Capítulo 29

Os dias que se seguiram pareciam uma eternidade cruel, estava diante de uma situação que não havia fuga, sem rodeios ou desculpas. Como antes, me sentia presa nessa situação sufocante pelas escolhas que tomei.

A cada momento daqueles dias, passei fugindo de Eris, Bellaim e Lux. Evitava cruzar seus caminhos, responder perguntas enquanto deixava os pensamentos me consumirem ao amanhecer e os pesadelos ao anoitecer.

Perdida em pensamentos, me encontrava inclinada na borda do navio enquanto jogava migalhas de um pequeno pedaço de pão para as gaivotas ligeiras que os pegavam sem demora, ao desviar a atenção para cima do meu ombro, vejo Eirian se aproximar lentamente com um charuto na boca enquanto seu olhar parecia disperso. A mesma se inclinou de costas para o mar retirando o charuto dos lábios e liberando a fumaça em um suspiro exaustivo.

— Que bom que não pretende fugir de mim. — Eirian tinha um olhar sereno porém intenso.

Voltei meu olhar para o mar que se estendia, já havia me esquecido de como era estar em terra firme, sentir a terra úmida após um dia chuvoso em meus pés ou como era deitar em deleite sob a sombra de uma árvore.

— Os treinos começaram hoje a noite, caso esteja disposta a lutar pela sua vida. — Avisou dando outra tragada.

— Com quem me envolvi? — A pergunta saiu como uma súplica de meus lábios.

— Vejamos.... — Ela se virou de frente para o mar. — Lux Acrasia, assassino e ladrão do qual curiosamente tem uma bela capacidade de irritar Eris. — Contou com um ar reflexivo.

Mordi meu lábio mexendo minhas mãos nervosa enquanto via o pão acabar com a última gaivota que levou o pedaço maior para longe. Um assassino, pensei.

— Olha, você não é a única que se sente perdida. — Erian joga o charuto no chão, apagando com um passo ligeiro antes de segurar minha mão. — Lute pela sua vida, você ainda irá incendiar o mundo.

— Como pode dizer isso com tanta convicção? — Questiono a piada de mau gosto.

— Perceberá que minha intuição nunca falha. — Então Eirian simplesmente se afasta.

Engoli em seco desviando meu olhar para o meu reflexo na água serena, estava desgastada, não conseguia me reconhecer naquele reflexo e sentia bile subir pela minha garganta ao pensar no reflexo daquela mulher.

Você ainda incendiará o mundo.

Eirian não devia imaginar o quanto as palavras podem ser a queda ou o erguer de alguém. Convivi demais com fortes palavras para saber que não existe meio termo, ou você se entrega à queda doce e melancólica ou se força a erguer-se. Fechei os olhos com o sutil vento em meu rosto.

Foi como mergulhar nas profundezas do oceano, do oceano da minha própria existência da qual tanto queria fugir o máximo possível. Ressurgir a dor agoniante da culpa e perda que foi ser obrigada a dizer adeus para Elinor me corroía, apenas de pensar ficava tonta e enjoada, o peso da culpa era insuportável. Juntamente vinha consiga Aemy, Liat, Nemesis, Tisífone, Megera e Inej. Tanta coisa a pensar, digerir, perdoar, retomar e sentir que no final não conseguia saber o que realmente sentia de tudo e todos, o que de fato eu queria fazer.

O sufoco que sentia simplesmente ao lembrar de que era uma princesa, de lembrar que o simples fato da minha imagem se tornar semelhante a de Sommar e viver uma vida condenada a ser uma tola fantoche em suas mãos me afligia. Era como estar presa no passado e no futuro. Impossibilitada de sentir e viver o tal falado do presente.

Agarrei com força a borda do navio ao sentir um empurrão do qual me forçou a retornar a superfície da vida, conforme minha visão ganhava lucidez novamente, a música invadia meus ouvidos e a cantoria inflava meus pulmões de encanto me fazendo perceber que passei tanto tempo imersa em mim que a noite já havia caído como um véu sutil e aconchegante me deixando de boca aberta.

— Feche essa boca antes que entre peixes perdidos! — Margo fechou minha boca rindo.

Sorri sem graça sem ao menos ter percebido sua aproximação já que seus passos eram sempre pesados e avisados diante a sua chegada, não igual aos de Bellaim que apesar de parecer que flutuava, a aura era o bastante para sufocar e avisar sua chegada com graciosidade e terror.

— O que é tudo isso? Não imaginava que.... Que vocês fizessem isso. — Meu olhar se perdia nas pessoas dançando sem jeito ao som de cantos e pandeiros como instrumento.

— Que bárbaros não sabem festejar? — Margo franzi a testa ofendida. — É apenas um momento em homenagem ao reinado de Eris. — Explica virando um gole generoso de cerveja.

Pude ver diversos barris espalhados e provavelmente todos contendo cerveja ou rum, seja lá qual o gosto dessa bebida. Os passos daqueles que dançavam eram especialmente marcados por fortes passos e movimentos de braços nada graciosos.

Entre a multidão encontrei a figura de Alison com as mãos na cintura de Eirin enquanto a mesma mantinha sua mão na nuca do mesmo, os olhos vidrados um no outro que parecia estarem em um momento completamente único e especial deles. Sorri boba e encantada, nunca tinha visto uma troca de olhar tão pura e vivida quanto a deles.

— Já que ficará mais tempo do que imaginamos.... — Me assustei com o empurrão de Margo. — Se enturme.

Arregalei os olhos ao me ver no meio das pessoas que mantinham sua dança onde até mesmo as crianças se entregavam ao som e a emoção. Estava sentindo meu coração bater mais rápido, minhas mãos começarem a suar e minha respiração falhar enquanto tentava me dispersar do centro até ser puxada por um estranho. Não, por uma criança de no máximo dez anos.

Seus olhos brilhando em esperança e emoção fizeram meu mundo parar, por um momento, vi meu eu criança que ansiava por uma companhia assim, por uma mera e singela atenção que não me era atendida nem a lágrimas. Suspiro fundo me rendendo.

O vi soltar minha mão e começar a dançar desajeitadamente que fiquei apreensiva de acabar se machucando em um tropeço bobo nos próprios pés mas devo confessar, isso me arrancou algumas risadas nasais breves.

Devagar, fui o acompanhando sem graça. Inicialmente ainda tomada pelo medo e desespero de estar sendo julgada meus movimentos saiam travados e completamente envergonhados comparados a outras danças que participei, das quais podia contar nos dedos de uma única mão. Apesar disso, fui me entregando as vozes, as risadas das crianças, aos passos simples e fáceis que aqueles que dançavam repetiam, deixando o momento me invadir.

Quando dei por mim, estava de braços dados a outras pessoas formando uma roda generosamente espaçosa enquanto as crianças dançavam no meio, minha risada e às vezes cantoria se misturava aos dos demais causando uma sensação esquecida a muito tempo por mim. A imersão era tamanha que fazia com que naquele breve momento, eu fosse simplesmente eu, não uma princesa, não uma condenada ou aflita entre o passado e presente.

Essa sensação foi cortada quando, ao dançar descontraída perto da borda, fui chamada por uma voz chorosa que clamando por mim e eu ao seu chamado, simplesmente, pulei em direção a voz na água.

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