Capítulo 6
Uma semana se passou desde que descobri que Reluz está morta e é um espírito amigo. As coisas voltaram a sua rotina monótona, nenhuma surpresa por esses dias, Aemy e Liat voltaram a me acompanhar em chás e aulas, Raely e Theodoro passavam boa parte do tempo jogando qualquer coisa e Kylo cuidava do jardim. Tudo como sempre foi. Tinha terminado de me arrumar para encontrar a rainha que ordenou a minha presença, hoje havia decidido com a ajuda de uma serva vestir um vestido leve de cores pastéis com as mangas longas e soltas no braço, no caminho acabei esbarrando em um mensageiro.
— Vossa Graça! — Ele estava ofegante e desesperado ao falar.
Reconheci que era da casa Sarang, um dos servos leais a Saturne mas porque o teriam enviado tão cedo, sendo que poderiam vir pessoalmente? Coloco minha mão no ombro dele e o guio até algumas cadeiras encostadas no canto para que sentássemos.
— Se acalme e me conte o que veio fazer aqui. — Peço calmamente.
— Fugi da casa dos Sarang para anunciar a Lady Liat Sarang que sua irmã mais nova, Lady Amy Sarang acaba de falecer. — Avisou com a voz trêmula.
Estava segurando as mãos do mensageiro mas ao ouvir suas palavras senti minhas mãos tremendo e soltei a dele devagar abaixando meu olhar para minhas mãos que apertavam a saia do vestido, suspirei fundo sentindo meus lábios tremerem. Não sabia que Liat tinha uma irmã e agora ela estava... estava morta e eu nem pude conhecer.
— Por favor, Vossa Graça, deixe que Liat vá para casa, são apenas uma hora até a residência dos Sarang! — Suplicou o mensageiro que agora estava ajoelhado na minha frente. — Eu era responsável pela criança e não pude proteger ela! Por favor...
— Me diga seu nome. — Perguntei estendendo minha mão trêmula para ele. — E levante-se, por favor.
— Fenrir, Vossa Graça! — Respondeu rapidamente, aceitando minha mão e se levantando.
— Agora siga à risca o que vou lhe falar, ok? — Digo calmamente me levantando também e espero ele confirmar com a cabeça para continuar. — Irá à cozinha e pedirá às servas um copo de água para que possa se acalmar.
Relaxei meus ombros aliviada assim que Fenrir concorda devagar com receio porém seu receio maior era descomprimir uma ordem de um superior, agora precisava de outra ajuda para preparar as coisas e Aemy apareceu no corredor bem na hora! Perfeito!
Libero Fenrir para que ele possa fazer o que pedi e vou andando rápido até Aemy que quase virou um corredor antes mas ao me ver de canto parou, segurei em seu braço sem saber como iria pedir uma coisa dessas já que não teria o consentimento da rainha. Aemy me olhou confusa colocando a mão encima da minha que segurava seu braço.
— Preciso que prepare uma carruagem para sair em menos de uma hora, um vestido, sapatos e luvas pretas, também preciso que arranje um lírio e uma edelweiss! — Listo tudo que preciso.
— Terá tudo pronto em meia hora, Vossa Graça. — Avisa com uma reverência sutil. Aemy não podia me chamar só de Dea sem estar a sós.
Mal tenho tempo de me despedir já que fui às pressas ao quarto de Liat que ficava um pouco distante do meu. Bati algumas vezes na porta esperando uma resposta, escutei passos antes que a porta fosse aberta e Liat aparecesse segurando alguns papéis, vestindo apenas um roupão estando descalça e com uma postura relaxada. Abaixei a cabeça e entrei no quarto com as mãos em punho e uma dor estranha no coração, virando para Liat que fechou a porta e guardou os papéis.
— Um mensageiro chamado Fenrir apareceu no castelo a alguns minutos atrás. Conhece ele, certo? — Pergunto na esperança que ela chegue no assunto da irmã dela.
— Sim, ele cuida de algumas coisas em casa por mim enquanto estou aqui. Por que? Não acho que esteja bem, Dea. Está mais pálida que o normal! — Liat questiona preocupada.
— Sinto muito, Liat... — Falo devagar me aproximando dela. — Amy Sarang está morta.
Liat se afastou de mim com a cabeça baixa, mas pude perceber que seu corpo estava tremendo enquanto se aproximava da escrivaninha, pegando um castiçal e jogando com força no chão ao mesmo tempo que gritava alto com dor e ódio. Coloquei a mão na boca assustada me afastando e ficando contra a parede. Nunca tinha visto Liat assim em anos.
Ela passou a mão na mesa, derrubando as folhas e livros que se espalharam no chão, bagunçados e fora de ordem. Seus gritos me faziam arrepiar, ela estava gritando do fundo da sua alma com uma raiva avassaladora e uma dor crescente. Arregalei os olhos ao ver ela indo para frente do espelho e o socando diversas vezes.
Mesmo que todo meu corpo estivesse arrepiado de medo e não reconhecesse a Liat que estava na minha frente, não podia ficar parada vendo ela se machucar sem fazer nada. Andei devagar até ela enquanto via a mão de Liat ficar vermelha e sangue manchasse o espelho que agora se encontrava com rachaduras. Cheguei e segurei em seu ombro devagar, notei que estavam extremamente rígidos, a olhei escorregar e ficar ajoelhada no chão respirando pesado, me ajoelhei ao seu lado e a abracei, devagar, deixei que deitasse em meu colo depois de me sentar devidamente certo no chão, por sorte, ela não relutou e se deitou.
Doía ver ela se auto machucar, gritar e ficar transtornada. Liat sempre foi gentil, paciente, equilibrada e frágil, e eu gosto dessa Liat mas como uma verdadeira amiga, não posso abandoná-la em uma hora dessas, seja o pior lado dela, eu vou aceitar.
— Tudo bem se você quiser chorar... — Murmuro.
Em seguida fui capaz de escutar alguns soluços de Liat e senti meu vestido começar a ficar molhado. Apenas deixei sentisse tudo que devia estar a consumindo e fiz cafuné em seu cabelo enquanto permanecia quieta.
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Estava na carruagem e à minha frente estava Liat. Como disse, Aemy fez tudo em menos de meia hora e agora estávamos a caminho da casa do clã Sarang acompanhadas apenas dos cocheiros e de Fenrir que estava do lado de fora, conduzindo os cavalos. Vestia um simples vestido de mangas longas, sapatos e luvas pretas, assim como Liat que vestia um vestido totalmente fechado com sapatilhas pretas que aparentavam nunca ter sido usadas.
As flores que havia pedido a Aemy foram colocadas em uma caixa branca de fita preta e eram todas frescas. não queria que Liat visse o que eu estava levando para Amy. E claro, tudo isso foi feito sem o consentimento da rainha e por incrível que pareça, não me importo com as consequências sendo que voltarei ao anoitecer.
— Você deveria ter me julgado e repreendido mas não fez isso. — A voz de Liat estava baixa e rouca após chorar. — Por que não fez isso? — Pergunta desviando o olhar da janela para mim.
— Eu sei que está com medo, que às vezes quer se esconder e não consigo imaginar o quanto isso deve estar doendo. — Digo sincera em cada palavra. — E está tudo bem mostrar suas fraquezas e lados sujos, sabe, você viu todos os meus lados e ainda está aqui comigo. — Explico me inclinando para Liat e segurando as mãos dela. — Você tem a mim e minha eterna consideração, não importa o que fizer, estarei sempre aqui para lhe estender a mão.
Liat apenas soltou sua mão das minhas com o olhar distante e voltou a encarar a paisagem enquanto seguíamos viagem, voltei a me encostar no encosto olhando em geral mata e algumas grandes casas, depois de aproximadamente uma hora, havíamos chegado.
Fenrir que abriu a porta e estendeu a mão para Liat que desceu primeiro, peguei a caixa e segurei na mão dele para descer, não contive a surpresa ao ver pela primeira vez a casa de Liat. Era uma casa grande, havia uma grande parede e um portão antes de entrarmos na residência, olhei para Liat, comprimi os lábios ao ver o olhar tão brilhante dela, simplesmente apagado e a postura impecável e sem expressão.
Fenrir foi até o portão e bateu uma única vez, ecoando pelo lugar por sua força aplicada, o portão se abriu por um dos servos da casa, estava óbvio pelas vestimentas de segunda mão e a postura torta que alguns tinham, entre todos eles reconheci de imediato o chefe da guarda real, Saturne Sarang, chefe do clã que dizem possuir uma força que vale por mil soldados. Ele tem a pele clara, seu cabelo ralo preto e os olhos que são tão pretos e fundos quanto os de Liat, vestindo um traje casual porém na cor de luto.
— Estou honrado com sua visita surpresa, Vossa Graça! — Fala se reverenciando assim como todos os presentes no lugar.
Desvio o olhar das pessoas sentindo meu coração palpitar e minhas mãos suarem dentro da luva, mas não era por calor, estava com medo de fazer algo errado, passar por humilhação ou talvez eles já estejam me julgando agora! Se fosse em outro tempo, não sentiria esse medo.
Prendi a respiração com medo ao sentir alguém apoiando a mão em meu ombro, ergui o olhar percebendo que era apenas Liat e pude voltar a respirar normalmente. Ela assim como os outros sabiam dos meus medos.
— Espero que todos fiquem longe da sala número 37 até Vossa Graça sair. Agora vão! — Liat ordena com a voz firme e sem hesitar. Outro lado dela que eu não fazia a menor ideia de que existia.
Os servos assim que fecharam o portão saíram de vista, ficando apenas o líder deles, que era o pai de Liat. Senti como se o clima estivesse pesado em uma guerra de troca de olhares entre Liat e Saturne, estava distraída com isso quando Fenrir se aproximou de mim, já não estava com tanto medo quanto antes.
— Deixaremos Lady Liat a sós com seu pai antes de irem visitar Lady Amy. — Explica educadamente.
Apenas deixei que Fenrir me guiasse para dentro da casa porém bem à frente de mim, não sentia uma boa coisa vindo do Senhor Saturne então aproveitei quando Fenrir se distraiu para voltar discretamente para a entrada, fiquei escondida em um dos pilares que sustentavam o teto da grande casa segurando a caixa em mãos. Fiquei em pleno silêncio para tentar escutar a conversa deles.
— Como ela morreu? — Liat perguntou com a voz ríspida.
— Não se finja inocente, sabe como lidamos com pessoas inúteis. — Saturne respondeu com uma risada mórbida. — Aquela garota não passava de uma serva!
— Amy tinha apenas três anos! Três anos, seu desgraçado! — Liat retrucou elevando a voz.
Segurei a respiração quando vi as veias de Liat ficarem escuras e visíveis a olho nu, cocei meus olhos e não havia mais nada. Apenas decidi voltar e encontrar Fenrir para tentar esquecer o que havia acabado de ver.
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