- Está tomando algum medicamento? - questionou e eu disse o nome do remédio. Ele arqueou as sobrancelhas - Você está tomando isso? - ele perguntou com surpresa - É forte demais para um ferimento desses.
- Bom, eu não entendo nada disso, então só fiz o que médico disse.
- Você tem que parar de tomá-los. Estão agredindo seu organismo, por isso se sente tão mal - ele começou a mexer no armário de remédios e tirou dois frascos de lá - Esse para a dor - ele mostrou o frasco menor e depois o outro - Esse para o enjôo. Ficará tudo bem quando o outro remédio sair completamente do seu sistema. Posso dar uma olhada no ferimento se quiser - ele se ofereceu, mas eu neguei.
- Não precisa, obrigado - levantei e Dwight se desencantou da parede. Eu só queria escovar os dentes e tomar um banho para me livrar desse cheiro de vômito.
- Vou avisá-lo que você passou mal - Dwight disse quando saímos da sala.
- Não perca de tempo, ele não se importa - eu disse antes de me dirigir para as escadas, não sabendo quando Negan ia parecer lá em cima, fingindo preocupação.
Eu não precisei esperar muito, porque quando eu sai do banho, Negan estava me esperando.
- Você está bem? - ele perguntou, com uma voz irritada, que só levantou mais meu desgosto - Desde quando você não avisa quando passa mal?
- Eu estou apenas cansada - menti - Eu descobri que Sherry está morta, assim como o médico que me salvou.
- Oh, pelo amor, porra - ele criticou e tirou a jaqueta, a jogando de lado - Ele deixou escapar um fodido prisioneiro, alguém que poderia ter matado dezenas de pessoas. Eu só deveria deixar isso impune? - Negan dirigiu-se para mim, praticamente entrando em meu rosto - E quanto a Sherry, ela trouxe isso para si mesma. Ela estava perfeitamente segura aqui, e ela escolheu fugir.
Eu dei uma risada nasalada por tão sem sentido ele era.
- Isso é uma prisão disfarçada.
Os olhos dele se estreitaram de raiva, porque era a verdade com a qual ele não podia discutir. Inclinando-se ainda mais perto, a raiva e a superioridade em seu olhar eram inconfundíveis.
- Você está começando a esquecer seu lugar.
Engoli em seco. O nó na garganta é como uma bola de fogo quente e furiosa, mas, ainda assim, engulo e continuo.
- Esqueci que a única coisa que você espera que as mulheres façam é abrir as pernas, não argumentar.
Eu podia ouvi-lo respirar pesadamente enquanto eu tirava um jeans e uma camiseta preta, entrando rapidamente neles. Quando eu terminei, ele ainda estava de pé com os punhos apertados.
- Ellie - ele chamou e eu me surpreendi por quão calma era a voz dele, mas no fundo, eu sabia que ele estava se segurando. Talvez fosse a hora de ver até onde ele aguentaria fazer seu teatro - Onde você pensa que vai? - ele me puxou de volta quando tentei passar e eu o empurrei com força, fazendo-o tropeçar para trás. Ele só não caiu porque se apoiou contra a cômoda.
- Não toca em mim - vociferei. O brilho frio ainda estava focado em mim e eu estava tão assustada que eu lutava para fazer frases adequadas.
- Você não vai a lugar nenhum. É melhor parar antes que se machuque - ele avisou, mas eu estava com muita raiva para parar.
- Vá matar alguém ou transar com alguma das mulheres que não estão nem aí para você - eu cuspi, mas ele não me deixou passar quando tentei novamente.
- É sobre isso então, ciúmes? - ele sorriu.
- É sobre dignidade e humanidade, coisas que eu perdi quando aceitei ficar com você - eu estava sentindo as palavras presas escorrendo de mim, pressas tempo demais, e eu não sabia se estava preparada para o resultado.
- Veja, eu não dei nenhum ataque quando você estava chapada de morfina, chamando Daryl e dizendo o quanto o amava - ele cantarolou e eu eu congelei quando ouvi isso - Sabe de qual parte eu gostei mais? Você tem que sair daqui antes que ele volte. Ele no caso sou eu, certo?
Eu não respondi. E se eu tivesse dito algo mais? Se tivesse dito que fui eu quem ajudou? Negan deu um passo para mais perto.
- Era comigo que você falava, não com Daryl. Era eu quem estava cuidando de você, não ele - sua carranca logo foi substituída e ele sorriu aquele sorriso louco, abrindo os braços - Mas você não se importa, não é? Você reclama tanto de mim, mas ignora o que eu estou tentando fazer.
Ele deu as costas, passando a mão no rosto. Talvez eu pudesse resolver isso conversando. Ele não estava gritando, estava falando normalmente mesmo que quem estivesse surtando fosse eu. Não tive tempo de articular nada, porque ele logo voltou a me encarar.
- Não foi sua família quem te ajudou. Mas foi graças a sua família que você levou um tiro. Comece a colocar as coisas na balança e veja quem realmente se importa com você.
- O que você quer de mim? - eu não me movi e nem ele. Parecia haver algo entre nós, impedindo de ir um ao outro.
- Quero que volte a ser a Ellie que eu conheci. Eu não mudei, sou o mesmo de sempre. Já você... - ele não completou. Eu me senti orgulhosa de não chorar, mesmo que por dentro estivesse desabando - Tente ver meu lado pelo menos uma vez.
Para minha surpresa, ele pegou a jaqueta e saiu sem dizer mais nada. Sentei na cama, com a cabeça entre as mãos.
O plano era tirar Daryl daqui, dar um jeito de fugir também e voltar para Rick. Mas o que aconteceria depois? Talvez meu lugar não fosse mais com eles. Minha casa era aqui, por mais contrário que parecesse. A verdade era que eu não sabia que rumo seguir.
Eu poderia tentar me esforçar para ver o lado dele. Se fosse Negan que tivesse atacado Rick antes, ele também retalharia. Talvez se eu conversasse com ele, realmente conversasse, as coisas mudariam. Negan no fundo era alguém bom, ele tinha que ter algo bom e ele gostava de mim. Eu tinha que dar uma chance a isso. Eu só o estava chutando e não era assim que se resolvia os problemas, eu me sentia culpada por tê-lo tratado mal. Ele não enlouqueceu como sempre fazia, tentou conversar e eu o empurrei para longe.
Fiquei horas olhando as paredes cinzas do quarto e finalmente decidi o que fazer. Eu ia procurar Negan e dessa vez íamos ter uma conversa real, sem ninguém gritando ou qualquer coisa. Ele tinha que me ouvir e ponderar. Era isso ou eu seguiria com o que tinha em mente.
- Ei, Simon - eu chamei antes que ele virasse no corredor. Ele me olhou e deu aquele sorriso maníaco.
- Olá, coisa bonita. Como está seu ombro?
- Melhor. Viu Negan?
- Está no escritório - ele disse e eu agradeci, já saindo - Ele está ocupado - ele gritou atrás de mim.
- Vai ser rápido. Obrigado - falei por cima do ombro.
Esse andar era sempre silencioso e meus ouvidos ficaram atentos quando ouvi um grito seguido de um gemido estridente. A porta do escritório estava com uma pequena fresta e a primeira coisa que eu notei foi um cabelo ruivo. Frankie.
Ela estava com as costas pressionadas na parede e com uma perna serpenteada na cintura de Negan enquanto ele a fodia. Os dois estavam totalmente vestidos, ela somente com o vestido levantado até a cintura e ele com as calças abertas o suficiente.
Senti uma pontada de traição e vergonha. Traição? Que piada. Eu sabia que isso acontecia, mas eu nunca tinha visto. Era como se um véu tivesse sido retirado dos meus olhos, me mostrando a realidade crua e suja do que ele era. Ou de quem eu era. A mulher que se prestava a estar com um homem assim.
Ele era uma farsa. Mentia descaradamente mostrando o que eu queria ver e no minuto seguinte estava com outra. Ele sempre esteve com outras. Ela se agarrava nos ombros dele, pedindo para ir com mais força, cada gemido destruindo um pouco da dignidade remanescente dentro de mim. Quando ela segurou o rosto dele entre as mãos para que olhasse em seus olhos, ele tirou as mãos dela e a virou com o rosto contra a parede, voltando para dentro dela. Pisquei, afastando as lágrimas e sai dali, sabendo o que tinha que fazer. E dessa vez eu não ia voltar atrás.
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