Capítulo 27
Estava afundando graças aos pesos acorrentados em meus calcanhares e pulsos, apertando com tamanha força que temia pelas marcas, a água lentamente tomando posse do meu corpo e sanidade que tanto lutava para manter. Sentia minha cabeça pesar e latejar conforme tentava inutilmente me debater contra o inevitável.
O desespero me consumia conforme minha visão começa a escurecer pouco a pouco me relembrando constantemente de suas risadas, dos meus gritos e apenas a escuridão como companheiro em um cubículo solitário.
Quando faço menção de gritar para que esse inferno acabasse a água invade meus pulmões levando consigo minha visão e o peso insuportável que afligia meus pensamentos, restando apenas uma sensação de libertação da qual tanto almejei.
Deixei que as correntes me levassem ao fundo sem resistir a sua pressão para o fundo e solitário lugar do qual todos aqueles que deram seus últimos suspiros estão.
A sensação que possuía meu corpo era de estar entregando meu corpo ao passado, minha alma a morte e meus desejos ao abismo do esquecimento. Talvez devesse temer, lutar, resistir e tentar, mas já não sabia mais nem sequer quem eu era, quanto mais se conseguiria resistir à queda iminente.
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Acordei com a boca seca e uma forte sensação de enjoo enquanto minha visão se adaptava a claridade da luz que entrava pela fresta da porta da cozinha, me vi aninhada no saco de dormir, rapidamente busco por marcas em meus pulsos mas não havia nada além das alfinetadas da agulha de antes.
Coloquei a mão sob o peito sentindo minha respiração ofegante dispersa nos pensamentos confusos quando ouço a porta se abrir devagar, apressei-me em levantar colocando o saco de dormir embaixo de um armário antes de ver quem era.
— Você! Pegue o melhor vinho agora! — Margo parecia afobada ao se dirigir a mim.
Apenas fiz como pedido e escolhi um dos melhores vinhos com base naqueles que eram servidos no castelo nos grandes festivais que agora eram apenas lembranças distintas de uma outra vida qualquer.
— Para que tudo isso? — A sigo para fora da cozinha.
Ainda estava com minha roupa de dormir já que mal tive tempo de considerar tudo que aconteceu ontem e o sonho de hoje cedo. Margo não dirigiu uma palavra enquanto andava em passos apressados em direção a mesma porta com o semblante de um dragão.
No caminho, pude ver como a tripulação estava inquieta andando a passos longos, conversando aos sussurros com expressões de ansiedade enquanto outros simplesmente encaravam o chão fixamente quase como uma admiração assustadora.
Inclino a cabeça para o lado na tentativa de ver o que havia naquela porta que deixou todos agitados, me recompus rapidamente quando Margo se vira para mim com um suspiro pegando a garrafa de vinho tinto da minha mão enquanto dizia algo sem emanar nenhum som.
"Nenhuma palavra, garota"
Assenti com a cabeça engolindo em seco ao entrarmos na cabine onde se encontrava vazia para minha surpresa, virei o olhar em direção a porta que parecia estremecer com passos pesados antes de ser aberta brutalmente.
Um homem de barba rala, alto, vestindo roupas bem passadas em tons azuis escuros entra e se dirige a cadeira em frente a mesa ornamentada de itens valiosos claramente frutos de muitos furtos bem feitos. Sua presença era sufocante assim como seu jeito esnobe ao se sentar e começar a bater os dedos na mesa lentamente enquanto percorria a cabine com seus olhos verde escuro, havia duas cicatrizes notórias em sua feição, uma cortando seu lábio carnudo e outra mais sutil em sua sobrancelha grossa.
Em seguida Alison, olhos de safira e a outra mulher entram no cômodo fechando a porta sem cerimônia ao se curvarem em uma reverência. Sinto a mão livre e repleta de calos de Margo em meu ombro me fazendo lhe acompanhar na reverência ao homem que apenas comprimiu os lábios estreitando seus olhos.
Arregalei levemente os olhos ao ver que apenas um estalo de sua língua bastou para agilmente fazer com que Margo lhe servisse, prendendo a respiração, uma taça de vinho, essa cena só me causava um asqueroso pensamento de que esse homem e Sommar juntos poderiam destruir esse mundo em um piscar de olhos.
— Então essa é a fedelha que estão abrigando na cozinha? — Sua voz ríspida e grossa emanava com repúdio.
Para minha surpresa, a mulher ao lado de olhos de safira deu um passo à frente e com um sutil aceno de cabeça daquele homem, ela se pôs a falar.
— Como dito no relatório, seu nome nos é desconhecido, não sabemos localização ou laços sanguíneos, apenas que Alison a encontrou pouco antes de ser uma vítima dos Prófugos, senhor. — Ela retoma o passo voltando ao seu lugar.
A observei abaixar a cabeça enquanto discretamente, Alison alisava suas costas como em um gesto discreto de conforto mútuo mesmo que não entendesse o porquê do medo sendo que eles estavam do lado da capitã.
— Me deixe ver se entendi bem a situação, Eirian. Tem uma fedelha sem qualquer valor ou utilidade no meu navio? — A risada do sarcasmo dele me irritou. — Isso tem alguma lógica, Bellaim?
— Não, senhor. — Franzi a testa ao escutar a voz baixa de olhos de safira, ou melhor, Bellaim.
Cruzo os braços com o silêncio tomando conta e sufocando qualquer pensamento contrário do homem empoderado e ranzinza até que um flash de lembrança faz meu corpo inteiro se arrepiar e meu coração parar de bater por um segundo.
Eu sei quem ele é, apesar do cartaz não fazer jus a figura verdadeira e juvenil com sutis traços de idade real dele. Eris Hara.
— A morte dela irá ocorrer ainda hoje por afogamento. — Anuncia sem qualquer pudor.
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Andava de um lado para o outro na cozinha enquanto mal conseguia respirar mesmo após um banho e novas roupas na tentativa falha e inocente de tentar acalmar o medo que estava rasgando minha pele incansavelmente.
Eu precisava pensar em algo antes do meio dia, o que era daqui a meia hora e esse fator apenas servia como uma combustão para minha ansiedade crescer e tomar conta do meu peito. Paro de andar mexendo na cutícula da unha em busca de alguma solução, de alguma esperança até que ela me vem com um lampejo de arrependimento, mas era a única saída agora.
A porta se abre e Eirian entra com uma feição de mistério em seus olhos, mas antes que possa falar segurei sua mão com força.
— Eu tenho uma saída mas preciso da sua ajuda. — Informo rapidamente.
A vejo percorrer os olhos pelo cubículo antes de encarar a porta em silêncio, apenas escutando os passos afobados dos piratas andando de um lado para o outro, estava prestes a gritar de nervosismo quando a senti desvencilhar sua mão de mim e repousar um dedo sob meus lábios, pedindo silenciosamente para me manter em silêncio.
— Tem vinte minutos para ir e voltar antes da sentença. — Avisa se afastando.
Fiquei desnorteada com a reação tão calma e palavras tão diretas dela, sem qualquer questionamento ou sequer receio, era quase como se soubesse o que iria acontecer e o que precisaria ser dito, senti um peso em minhas mãos, era uma chave.
Balanço a cabeça saindo às pressas da cozinha, corri desviando dos tripulantes agitados e animados enquanto seguia para as celas até então sem perceber que a escuridão me abraçava silenciosamente nesta caminhada.
Estava ofegante ao finalmente me ver em frente a cela, segurei as barras só então percebendo o quanto minhas mãos estavam tremendo e meu corpo reagia negativamente a falta de claridade daquele lugar.
Fecho os olhos engolindo em seco abrindo apenas com o som de um corpo se levantando, ficando de frente para mim com aquele maldito sorrisso de diversão em seus lábios.
— Te soltarei contanto que me ajude a salvar minha vida. — Proponho ao mostrar-lhe a chave.
O vejo me analisar como se buscando algum sinal de mentira, o que eu estaria contente se a situação fosse apenas uma brincadeira de mal gosto. Agradeci aos céus ao vê-lo estender a mão por entre as barra, segurei a mesma em um aperto firme de mãos.
— Mostre-me a saída, passarinho.
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