Capítulo 20

Pela manhã, Negan disse que voltaria para me levar até Daryl novamente. Eu apenas concordei, o que mais eu podia fazer? Qualquer coisa para tirar Daryl dessa situação, meu cérebro gritou. Talvez eu estivesse hesitando porque era uma pessoa ruim e estava se tornando perdida dentro da habilidade carismática de Negan, em seu mundo distorcido de caos, prazer e crueldade.

Passei a manhã sozinha, pensando em uma forma de argumentar com Negan caso Daryl não aceite a proposta - o que era certamente o que aconteceria.

Eu conhecia Daryl como a palma da minha mão, ele pode ter mudado depois de todos esses anos, mas ele ainda era o cara que não baixava a cabeça para ninguém. Eu não era diferente, mas mudei. O mundo, o sofrimento e a solidão me moldaram uma pessoa totalmente diferente da que fui quando tinha minha família. Esses anos sozinha sugaram toda minha bravura, me deixando num estado vulnerável.

Mas agora, vendo como Daryl estava sofrendo, como meu irmão estava sofrendo, eu não consigo mais lidar com essa bagunça. Eu não posso estar do lado de uma pessoa que machuca as pessoas que eu amo, assistir tudo de camarote sem interferir. Mas eu também não poderia virar as costas para Negan depois de toda ajuda que recebi.

Hoje eu conversaria com Daryl e se ele não aceitar a proposta de Negan, eu já sabia o que faria. Eu tinha apenas uma carta para jogar e esperava que fosse o suficiente.

Para alguém que vê a situação do lado de fora, pensaria que eu estou louca. Como você está com alguém que faz a vida das pessoas um inferno? Eu sei a resposta, e ela é contraditória. Para alguém que queria ser psicóloga, eu estava me tornando minha própria paciente. Eu sabia o que tinha, mas não como superar isso. Era como areia movediça, cada vez que eu me mexia, eu afundava mais.

Duas batidas na porta do meu quarto me fizeram ficar de pé num pulo, era Negan para me buscar para falar com Daryl. A porta do meu quarto se abriu e eu me surpreendi ao ver Sherry.

- Oi - ela começou, fechando a porta com cuidado. Eu franzi a testa olhando sua expressão.

- Oi - disse meio hesitante. Ela se sentou na minha cama, apoiando as mãos nas coxas.

- Você foi ver sua família?

Lembrar de ontem cortava meu coração. O olhar de Rick, de Carl, o jeito como ele estava, tenso e desesperado...

- Sim.

- Então?

- Eu não sei - o que eu diria? As lembranças do meu irmão, de Daryl, dos Salvadores aterrorizando as pessoas me sufocaram.

Eu não sei porque eu falava com ela, eu e Sherry nunca fomos uma com a cara da outra, do mesmo jeito como eu não ia com a cara de Dwight, agora ainda menos com o que ele está fazendo com Daryl. Mas ela parecia realmente preocupada com ele. Daryl a ajudou quando ela tentou fugir e ela e Dwight passaram a perna nele. Não sei se ela se sentia culpada ou que tipo de sentimento era esse, mas algo ela sentia.

- Ele vai me deixar falar com Daryl de novo... tentar convencê-lo - falei, por fim.

- Ele ainda está com Daryl... Negan não vai soltá-lo e Daryl não vai ceder - ela disse, um pouco aflita.

- Ele vai concordar. Eu vou falar com ele e ele vai.

Eu sabia que ela estava certa, mas não queria acreditar. Eu queria pensar que ele ia aceitar e tudo ficaria bem, mas eu sabia que não.

- Você sabe o que você precisa fazer. Você não é fraca - ela repetiu a mesma coisa que disse na nossa última conversa.

Porque diabos ela ficava repetindo isso? Ela sequer me conhecia. Mas eu sabia porque.

- Você está falando isso para eu me revoltar, fazer merda e me dar mal. Você nunca gostou de mim Sherry. Para de fingir que se importa - cuspi.

Ela balançou a cabeça, levantando e se virando para sair. Ela parou antes de abrir a porta, virando novamente.

- Eu tenho pena de você, porque você gosta dele. E de alguma forma doente ele também gosta de você.

- Eu não preciso da sua pena. Eu não preciso de nada de nenhuma de vocês - disse entredentes, a raiva borbulhante em minhas veias.

- Quando você vai entender que nós não somos o inimigo? - perguntou, gesticulando ao redor - Você está descontando na pessoa errada.

- Porque você se importa?

- Porque eu ainda queria ter uma família para poder lutar - ela suspirou, passando a mão no rosto - Sabe o que dizem? O sangue é mais grosso que a água.

Isso me desestabilizou. Família sempre vinha primeiro.

- Daryl está tentando fugir agora - ela disse, me fazendo arregalar os olhos.

- O quê?

- Negan... ele está manipulando tudo para Daryl achar que pode fugir... - eu não esperei ela terminar de falar.

Eu desci as escadas, correndo e com a raiva e adrenalina correndo também em minhas veias como fogo. Eu sabia o que tinha que fazer. Eu tinha que achar onde Daryl estava, impedi-lo de tentar fugir, isso só pioraria as coisas.

Eu não o achei em lugar nenhum, nem achei Dwight. O desespero me me tomou quando eu olhei para fora por entre o vidro de uma das portas e vi Daryl com Negan, cercado por vários homens. Não...

Eu explodi porta afora, chamando a atenção para mim. Negan me olhou e antes de eu chegar a Daryl, ele fez um gesto e os homens começaram a bater nele.

- Não! - gritei, tentando ir até Daryl, mas Negan estava me puxando para dentro. Olhei por cima do ombro, desesperada e impotente, vendo Daryl apanhar enquanto eu era arrastada para dentro.

- Você não pode! Você não pode fazer isso com ele, você disse que não o machucaria! - gritei, mas me encolhi quando Negan me empurrou para dentro de uma das salas, fechando a porta com um estrondo.

- Abaixa a voz - ele rosnou, o rosto colado ao meu enquanto me mantinha perto segurando meu braço - Não estou no clima para suas gracinhas.

- O que você está fazendo? Você disse que não iria machucar Daryl! - eu gritei, puxando meu braço de seu aperto. Eu cambaleei para trás, vendo seu rosto retorcido em fúria.

- Eu não disse porra nenhuma. Eu posso fazer o que eu quiser, até onde sei, sou eu quem mando aqui - ele colocou o bastão em cima da mesa de metal que havia ali.

- Você disse! Disse que eu poderia convencê-lo, você mentiu para mim - minha voz saiu arrastada - Eu estou te implorando. Deixe-o livre.

- Só depende dele. Basta ele aceitar.

- Ele não vai aceitar... - fui cortada antes de terminar.

- Acha que Daryl faria o mesmo por você? Acha que ele estaria implorando para mim se fosse você lá? - indagou, mas eu não respondi, reunindo palavras.

- Não importa o que ele faria, não faz diferença agora - murmurei, secando os olhos e ele fez uma careta de deboche.

- Não importa? Isso é bom, você não vai sofrer quando Lucille descer sobre a cabeça dele essa noite.

- Você não toca nele! - meus punhos voaram enquanto eu desferia golpes nele até que ele me pegou pelos pulsos, empurrando-me contra a parede e prendendo meus braços sobre minha cabeça enquanto eu lutava.

- Já chega - ele rosnou enquanto eu lutava para libertar as mãos. Olhando para os olhos de Negan, eu podia ver que ele estava furioso e eu lentamente fiquei imóvel, embora minha respiração permanecesse pesada.

- Eu vou te soltar, mas é melhor que você fique no controle de suas emoções - ele avisou - Eu sei que você está nervosa, mas essa é a maneira errada de conseguir o que você quer.

Ele me soltou e eu me afastei dele.

- Porque você está fazendo isso? - indaguei com raiva - Você prometeu que não o machucaria.

- Daryl me irritou - ele deu os ombros enquanto sorria - Só estou dando um empurrãozinho para ele decidir de uma vez.

Ele falava disso com tanta naturalidade, como se estivesse comentando sobre o clima. Era uma vida, a vida de Daryl mas ele não se importava. Porque se importaria?

- Eu te odeio - eu disse isso com tanta amargura que não pude olhar para ele. Eu o ouvi rir, e caminhando para perto de mim.

- Não, você não odeia. Venha aqui - ele abriu os braços, vindo para me abraçar.

- Não - eu estalei e sai bruscamente de perto dele - Estou cansada de você fazer isso.

- O que?

- Me falando todas essas coisas e depois apenas... apenas agindo legal e tentando me abraçar. Você não vê quem está me machucando?

- Estou machucando Daryl, o que não tem nada a ver com você. Se você tivesse o mínimo de consciência, não estaria defendendo um merda daqueles - ele cuspiu, irritado.

- Você me machuca da pior forma possível - cuspi antes de sair porta afora, rápido para que ele não me impedisse.

Eu queria procurar Daryl e voltei para onde o vi a ultima vez, mas não havia nada. O desespero me subiu pela garganta. E se eles tivessem o matado?

Daryl era um troféu para Negan e ele não o mataria. O machucaria e o torturaria, mas não o mataria. Me amaldiçoei por ficar feliz com isso; pelo menos me daria tempo para pensar em algo para tirar ele daqui.

Quando estava entrando em um corredor, dei de cara com Dwight, que me barrou, os olhos arregalados.

- Você tem que subir - ele disse, tocando meu braço para que eu o seguisse. Eu puxei meu braço de seu toque.

- Eu não vou a lugar nenhum, tira sua mão se mim.

- Eu não quero te machucar, Ellie. Obedeça - ele pediu, e eu desviei a atenção quando Arat entrou no corredor - Eu cuido disso - Dwight avisou antes mesmo de ela falar. Ela apenas assentiu e saiu dali.

Quando eu voltei minha atenção a Dwight, ele estava olhando para baixo e eu segui seu olhar, arrumando minha blusa que estava repuxada, mostrando mais do que deveria. Eu quis chutá-lo por olhar para mim desse jeito mas ele rapidamente limpou a garganta, totalmente sem jeito e se ele não fosse um desgraçado, eu teria ficado com pena.

- Negan mandou te levar para o quarto dele.

- Eu não vou.

- Você é igual seu irmão. Mesmo na merda, continua querendo manter a cabeça erguida.

- Pelo menos nós lutamos - eu disse com amargura.

- Negan mandou você subir - continuou, ignorando o que eu falei - Todos foram avisados para não ter deixar passar para qualquer lugar que não seja o quarto dele. É melhor vir comigo - avisou de novo, mas eu não me movi.

- Eles o mataram? - perguntei, a bile em minhas garganta, queimando só com a possibilidade.

- Não. Ele não vai morrer, não antes de quebrar - respondeu, já me puxando para caminhar junto com ele.

Eu queria matar todos e tirar Daryl dali; queria me esconder, fugir e não ver mais ninguém. Doía tanto dentro de mim que já se tornava dor física. Eu não tinha para onde correr, não tinha nada a fazer além de subir e esperar Negan voltar, despejar um caminhão de frases ruins, dizendo o quão ruim eu era, o quão ingrata eu era por estar defendendo alguém que me deixou e ficando contra quem me salvou; eu tinha todas as frases gravadas na minha cabeça como um mantra macabro. Talvez eu fosse, mas isso não importava, não tirava o foco de que quem estava errado era ele, não eu.

Por mais de meia hora eu fiquei sentada no sofá da sala, esperando até que Negan entrasse. A maneira como ele se encostou no balcão da cozinha e se serviu uma bebida, esperando que eu saísse da minha dor parecia insensível; não parecia. Ele era.

- Mais calma? - ele finalmente quebrou o silêncio, o sarcasmo implícito em sua voz.

- Posso ir? - perguntei, pensando que ele só me queria aqui para garantir que eu não ficasse pelos corredores a procura de Daryl.

- Porque está chorando? - questionou, me ignorando. Eu ri pelo nariz, amarga.

- Que tipo se pergunta é essa?

- A que eu quero saber - devolveu, enchendo seu copo mais uma vez.

- Por sua causa. Pelo que você está fazendo - era como se eu já tivesse dito isso mil vezes. Ele sabia o porquê, mas mesmo assim continuava me questionando.

- Pelo que eu estou fazendo? Você está chorando por eu cuidar de você? Te proteger? Te alimentar e te dar tudo o que precisa?

O flashback da noite passada invadiu minha cabeça. Eu não passaria por aquilo novamente nunca mais. Eu já conhecia esse roteiro, ele gritaria comigo, diria o quão mal agradecida eu sou, eu choraria e ele me pediria desculpas, prometendo que isso jamais se repetiria. Mas se repetiria porque era um ciclo vicioso que eu não conseguia quebrar, porque ele me dava tudo o que eu queria sentir depois de me quebrar em pedaços, porque sabia que eu gostava dele.

Essa era toda a minha vida agora? Tinha que ser? Ter que suportar os atordoamentos intermináveis para estar com ele? Ter que desistir de minha família e felicidade por esses pequenos momentos de felicidade com ele?

Eu desliguei quando ele começou a falar. Eu não chorei, não implorei para que parasse, eu simplesmente não ouvi. Só fui puxada de volta quando ouvi o nome de Daryl.

- Você gosta de mim? - perguntei, interrompendo uma de suas falas que eu já tinha ouvido uma dúzia de vezes. Ele franziu a testa, olhando para mim.

- Você não estaria aqui depois de tudo que fez se eu não gostasse de você - respondeu como se fosse óbvio. Talvez fosse.

- Então deixe-o voltar. Se você diz que gosta de mim, deixe Daryl voltar para casa.

Foi um tiro no escuro, mas mas eu não tinha nada a perder. Eu estava atraindo sua humanidade, se houvesse uma grama dela deixada dentro dele. Seu rosto caiu de uma maneira que eu não estava acostumada. Seus olhos não tinham uma centelha perigosa, nenhum brilho sarcástico. Eles eram quase solenes. Mas durou apenas um segundo.

- Isso não vai acontecer.

Eu mentiria se dissesse que acreditava que isso funcionaria. Ele não gostava de ninguém, ele podia gostar da minha companhia, mas era isso. Ele não tinha nenhum sentimento, não a ponto de fazer algo para me deixar melhor. A única pessoa com quem ele se importava era com ele mesmo.

Eu pensei sobre isso mais cedo, tinha plena certeza que não conseguiria ir em frente. Não conseguiria dizer que eu estava deixando-o. Mas as palavras de Sherry vieram a minha cabeça.

O sangue é mais grosso que a água.

- Eu não posso... eu não consigo mais fazer isso - eu sussurrei, me levantando e passando a mão no rosto.

- Fazer o quê?

- Estar com você enquanto faz isso com Daryl - reuni toda minha força para completar - Se você não libertá-lo, eu estou te deixando.

De todas as reações que eu achei que ele fosse ter, ele teve a que eu tinha certeza que teria: ele riu.

- Quem você pensa que é para me dar um ultimato? - perguntou, parando na minha frente, só seu corpo próximo já era o suficiente para me intimidar, mas eu segui em frente.

- Eu estou te notificado da minha decisão. Eu não consigo mais... não quando você está com Daryl ou com outras mulheres.

Toda vergonha do que eu me submeti estava vindo a tona. Ele não estava comigo. Ele não estava fazendo mal a desconhecidos. Ele fazia mal a mim também, Negan podia não me bater, mas ele me machucava da pior forma.

- Você sabia o que estava entrando quando aceitou estar comigo. Você acha que eu deveria modificar alguma coisa por você? - ele riu de novo, se encostando no balcão e enchendo novamente o copo.

Ele agia como se eu não tivesse falado nada, como se eu não tivesse dito que estava o deixando. Ele não dava créditos a isso e eu sabia por que.

Você sempre vai precisar de mim, Ellie.

Ele achava que eu estava blefando, afinal eu sempre precisaria dele, certo? Errado. Mas ele não ligava, devia, se ele sentisse um por cento do que eu sentia por ele. Mas ele não sentia.

- Então? - ele gesticulou para mim com o copo na mão.

- Então.. eu não estou mais com você. Não enquanto Daryl estiver aqui.

Eu cerrei os dentes quando ele riu novamente, como se eu fosse uma criança falando besteiras.

- Daryl, Daryl, Daryl - ele cantarolou - Talvez eu devesse apenas matá-lo, já que está trazendo mais problemas a cada dia.

- Para com isso - murmurei, cansada do teatro.

- O que? - ele disse e encolheu os ombros - Você não acha que eu deveria?

- Você sabe o que eu acho a respeito disso.

Fiquei firme apesar de seu rosto se aproximar do meu, escuro e irritado.

- Você acha que eu me importo? Acha que você ficar ou partir faz alguma diferença, quando eu podia por outra no seu lugar no momento seguinte?

A raiva era sua defesa. Ele nunca mostraria que ficou magoado, mesmo estando escrito por todo seu rosto. Sua arrogância não permitia isso.

- Eu sei que não se importa - concordei, exalando uma respiração trêmula, orgulhosa de não chorar - Sei que você vai conseguir outra mulher melhor e que não te dê tanta decepção.

Ele me olhou por um longo tempo antes de largar o copo na mesa, sem desviar o olhar.

- Tudo bem.. é sua decisão - ele disse calmamente, tirando a jaqueta - Você pode passar a noite no seu quarto, amanhã vejo onde há um quarto e um trabalho disponível pra você.

Segurei seu olhar, mas era impenetrável. Se alguma coisa eu tinha aprendido em meu tempo aqui, era uma batalha inútil; uma que só me prejudicaria.

Então era assim? Ele não me pediria para ficar? Sim, Ellie. É assim. Me virei para sair, forçando minhas pernas a deixá-lo para trás, junto com meu coração.

- Quem sofrerá as consequências será o caipira - ele falou e eu parei e fechei os olhos, ainda de costas.

- Pare com isso - pedi quando voltei a encará-lo - Você está com raiva de mim. Desconte em mim.

Ele me encarou mais irritado do que qualquer coisa.

- Por quê você ainda se importa com ele?

- Porque ele é minha família. Você jamais entenderia o que é isso.

- Então acha que ele sabendo que você não estar mais comigo vai fazê-lo aceitar o acordo para que vocês possam ficar juntos? - ele riu, atormentado - Sinto roubar sua esperança, mas isso não vai acontecer.

- Porque? Achei que não se importasse se eu fico ou vou. Se eu estou sozinha ou com outra pessoa - eu o enfrentei, deixando um olhar presunçoso o fuzilar.

Esse não era o ponto, eu não estava falando isso para fazer ciúmes nele, isso só resultaria em algo ruim a Daryl e a mim, mas eu não consegui conter as palavras.

Ele deixou o copo com um baque em cima do mármore, vindo até mim. Eu não me encolhi, não me afastei. Eu não tinha nada a perder. Pela raiva em seus olhos eu podia jurar que ele fosse me bater, e por mais doente que fosse, eu queria que isso acontecesse. Acho que só assim eu ficaria com raiva de verdade dele, conseguiria romper esse laço que me ligava a ele.

- O fato de você não estar mais comigo não significa que vai estar com qualquer outro - ele sussurrou perigosamente próximo a mim, na intenção de me intimidar.

- Porque? Está com ciúmes?

- Eu não tenho ciúmes de você, boneca - ele sorriu, levantando a mão até meu rosto, empurrando meu cabelo para trás da orelha - Mas eu sei, e você sabe que não vai estar com nenhum outro, não porque eu não quero que esteja, mas porque você não quer estar com alguém que não seja eu.

- Você tem razão, eu não quero - eu fechei os olhos, encostando meu rosto no dele - Solte Daryl e tudo volta a ser como antes.

Eu o ouvi rir e a decepção me inundou. Eu afastei meu rosto, deixando minha mão cair do seu peito para o lado do meu corpo.

- Essa é você, Ellie - ele estalou, os olhos estreitos - Desperdiçando meu tempo precioso novamente, sendo miserável e implorando por algo que não vai acontecer.

Eu me irei com isso; muito doente e cansada dele, não me importando com as consequências quando dei um tapa em seu rosto, toda minha raiva desferida num só golpe que fez sua cabeça virar. Ele não me olhou, fitando o chão por um momento e eu vi um fio de sangue no canto do seu lábio.

Ele enxugou a boca com a mão e olhou para mim, seus olhos ardendo com fogo frio enquanto ele me olhava. Era uma aparência de traição, de uma loucura semelhante à que eu sentia agora.

- Você vai se arrepender por isso - ele disse calmamente, com uma voz que fez meu sangue gelar.

Olhei minhas mãos, aterrorizada, os cabelos na parte de trás do meu pescoço ficando de pé.

- Desculpe, eu não...

- Olhe para mim - ele rosnou, puxando o rosto para olhar para ele, seus dedos enluvados, violentos enquanto seguravam meu rosto - Quem você pensa que é?

- Alguém que não precisa de você. Não mais - disse friamente, entredentes, imprudente.

Eu sentia como se cada partícula de mim estivesse se desprendendo, misturando-se as outras. Uma enorme bagunça em meu interior. Ou, na realidade, a reorganização do que fui um dia. Alguém forte que não tinha medo de enfrentar os monstros. Ou alguém que morreria nos próximos segundos.

- Quanto tempo vai levar para você voltar pra mim, chorando como uma criança perdida, pedindo que eu cuide de você?

- Eu morro antes disso - tentei me soltar, mas ele levou a outra mão até minha nuca, me impedindo.

- Eu tenho tudo em minhas mãos. Todas essas pessoas, sua família, você - o ódio com que ele dizia isso poderia matar um exército - E eu tenho Daryl. Eu estava pegando leve com ele, mas agora... agora ele vai pagar pelo seu comportamento, Ellie.

Eu não respondi, as palavras ficaram presas em minha garganta. Meu lado humano gritou por obediência de cachorro e desligar os centros emocionais, mesmo depois de tantos danos. O outro lado exigiu que eu me mantesse firme, uma vez que estava conseguindo me reerguer dessa areia movediça que ele havia me jogado.

Pessoas morreriam, poderia ser eu, podia ser Daryl. Eu não podia mudar Negan, não depois disso. Daryl sofreria, e a única coisa que eu poderia fazer agora era rezar para ele conseguir fugir ou eu conseguir tirá-lo daqui antes disso. Eu me entreguei a isso.

- Você pode fazer qualquer coisa, mas nada vai mudar o fato que eu não quero e não preciso de nada que venha de você.

Ele me deixou ir, amaldiçoando violentamente, andando pela sala antes de voltar a olhar para mim. A incredulidade e a traição queimavam em seus olhos, seu peito subindo e descendo com raiva e eu podia ouvir seus pensamentos. Como você pode fazer isso depois de tudo que eu fiz para você?

Eu também não sei. Eu tentava me concentrar nas coisas boas, mas elas eram poucas comparadas as ruins. Eu estava com muitos danos para conseguir pensar se o que eu estava fazendo era certo. Eu sentia que era, mas porque mesmo assim eu continuava sentindo algo por ele, porque eu desejava que ele mudasse para podermos continuar juntos?

- Saia daqui antes que eu faça uma besteira - sua voz fria chegou a meus ouvidos, um claro aviso para que eu saísse o mais rápido antes que algo pior acontecesse.

Voltei ao meu quarto e fechei a porta com pressa. Uma vez dentro, deslizei minhas costas contra a porta fechada e, quando cheguei ao chão, puxei meus joelhos para o meu peito, apertando-me e desabei chorar.

Eu me sentia perturbada ter sentimentos por um homem narcisista e perigoso que só se preocupava em ter o máximo e o melhor, passando por cima de vidas para conseguir o que queria.

E tinha Daryl. Depois disso, eu não conseguiria voltar atrás. Ele machucaria Daryl ainda mais, por estar com raiva de mim. Nesse momento eu vi que minha explosão não resultou em nada bom; apenas em mais sofrimento, porque em vez de descontar em mim, Negan descontaria nele. Daryl não ia ceder e esse ciclo não teria fim, ou teria - ele morreria.

Eu chorei por Daryl, por Rick, por Carl, por mim... por Negan. Chorei porque eu era impotente diante da situação... diante dele. Eu que antes não media esforços para proteger as pessoas que amava, agora estava do lado contrário da luta e isso doía. Machucava. Feria.

Agora, sozinha e soluçando, eu vi que tudo estava perdido. Eu estava longe de ver meu irmão mais uma vez, longe de ter a chance de negociar por Daryl, com as mãos atadas, sem saber como seria o dia de amanhã. Na verdade eu sabia; seria doloroso.

Vixi, e agora?

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