Capítulo 30

Meu corpo pesava enquanto sentia o latejar constante pulsar espalhando-se por meu cérebro até chegar a entorpecer meus sentidos, entretanto, continuava a me mover em direção aquela figura distorcida pela água da qual me chamava.

O frio se intensificava cada vez que me afundava chegando a me causar uma sensação de pequenos cortes sendo feitos pelo meu corpo enquanto me recusava a parar de tentar. Lentamente minha visão foi se estreitando causando calafrios pela espinha juntamente da escuridão das águas que me abraçava bruscamente, já não conseguia continuar mais.

O desespero foi ganhando espaço no meu peito e quando percebi já estava dando boas vindas para a água que se acomodava por meus pulmões fazendo o latejar, quase sensação de estar prestes a explodir, sumir da minha cabeça. Abracei meus joelhos tremendo já não mais de frio mas sim de desespero que consumia minha alma.

Repetidamente a lembrança daquele estreito cômodo escuro devorava meus pensamentos e vontades de resistir aquele abismo que me puxava cada vez mais para baixo. Abri lentamente os olhos com desespero ao ouvir uma calma cantoria enquanto ainda estava perdida no breu, forcei meu corpo a se mover em busca daquele som, mesmo que o ar já abandonasse meu corpo devagar, persisti em achar o dono da voz.

Parei bruscamente apertando minha roupa sob o coração que parecia pesado demais para mim, porém mais a frente, como rodeado por turbulências, deparei-me com uma memória perdida ou melhor dizendo, ignorada.

Não passava de uma lembrança daquela criança que um dia fui, abraçada ao corpo trêmulo enquanto tremia cantando desafinado na tentativa falha de sobreviver a sua mente criativa que permitia a imaginação tomar conta da razão. Porém....

"O que pensa que está fazendo?"

Virei-me deparando somente com o véu escurecido sob minha visão sentindo aquela voz, não a minha, penetrando meus pensamentos mais assustadores trazendo com força a sensação do desespero que era aquele momento, aquele espaço espremendo minhas forças até restar apenas o caos habitando em mim, sem escolha de volta.

"Não pensei que deixaria os medos consumirem sua vida, sua noção de espaço."

A voz da qual me lembrava uma criança, resmungava as palavras com um tom de decepção e vergonha enquanto a sentia me rodear.

Tentei abrir a boca para falar mas apenas senti a água invadir meus sentidos bruscamente, me fazendo recuar com o corpo tremendo e aos poucos cedendo a força que me puxava para baixo retirando meu ar de mim.

"Como irá sobreviver? Oh, sinto muito, você já desistiu ali, não foi?"

Cerro os dentes sentindo aquelas palavras ganhando espaço nas minhas emoções, às intensificando em um nível completamente desconhecido.

Queria gritar aos ventos o quanto estava errado, o quando, o quanto.... A voz estava certa... Eu já havia desistido diversas vezes ao longo da minha vida, sempre permitindo que a fraqueza fosse mais forte que meus desejos, afinal, foi assim que ela me criou.

"Para alguém rebelde, deixou que ela definisse bem quem você é!"

A sinto vociferar em minha mente, como um grito raivoso me fazendo tapar os ouvidos como se de alguma forma fizesse algum efeito. Tal ato me permitiu entender que meu corpo já estava cedendo a muito tempo.

Eu... Eu não consigo mais fazer isso, dói demais! Sinto minha mente se rasgar, minhas emoções mergulharem na minha alma e se apossar de cada momento cruel que perfura minha alma como facas afiadas.

"Desista, entregue-se ao abismo estreito e escuro ou...."

Me entregar? Deixar que meus medos levassem minha sanidade e abandonasse o mundo dos vivos do qual me causava tanta dor? Permitir a mim mesma um doce descanso de tudo isso, como se apenas tivesse sido, esses 17 anos, um pesadelo e nada mais?

Meus olhos já não aguentavam mais e se fecharam, meu corpo mole já longe do controle parecia se afundar mais rápido, como se agora, algo me puxasse emanando uma fome descontrolada.

"Resista, deixe os medos passados onde devem estar e encontre um motivo para viver!"

Resistir? Por que eu faria isso? Não consigo entender já que essa sensação de liberdade está tomando conta de tudo, irá levar para longe os medos, problemas e a vida que me prende a insanidade da dúvida, do risco e do perigo. Poderei ser feliz!

"O que está fazendo? Vamos lá, não pode chorar para sempre!" Liat?

Era uma memória, passando como um filme por minha mente, estava caída no jardim por conta do meu joelho ralado. Devia ter treze anos na época, alguns dia após ela chegar, ao seu lado estava Aemy com uma feição distante e Theodoro preocupado, como de costume.

Um borrão faz com que outra memória sobreponha a que estava vendo, estava brincando com Nora no jardim de pintar nosso corpo, se me lembro bem, Sommar nunca descobriu deste dia, as risadas ainda me causam alegria e nostalgia. Já outra era de Kylo me ensinando a podar flores, lembro que furei meu dedo no dia mas recusei que ele cuidasse.

Tantas memórias e a que mais me comove sempre será o nascimento das gêmeas onde eu fui a primeira a segurar elas, dar banho, trocar e cuidar. Sempre as protegi e jurei que seríamos uma família normal.

Mas como uma maré remota, as memórias ruins inundam minha mente, as sensações vividas do momento de cada lágrima, grito de dor e chicotada rasgando minha alma. Não... Nunca foi a minha alma que eles feriram, que ela feriu. Nunca sequer chegaram perto de tocá-la quando nem eu mesma pude perceber isso.

Rasguem minha pele, amarrem minha esperança, tracem minha vida e percam-me no desespero de estar constantemente respirando. Lutei contra a morte no instante em que nasci, neguei aquele que diziam ser falso e recusei as suas amarras sobre mim.

Talvez sob o último suspiro permitido posso gritar diante ao escuro e aperto que me cercam. Estendi a mão em direção ao breu com as últimas forças que tinha sentindo o toque agora acolhedor e calmo da água, como se me permitisse entrar com o único pensamento em mente, entreguei-me de corpo e alma à imensidão, sabendo que eles poderiam destruir meu corpo mas jamais tocariam minha alma.

━━━━━━━ ⟡ ━━━━━━━

Abro os olhos cuspindo água enquanto minha visão retorna a mim juntamente das forças que antes haviam se esvaído de mim, respiro fundo tremendo diante ao frio brusco acolhido por um abraço quente, se fosse alguém talvez o tivesse sujado com água e seja lá o que deva ter saído junto.

Estava fraca demais para lutar contra o estranho que me pegou no colo levando para longe do calor profundo de antes para um quarto no qual sinto me enrolarem em um manto do qual me aconchego pelo calor.

Os sons e vozes pareciam distantes demais para que conseguisse distinguir de quem eram ou sequer aonde estava além da cama que me parecia tentadora demais e logo me vi apagando diante ao conforto que eu abraçava.

Não foi sonhos conturbados, pesadelos ou a sensação de desespero que tive nesta noite, pela primeira vez em tanto tempo havia dormido com tranquilidade e a certeza de que algo em mim que a muito estava perdido, quebrado e vazio agora o havia encontrado, concertado e preenchido em minha alma. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top