• Capítulo Quatro •

Rebecca ainda não tinha se dado conta do que acabara de acontecer. Na verdade, mais parecia que ela tinha congelado no momento, enquanto dentro de sua cabeça imagens e mais imagens se repetiam mostrando sua desgraça total.

Por culpa dele.

Céus, o que aconteceria quando todos descobrissem que ela era a Princesa dos Corações Apaixonados? O blog acabaria! Ela não teria coragem de publicar mais nada. Nunca mais!

Adeus romance. Adeus conselhos e adeus união de casais.

Era como ver um império desabar.

O seu império.

"Ei, loira? Tudo bem?", uma voz soou, parecendo vir de muito, muito longe, mas mesmo assim com força o suficiente para despertar sua raiva, que até então havia ficado adormecida pelo medo. "Escuta, você parece meio pálida e..."

Ela iria matá-lo.

Iria matá-lo e depois cortá-lo em pedacinhos!

Assim que ouviu a voz de Kevin MacCormack zunindo em seus ouvidos como um mosquito irritante, inconveniente e destruidor de sonhos, Becca foi cegada por uma raiva avassaladora e foi para cima dele.

"Cuidado, os cacos do copo!", Kevin tentou alertar, mas já era tarde demais.

Rebecca, que raramente usava qualquer calçado em casa nas épocas mais quentes do ano, sentiu quando cacos de vidro se fincaram em seu pé direito. Por um momento, até se esqueceu de Kevin.

Até ele atravessar o pouco espaço que os separavam com duas passadas e a pegar no colo.

Foi como ter sido eletrocutada.

"Me coloque no chão agora!", ela gritou, batendo no peito de Kevin. "Ouviu? Me largue!"

Ele, porém, se estivesse se sentindo ligeiramente incomodado com os tapas não demonstrou, ao invés disso simplesmente a jogou na cama sem nenhuma cerimônia, como se fosse um saco de batatas.

"Você está bem?", ele teve a ousadia de perguntar, pegando seu pé e o analisando bem de perto.

Rebecca chutou seu nariz, fazendo com que Kevin soltasse um grito e levasse às mãos ao rosto.

A garota, porém, saiu de perto dele mancando e tirou os poucos cacos de vidro que tinham se fincado em seu calcanhar. O sangue fazia com que parecesse que ela tivesse decepado um dedo, mas Becca sabia que tinha tido apenas alguns cortes superficiais.

Nada que um pouco de adrenalina causada pela raiva assassina que ela sentia não pudesse resolver.

"Qual é o seu problema?!", reclamou Kevin com uma voz abafada, enquanto examinava o nariz perfeito com os dedos, provavelmente garantindo-se que estava tudo no lugar. "Eu só queria ajudar! Você costuma ser assim tão agressiva com as pessoas que acaba de conhecer, Princesa?"

O deboche na voz dele quase a matou.

"Só com as pessoas particularmente enxeridas!", gritou Rebecca de volta, fazendo com que Nick, que até então observava toda a cena da porta, se assustasse. "Eu quero... Quero..." Rebecca engoliu em seco, percebendo que lutava para não deixar com que a emoção tomasse conta dela. "Quero que você saia já daqui!"

Kevin MacCormack massageou o nariz uma última vez e olhou para ela com um sorriso sarcástico.

"Não acha que precisamos conversar primeiro? Não sei se você sabe, mas não costumo ficar cara a cara com celebridades todo dia. E você, Princesa, é uma grande celebridade por aqui."

Rebecca nunca se considerou uma pessoa cruel e maldosa. Na verdade, todos de sua família diziam que ela era a mais calma e controlada dos quatro irmãos, que desde o nascimento se revelaram legítimas pestes. Mas agora, naquele momento e enquanto encarava o sorriso pretensioso de Kevin MacCormack, Becca soube que nunca tinha odiado tanto alguém na vida. Nem mesmo o juiz Frollo, de O Corcunda de Notre Dame, poderia competir naquele momento contra aquele garoto.

"Não me chame de princesa", falou Becca baixinho e de dentes cerrados. Kevin soube que ela estava em modo panela de pressão, pronta para explodir.

"Tudo bem, loira", ele disse, levantando as mãos para o alto em um gesto de redenção. "Sem piadas dessa vez."

Rebecca fechou os olhos com força, desejando com o âmago do seu ser que aquilo fosse só um pesadelo. Que logo ela iria acordar feliz em sua cama e descobrir que seu segredo estava a salvo, e não nas mãos do maior babaca que toda Luncarty já tinha visto.

"O que você quer?", perguntou Rebecca com a voz fraca, sentindo suas mãos tremerem. "Fale logo e vá embora!"

Kevin se levantou da cama e lentamente se aproximou de Rebecca, mas antes que pudesse alcançá-la Nicholas rugiu e ele parou no mesmo lugar, com as mãos para cima.

"Hum... Você pode acalmar seu bichinho?", perguntou Kevin com delicadeza. "Ele parece meio bravo e..."

"Fale logo!"

Kevin suspirou.

"O que te leva a pensar que eu quero alguma coisa?", ele perguntou calmamente, encarando-a com seus olhos castanhos que à primeira vista pareciam gentis. "Posso simplesmente ir embora e dizer que não tenho interesse nenhum em sua... Bem, identidade secreta, e nós dois nos despedimos civilizadamente."

Rebecca semicerrou os olhos, pensando que, se era possível matar alguém com um simples olhar, aquele seria o momento perfeito.

"Porque você é um canalha", disse ela sem pestanejar, não ligando para cara de surpresa fingida de Kevin. "E canalhas sempre querem algo em troca."

Kev quis rebater e dizer que não, apenas para ter o gostinho de vencer pelo menos aquela discussão e mostrar para a tal Rebecca que ela estava errada a seu respeito.

Mas ela não estava. Pelo menos não sobre a parte de ele querer algo em troca.

"Você tem razão", ele disse por fim, não gostando nem um pouco como a garota se encolheu ainda mais contra a parede e abraçou-se a si mesma. "Mas não se preocupe, não é nada muito complicado. Pelo menos não para você."

Rebecca continuou muda.

Kevin umedeceu os lábios, perguntando-se como continuar.

"Bom, tem uma garota", ele começou.

"Sempre tem uma garota", ela o interrompeu.

"Nós estávamos indo bem. Nada sério, apenas... Como posso dizer? Encontros de prazer mútuo."

Rebecca fez uma careta.

"Mas então..."

"Ela te deu um pé na bunda?"

Kevin cerrou a mandíbula.

"Não foi bem assi..."

"Foi sim", rebateu Rebecca, agora parecendo se divertir com o desconforto dele. "Quem é a garota? Você às troca como troca de cuecas, MacCormack, é meio difícil de acompanhar."

Kev a olhou com raiva, odiando ainda mais o fato de aquelas suas palavras venenosas estarem cobertas de razão. De novo.

"Abby Collins."

Rebecca não pareceu muito surpresa, ao invés disso, simplesmente perguntou:

"Está apaixonado por ela?"

Foi como levar um tiro no peito.

"Não!", ele disse no mesmo instante - praticamente gritando - e dando um passo para trás. "Ficou maluca?!"

"Não, você é quem está maluco. Se ela te deu um fora, porque estava correndo dela mais cedo e acabou parando no meu quintal?"

"Eu estava fugindo de outra garota, não de Abby."

Rebecca revirou os olhos.

"Claro, não estou nem um pouco surpresa." Ela fez uma pausa e encarou Kev com olhos atentos. "Se não está apaixonado por ela, por que se importa se tudo está acabado?", ela perguntou simplesmente. "É só o seu orgulho falando, não é? Aposto que nunca levou um fora na vida."

"Você não tem nada a ver com isso", sibilou ele.

"Suponho que tenha, já que agora você está me chantageando de alguma forma!", exclamou Rebecca, furiosa. "Dá para terminar logo?"

"Bom, a questão é", começou de novo Kevin, agora apontando um indicador de forma acusatória para Becca. "Eu estava até gostando de passar um tempo com ela. Abby é uma garota legal e... bom, é linda. Mas tudo acabou cedo demais. Por sua culpa."

"Minha culpa?", perguntou Becca indignada, arregalando os olhos para Kevin. "Será que acertei sua cabeça dura com mais força do que pretendia com aquela frigideira? O que eu tenho a ver com essa história?"

"Foi graças a você, princesa, que Abby veio com ideias românticas sobre querer alguém melhor para ela. Um príncipe. Ela até me chamou de Shrek! Tem ideia do que esse seu blog anda fazendo com os jovens de Luncarty? Meu melhor amigo já é um dos que você abduziu."

Se estivesse em outra situação, Rebecca teria rido. Teria gargalhado até. Como era bom ver aquele garoto irritante e metido a besta contrariado daquele jeito...

"Bom, posso dizer que nunca me senti tão orgulhosa", respondeu Becca com um sorrisinho triunfante. "Bem fez essa Abby de sair fora. Deus me livre passar mais que uma hora com você."

Kevin escancarou a boca.

"Você nem me conhece!"

"Bom, já sei que é enxerido, chantageador e tem um charminho barato. Acho que não preciso de muito mais para chegar à conclusão de que te ter por perto não é agradável ou prazeroso."

Kevin rugiu.

"A questão é a seguinte", ele continuou, olhando enfurecido para Rebecca. "Não estou a fim de ter fama de ogro e não conseguir pegar mais ninguém por conta disso. Eu quero que você... me ajude."

Admitir aquilo em voz alta foi péssimo. Era como admitir para si mesmo que, na nova era em que o colégio de Luncarty estava vivendo, cheia de romance e paixão, ele, Kevin, não conseguiria mais ter um único relacionamento se todas as garotas começassem a procurar por príncipes encantados.

E ele não era um príncipe. Não mesmo.

"Te ajudar?", perguntou Rebecca, estreitando os olhos para ele. "Do que está falando?"

Kevin suspirou, já se sentindo patético.

"Você é considerada uma mestra no romance por todo mundo, tá legal? Já uniu casais improváveis e parece saber tudo sobre o assunto. Não quero reconquistar Abby, para mim ela já é passado. Mas..." Kevin engoliu em seco. "Acho que seria útil aprender como tratar uma garota de maneira que ela não me dê um fora depois de três semanas."

Rebecca olhou-o séria e Kevin se sentiu grato por ela. Pelo menos ela tinha tido a decência de não gargalhar.

A situação era mesmo ridícula.

"Me deixe ver se entendi", ela falou calmamente, como se sua cabeça fosse incapaz de achar tudo aquilo concebível. "Você, Kevin MacCormack, o maior galinha da escola inteira, quer um relacionamento sério?"

"Não", ele respondeu o mais calmamente que conseguia. "De jeito nenhum..."

"Então você só quer saber todas as técnicas de conquista para atrair uma garota pelo tempo que você quiser e depois descartá-la sem mais nem menos, partindo seu coração?"

"Não!", disse ele, agora realmente indignado. "Que tipo de monstro acha que eu sou?"

"O tipo de monstro que está me chantageando para te ajudar a ser um cavalheiro em troca de manter meu segredo a salvo!"

"Ei, loira, calminha aí", ele falou, se aproximando um pouco mais dela. "Para que todo esse rancor, hein? Não foi minha culpa ter descoberto sobre você. O papel estava bem ali, à vista, você quem foi meio idiota."

"Esse é o meu quarto", ela falou entredentes, afundando um dedo no peito de Kevin como se quisesse perfurá-lo. "Você deveria estar bem quietinho na cama enquanto eu buscava os analgésicos."

"Passado é passado", ele disse calmamente, dando de ombros. "Mesmo se esse passado tiver acontecido há apenas cinco minutos. Nada de lamentação."

Rebecca abriu a boca, mas em seguida se calou e cruzou os braços, resmungando algo para si mesma.

"Se isso de consola, não quero aprender a ser um... cavalheiro, como você diz, para quebrar corações nem nada disso." Kevin suspirou, percebendo que, pela primeira vez na noite, estava sendo totalmente sincero. "Eu só acho que isso é importante de se aprender. Nem todo cara nasce com todo esse dom para paquera, embora eu seja extremamente charmoso e galanteador." Rebecca revirou os olhos diante da afirmação. "Se um dia, por acaso, eu quiser algo sério, e já adianto que isso é em um futuro bem distante, acho que seria mais fácil se tivesse passado por um treinamento completo com A Princesa dos Corações Apaixonados." Ele fez uma pausa e olhou para ela com um sorriso torto. "Aliás, antes que eu me esqueça, alguém já lhe disse o quanto esse nome e ridículo?"

"Você é ridículo."

Kevin sorriu ainda mais.

"Obrigado. E, se quer mesmo saber, saiba que seu segredo está a salvo comigo. Não vou contar a ninguém sobre você, embora, é claro, eu tenha pelo menos cem motivos para não gostar de você e acabar com esse seu blog de amorzinho."

Rebecca ficou calada por um instante, mas mesmo assim Kevin se deliciou em ver a surpresa nos olhos dela.

Finalmente.

"Você não vai... contar a ninguém?", ela perguntou baixinho, olhando-o com atenção.

"Não", respondeu Kevin despreocupadamente, colocando as mãos atrás das costas. "Por isso, não precisa surtar."

Rebecca se endireitou e olhou para ele com o nariz empinado. Se aquilo era uma tentativa de tentar igualar suas alturas para que ela se sentisse superior, Kevin achou uma piada.

Ele era pelo menos dez centímetros mais alto que ela.

"Se não vai contar para ninguém", começou Rebecca, cheia de desconfiança, "então por que eu deveria ajudá-lo?"

"Porque, loira", disse Kevin. Agora sua voz não passava de um sussurro. "Eu posso dar o que você quiser em troca."

Rebecca o encarou com ainda mais afinco e Kevin sentiu que a qualquer momento aqueles olhos de lince poderiam ver através de sua alma.

Nada confortável.

"Você está assim tão desesperado para se tornar um cara educado que mantêm as garotas por perto?"

Involuntariamente, Kev engoliu em seco.

Becca amou ver aquilo.

"Isso não é da sua conta, tá legal?", ele disse, agora empinando o nariz também. "Então? Trato feito?"

Rebecca ficou em silêncio por longos instantes e viu quando a veia do coração começou a pulsar fortemente no pescoço de Kevin. Por algum motivo, ela sabia, aquilo era mais importante para ele do que ele próprio demonstrava. Ou se atrevia dizer a ela.

Que pena.

"A única coisa que você poderia me dar, Kevin MacCormack", começou Becca, enfiando um dedo em seu peito novamente e fazendo com que ele desse um passo para trás. "É paz. Sabe o que é isso?" Ele recuou mais. "Por isso, saia já da minha casa. Não quero nunca mais ver sua fuça de novo!"

Àquela altura, Kevin já estava com as costas apoiadas no parapeito da janela em arco. Lançando um olhar para baixo, ele sentiu seu estômago revirar.

"Tem certeza?", ele propôs pela última vez. "Posso fazer o que você quiser."

Rebecca já abria a boca para refutar, mas de repente ela se pegou pensando no que ela queria e no que ele poderia dar.

Havia uma coisa, é claro. Sempre havia. Mas, definitivamente, ela não se sujeitaria a treinar o ogro que era Kevin em troca daquilo.

Limites.

"Saia já daqui", ela disse de novo, e quando Nick rosnou atrás da dona, Kev não precisou ouvir duas vezes.

"Se mudar de ideia", ele falou quando já estava na porta. "Sabe onde me encontrar."

Becca olhou para aqueles olhos castanhos brilhantes e para aquele rosto bonito que só parecia ser bonzinho e pensou como aquela noite foi e estava sendo exaustiva.

E, para completar, ela ainda não tinha nenhuma garantia que ele manteria seu segredo a salvo.

Se ele estivesse mentindo para ela, se, na primeira oportunidade contasse a alguém e a notícia se espalhasse... Ela mudaria de cidade.

Sim, arrumaria as malas e iria... iria... Para um colégio de freiras! Sim, talvez lá elas a aceitassem.

Mas, mesmo com todos aqueles medos borbulhando dentro de si e vendo-se na posição mais frágil que já estivera na vida, Becca mesmo assim teve força o suficiente para fuzilá-lo com o olhar e dizer:

"O único lugar que eu quero que você esteja, MacCormack, é longe da minha vida!"

Então Nicholas rugiu novamente e Kevin deu no pé.

Segundos mais tarde, olhando de sua janela, Becca viu quando o garoto sumiu por entre as árvores do bosque, tão rápido quanto tinha aparecido.

_____________________👑___________________

Oii meus amores! Espero que tenham gostado desse capítulo! Eu me diverti muito escrevendo e quero saber como foi a experiência de leitura de vocês ♥️

Kevin e Rebecca parecem estar em pé de guerra. Nosso querido mocinho parece ver a importância de ser um cavalheiro, mas Becca não quer muito ajudar... Será que algo pode mudar isso??

Espero que estejam gostando do livro! Essa é a minha segunda releitura de contos de fadas e tô amando a experiência!

Muitos e muitos beijos,

Ceci.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top