• Prólogo •
Nove anos antes
"EU JÁ DISSE PARA VOCÊ calar a boca, Virginie!"
Em seguida, o barulho do tapa foi ouvido mesmo através da porta fechada.
Ao seu lado, Kevin viu a irmã se encolher. Ela era mais velha do que ele, mas naquele instante o garoto sentiu que deveria ser ele a proteger a irmã, não ao contrário.
"Ela disse que isso iria parar", Megan chorou, escondendo o rosto nas mãos. "Ela disse, mas sempre acontece de novo."
Kevin ergueu os olhos e encarou a porta branca, por onde sua mãe tinha passado instantes antes.
"Não importa o que ouvirem", ela disse soluçando, quando o barulho do carro de seu pai entrando na garagem foi ouvido. "Não saiam daqui."
E eles não saíam. Nunca tinham saído.
Enquanto o pai batia na mãe, bêbado como só um homem alcoólatra pode ser, Kevin e Megan ficavam ali, encolhidos em um canto do quarto.
"Por que nós não vamos embora?", ele sussurrou naquele instante, sentindo uma pressão avassaladora no peito. Para alguém tão pequeno, a dor que sentia no lugar onde Kevin achava ficar o coração era grande demais. Grande demais para que alguém como ele suportasse. "Por que mamãe não deixa ele?"
Megan enxugou o rosto abatido, olhando de olhos inchados para o irmão.
"É complicado", ela disse, pois, apesar da dor, já estava velha o suficiente no alto de seus quinze anos para entender como aquilo funcionava. "É complicado para ela. Talvez mamãe ache que um dia ele vai melhorar."
Se a situação fosse outra, Kevin teria rido.
Desde que se entendia por gente o pai batera na mãe, gritara com ela e a xingara. Desde que se entendia por gente, ele chegava bêbado à noite, colocando o carro na garagem com rapidez para que ninguém o visse.
Porque, como Kevin sabia, ele era um homem respeitado. O homem exemplo da família mais rica e bem vista daquela cidadezinha.
Se todos soubessem a verdade...
"Quando eu for maior, posso enfrentar ele", o garotinho disse, cerrando as mãos em punhos. "Não vou deixar que ele faça isso com ela."
Megan olhou para o irmão, abrindo um sorrisinho trêmulo.
"Vai demorar, sabe? Você só tem oito anos."
Naquele momento o som de algo se quebrando e o grito da mãe fez com que os ossos dos dois irmãos gelassem.
O pai berrou e a mãe chorou, seguido por um barulho que se assemelhava bastante a um corpo caindo no chão.
Mesmo sem se dar conta do que estava fazendo, Kevin levantou do chão em um pulo e correu até a porta, abrindo-a com força.
Ele tinha violado a maior regra de casa. Tinha aberto a porta enquanto sua mãe apanhava em algum lugar.
E ele não se importava nem um pouco com aquilo.
"Kevin!", Megan gritou, tentando impedi-lo, mas já era tarde demais.
O garoto ainda estava um pouco fraco pela doença de que há muito pouco tempo tinha se recuperado - doença essa que havia tirado dele mais do que poderia imaginar na sua pouca idade - mas mesmo assim conseguiu correr mais rápido que sua irmã até a sala de estar.
Quando chegou lá, viu a mãe caída no chão, sangrando e chorando, enquanto o pai se agigantava na frente dela, de punhos cerrados.
Ele nunca batia no rosto dela, pois sabia que não conseguiria esconder as marcas da cidade.
Sem nem pensar no que estava fazendo, Kevin correu em direção ao pai e lhe acertou murros nas costas, tentando afastá-lo da mãe.
Quando Virginie ergueu os olhos e viu o filho mais novo enfrentando o marido, o medo que já sentia se multiplicou, ficando estampado em cada marca cansada de seu rosto.
"Kevin, não faça isso!", ela pediu, mas naquele instante Frank agarrou o menino pelos braços e o ergueu do chão, encarando-o furioso.
"Eu vou lhe ensinar a respeitar, moleque", ele falou com a voz enrolada e os olhos perdidos, pronto para acertar o garoto com um tapa.
Mas Kevin agiu primeiro, dando um chute na barriga do pai e fazendo com que ele o soltasse com um uivo de dor.
Porém, o gesto acabou causando mais dor ao invés de evitá-la.
O garoto se desequilibrou pela queda abrupta no chão, escorrendo no tapete e batendo a cabeça na quina da mesinha de centro da sala, feita de vidro.
Kevin percebeu a visão embaçada e o gosto do sangue na boca quando um filete do líquido viscoso desceu por sua testa. Ele piscou, usando o resto das forças que tinha para não chorar.
Porque ele não iria chorar.
O garoto viu o pai de aproximar, irado, mas naquele momento tanto a mãe quanto a irmã se enfiaram na frente dele, protegendo-o.
"Pare!", Virginie gritou. "Por favor, Frank, ele está sangrando. Está sangrando e ainda está fraco..."
Kevin não conseguiu ver o que aconteceu, mas enxergou quando o rosto repleto de lágrimas de sua mãe se aproximou do dele.
"Filho, vou te levar para o hospital, certo?" Ele assentiu devagar. "Quando..." A mulher engoliu em seco, mais lágrimas cristalinas escorrendo por seu rosto. "Quando perguntarem o que aconteceu, diga que estava correndo pela casa, tropeçou e bateu a cabeça na mesa. Ok?"
Kev assentiu, naquele momento sentindo as lágrimas vencerem sua força de vontade.
Quando Megan o levantou do chão e ele pôde ver o pai recuado em um canto da sala, os olhos ainda injetados e as mãos tremendo, o garoto soube que o odiava. Pela primeira vez em todos aqueles anos, as palavras surgiram em sua mente com clareza e verdade.
Assim como aquela percepção, Kevin também soube com certeza que um dia, quando fosse grande o suficiente, não deixaria que sua mãe sofresse mais nas mãos daquele homem.
Seis anos antes
Rebecca ouviu quando a mãe abriu a porta do quarto, entrando lentamente enquanto a filha se perdia em um livro novo.
"Becca?", ela chamou, sentando-se na cama ao lado da filha. "Eu... queria falar com você."
Rebecca largou o livro, olhou para a mãe e percebeu que seus olhos estavam vermelhos e inchados.
"O que foi?"
A mulher ergueu um bilhetinho que estava seguro em sua mão.
"Ele foi embora. Como disse que faria."
Rebecca piscou, sem ter ideia do que dizer.
Ela queria chorar, mas também queria sorrir. Estava dividida entre a dor de ter sido abandonada pelo pai e a felicidade por não ter mais de acompanhar suas brigas incansáveis com a mãe.
Mas... Ele nem tinha se despedido dela. Nem passou em seu quarto para dar tchau...
"A senhora... contou ao Simon?", Becca perguntou, no que sua mãe assentiu. "E Gabrielle?"
"Ela ainda é muito nova para entender, só tem três anos", Julie respondeu com um suspiro pesado. "Sinceramente, estou mais preocupada com Fred." E dizendo isso a mulher passou a mão pela barriga já muito avançada na gravidez.
A qualquer momento um bebê chegaria. Um bebê sem pai.
Rebecca se levantou da cama e caminhou até a janela de seu quarto, olhando para o céu que dali parecia tão perto. Com seus onze anos, ela ainda pensava que se erguesse a mão o suficiente conseguiria pegar um pouquinho do brilho das estrelas.
Sua mãe foi até ela, colocando um braço ao redor dos ombros da filha.
"O mundo é cruel", ela disse, olhando pela janela e fitando as luzes da cidade próxima dali. "As pessoas nunca são o que parecem. Podem sempre machucar você. Olhe só para mim, fui casada com seu pai por quatorze anos e sinto que nunca o conheci de verdade, pensando que ele sempre poderia melhorar e ser mais compreensivo. Ser o homem perfeito que eu sonhava..." A mãe suspirou, fechando os olhos por um instante. "E isso não vale só para relacionamentos. Vale para tudo na vida. O mal sempre está espreitando, pronto para destruir qualquer um pelo caminho."
Becca piscou, sentindo o coração apertar. Ela não queria acreditar naquilo. Não queria de jeito nenhum.
"Mas aqui é seguro", a mulher continuou falando. "Nesse lugarzinho, as chances de você ter um coração partido são menores."
"Mas você teve um coração partido", a garota falou no mesmo instante, olhando para a mãe. "O papai te abandonou."
Julie enxugou uma lágrima do rosto, olhando para a filha.
"É. Você tem razão. Por isso que não quero que você e seus irmãos passem pelo mesmo. Porque dói demais."
Becca colocou uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha, fitando os inúmeros livros e filmes românticos que se encontravam em suas prateleiras nas paredes circulares do quarto.
"Eu ainda acredito, mamãe", ela falou baixinho. "Acredito no amor. E... bom, na bondade das pessoas."
Julie sorriu, puxando a filha para um abraço.
"Sonhar é importante e eu não quero nunca que você deixe de acreditar nas coisas boas do mundo, meu amor." A mulher ergueu o rosto da filha, forçando-a a olhá-la nos olhos. "Mas você é ingênua, Becca, eu sei. Sei porque eu era assim também na sua idade e muito tempo depois disso. O mundo pode destruir pessoas como nós, pode nos colocar em pedacinhos... Por isso temos de ter cuidado. Muito cuidado." Julie suspirou, olhando para o céu estrelado. "Nem todos os rapazes são como os que você lê nos seus livros Becca, ou como nos filmes. Do mesmo modo que nem sempre todas as histórias têm finais felizes. Promete para mim que vai ser cuidadosa, certo? Agora somos só nós: você, seus irmãos, vovó e eu. Não suportaria se algo de ruim acontecesse com algum de vocês. Sei que não posso protegê-los de tudo, mas sempre farei o que puder."
"Eu prometo, mãe", Rebecca disse, pois aquela era a coisa certa a se falar, porque sua mãe estava frágil e aquelas lágrimas em seus olhos eram muito reais.
Mas, apesar da realidade do mundo - uma realidade que sua mãe tinha dito a filha ser tão cruel - Becca não deixou de sonhar.
Como poderia?
O espírito do amor parecia ter reencarnado no século XXI na forma daquela garotinha.
Mas Becca também tinha medo. Muito medo.
Ela queria muito ver as coisas e aproveitar cada segundo de sua vida, mas a bolha ao redor de sua torre parecia confortável e feliz demais para que ela se arriscasse a descer e perder tudo. Porque, bom, pelo menos dali ela não precisava encarar a realidade tão de perto. Poderia continuar confortável - mas cada vez mais insatisfeita - naquele lugar.
Por isso ficou ali, pintando as paredes, lendo histórias românticas, cantando, olhando o céu pela janela e não se arriscando a fazer outro caminho que não fosse o de sua casa para a escola, ou de sua casa até a casa da avó e o café de seu tio no centro da cidade.
Até que, um dia, aos dezessete anos, tudo mudou.
Uma série de eventos fez com que ela descesse dali, como também, lentamente, a fez se apaixonar.
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Dedicado a DjaneSousa13 ❤️
Oii gente! Ai meu Deus, estou tãoooo ansiosa para ver o que vocês vão achar dessa história!
Escrevi esse prólogo com todo carinho e tentei fazer o melhor que pude. Esse livro vai ser um pouco diferente dos outros que já escrevi, porque, ao mesmo tempo, quero que tenha essa pegada mais jovenzinha, mas que também traga alguns temas para a gente pensar e refletir.
Espero conseguir! hahaha
Bom, fiquem à vontade para deixar seus comentários, estou louca para saber o que vocês acharam do prólogo!
Mil beijos e até a próxima,
Ceci.
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