• Capítulo Doze •
"Não vai mesmo me contar para onde está me levando?", perguntou Rebecca sem disfarçar a apreensão, percebendo que eles estavam saindo da cidade.
"Vai estragar a surpresa", respondeu Kevin tranquilamente, batucando os dedos no volante do carro.
"Não me importo com surpresas."
Ele lhe lançou um olhar aborrecido.
"Não vou te sequestrar, loira."
"E como eu posso ter certeza?"
"Pensei que confiasse em mim."
"Eu confio", ela apressou-se a dizer, porque aquela era a verdade. Apesar de ser um chato, ela confiava em Kevin. Por algum motivo aquilo era algo tão certo como respirar. "É só que..."
"Tudo bem", ele disse, soltando um suspiro dramático. "Programei um piquenique para gente."
Rebecca ficou em silêncio por alguns instantes, piscou para Kevin e tentou associar a imagem de um piquenique a ele, um cara grande, popular e dado a festas e bebedeiras.
"Quem é você e o que fez com o Kevin que eu conheço?"
Ele riu e lhe deu um empurrãozinho com o ombro.
"Eu não gosto de piqueniques, para deixar claro. Só pensei que era algo que você gostaria."
"É mesmo?" Ela cruzou os braços e abriu um meio sorriso para ele. "E desde quando você se importa com o que eu gosto?"
"Desde agora, sua irritante." Ele abriu um sorrisinho presunçoso. "Além do mais, decidi te usar como cobaia para aplicar os truques que você está me dando sobre conquista. Assim já vou me exercitando."
Becca segurou a risada.
"E por quanto tempo você precisou usar seu cérebro brilhante para chegar à conclusão de que um piquenique seria uma boa ideia?"
"Bem", ele começou, incrivelmente sério. "Primeiro pensei em você e soube que não gostaria de ir a nenhum lugar com muita gente. Pensei no que estaria disponível no meio da tarde de um sábado e que tipo de evento uma garota acharia fofo e romântico. Então, voilà, piquenique na área!"
Ela não conseguiu segurar. Soltou uma gargalhada.
"O que foi?", Kevin perguntou, lançando um rápido olhar para ela e logo em seguida voltando os olhos para a estrada.
"Não é nada", ela disse, ainda rindo e enxugando os olhos que estavam lacrimejando. "É só que... Bem, imaginar você pensando tudo isso é engraçado."
"Fiz tudo errado, né?"
Rebecca sorriu diante da expressão chateada de Kevin. Era quase imperceptível, mas ela ainda sim conseguiu detectar com clareza.
"Na verdade, você arrasou", ela disse para encorajá-lo. No mesmo instante os olhos castanhos de Kevin se iluminaram e ele sorriu para ela. "Mas sempre se lembre de que cada garota tem um gosto diferente. Da próxima vez, certifique-se que a menina gosta do tipo de programa que está planejando antes de arriscar."
"Sim, senhora."
Naquele momento Kevin saiu da rodovia e entrou por uma estreita estrada de terra que serpenteava pela floresta. Colocando a cabeça para fora da janela, Becca conseguia sentir o cheiro da natureza, dos mais diversos aromas de plantas e árvores e ouvir os sons dos pássaros por todo canto.
Em um trecho mais aberto a frente, Kevin estacionou o carro em uma clareira próxima a estrada tranquila e eles desceram do carro.
"Ótimo local para um piquenique", Rebecca disse, observando a clareira parcialmente limpa, as altas copas das árvores que os protegeriam contra o sol da tarde e o riacho estreito que corria veloz bem próximo dali. "Como conhecia esse lugar?"
"Meu tio tem uma fazenda logo ali na frente", ele explicou, abrindo o porta-malas do carro. "Minha irmã e eu gostávamos de vir até aqui e tentar pegar girinos no riacho."
"Legal", ela disse com um sorriso sincero, inspirando fundo.
Por mais que sua casa ficasse parcialmente fora da cidade, ainda não era a mesma coisa que estar realmente afastada e em contato direto com a natureza. Era revigorante.
"Aqui, tem uma manta que eu sempre deixo no carro. Pode estendê-la, por favor?"
Rebecca pegou a manta e colocou no chão de terra bem perto do riacho, para que pudesse escutar o barulho relaxante da água correndo, enquanto Kevin descarregava o carro e levava os lanches até ela.
"Meu Deus, quanta coisa!", ela exclamou, ao olhar para a manta de piquenique depois que Kevin finalmente pôs tudo ali. "Não vamos conseguir comer tudo isso."
"Eu consigo."
Ela riu e ergueu uma sobrancelha para ele.
"É claro que consegue."
Ela começou a ajeitar tudo e procurar algo que despertasse sua fome. Estava tão à vontade e satisfeita que de repente se deu conta de como já estava gostando de estar ali, em um cenário diferente para variar.
"Trouxe isso para você", ele disse então, estendendo para ela uma embalagem de plástico transparente com um pedaço enorme de bolo de chocolate e morangos lá dentro. "Eles fizeram uma padaria dentro do supermercado do Alex. Quando vi a quantidade de bolos deliciosos que estavam fazendo lá, lembrei de você."
Rebecca segurou a embalagem com todo o cuidado do mundo e sorriu para Kevin.
"Bem, isso foi bastante fofo."
"Corta essa, loira."
Ela riu, se divertindo com o aparente desconforto dele ao receber o elogio.
"Mesmo assim, Sr. Orgulho, obrigada." Ela então abriu a embalagem e se deliciou com o cheiro de morangos frescos. "Quer um pedaço?"
"Não como morangos."
"É mesmo", ela disse, se lembrando do que ele tinha dito na quinta-feira, antes de ir até a confeitaria. "Você não gosta? São tão bons!"
"Na verdade, eu sou alérgico", ele disse tranquilamente, colocando um pouco de suco de uva num copo descartável.
"Alérgico a morangos?", ela perguntou encabulada, dando uma mordida no bolo e quase derretendo quando o sabor se espalhou por sua boca. "Que vida triste a sua."
Ele riu e deu de ombros.
"Bom, na verdade eu só comi morangos uma vez e logo em seguida descobri a alergia. Então não é como se eu fosse privado de comer algo que amasse demais."
"Você ficou todo empolado quando comeu?"
"Parecia uma bola de basquete com manchas vermelhas."
Rebecca engasgou quando riu.
"Eu daria a vida para ver isso!"
"Vai morrer sem ver."
Ele então abriu um pacote de salgadinhos e começou a comer.
"Me fala de você", pediu de repente, fazendo com que o coração dela desse um pulinho.
Rebecca mastigou o bolo devagar e deu de ombros, tentando parecer despreocupada.
"Você já sabe bastante coisa sobre mim."
"Não sei, não. Sei um pouco do que gosta e do que não gosta, mas não muito mais que isso. Me fala sobre sua família."
Becca pegou a garrafa de suco e serviu-se um pouco.
"Bom, você já conheceu a minha avó."
"E adorei, por sinal."
Rebecca sorriu.
"Acho que ela pode estar um pouco apaixonada por você."
"E quem não fica apaixonado por mim?"
Becca limitou-se a revirar os olhos.
"Minha mãe é enfermeira no hospital da cidade, trabalha lá desde sempre. Tenho um irmão mais velho e dois mais novos do que eu."
"Você tem três irmãos?!", perguntou Kevin, arregalando os olhos para ela como se aquela fosse a coisa mais absurda do mundo. "Meu Deus."
Ela riu e deu de ombros, pensando com carinho nos irmãos.
"Simon você quase conheceu ontem. Ele é o mais velho. Depois sou eu, Gabrielle e por último Fred."
"É um família grande", ele comentou, ainda impressionado com o fato de ela ter três irmãos. Quase nenhuma família moderna tinha tantos filhos assim. "E o seu pai?"
No mesmo instante ele percebeu que aquela tinha sido a pergunta errada a se fazer. Rebecca se remexeu desconfortável e baixou o copo de suco, desviando os olhos dos dele.
"Desculpe", Kevin apressou-se a dizer. "Não precisa responder se..."
"Não, tudo bem", Becca disse, forçando-se a abrir um pequeno sorriso para ele. "É que eu não falo muito dele mesmo."
Ela deu um gole do suco e então olhou para Kevin. Ela parecia tentar encará-lo sem pestanejar, com um sorriso fraco nos lábios.
"Ele foi embora de vez quando eu tinha onze anos", ela contou, dando de ombros. "Minha mãe e ele meio que se divorciaram."
"Ah..." Kevin procurou desesperadamente por algo que pudesse dizer. Mas, por mais clichê que fosse, apenas uma coisa veio a sua mente: "Sinto muito."
"Não", Rebecca falou no mesmo instante, balançando a cabeça. "Talvez tenha sido melhor assim."
Kevin assentiu, sem desgrudar os olhos dela.
"E onde ele está agora?"
"Eu não faço ideia", ela respondeu com uma sinceridade fria, mas Kevin conseguia ver a sombra de dor em seus olhos. "Fora do país, talvez. Sabe, ele não quer ter de pagar pensão para tantos filhos."
"Desculpe, Rebecca, mas seu pai parece ser um babaca."
Ela soltou uma risadinha e ajeitou uma mecha do cabelo atrás da orelha.
"É, eu acho que sim. Sabe, quando minha mãe me contou que ele tinha ido embora, eu fiquei dividida entre ficar triste por ele nem ter se dado ao trabalho de se despedir e feliz por não ter de aguentar mais todas aquelas brigas. Porque minha mãe e ele brigavam o tempo todo. Era insuportável."
Rebecca se calou, perguntando-se alarmada por qual motivo estava dizendo tudo aquilo para Kevin. Eles se conheciam há pouco tempo e ela já estava despejando coisas demais, coisas que evitava até mesmo pensar.
Mas, apesar de uma parte dela estar se repreendendo por ser tão aberta com Kevin MacCormack, a outra parte dizia que podia confiar nele, que era bom botar aquilo para fora.
"Às vezes", ela continuou então, sem olhar para ele, "me pergunto se sou uma má pessoa por ter ficado nem que seja um pouquinho feliz com a partida dele."
O silêncio pareceu dominar toda a clareira. Tudo o que Rebecca conseguia ouvir era o som do riacho correndo e os pássaros cantando ao longe. De repente ela quis enfiar a cabeça em um buraco e sumir, tamanha era a vergonha que sentia por estar dizendo tudo aquilo.
Então, antes que pudesse considerar mais um pouco a possibilidade de cavar o tal buraco, Kevin disse:
"Ei, olha para mim."
Becca se assustou com o pedido, mas mesmo assim ergueu o rosto. Kevin parecia mais perto agora, seu rosto era tão gentil e os olhos tão preocupados e reconfortantes que por um segundo ela teve vontade de chorar.
Nem sabia por quanto tempo aquelas ideias e pensamentos rodavam sua mente. Nunca na vida tinha ousado colocá-los para fora, preferia, sempre que pensava naquilo, empurrá-los para mais fundo e mais fundo, com a esperança de que um dia desaparecessem.
Mas nunca havia funcionado.
"Rebecca", ele disse, olhando sério para ela. "Você não é uma pessoa ruim por ter ficado contente pelo que aconteceu. Eu sei que você gosta do seu pai, mas, se uma pessoa faz tanto mal para você assim, às vezes o melhor que podemos fazer é deixá-las ir embora. Isso dói, mas é claro que também traz um pouco de alívio. É normal."
"Mas a minha mãe sofreu muito", ela sussurrou baixinho, e de repente as imagens da mãe à beira da depressão depois dos primeiros meses da partida do pai vieram com claridade.
"Você ficou feliz pelo sofrimento dela?"
"É claro que não", Becca respondeu com veemência no mesmo instante. "Eu sei que aquilo doía nela, ainda dói, mas também me perguntava se as coisas seriam um pouco melhores com ele por perto. Provavelmente não."
"Então está resolvido", ele disse tranquilamente, abrindo um sorriso estonteante e piscando para ela. "Pare de pensar bobagens."
Rebecca ficou em silêncio por um tempo, analisando as palavras dele e desfrutando do conforto que elas traziam em sua simplicidade.
"Obri..."
"Não precisa agradecer", ele disse antes que ela concluísse.
"Ok." Rebecca sorriu e voltou a comer, de repente se sentindo leve como um balão de gás hélio. Kevin agora não parecia mais tão ruim. Talvez um pouco, mas não muito. "Me fala de você agora."
Kevin riu e devorou mais alguns salgadinhos.
"Não tenho nada para falar."
"Você não é tão vazio assim. Anda logo, me conta algo interessante sobre você."
Ele piscou para ela e coçou a cabeça.
"Que tipo de coisa interessante?"
"Nada que envolva bobagens, por favor."
Kevin pareceu pensar por um momento, então disse:
"Eu sempre levanto da cama com o pé direito. Sempre." Ele deve ter visto a cara de quem não entendeu de Rebecca, pois continuou: "Quando eu era pequeno, minha irmã falou que um amigo dela tinha o hábito de acordar todos os dias com o pé direito, mas, um dia, ele não fez isso e caiu das escadas do colégio. Quebrou a perna e ficou manco para o resto da vida."
"Você acreditou nisso?", Rebecca perguntou, tentando segurar o riso.
"Eu só tinha sete anos, é claro que acreditei." Ele riu de si mesmo. "Nunca mais consegui acordar de outro jeito. Virou uma mania, simplesmente não consigo largar."
Rebecca não aguentou e começou a rir.
"Mas você acha que se um dia acordar com o pé esquerdo vá cair das escadas e ficar manco?"
Kevin deu de ombros e abriu um meio sorriso.
"Para que arriscar?"
Por mais que achasse aquilo uma bobagem, Becca gostou de saber que Kevin também tinha suas esquisitices, como qualquer outra pessoa normal.
"Não conheço sua irmã", ela disse então, agora pegando um pacote de salgadinhos também.
"Ela estava estudando em outra cidade nos últimos anos", Kevin comentou casualmente. "Se formou em psicologia."
"Legal. Você disse que ela estava na cidade, não é? Veio passar alguns dias?"
"Mais ou menos." Kevin fez uma careta antes de prosseguir: "Ela meio que passou por um término de namoro difícil e decidiu tirar um tempo do trabalho e da cidade grande. Não sei por quanto tempo ela vai ficar aqui, mas espero que seja bastante."
Becca abriu um sorrisinho fofo.
"Ah, que gracinha. A maioria dos irmãos não suportam um ao outro."
"A gente têm nossas brigas de vez em quando, mas na maior parte das vezes nos damos bem", disse Kevin, pensando que o motivo daquilo era bem mais profundo do que parecia.
A verdade era que, depois da infância complicada que tinham tido, os dois precisaram se unir para conseguir passar por toda aquela tempestade mais facilmente. Só Deus sabia os horrores que tinham visto, e, no fim do dia, era nos braços um do outro que encontravam conforto.
"E o seus pais?", perguntou Rebecca de repente, fazendo que por um segundo o coração de Kevin gelasse. "Você também se dá bem com eles?"
Ele levou um segundo para responder, tentando organizar os pensamentos.
"Sim", respondeu simplesmente, pois tinha medo de que, se continuasse falando, ela acabaria vendo a mentira nos olhos dele.
"Sua família é a mais bem vista da cidade, sabia?", ela disse com um sorrisinho, e Kevin sabia que não havia maldade nenhuma ali. Ela só estava dizendo o que todos de fora viam. "Vocês têm uma empresa de restaurantes nacionalmente bem vista, regem um orfanato e são filantropos. Não é para menos, não é?"
O sorriso que Kevin deu custou-lhe mais autocontrole do que desejava.
Sim, a empresa do pai era bem sucedida e aquilo até poderia ser mérito dele, mas o orfanato? As ajudas que prestavam para instituições de caridade? Ele não faria mais nada daquilo se não fosse a insistência da mãe e a boa imagem que queria preservar.
Se todos eles soubessem como ele bebia às escondidas, como batera na mãe por anos...
Se não fosse Kevin ter crescido a ponto de ficar mais alto e mais forte do que o pai, ele tinha sérias suspeitas que o homem continuaria espancando a mulher na frente dele e da filha.
Mas, por mais terrível que fosse pensar nisso, não era só a agressão física que existia.
Kevin sabia que o pai manipulava sua mãe. Sabia que era cruel com ela e sabia o poder de suas palavras. Apesar de não ouvir nada e não ter provas, ele podia ver nos olhos da mãe, como ela se encolhia sempre que ele chegava perto dela e no modo como ele a tratava sempre que ela discordava dele em algum ponto. Mas Virginie nunca admitira nada para o filho, pois sabia que se fizesse isso a corda fina que sustentava aquilo que os outros chamavam de família arrebentaria por completo.
"Sabe, eu estava pensando em ir até o orfanato um dia desses", Rebecca falou então, despertando-o dos pensamentos.
"É uma ótima ideia", ele respondeu, tentando se concentrar nas crianças e em coisas boas, colorindo sua mente com o calor e não com o frio. "Eu posso levar você. As crianças iriam adorar." Kevin lançou um olhar divertido para o cabelo extremamente longo de Rebecca. "As garotas vão amar trançar seu cabelo e enfeitá-lo com tudo quanto é coisa."
Rebecca riu e seus olhos brilharam.
"Parece perfeito. Você é próximo de todos eles?"
Kevin assentiu e o rostinho de cada criança do orfanato veio até sua mente com perfeição.
"Kate foi a primeira a chegar", ele disse, sorrindo. "Agora ela tem onze anos. Nos demos bem de primeira e, conforme mais crianças chegavam, mais rápido a gente se envolvia. Eles são tão... bons." Kevin tinha um milhão de adjetivos para descrever as crianças, mas era impossível escolher dentre tantos. "A maioria lá já passou por coisas terríveis. Algumas tinham pais que as tratavam como animais e outros que abusavam delas..." Kevin engoliu em seco. Casos como aqueles lhe causavam uma revolta tão grande que ele tinha vontade de socar alguma coisa. "Outros nem chegaram a conhecer a família. A maioria parece tão desesperada por afeto, por carinho, que entregam o que têm de melhor a qualquer pessoa que sorri para eles. É tão... eu não sei explicar. Maravilhoso, com certeza."
Kevin não estava olhando para Rebecca quando disse aquilo. O sentimento era tão forte que tudo o que conseguia ver era os momentos que passava com as crianças do orfanato. Nada tinha a capacidade de deixá-lo tão vivo como aquilo.
Então as imagens se desfizeram quando ele ouviu Rebecca fungar.
Olhou para ela assustado, vendo lágrimas brotarem em seus olhos.
Jesus, nunca tinha visto uma mulher, tirando sua mãe e Megan, chorar.
"Ei, o que foi?", ele perguntou receoso, sem se aproximar. Não tinha ideia de como agir. "Eu disse alguma coisa?"
Rebecca fungou mais uma vez e esfregou os olhos.
"É só que..." Ela respirou fundo, a voz embargada. "O modo como disse aquelas coisas. Eu nunca parei para pensar realmente nisso, eu acho. Como um pai pode abandonar um filho? Ou, ou... Maltratá-lo?! É uma criança! Estou me sentindo horrível por nunca ter dado atenção a isso..."
Kevin não resistiu. Abriu um sorriso.
Aquilo, as lágrimas dela, só estavam lhe mostrando quão sensível e boa era ela. E aquilo não o surpreendeu nem um pouco. No fundo ele já sabia, mesma a conhecendo há pouco tempo.
"Ah, para com isso, eu não sei lidar com uma mulher chorando..."
Mas ele se levantou e se sentou atrás dela, puxando-a para um abraço desajeitado.
Rebecca, embora parecesse meio relutante no início, logo relaxou, o que fez Kevin soltar um suspiro de alívio.
Ele não sabia há quanto tempo não abraçava uma garota daquele jeito. Provavelmente nunca tinha acontecido. Ele passou as mãos pelo cabelo dela e tentou não rir.
A cena era... engraçada. E inesperada.
Talvez ele não levasse jeito mesmo para aquelas coisas. Em menos de meia hora de conversa com uma garota já tinha lhe levado aos prantos.
"Sabe, seus olhos brilham como estrelas quando fala das crianças", ela disse então, olhando para ele. Seus olhos estavam vermelhos e inchados, mas havia um sorrisinho em seus lábios. "É lindo."
Kevin ficou meio sem jeito, mas sorriu em resposta.
"Eu só... gosto de crianças."
"Gostar é pouco", ela disse rindo. "Você as ama."
Kevin não respondeu, mas sabia que aquilo era verdade.
Sim, ele as amava e se pudesse salvaria cada criança abandonada e com fome do mundo inteiro. Seria seu primeiro pedido se tivesse uma lâmpada mágica.
"Sabe, seus olhos estão do tamanho de duas bolas de golfe", ele comentou, tentando quebrar todo aquele clima meloso. Não sabia muito bem como se comportar nele.
Rebecca riu e lhe deu um empurrão.
"Tem lenços no carro, eu acho, posso ir buscar para você."
"Deixa que eu vou."
Ela saiu de seus braços e foi até o carro.
Enquanto a observava, Kevin se perguntou como ela tinha passado de odiá-lo mortalmente para tolerar que a abraçasse em pouco mais de uma semana. Era uma evolução incrível e inesperada, com certeza.
Kevin estava comendo quando Rebecca voltou, e, assim que olhou para ela, engasgou.
"O que é isso aqui?"
Kevin olhou para o violão nos braços dela e então encarou os olhos reluzentes de Rebecca.
"Você toca?"
Kevin se levantou e arrancou o violão dos braços dela.
"Às vezes", respondeu sucintamente. "E você é uma enxerida."
Rebecca riu, o som ecoando pela clareira como uma melodia.
"Anda, toca algo para mim."
Ela se sentou na manta e deu um tapinha no lugar a sua frente, o convidando.
"Não vou tocar nada", respondeu amarrando a cara. Não devia ter deixado o violão largado no banco de trás do carro...
"Por favor!" Rebecca piscou para ele ainda mais e sorriu de lado, parecendo uma criança pedindo doce. "Eu gosto de música."
Kevin sussurrou um palavrão e deixou os ombros caírem. Antes que mudasse de ideia, se sentou no chão com o violão no colo.
"Você não é nem um pouco fofa, só para deixar claro."
"Mas sou persuasiva. Acho que esse é um dos motivos que fizeram meu blog estourar."
Kevin revirou os olhos.
"O que quer que eu toque?"
Rebecca deu de ombros.
"O que vier do seu coração."
Kevin abriu um sorriso enviesado para ela, cheio de sarcasmo e convencimento.
Aquele sorriso era uma das coisas que mais a irritavam nele, pois era tão lindo e convencido que dava raiva. Mas naquele momento não se deixou abalar por aquilo.
"Tudo bem, eu escolho. Estou viciada na música Grow As We Go do Bem Platt. Consegue tocar?"
Kevin, em resposta, começou a produzir as primeiras notas da canção, sorrindo para ela no processo.
"O que acha?", perguntou, ainda com aquele sorriso.
"Seu metido..."
Quando a parte em que a letra da música deveria estar começou, algo em Rebecca deu um estralo e ela simplesmente não conseguiu ficar de boca fechada.
A música tinha esse poder sobre ela. Lhe agarrava com força e não a deixava ir embora.
Quando começou a cantar, Kevin ergueu uma sobrancelha e Becca sentiu o corpo todo pegar fogo. Para evitar morrer de vergonha, fechou os olhos e deixou ser levada pelo som do violão e o correr do riacho ali perto.
Aquilo era tão bom... Transmitia uma paz tão grande que ela nem conseguia descrever.
Kevin não disse nada, apenas continuou tocando e ela cantando. E foi perfeito.
Quando a música acabou, Rebecca abriu os olhos, voltando ao mundo real com um sorriso no rosto.
Então viu Kevin, olhando atento para ela, e sentiu as bochechas corarem. Ela definitivamente estava mais emotiva e sensível naquele dia. Talvez estivesse na TPM...
"Desculpe por...", ela começou a dizer, mas antes que terminasse Kevin lhe mandou ficar quieta.
Ela obedeceu.
Ele estava olhando para ela como se analisasse algo que não conseguisse compreender, e era muito desconfortável...
"Rebecca, você..." Ele suspirou e passou as mãos pelos cabelos. "Você canta bem demais."
Ela sorriu e suspirou aliviada, sem conseguir conter a onda de orgulho que invadiu seu peito.
"Obrigada."
"Não, é sério. Você não deveria estar aqui. Deveria estar em um palco ou algo assim."
"Para com isso, Kevin", ela disse sem jeito, revirando os olhos. Mas mais parecia que alguém tinha colocado um cabide em sua boca, porque ela não conseguia parar de sorrir.
"Olha, aprecie o meu elogio porque você nunca vai ouvir algo do tipo de novo", ele disse sério, apontando um dedo para ela. "Você tem de trabalhar com música!"
"Você também", ela devolveu com curiosidade. "Toca violão muito bem."
"Rebecca..."
"É sério!"
Ela então riu e se levantou, começando a juntar o lixo que eles tinham jogado por ali.
"Por que não me contou que tocava violão? Isso também não parece muito com você, mas acho que é só meu preconceito por garotos atletas e populares falando. Estou agradavelmente surpresa."
"Você tem uma voz linda", ele insistiu, ainda olhando para ela. "Devia estar mostrando isso para o mundo."
E ele estava falando bem sério. Desde que Rebecca tinha aberto a boca, Kevin não conseguiu segurar o arrepio que percorria sem parar sua espinha. Era impressionante e ele não era do tipo que ficava surpreso por pouco.
"Sabe, se isso te consola", ela começou a dizer, sem olhar para ele. "Eu me inscrevi no festival de talentos da escola. O tema vai ser canto esse ano."
Kevin abriu um grande sorriso e se levantou também.
"Você devia começar a preparar as malas, loira. Fiquei sabendo que o vencedor desse ano vai passar um tempinho em Los Angeles."
Rebecca riu e jogou um copo descartável nele.
"Eu ainda nem sei se vou passar, a seleção é só semana que vem. Agora, me ajuda a recolher tudo isso, o meio ambiente agradece."
Ele guardou o violão no carro e voltou para ajudá-la.
Não disseram mais nada por um tempo, mas ambos, em seus íntimos, não conseguiam parar de pensar que aquele havia sido o melhor dia de todos desde muito tempo.
_____________________❤️___________________
Oii gente! Capítulo novinho e bem grande para vocês <3 hahaha
Me contem o que acharam! Esse capítulo foi bem libertador, não? Parece que tanto Kevin quando Becca deram a chance de contar mais sobre eles um para o outro, né?
O que estão achando do livro? Bastante emoções? Risadas? Me falem tudo <3
Obrigada por tudo gente!
Beijos e até mais!
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