• Capítulo Três •
Kevin devia ter sido atacado por mamutes descontrolados. Ou talvez uma matilha inteira de lobos tivesse passado por cima dele e estourado seu cérebro.
Aquela era a única explicação plausível para justificar aquela dor desnorteante que o fez gemer e fechar os olhos com força, afundando-se em travesseiros macios.
Será que estava morto? Se estivesse, percebeu que sua concepção do céu esteve errada a vida inteira. Nela, não havia dor e tudo era feito de ouro.
O lugar onde estava não era feito de ouro. Se bem que, levando em conta que conseguiu ficar de olhos abertos apenas por um milésimo de segundo antes de uma dor de cabeça cegá-lo novamente, poderia estar no inferno e nem se daria conta.
Ele respirou fundo e abriu os olhos novamente, desta vez percebendo que havia alguém ali com ele, de costas e à luz do luar.
A menina tinha cabelos dourados e compridos, era bem pequena e mesmo de costas parecia reluzir. Não tinha asas, mas devia ser um anjo.
Então Kevin viu uma frigideira jogada no chão perto dela e se convenceu de que na verdade devia ser um demônio disfarçado.
"Quem é você?", foi a primeira coisa que ele disse, fazendo com que a garota, seja lá quem ela fosse, desse um grito e pulasse de susto, em menos de um segundo pegando a frigideira do chão e erguendo-a acima da cabeça. "Não!", Kevin gritou no mesmo instante, temendo tanto outro golpe que caiu da cama em seu desespero para sair de perto da garota.
Ao seu lado, viu olhou azuis predadores.
Kevin gritou de novo ao se deparar com o mesmo lobo branco que o tinha atacado mais cedo.
Aquilo tudo era real? Ou só um pesadelo terrível?
Ele tentou se erguer e sair correndo – só Deus sabe para onde – mas a nova onda de dor em sua cabeça o fez gemer e suar frio, encolhendo-se como um animalzinho indefeso.
"Fique quieto", uma voz feminina disse, trêmula. "Eu... Sinto muito."
Kevin sentiu uma mão pequena e gelada pousar em seu ombro. Com esforço ele abriu os olhos, se deparando com as duas esmeraldas brilhantes que eram os olhos da garota o encarando.
"Por favor, volte para a cama", ela disse.
Kevin queria protestar, mas a dor em sua cabeça era tão forte que ele simplesmente seguiu os comandos da garota e voltou a se deitar na cama, mantendo os dois olhos bem fixos no lobo gigante ao seu lado.
"Ele é inofensivo", disse a garota ao reparar em seu olhar e ficando ao lado do grande animal. "É o Nick."
"Nick?!", perguntou Kevin, encabulado. "Ele é um lobo!"
Para a sua surpresa, a garota soltou uma risadinha seca.
"Ele não é um lobo. É um Husky Siberiano. Muitos podem se confundir. Nick é maior do que o normal."
Kevin definitivamente estava louco.
Se suportasse mais dor, beliscaria seu próprio braço para garantir que aquilo não era um sonho maluco.
A garota deu a volta na cama onde ele estava deitado e pegou um saco de gelo que estava em cima do criado mudo, entregando-o a Kevin.
"Pode ajudar com sua cabeça."
Ele, mesmo de contragosto, nem pensou em recusar.
"Foi você quem me acertou com a maldita frigideira", resmungou Kevin, pousando o saco de gelo em um ponto particularmente dolorido de sua cabeça, onde um galo enorme já tinha se formado. "Qual é o seu problema?"
A garota arregalou os olhos verdes, cruzando os braços miúdos em frente ao peito e o encarando com um olhar furioso.
"Você invadiu o meu quintal!"
"Eu não invadi coisa nenhuma", ele retrucou, erguendo-se nos travesseiros e gemendo de dor no processo. "Eu estava fugindo!"
"Fugindo?", perguntou ela, semicerrando os olhos como se duvidasse muito daquilo. "De que?"
A pergunta certa, pensou Kevin, seria de quem.
"Uma garota", ele admitiu zangado, não vendo motivos para mentir.
A garota de olhos verdes ficou calada por um momento, como se digerisse a informação. Dois segundos depois, revirou os olhos de maneira dramática.
"Eu não deveria estar surpresa", ela disse por fim, dando de ombros. "Não vindo de você."
Kevin abriu a boca, encabulado.
"Isso..." Ele procurou as palavras desesperadamente, mas pelo jeito seu vocabulário havia ido embora com as pancadas que tinha recebido. "Não importa", concluiu por fim. "Você ainda sim me atacou!"
"Eu estava assustada!", ela disse, agora quase gritando. "Eu pensei... Pensei..."
Mas ela não concluiu, naquele momento seus olhos se perderam e ela pareceu apavorada.
"O quê?", Kevin insistiu, ainda zangado. "O que pensou que eu iria fazer?"
"Estava escuro, tá legal? Não vi que era você, Kevin MacCormack." Ela disse seu nome com visível desprezo e ironia, o que feriu ainda mais o orgulho já debilitado de Kev. Aquela noite estava acabando com ele. "Tudo o que vi foi um cara forte saindo do bosque à noite... Eu..."
Kevin a observou, percebendo seus olhos perdidos e sobrancelhas franzidas. Obviamente estava assustada.
Ele conhecia bem aquela expressão. Já a tinha visto centenas de vezes. Pensar que ela tinha tido medo que ele a atacasse, que colocasse as mãos nela... A imagem de seu pai veio a sua mente e ele teve vontade de vomitar.
"Você só queria se defender", completou Kevin baixinho, mesmo de contragosto. "Tudo bem, mas não vou perdoá-la pela frigideira. O lobo já estava de bom tamanho."
"Cão."
"Que seja."
Kevin pressionou o saco de gelo em outro ponto dolorido da cabeça.
A garota, como ele pôde perceber, ficou longe da cama, encolhida junto à parede com seu bichinho de estimação ao lado, que mantinha os dois olhos brilhantes bem abertos e fixos em Kevin. Nada confortável.
Aproveitando o silêncio que se seguiu, Kev passou os olhos pelo ambiente ao seu redor, percebendo que estava em um quarto obviamente feminino de paredes circulares. Nunca havia visto um quarto de paredes circulares.
Havia estantes repletas de livros em todo lugar, as lombadas organizadas por cores formando um verdadeiro arco-íris. Por todo o espaço, quase que em cada centímetro, pinturas e mais pinturas cobriam as paredes, a maioria delas revelando estrelas brilhantes e flores das mais diversas espécies.
Era tudo tão colorido e alegre que chegava a dar-lhe enjoo.
Perto de uma escrivaninha abarrotada de cadernos, livros, canetas coloridas e um notebook aberto, havia uma estante quadrada com prateleiras e mais prateleiras repletas de filmes em DVD, que, sinceramente, Kev pensava já estarem extintos há anos. Dali, ele não conseguia ler os títulos, mas ao julgar pela diferença de cores em cada nicho, a garota abrigava gêneros bem diferentes.
"Está doendo muito? A sua cabeça?", a garota perguntou baixinho de repente, passando as mãos pelo cabelo comprido.
Kevin abriu um meio sorriso irônico.
"O que você acha?"
Ela não respondeu, limitando-se a olhá-lo aborrecida.
Por fim ele acabou tendo pena dela. Não devia. Mas teve.
"Está doendo como se um ônibus tivesse rachado meu crânio", ele respondeu, vendo-a se encolher e fazer uma careta diante da observação. Em outra situação, ele teria rido. "Mas não se preocupe, vou ficar bem."
"E como sabe?"
"Já passei por coisas piores em jogos de futebol particularmente violentos."
Ela abriu um sorrisinho sarcástico e revirou os olhos em seguida.
"É claro. O famoso Kevin MacCormack deve gostar de exibir seu histórico de acidentes em campo, onde sempre é visto como um herói."
Kev semicerrou os olhos para ela.
"Você não parece gostar muito de mim. É a primeira, se quer saber."
A garota soltou uma risadinha.
"Não quero. E, sobre eu não gostar de você... Não tenho nada contra, se isso te tranquiliza. Só não gosto de egos enormes."
"Não tenho um ego enorme", rebateu Kevin, encabulado.
"Não?"
Ele impediu-se de continuar falando.
"Pelo jeito, a senhorita sabe bastante sobre mim", ele disse, tomando outra abordagem. "Eu, por outro lado, ainda não sei nem seu nome."
Kevin se sentiu vitorioso quando viu as bochechas da garota corarem como pimentões.
"Rebecca", ela respondeu, passando as mãos pelos cabelos. "Rebecca Uziel."
"Nunca ouvi falar de você", ele disse com sinceridade. "O que é um grande feito, já que em Luncarty não temos muitos alunos no ensino médio."
Rebecca não respondeu, ao invés disso fechou ainda mais a cara.
"Escute, não quero ser invasivo nem nada disso, mas seus pais não acham estranho que você esteja sozinha num quarto com um garoto que nem conhece? Mesmo você sendo a culpada pelo meu estado, não parece..."
"Minha mãe trabalha como enfermeira no hospital da cidade. Ela está de plantão hoje", Rebecca respondeu, parecendo ainda mais envergonhada. "Por isso gostaria que você se recuperasse rápido e fosse embora logo, antes que ela chegasse."
"Se você tivesse me batido com um pouco menos de força, talvez eu já estaria melhor."
Rebecca o olhou com um ódio muito grande para caber em uma pessoa tão pequena.
"Não vai parar de jogar isso na minha cara? Eu já disse que sinto muito."
"Acha que gosto de ficar aqui? Se tem uma coisa de que me arrependo, loira, é de pelo menos uma vez na vida não ter caído fora de uma festa nesta sexta à noite."
Rebecca abriu um sorriso irônico. Pelo jeito, ela tinha um monte deles.
"Claro, dá para deduzir isso levando em conta que estava fugindo de uma garota. Não consegue simplesmente ser homem e conversar com a pobre coitada?"
Kevin arregalou os olhos para ela, indignado.
"É o que você sabe a respeito disso?"
"Sei que, se está assim tão desesperado para se livrar de alguém que teve de se esconder num bosque no meio da noite, seria mil vezes mais fácil olhar nos olhos dela e dizer que não está interessado. Com delicadeza, é claro, embora eu suponha que isso é pedir muito para você."
Kevin queria rebater. Estava louco para rebater, mas uma vozinha irritante em sua cabeça dizia que ele não precisava conhecer aquela garota bem para saber que nunca a venceria em uma discussão. Muito menos uma discussão sobre relacionamentos, algo que, como ele descobrira por Abby, Max e Alana mais cedo, ele não levava o mínimo jeito.
Por isso, limitou-se a fechar a cara e ficar bem quieto e emburrado.
Algum tempo se passou até que Rebecca se aproximasse da cama onde ele estava deitado, sentando-se na beirada.
Ali, com ela mais próxima dele, Kevin podia ver seu rosto com mais clareza e se deu conta de como ela era bonita.
Os olhos verdes pareciam duas pedras preciosas olhando para ele, e os cabelos dourados, que eram tão compridos que iam até um pouco abaixo da cintura, brilhavam como ouro puro.
Mas ela tinha feito aquele cão enorme atacá-lo e o tinha acertado com uma frigideira. Nenhum rostinho bonito a faria cair nas graças dele.
"Está melhor? Sem comentários irônicos desta vez."
Kevin se calou, pronto para dar um comentário irônico.
"Sim, mas meu corpo está doendo", disse com sinceridade. "O acertou com uma frigideira também?"
"Na verdade tive que amarrá-lo a um trenó e arrastá-lo escadas acima. Você é pesado, não conseguiria te erguer."
"Escadas?", ele perguntou sem entender, então a imagem de um castelinho com uma torre bem alta anexada a ele voltou a sua mente. A tinha visto quando saiu do bosque. "Ah, sim, agora entendo as paredes circulares..."
Rebecca abriu um sorrisinho, desta vez verdadeiro.
"Sabe, eu me sentiria bem melhor para dar o fora daqui se você me oferecesse uns analgésicos", ele falou baixinho, olhando para ela com seu melhor sorriso sedutor. "Ficaria muito grato mesmo."
Rebecca nem piscou, continuando a encará-lo com os olhos semicerrados.
"Sabe, hoje não é o meu melhor dia, normalmente consigo tudo com esse sorrisinho."
"Não precisava ter se sujeitado a isso", ela falou, fazendo com que o orgulho de Kevin se reduzisse um pouco mais. Àquela altura, ele já era do tamanho de uma formiguinha. "Era só pedir. Vou buscar alguns comprimidos na cozinha lá embaixo."
Kevin assentiu e Rebecca saiu do quarto. Nick, o cão enorme, lançou um último olhar ameaçador para Kev e seguiu a dona.
Com um gemido, o rapaz se ergueu da cama e procurou o celular no bolso da calça. Percebeu que já eram dez e meia e que havia pelo menos cinquenta mensagens de Max.
Kev as leu pela barra de notificações e respondeu que tinha tido um pequeno problema no bosque, mas que já estava voltando para a festa e que, de lá, iria direto para casa.
Céus, tudo o que precisava era de uma boa noite de sono para digerir tudo o que tinha acontecido.
Com esforço, ele se levantou da cama e caminhou a passos lentos até um espelho pendurado na parede perto da janela.
Ao olhar seu reflexo, torceu para que sua mãe já estivesse dormindo quando chegasse em casa, caso contrário teria que dar explicações demais para justificar o motivo pelo qual estava parecendo um mendigo atropelado por um caminhão.
Ele estava prestes a sair do quarto e esperar Rebecca ao pé das escadas de sua torre quando algo, um nome, foi captado pelos seus olhos atentos em um papel em cima da escrivaninha.
Ele nunca teria se dado conta daquilo em um dia normal, mas aquele definitivamente não era um dia normal.
O nome Princesa dos Corações Apaixonados rondava seu inconsciente desde que Abby lhe dera um fora horas atrás, dizendo que tinha percebido que queria algo mais por causa dela, da Princesa, em um gesto claro que dizia que ele não era o suficiente para ela.
Na verdade, ele se pegou pensando naquele momento, quando realmente tinha sido suficiente para alguém?
Aquele era um pensamento que estivera rondando sua mente a noite toda, mesmo ele tentando evitá-lo.
Kevin parou, banindo aqueles pensamentos de sua mente e pegando a folha de cima da escrivaninha, lendo as palavras com o coração batendo aos tropeços no peito.
Cronograma de postagens da semana, blog Doces e Amores, A Princesa dos Corações Apaixonados.
Segunda-Feira, 10/06
Postar a lista 2.0 de dicas de conquista para garotos. (Lembrete para pensar sobre o ítem número três. Não parece muito convincente)
Terça-Feira, 11/06
Responder comentários e publicar um post sobre relacionamentos que são baseados apenas em aparências. (Escrever para a tal Garota Muito Confusa e perguntar como ela percebeu que queria mais para si mesma do que o cara "bonito" com quem estava se relacionando.)
Kevin parou de ler. O resto do que parecia ser aquele cronograma tinha apenas palavras soltas e confusas que ele não conseguia entender.
Mas ele já tinha lido o suficiente.
Sabia o suficiente.
Sua cabeça começou a girar quando se deu conta de que ela, A Princesa dos Corações Apaixonados, era ela, a garota da frigideira.
Deus! O mundo era realmente muito pequeno...
Kevin ainda digeria aquela informação quando uma voz disse, aproximando-se cada vez mais:
"Trouxe dois analgésicos, mas acho que você devia tomar um primeiro e guardar o outro para mais tarde. É perigoso se viciar nessas coisas e..."
Antes que Kevin pudesse largar a folha, Rebecca apareceu carregando um copo de água e dois comprimidos. Ela olhou para ele, ali, parado no meio de seu quarto como uma estátua, demorando cerca de três segundos para perceber o motivo pelo qual ele estava tão pálido e a olhava como se tivesse acabado de sair de um filme de terror.
Kevin viu quando seus olhos pousaram em suas mãos e viu também quando ela soltou um grito e soltou o copo, que se quebrou em mil pedacinhos ao se encontrar com o chão.
Ela levou as mãos à boca e se afastou, como se de repente Kevin tivesse se transformado em um monstro terrível.
Ele, porém, cruzou os braços e olhou para ela com um sorrisinho convencido.
"Quem diria, não é?", ele disse calmamente. "É um prazer finalmente conhecê-la, Princesa dos Corações Apaixonados."
____________________♥️___________________
Oii meus amores! Mais um capítulo fresquinho de DADT para vocês <3 Espero que tenham gostado!
O que acharam desse primeiro contato da Becca com o Kevin? Parece que eles estão se dando maravilhosamente bem, né? Hahaha. Agora que o Kev descobriu a identidade secreta da nossa mocinha então... Vix, acho que tem treta no ar.
Bom, infelizmente ainda não decidi quais os dias certos para postagens deste livro, mas acredito que a partir da próxima semana já vou ter uma resposta para vocês. Mesmo não tendo um dia certo, vou postar pelo menos uma vez na semana de todo jeito.
É isso pessoal, espero que tenham gostado do terceiro capítulo! Espero que o início do livro esteja conquistando vocês...
Mil beijos e até o ano que vem!
Ceci.
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