1 - Amor? Nunca mais

HENRIQUE

Desde o dia em que fui abandonado pela minha ex-esposa, jurei para mim mesmo que iria me abster de sentimentos. Ninguém merece sofrer daquela forma... era como se minha vida estivesse se esvaindo aos poucos através de minhas lágrimas. Sei que parece exagero, e eu bem gostaria que fosse.

Demorei aproximadamente um ano para me recuperar daquele fatídico dia. Conheci Ingrid no ensino médio, e, após a formatura, nos casamos. Foi tudo muito rápido, mas estava disposto a construir uma vida ao lado daquela mulher. Porém, por conta de diversos fatores, as coisas começaram a se desgastar e, após quatro anos, ela me deixou. Há uns dias descobri que a filha da mãe se casou novamente, só que com um cara rico e se mudou para outro país. Não que sinta rancor, mas se fosse mais paciente, talvez fossemos nós.

De qualquer forma, é como se meu ex-casamento tivesse acontecido em outra vida. Não consigo mais me imaginar dentro de um relacionamento, o que acaba deixando meus amigos frustrados. Sou o único solteiro dentro de um grupo de três. Igor se casou três anos antes de mim, e hoje tem esposa e uma filha de dezoito anos. Lazaro e sua mulher estão juntos desde a mesma época e tentam engravidar há dois anos. Para ser sincero, não me arrependo da escolha, vejo como esse estilo de vida acaba com eles. Brigas e mais brigas... enfim, é péssimo. Sem dúvidas é uma realidade que evitarei a todo custo.

A partir do momento em que me vi solteiro, resolvi dedicar minha vida aos estudos e vadiagem. Sim, são duas coisas que não se encaixam, mas acabei dando um jeito. Não precisar dar satisfações a ninguém é algo libertador.

Após concluir minha graduação em arquitetura, resolvi abrir um escritório ao lado de meus dois amigos. Para nossa sorte, os planos deram certo e nossa firma é uma das mais famosas do país. Tenho orgulho do que nos tornamos dentro do mercado e do rumo que as coisas tomaram.

Admiro meus amigos por conseguirem conciliar tão bem suas duas personalidades. Não que os julgasse de alguma forma, mas é impressionante como se transformavam perto de suas esposas. Quando estávamos a sós, não podiam ver uma mulher bonita passando que seguiam com o olhar.... Lázaro até desviava, mas no final, acabava cedendo. Ao lado de Janna e Larissa, os dois viravam anjos (caídos). Mas isso não é problema meu. Me envolvo com quem bem entendo e foda-se o resto.

***

Estávamos no início do inverno e, como em todos os anos, era o momento de organizar o Baile de Gala para atrair possíveis novos clientes. Era um porre, mas funcionava. Já que não tinha paciência para estar à frente disso, Mônica e Roger, meus estagiários, ficavam responsáveis pela organização. Eles se divertiam lidando com tarefas importantes e eu ficava de boa no escritório resolvendo o que realmente é importante: meus projetos. Pelo incrível que pareça, era o único ali dentro que não ligava minimamente para aquela frescura. A única coisa que me enchia os olhos era o fato de algumas mulheres solteiras frequentarem o evento. Não que seja um garanhão, mas gosto de me divertir casualmente com pessoas que não lembrarei o nome no dia seguinte. Para ser sincero, estava precisando de um momento desses. Dedicar tanto tempo à empresa estava me deixando longe de corpos femininos. Não que me arrependesse, mas convenhamos que transar é bom vez ou outra.

Mesmo não lidando com a organização, a falta de Mônica e Roger durante as atividades diárias era prejudicial ao meu rendimento. Isso era no mínimo estressante. Porém, por mais que fosse cansativo, antes eles do que eu.

***

Descobri que precisaria comprar um novo terno três dias antes da grande festa. Era só que me faltava. Como éramos os CEO's, Lázaro e Igor me obrigaram a ir em uma alfaiataria tirar as medidas e encomendar a melhor veste que poderia ser feita em tão pouco tempo.

— Isso é muita irresponsabilidade, Henrique. Se não fosse um dos CEO's, tudo bem, mas é. Temos que impressionar os convidados. — Repreende Lázaro.

— Já entendi e pedi desculpas, Lázaro. Não estou aqui tirando as medidas? — Aponto para o homem que rodeava a fita métrica em minha cintura.

— Ele tem razão, cara. Você vacilou feio dessa vez! — Afirma Igor, enquanto apoiava-se contra a parede.

— Vocês vão me perdoar, mas, sendo sincero, tenho coisas mais importantes para fazer além de comprar um terno de merda! — Encaro o alfaiate — Sem ofensas, amigo! — Dou um sorriso amarelo.

— Não ofendeu. — Responde emburrado.

— Pode não ser importante para você, Henrique, — suspira Lázaro — mas para nós dois é, e você, como nosso amigo e cooperador, deveria contribuir para que tudo seja um sucesso.

Odiava o fato de Lázaro estar sempre certo. Aquilo era muito estressante. De nós três, ele era o menos perturbado, digamos assim. Jamais traiu a esposa e não bebia tanto quanto. Já Igor..., juro que perdi a conta de quantas vezes precisei encobrir suas burradas. E é por isso que Larissa, sua esposa, odeia tanto minha presença. A última vez que frequentei aquela casa foi há sete anos. Não que faça diferença, mas se ela soubesse quem é o errado da história, me pediria mil desculpas pela forma que me trata.

— Vou fazer mais esforços para me importar minimamente com esse evento. — Dou um sorriso forçado.

— Isso já um começo! — Lázaro sorri e fez um sinal de positivo.

— Sua esposa vai, Igor? — Pergunto, tentando mudar o foco da conversa.

— Vai, para sua infelicidade — Faz careta.

— Até onde sei, ela que não gosta de mim... — dou de ombros — não tenho nada contra.

— É engraçado como ela acha que Henrique é o mau exemplo, — Lázaro ri — sendo que, na maioria das vezes, quem surge com as ideias é Igor.

— Cala boca, Lázaro! — Igor o empurra de leve.

— Ele não está mentindo — Debocho.

— Vocês são dois idiotas. — Igor bufa.

— Amigo, já está acabando? Preciso ir ao banheiro. — Corto o assunto.

— Vai mais rápido se o senhor parar de falar! — Fica ainda mais emburrado, coisa que pensei ser impossível.

Nos silenciamos por alguns minutos, aguardando o homem ranzinza terminar minhas medidas.

— Pronto, — levantou-se — o valor final é R$1000.

— Meu senhor! — Arregalo os olhos, espantado — Esse terno é de ouro? — Pergunto, surpreso.

— Não seja rude, Henrique! Você resolveu fazer tudo em cima da hora... Agora encare as consequências! — Diz Lázaro, segurando a risada.

— Vai pagar no cartão ou à vista? — Pergunta o alfaiate, debochado.

— Cartão. Vê se divide em 10 vezes, pelo amor de Deus! — Suspiro.

— Quem vê assim pensa que passa necessidade... — Debocha Igor.

— Gosto de ter uma reserva de economia. Não sou como certas pessoas que gastam dinheiro com prostitutas e bebidas. — Cutuco Lázaro, que ri.

— Vão se foder vocês dois! — Ri.

Fomos até o carro de Lázaro após a "facada". O terno ficaria pronto no dia seguinte, então, infelizmente teria que encarar aquele velho ranzinza novamente.

— Sabe o que eu estava pensando? — pergunta Igor, interrompendo o silêncio confortável que tomava conta do carro.

— Não sei, ainda não desenvolvi a habilidade de ler mentes — Rio de minha própria piada.

— Cara, você está virando um verdadeiro tiozão. — Debocha.

— Fala logo! — Lázaro fala, impaciente.

— Vocês dois poderiam jantar lá em casa hoje.

— Sua mulher não gosta de minha presença, — dou de ombros — estar lá não faz sentido algum.

— E é justamente por isso que você tem que ir. Não acha que chegou a hora dessa picuinha chegar ao fim? — Me encara.

— Eu topo. Janna vai amar ter um tempo a sós. — Ri.

— E mais uma vez serei o único solteiro no lugar. Vai ter vinho? — Pergunto revirando os olhos.

— Minha filhota te faz companhia. E sim, vai ter vinho — Responde.

— Olha para minha cara de quem vai dar assunto para uma pirralha? Com todo respeito, claro.

— Está arrumando motivos para não ir... — Lázaro freia o carro bruscamente — SEU FILHO DA PUTA! COMPROU A PORRA DA CARTEIRA? OLHA PARA ONDE ANDA! — Grita pela janela, enquanto buzina feito um louco.

— Quanta baixaria! — Dou uma gargalhada sincera.

— Para de enrolar, cara. Vai ou não? — Igor arqueia uma das sobrancelhas.

— Como se tivesse escolha!

***

Já estava preparando meu psicológico para encarar um ambiente extremamente hostil. Larissa fazia questão de ser o mais rude que conseguia comigo. Porém, apesar de não ter vontade alguma de estar no local, teria que fazer isso pelo meu amigo.

Igor tem crises no casamento desde a faculdade. Não consigo compreender quem mantém um relacionamento por conta de filho, afinal, se não existe amor, não há motivo algum para estar junto, certo?

Eu e Lázaro mantivemos o silêncio enquanto Igor ligava para a esposa, comunicando sobre o tal jantar. Não era necessário colocar a chamada no viva-voz, já que Larissa fazia questão de gritar todo o tempo.

— Você convida seus amigos e EU que tenho que fazer a janta? Como você é engraçado, em?!

— Eu compro comida fora, meu amor — responde suavemente.

— Aquele Henrique vai vir? — Pergunta rude.

Igor me encara sem graça e balbucia um pedido de desculpas enquanto fazia careta de culpa. Não ligo daquela mulher não gostar de mim, mas me incomoda vê-la tratando meu amigo daquela forma, por mais que merecesse. Afinal, Igor não era nenhum santo.

— Vai sim, meu amor.

— VOCÊ SÓ PODE ESTAR DE SACANAGEM!!! — Grita quase em um rosnado.

— Amor, o convite já foi feito! Iremos depois do expediente, por volta das sete horas da noite. A Janna vai acompanhar Lázaro.

— Pelo menos isso, né? — Lamenta.

— Tenho que desligar amor, estamos atolados de projetos — Mente e desliga em seguida.

— Que projeto, Igor? Está ficando doido? Tiramos o dia de folga para ajudar Henrique com o bendito terno! — Pergunta Lázaro confuso.

— Você acha mesmo que vou encarar Larissa desse jeito? Nem fodendo! — Passa a mão no rosto.

Foi inevitável não soltar uma gargalhada depois disso. A espontaneidade de meu amigo era admirável. Lázaro riu em seguida.

— Vocês são péssimos amigos! — Igor bufa.

— E o que vamos fazer até sete da noite? — Pergunto.

— Bar? — Pergunta enquanto ajeita os óculos.

— É disso que eu estava falando! — comemora Lázaro — E você sabe que Janna não vai, né? — Pergunta, aparentando se divertir com a situação.

— Precisava amansar a fera! — Dá de ombros.

Novamente não conseguimos segurar a gargalhada

AMORA

Era inevitável não ouvir os gritos de minha mãe ao telefone. Por mais que meu pai fizesse de tudo para agradá-la, nada era o suficiente. Quer dizer... Ele sempre vacila, mas tenta se redimir depois. Não consigo entender o motivo de algum dos dois ainda não ter pedido o divórcio. Essa premissa de "tradicional família brasileira" me estressava.

De qualquer forma, o tal jantar também não me agradava. Já não bastava ter que bancar a fina no Baile de Gala, também teria que lidar com os amigos idiotas do meu pai. Pelo menos nisso eu concordava com a minha mãe.

Esse era meu primeiro ano formada no ensino médio. Jurei que iria aproveitar de todas as formas possíveis, mas cá estou eu, trabalhando feito condenada na empresa do meu avô e frequentando eventos do trabalho do meu pai. Estou quase me arrependendo de ter adiado minha ida à faculdade. Meu sonho é cursar Direito, mas quero juntar uma graninha antes de morar sozinha.

O único lado positivo nisso era que estava quase juntando dinheiro suficiente para pagar um ano de aluguel em um apartamento no centro da cidade. Seria ótimo não ter que lidar com as constantes brigas de meus pais.

Estava deitada na cama enquanto lia o romance "Laços de Alma" e não percebi o tempo passar. É incrível como na ficção tudo termina em um belo final feliz.

Quando olhei o relógio, meu coração acelerou. Já eram seis e meia, e eu sequer havia tomado um banho. Por mais que quisesse distância desses caras, teria que fazer companhia à minha mãe. Está certo que a Janna viria, mas seria muita falta de empatia não estar lá.

Me levantei e alonguei o corpo em seguida. As aulas de Pole Dance estavam acabando com a minha coluna. Graças a Deus as férias estavam chegando. Finalmente os humilhados seriam exaltados!

Fui correndo até o banheiro do quarto e encarei meu cabelo marsala no espelho. A raiz castanha estava começando a aparecer e, por mais que ficasse maravilhosa com aquela cor, era estressante ter que retocar semana sim, semana não.

Joguei uma água no corpo, fiz um coque em meu cabelo e botei a primeira roupa que encontrei pela frente. Um short jeans preto, camisa regata e um chinelo branco. Não me importava em estar pouco arrumada, a única coisa que tinha que fazer era estar ao lado de minha mãe.

Desci as escadas assim que terminei de me arrumar e percebi que os homens já haviam chegado, e nada de Janna. Minha mãe devia estar mais irritada que o normal.

Os encarei de longe, tentando distinguir quem era quem. Há muito que esses caras não frequentavam nossa casa. O homem de pele escura e terno devia ser Lázaro. Minha mãe gostava dele, por ser o mais comportado. Janna, sua esposa, fazia questão de estar por perto. O outro, de blazer amarrotado, barba por fazer e tatuagens espalhadas pelo corpo sem dúvidas era o famoso e odiado Henrique.

Bufo. Não dava mais para adiar minha ida à bendita mesa de jantar.

— Finalmente! Rapazes, lembram da minha filha? — Pergunta meu pai, sorridente. Não era possível, o homem estava bêbado. Só dá bola fora.

Lázaro sorri e Henrique engasga com o refrigerante. A cena foi engraçada, mas seguro o riso. Não queria passar a sensação de que me agradava com a presença dos dois em minha casa.

— Está tudo bem, cara? — Pergunta Lázaro, enquanto dava uns tapinhas nas costas de Henrique.

— Vou fumar um cigarro — Levanta, me encara e vai até a varanda.

O cara era uma comédia. Provavelmente não estava acostumado a ver mulheres bonitas.

— Boa noite a todos! — Sorri, enquanto sentava ao lado de minha mãe.

Minha mãe me olhou e balbuciou um agradecimento sincero. Por mais que me estressasse com todos aqueles gritos, jamais deixaria dona Larissa na mão.

— Demorou para descer, hein? — Diz meu pai, ajeitando os óculos.

— O senhor está bêbado? — Arqueio a sobrancelha.

— Pelo visto o trabalho foi bom hoje. — Minha mãe debocha.

— Bêbado não, alto. Bebemos algumas cervejas antes de vir, para comemorar a chegada do tão esperado Baile de Gala! — Sorriu, enquanto abria a sacola com comida japonesa.

— Aposto que foi ideia do Henrique — Resmunga e revira os olhos.

— Na verdade, a ideia foi do seu marido. — Diz Henrique, enquanto voltava à mesa.

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