51 - O que acha de fazermos uma parceria?
HENRIQUE
Um segurança, que parecia mais um armário, bateu na minha porta assim que o relógio bateu seis horas. É, teria que lidar com aquilo.
Cara, Ingrid não é casada? O que essa maluca quer comigo? Meu Deus, já se passaram quinze anos desde a última vez que nos vimos! Essa procura na altura do campeonato não faz sentido algum. Odeio o fato de suas atitudes mexerem comigo dessa forma mesmo depois de tanto tempo.
Depois de enrolar por alguns segundos, me levanto e vou até a porta, ansioso para que aquela merda de situação acabasse o quanto antes. Porra, tudo que queria era ir para casa e dormir ao lado de minha esposa.
Estava precisando surpreender Amora de alguma forma, só não sabia como. Por mais que nosso relacionamento, na teoria, tenha esfriado, quero demonstrar que esse cálculo está errado através da prática. Tinha que fazer algo, só não sabia o que. Pelo menos não por enquanto.
Respiro fundo e balanço a cabeça, afastando aqueles devaneios que, infelizmente, teriam que ser deixados para depois.
Abro a porta e o brutamontes me encara.
- Boa tarde, senhor Macedo. Sou o Rocha, segurança da senhora Ingrid.
Estendo a mão para cumprimenta-lo, mas o homem faz questão de apenas me encarar, tornando aquilo ainda mais constrangedor. Percebi que, além da cara fechada, o cara era mal educado, portando, apenas o segui até a entrada do prédio, onde um grande carro branco nos esperava.
A segurança abre a porta traseira para que pudesse entrar, e logo dou de cara com Ingrid. Suas feições eram quase as mesmas, tirando uma ruga ou outra por conta do tempo, mas nada que prejudicasse sua aparência.
Sinto meu coração apertar, mas não por sentir algo por ela, mas sim pelo rancor que pensei não existir mais. Sua presença deixava o clima ao meu redor pesado, e aquele sorriso afiado era venenoso. Mal conseguia encara-la sem ter vontade de gritar de raiva.
Entro no lugar ao seu lado silenciosamente, sem fazer questão alguma de esconder meu descontentamento com a situação. Ingrid percebe o clima, e até abre a boca, mas a interrompo imediatamente e tomo a palavra.
- Sinceramente, não faço ideia do por que estar aqui... - encaro seus olhos castanhos esverdeados - quer dizer, não entendo o que você quer comigo!
- Ah, fofinho - descruza as pernas e exibe o vestido colado bege que se encaixava perfeitamente ao seu corpo esbelto -, também estava com saudades! - debocha.
- Seu cinismo me irrita! - reviro os olhos - O que está querendo comigo?
Ela dá uma gargalhada estridente, e me lembro do por que odiar tanto isso. Se fosse um tom mais alto, sem dúvidas quebraria o vidro do carro, que agora estava em movimento. O segurança também era motorista do veículo.
- Não sabia que tinha guardado tanto rancor de nossa separação, fofinho - levanta a mão e aperta minha bochecha, o que consegue me deixar ainda mais irritado.
Dou leve empurrão em seu braço e a encaro, com o cenho franzido.
- Vá direto ao ponto, Ingrid. Não tenho paciência para esses seus joguinhos!
- Você continua o mesmo, em? Misericórdia, que mau humor do caralho! - revira os olhos e apoia o cotovelo na janela - Preciso conversar com você sobre negócios.
- Eu não vou te emprestar dinheiro algum! E outra, você não tem marido endinheirado? Pelo amor de Deus, vá fazer deus negócios com ele e me esqueça de vez!
- Aí, Henrique, pelo amor de Deus! Que insensível da sua parte! - cruza os braços.
- O que? Ficou ofendida? Isso é porque nem comecei a te chamar de assombração!
Ela até ameaça começar a falar, mas o carro freia por conta de um sinal e o segura vira parte do corpo em nossa direção.
- O senhor Leroy morreu no ano passado. A senhora Ingrid ainda está de luto - diz o brutamontes, virando-se novamente para o volante.
Um silêncio constrangedor toma conta do ambiente, mas logo é quebrado pelo motor do carro.
- Ah... - coço a nuca - desculpa... Não fazia ideia.
- Sem problemas - diz, com a sobrancelha arqueada -. E não, não quero pegar dinheiro emprestado, seu idiota. Estou interessada em uma avaliação sua.
Antes que pudesse perguntar algo, Rocha estaciona o carro próximo a um grande e caro restaurante, que fica no centro da cidade.
O lugar é muito bem iluminado e tem um ar rústico. Algumas plantas seguem espalhadas pelo corredor da entrada. Quando finalmente adentramos o restaurante, logo damos de cara com um ambiente tomado por mini lâmpadas amareladas, remetendo ao verão. Que lugar lindo! Tudo era muito bem posicionado, e, para melhorar, a harmonia no ambiente era como um calmante.
- Nossa, que lugar bonito! - penso em voz alta.
- Obrigada! - sai andando e minha frente, para uma mesa no fundo do restaurante.
Inicialmente, não entendo o porquê do agradecimento, até finalmente ligar uma coisa a outra. "Leroy Bon Appétit". É óbvio que aquele empreendimento pertencia ao falecido marido de Ingrid, e, seguindo a lógica, agora ela estava a frente de tudo.
Sento à mesa que ela escolheu. Sem que precisássemos pedir, vários garçons começam a trazer variados e fartos pratos. Ingrid queria impressionar, mas apenas conseguiu me assustar. Porra, qual o sentido daquela merda toda? Me envenenar?
Assim que os pratos terminam de ser colocados, ela me encara e dá um sorriso largo.
- O que acha de fazermos uma parceria?
- Do que você está falando? - cruzo os braços e a encaro, com a sobrancelha arqueada.
Ela escancara mais uma vez o sorriso e despeja vinho em duas taças que tinham sob a mesa. Foda é que a filha da puta sabia que eu não resisto a um bom vinho.
- Você está muito tenso! - empurra uma das taças em minha direção - Vai, bebe! É o seu favorito.
Sinto minha bochecha queimar, e me odeio por isso, pois sei que estava ruborizado.
- Vá direto ao ponto, Ingrid. Minha esposa e filha estão em casa me esperando.
Uma feição de surpresa toma seu rosto, e consigo sentir uma faísca de raiva no brilho de seus olhos.
- Uau, para quem não queria ter filhos, você está muito bem - dá uma golada na bebida.
- Pois é, apenas precisei encontrar a pessoa certa - sorrio, querendo soltar um "touché", mas seguro o impulso. Ela emburra o rosto imediatamente.
- Você é escroto! - revira os olhos - Bom, deixe-me ir direto ao assunto. Estou querendo abrir uma filial, e gostaria da sua avaliação do lugar. Sei que a LHR é a melhor empresa do país, então seria um bom negócio para os dois... Até porque, como pôde perceber, o Leroy Bom Appétit está em ascensão.
- É uma boa proposta, Ingrid! - dou uma golada - E em até estado seria sua filial?
- Ah, a maior questão é essa. A filial será na Grécia, ou seja, será necessário você passar uma semana ou duas por lá.
Encaro aquela naja silenciosamente por alguns minutos, tentando digerir o convite. Ela percebe meu incomodo.
- Olha - sorri -, não precisa me responder agora. Hoje ainda é terça-feira, meu querido. Você tem até sexta-feira para dar uma resposta definitiva.
- Você não bate bem, Ingrid. Sério, isso não é normal! Estamos há quinze anos sem se ver, e DO NADA você me convida para avaliar uma filial na Grécia.
- Henrique, você tem que acalmar os ânimos. Sério, relaxa! Sei que vacilei... e não foi pouco. Te magoei, fui uma vaca! Então, como quero me tornar um ser humano melhor, quero te recompensar com essa proposta imperdível.
Encaro minha ex-esposa perplexo, tentando achar uma forma não tão rude de dizer que não preciso de suas esmolas, pois já superei o relacionamento há muito. Mil frases de efeito surgem em minha cabeça, mas a única coisa que consigo fazer é soltar uma gargalhada estridente.
- Do que você está rindo? - cruza os braços e arqueia a sobrancelha.
- Porra, Ingrid, -passo a mão na barriga, pois já sentia cólica de tanto rir - você acha mesmo que eu preciso de algum favor seu? Pelo amor de Deus, sou CEO da melhor empresa de arquitetura do país! Poupe-me de sua caridade.
- Henrique, apenas considere, ok? Pense bem, pois é uma grande oportunidade!
Dou longas goladas no meu vinho e a encaro, perplexo. O efeito do álcool começa a me alcançar e a tensão que sentia anteriormente começava a se dissipar. Conversamos sobre nossas novas vidas durante algumas horas, e até que foi interessante.
Ela se casou com um ricasso da gastronomia, mas acabou se tornando viúva precocemente. Não consegui enxergar luto em seu olhar, mas tentei não focar nisso.
Disse também que até chegou a engravidar, mas perdeu o bebê com cinco meses de gestação. Lamentei por sua perda, mas o assunto já não lhe fazia tão mal, pois destinava seu foco totalmente a atenção para seu restaurante.
Contei sobre como me apaixonei pela filha de um dos meus melhores amigos, o que a surpreendeu. Afirmou que, por mais que tentasse me disfarçar por trás dessas tatuagens e máscara de "bad boy", sempre fazia questão de seguir o caminho certo. Expliquei que, vez ou outra, o amor supera as barreiras.
Foi então que minha mente deu um estalo.
Tinha medo de Amora não me amar mais, por conta de todo esse afastamento. É difícil admitir, mas sabia que aquilo era minha culpa. Tenho ficado mais cansado que o normal, então quando não estou trabalhando, estou dormindo ou com nossa filhinha.
Para ter ideia, as coisas tem ficado tão corridas que, na maioria dos dias, tenho ficado em meu escritório até de madrugada. Era um saco e eu sentia sua falta. Precisava de mais toques... Mais contato. Porra, precisava dela.
Ver nosso relacionamento esfriando cada vez mais me deixava em pânico. Amora estava na casa dos vinte e quatro anos, tinha toda a vida pela frente e me superaria fácil demais. Além de ser maravilhosamente linda, é extremamente inteligente e talentosa. Já eu, no auge dos meus trinta e nove anos, batendo na porta dos quarenta, não teria mais esperanças de ser feliz sem ela. Na verdade, sem a presença daquela mulher na minha vida, a felicidade não existia.
Então, já que sinto a necessidade de aproximação, e, mais ainda, recompensar minha distância nos últimos tempos, por que não usar essa oportunidade de trabalhar na Grécia para nos presentear com uma segunda lua de mel?
Porra, era uma ideia foda!
Encarei Ingrid silenciosamente durante alguns segundos, com um sorriso psicótico no rosto. Ela franze o cenho e apoia a cabeça no ombro, confusa.
- Que cara de maníaco é essa?
- Vou aceitar a proposta, desde que me dê liberdade para levar acompanhantes.
- Ah, acompanhantes... - arqueia as sobrancelhas, o que me deixa confuso. Será que ela achava mesmo que eu toparia viajar a sós com ela? Pelo amor de Deus, só sendo muito maluca para acreditar nisso.
- Sim, Ingrid, acompanhantes!
Ela revira os olhos e força um sorriso.
- Quantos você quiser, fofinho. Quantos quiser.
- Então perfeito! Proposta aceita - sorrio e levanto a mão para cumprimenta-la. Diferente de seu troglodita de estimação, a mulher ergue o braço e me cumprimenta.
- Só tem um porém... - ela sorri, debochada.
- Tinha que ter, né? - reviro os olhos -Fala, o que é?
- Meu jatinho saí em direção à Grécia neste sábado, e só tem espaço para nós dois. Posso até bancar a passagem de seus acompanhantes, porém, para o dia seguinte.
Fico em silêncio, pensando em sua proposta, e, depois de refletir, decido aceitar, pois dessa forma, poderia elaborar uma surpresa maravilhosa para minha linda esposa. Sem dúvidas contaria com a ajuda de Daniele, Lázaro e Mahmoud, que também viriam comigo, a menos que negassem. De qualquer forma, a ansiedade não cabia dentro de mim, então a encaro sorrindo e levanto a taça de vinho.
- Eu concordo com essa proposta maluca, e um brinde a isso!
Ela dá uma risadinha e levanta sua bebida.
- Um brinde!
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