• Capítulo Onze •
Kevin dedilhou a palheta pelas cordas do violão, deixando com que a música preenchesse cada centímetro de seu quarto. Os acordes vinham até sua mente com facilidade, e era mais fácil ainda reproduzi-los no violão.
Lançou um olhar para a letra da música que tinha escrito em uma folha de papel. Embora não arriscasse abrir a boca para cantar – aliás, ele sabia que tinha gente em casa – as palavras ressoaram por sua mente, tão altas e claras que ele poderia jurar que também as estava cantando em voz alta.
Ele estava na última estrofe quando percebeu que uma palavra não se encaixava bem com a melodia. Parou, pegou o lápis que estava em cima da escrivaninha e pensou em outra coisa.
Quando finalmente algo pareceu bom, ele voltou a tocar a música, desde o começo, cantando-a bem baixinho, e percebeu que a mudança na letra tinha encaixado perfeitamente.
Ele ficaria ali por mais uma hora tocando e compondo se a sua barriga não protestasse em resposta. Ela deu um ronco tão grande que Kevin se assustou.
"Talvez eu precise de um lanchinho", ele disse para si mesmo, tendo o cuidado de reunir os papéis onde estavam suas canções e guardar no fundo da gaveta, escondidos por fones de ouvido, moedas e trabalhos antigos de escola.
Quando saiu do quarto, percebeu que a casa estava silenciosa. A mãe provavelmente já tinha ido para o orfanato, o pai estava trabalhando – como sempre – e Megan devia ter ido passear pela cidade ou encontrar alguma amiga antiga do colégio.
Mas assim que ele entrou na cozinha percebeu que estava errado.
A irmã estava ali, sentada de frente para a enorme janela de vidro que dava para os jardins dos fundos da casa, bebericando algo em uma xícara.
"Não sabia que estava em casa", ele disse se aproximando dela. Megan se assustou e virou-se, abrindo um pequeno sorriso para o irmão.
"Estava cochilando", ela disse, dando de ombros. "Mas acordei com a sua música."
Kevin não respondeu, mas sentiu a ponta das orelhas queimarem. Antes que a irmã percebesse, ele se virou e começou a preparar um café para si mesmo.
"Olha só para você, todo envergonhado", brincou Megan, soltando uma risada. "Não entendo o motivo. Você canta e toca sem vergonha nenhuma no orfanato."
"É diferente", ele limitou-se a responder.
"Diferente como?"
"Bem", ele começou, ainda sem olhar para ela, "no orfanato, eu só toco e canto o que as crianças querem ouvir. Músicas de outras pessoas."
"Não as suas."
"Isso aí."
Kevin sabia que não devia, mas mesmo assim se sentia pouco à vontade conversando sobre aquilo com a irmã. Quer dizer, eles não tinham segredos um com o outro, eram praticamente melhores amigos desde sempre, mas tudo o que estava relacionado a ele e sua paixão nem tão secreta assim por violão e composição o deixava meio sem jeito.
Tirando Megan e sua mãe, apenas Max sabia sobre suas músicas e como gostava de compô-las. E Max era seu amigo por tempo demais para implicá-lo por compor musiquinhas de romance.
Mas, bem, não eram musiquinhas de romance.
Só eram... Sentimentos. Sentimentos que não pertenciam a ele e que de vez em quando colocava no papel e acabava formando algo legal.
Mas, mesmo assim, Kevin tinha o cuidado de manter aquele hobby em segredo, aliás, quem pensaria que uma coisa daquelas tinha a ver com ele? Na certa teria de ouvir gozações de todos os colegas se eles um dia viessem a descobrir que Kevin não só tocava violão, mas tinha pelo menos umas cem músicas originais escritas.
"Sabe, acho que um dia você poderia ganhar muito dinheiro se vendesse essas músicas", opinou Megan, fazendo com que Kevin quase engasgasse com o café que estava bebendo. "É sério. Se você não quisesse, seu nome nem seria mencionado por isso. As canções fariam sucesso."
Kevin armou sua melhor cara de ironia e ergueu uma sobrancelha para a irmã.
"Vai sonhando."
"Eu estou falando sério."
"Sei que está. Imagina se o nosso pai ouvisse uma ideia dessas..."
Kevin tinha vontade de rir só de pensar.
Provavelmente o velho homem ficaria escandalizado e taxaria o filho de todos os nomes possíveis. Um MacCormack? Trabalhando com músicas? Seria uma vergonha para a família.
Kev olhou para a irmã, percebendo que ela ficara calada de repente. Então, notou algo que definitivamente era estranho.
"Por que você está vestindo um casaco nesse calor de quase trinta graus?"
Megan desviou os olhos dos do irmão e caminhou até a pia da cozinha, lavando sua xícara.
"Acho que estou meio resfriada."
Kevin se aproximou de Megan e colocou a mão em sua testa e em suas bochechas rosadas.
"Você não está com febre."
"Bem..."
Mas ela simplesmente se afastou das mãos dele e foi até o armário, ficando nas pontas dos pés para conseguir guardar sua xícara no lugar certo.
Naquele instante, as mangas do casaco que ela vestia desceram um pouco e Kevin viu manchas roxas e avermelhadas no pulso esquerdo da irmã.
Como um raio, ele atravessou a cozinha e forçou-a a ficar de frente para ele. Megan tentou se desvencilhar, mas antes que ela fizesse isso Kevin já tinha arregaçado uma das mangas do casaco e exposto um antebraço coberto de hematomas recentes.
"Megan, o que é isso?", ele perguntou, sentindo a boca ficar seca como papel.
Kevin se considerava um cara forte, na maioria das vezes mantendo o controle de suas próprias emoções, mas naquele instante ele sentiu toda a cozinha vacilar ao seu redor.
Ele precisou de alguns segundos para se firmar novamente.
"Eu caí", Megan respondeu então, e agora ela olhava bem fundo nos olhos do irmão. "Estava descendo as escadas da entrada ontem e tropecei. Acabei machucando o braço inteiro."
Ela então se afastou do aperto dele e abriu um sorrisinho.
"Você sabe, eu nunca fui a garota mais vaidosa do mundo, mas até você tem de admitir que esses hematomas não estão nada bonitos. Só de ver eu tenho agonia, por isso decidi esconder." Ela ajeitou a manga do casaco e voltou a cobrir os hematomas. "Não se preocupe, já fui à farmácia e estou passando uma pomada ótima."
Kevin não respondeu. Não conseguia.
Se era mesmo aquilo, por que ela tinha mentido para ele antes, sobre o resfriado?
Sua cabeça girava com muitas possibilidades, mas apenas uma teve o poder de paralisá-lo e fazer desejar qualquer coisa que não fosse aquilo.
Por isso acreditou no que a irmã dizia.
Precisava acreditar. Tinha medo do que aconteceria com ele se pensasse o contrário.
"Eu vou sair", ele anunciou então, dando as costas para Megan. "Te vejo mais tarde."
"Kevin, não faça nada estúpido", ela disse rapidamente, antes que ele sumisse de vista. Kev sabia muito bem do que ela estava falando, mas ele não faria aquilo. Não até ter certeza. "É sério, ok? Eu só caí."
Ele não respondeu, ao invés disso foi até seu quarto e pegou o violão e a carteira, em menos de um minuto saindo da garagem de casa com sua caminhonete.
Era incrível – ele pensava enquanto dirigia sem rumo pela pequena cidade que parecia ainda mais vazia naquele sábado à tarde – como em nenhum momento Megan e ele tinham pronunciado o nome dele, e mesmo assim a figura do pai parecia rondar e espreitar em volta deles, como se os desafiassem a fazer alguma coisa.
Kevin passou a mão pelos cabelos.
Só Deus poderia saber como ele realmente desejava que a irmã tivesse caído das escadas.
Kevin estacionou o carro perto da capela que ficava em uma rua mais calmas da cidade. Ele pousou a cabeça no volante e tentou a todo custo não pensar. Não deixar que as ideias e possibilidades invadissem sua mente e o fizessem perder a sanidade.
Pensou em ir até o orfanato e tentar se contagiar com a alegria das crianças. Mas aquilo não seria justo. Kevin sempre ia até lá com a maior das energias, e tudo o que ele conseguiria fazer naquele momento era colocar as crianças para baixo, assim como ele.
Não suportaria ser o motivo de desânimo delas, ao invés do contrário.
Tão pouco queria voltar para casa. Sentia que morreria sufocado dentro daquele lugar se ficasse mais um minuto ali.
E Max... Ele podia ligar para Max, tinha certeza que o amigo sairia de onde estivesse e os dois poderiam sentar em um bar e jogar papo fora. Mas ele se lembrava que o amigo tinha dito que iria até uma cidade próxima para o aniversário de uma tia e só voltaria mais tarde.
Ou seja, sem Max.
Kevin também não queria ficar sozinho. Queria sim beber e tentar esquecer o que lhe preocupava, mas sabia como aquilo era perigoso e no que poderia lhe tornar.
Alguém igual ao seu pai.
E ele preferiria morrer a ser igual a ele.
Estava prestes a ceder e voltar para casa quando uma ideia lhe ocorreu. Era algo estranho, até mesmo inquietante, mas de alguma forma... Parecia certo.
Kevin não tinha tempo para pensar sobre aquilo ou no que significava. Aliás, provavelmente não significava nada. Mas, antes que mudasse de ideia e se contentasse em passar o dia inteiro sozinho enfurnado num quarto, sacou o celular e ligou para Rebecca.
"Isso aqui bom", Kevin ponderou baixinho, enquanto colocava um saco de salgadinhos sabor peito de peru no carrinho de compras. "E isso aqui também." E jogou um pacote de bolachas recheadas no monte cada vez maior.
Ele foi para a sessão de bebidas e pensou em levar algo alcoólico, mas o mais certo era que Rebecca não bebia, por isso escolheu uma garrafa de suco de uva.
Depois de ficar satisfeito com o que tinha escolhido e determinar que aquilo estava de bom tamanho para um piquenique de duas pessoas, foi até o caixa pagar tudo.
Enquanto estava na fila, Kevin se perguntou pela centésima vez o que diabos estava fazendo.
Mas a verdade era que, quando chamara Rebecca para fazer algo e ela surpreendentemente concordara, ele ainda não tinha ideia do que eles poderiam fazer e aonde iriam.
Ele precisou pensar bastante até encontrar algo que talvez garotas como ela gostassem. Deus sabia que ele não era o cara mais perceptível do mundo, mas Rebecca parecia bem o tipo de pessoa que gostava de programas calmos e ao ar livre.
Um piquenique seria perfeito.
Ele pretendia levá-la a um lugar um pouco afastado da cidade, assim não corria risco de alguém vê-lo numa cena daquelas. Seria mais que humilhante...
Depois de colocar tudo no porta-malas do carro, Kevin dirigiu até a casa da avó de Rebecca, que não era nem um pouco difícil de encontrar em uma cidade daquele tamanho. Ele não precisou nem usar a localização que Rebecca tinha lhe mandado por mensagem.
Assim que chegou até lá, se deparou com uma casinha amarela de jardim bem cuidado, onde só havia margaridas. Nos degraus que levavam até a porta da frente, Kevin viu Rebecca sentada, olhando para o celular em suas mãos.
Sem a menor cerimônia, ele buzinou.
Ela ergueu os olhos verdes, assustada, e Kevin sorriu, buzinando de novo. Ela lhe lançou um olhar de poucos amigos e foi até o carro, colocando a cabeça para dentro da janela do passageiro.
"Você promete que não vai me levar para nenhum lugar esquisito, né?", foi a primeira coisa que ela disse, os cabelos loiros caindo pelos ombros e quase atingindo o assento do banco do passageiro.
Kevin sorriu tranquilamente.
"É justamente o oposto disso, loira."
"Não me chame assim perto da minha avó."
"E como devo chamá-la então?", ele perguntou docemente, tão docemente que ela revirou os olhos com o sarcasmo.
"Pelo nome."
"Tá certo."
Naquele instante Rebecca se afastou da porta e Kevin viu uma senhora de idade sair da casa amarela. No mesmo instante, ele pulou do carro e deu a volta até estar ao lado de Rebecca.
"Então você é o Kevin", a mulher disse assim que chegou até eles, olhando para Kev de cima a baixo com os olhos verdes reluzentes.
Ele abriu um sorrisinho.
"Sou eu. É um prazer conhecê-la, senhora..."
"Pode me chamar de Beth", ela falou com um sorriso radiante, e ao seu lado Kevin viu Rebecca lançar um olhar engraçado para a senhora.
"É claro." Kevin então deu um passo para frente. "Me desculpe, mas Rebecca disse que a senhora era avó dela. Tem certeza? Não parece nem um pouco. Eu poderia jurar que vocês são mãe e filha."
Aparentemente o comentário provocou o efeito desejado, pois no mesmo instante Beth soltou uma gostosa gargalhada e deu um tapinha na mão dele.
"Ora, rapaz, assim você me deixa sem graça." Então ela se virou para a neta, que olhava de um para o outro como se fossem alienígenas. "Becca, por que não me contou que seu amigo era tão lisonjeiro?"
Rebecca abriu um sorrisinho e Kevin poderia jurar que ela o estava xingando de todos os nomes possíveis internamente. Ele queria rir, mas se conteve.
"Ah, vovó, ele escolhe muito bem os momentos em que vai ser lisonjeiro."
Kevin abriu um sorriso afetado para ela. Aquela garota venenosa...
"De quem você é filho, querido?", a senhora respondeu ainda sorrindo, se voltando para Kevin.
Ele hesitou um momento antes de responder.
"Minha mãe é Virginie MacCormack."
"Ah, você é filho de Frank!", ela exclamou no mesmo instante, parecendo realmente surpresa. "Agora vejo a semelhança. Não sabia que você e Rebecca estudavam juntos."
"Temos algumas aulas em comum."
"É claro." Então Beth sorriu ainda mais para ele. "Não quer entrar? Acabei de fazer um bolo delicioso e..."
"Vovó", interveio Becca no mesmo instante, se enfiando na frente de Kevin. "Acho melhor Kevin e eu irmos agora. Se não logo já vai ser a hora de eu voltar para casa, não é?"
"Ah, é claro querida." E então, não sendo nem um pouco discreta, a senhora lançou uma piscadela para a neta. Kevin queria gargalhar. Já gostava muito mais daquela mulher simplesmente pelo fato de ela estar deixando Rebecca vermelha como um tomate. "Se divirtam. Kevin, querido, posso confiar em você para tomar conta da minha menina, não é?"
"É claro, senhora", ele disse seriamente, ao mesmo tempo em que Rebecca falava:
"Vovó, eu sei cuidar de mim mesma."
"É claro que sabe, querida. Até mais tarde!"
Kevin então deu um beijinho na mão da senhora, que arquejou e riu, também ficando vermelha. Sorrindo, ele abriu a porta do passageiro para Rebecca entrar.
Quando eles já estavam sozinhos na cabine, ela disparou:
"Você não é educado daquele jeito comigo, seu falso."
Kevin soltou a gargalhada que estivera segurando desde o momento em que conhecera a avó de Rebecca.
"Isso é porque você também não é educada daquele jeito comigo. Você sempre parece uma boa moça para a sua família, mas em segredo nocauteia pobres rapazes indefesos?"
"Em primeiro lugar, de pobre e indefeso você não tem nada, e, em segundo, eu sou sim muito educada."
Kevin lhe lançou um olhar condescendente.
"É claro que é."
Rebecca lhe deu um tapa no braço, apenas fazendo com que ele risse.
"Você me tira do sério. É a única pessoa que eu conheço que me irrita tanto, até mais que meus irmãos mais novos."
"Isso é uma honra para mim, loira."
"Para mim, não é não."
Kevin sorriu e continuou dirigindo. Como mágica, as preocupações que tomavam conta dele antes lentamente foram sumindo até quase desaparecer.
Sem que percebesse, havia só Rebecca, o som de sua risada e a luz do sol.
_____________________♥️___________________
Oii gente! Novamente capítulo saindo no dia certinho para vocês hahaha (orgulho de mim)
Me digam o que acharam desse drama do Kevin. O que será que aconteceu com a Megan? Como ele está/vai lidar com isso. E sobre as músicas? Já sabiam? Desconfiavam? Me contem tudo!
O que esperam desse piquenique do próximo capítulo? O que será que vai rolar? Façam suas apostas!
Vejo você na quarta-feira, beijos e até mais!
Ceci.
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