Capítulo 22
Nessa altura já havia desistido de contar quantos dias estávamos andando com somente a cada dois dias havendo uma pausa, nesse tempo realmente conheci um lado de Kylo que passava despercebido como sua facilidade em usar a natureza ao seu favor fazendo chás, sabendo diferenciar plantas comestíveis das venenosas e entre outros. No tempo que andamos senti diversas vezes falta de casa, das pessoas e muitas vezes do luxo que não me dava conta do quanto era abundante até me encontrar em uma situação de fuga.
Saio da parte rasa do rio assim que me sinto limpa o bastante para vestir minhas roupas novamente calçando as botas que haviam na bolsa e caminhando em direção a fogueira feita com muito esforço e tentativas por Kylo que havia saído para buscar comida.
Sento próxima à fogueira pegando a bolsa em busca de algo que possa me aquecer nessa madrugada gélida e silenciosa apenas com o som da madeira estalando pelo fogo a deteriorando aos poucos, encontrei apenas um manto fino que ao tentar me cobrir apenas cobre meus ombros e um pouco dos braços mas já era alguma coisa.
Encontrei apenas o que sempre encontrava ao vasculhar a bolsa como uma bússola, jarro para água, meus sapatos desgastados e mais nada até que percebo um fundo falso na bolsa junto a passos se aproximando, não demora muito e Kylo surge se sentando ao meu lado com algumas frutas comestíveis e a outra jarra menor cheia de água.
— Obrigada. — Agradeço pegando algumas frutinhas e comendo rapidamente. Estava faminta.
— Não faço ideia de quanto tempo falta... — Resmungou coçando a cabeça.
Enfio minha mão no fundo falso sendo a textura de um papel, retiro com cuidado do fundo falso vendo que era um pergaminho velho preso ao medalhão com o símbolo real de Hayesfir, um dragão branco e outro preto se entrelaçando com um sol de fundo. Kylo se aproxima com curiosidade de mim comendo as frutinhas ao ver o que estava em minhas mãos.
Retiro o medalhão guardando de volta no fundo falso por precaução voltando minha atenção ao pergaminho que faço questão de abrir com cuidado e um certo receio do que poderia estar escrito nele. Ao ser aberto revelava nada mais nada menos do que o mapa completo do nosso mundo acima escrito com uma caligrafia delicada e sutil era possível ler "Tellus" enquanto até mesmo os mares que foram registrados haviam escrito sobre o oceano "Ozlan".
— Mapas desse tipo eram usados apenas por representantes da coroa. Isso é incrível! — Vejo Kylo encarar o mapa admirado.
— Era usado pela minha mãe, minha tia e toda a família Lena... — Murmurei segurando o manto sobre meus ombros.
— Não falta muito, amanhã mesmo já estaremos entrando em Medium Lunam de acordo com o mapa. — Kylo sorri me olhando.
— Uma notícia boa pelo menos. — Brinco rindo baixo.
Dou uma observada no céu antes de ver o que mais poderia encontrar no fundo falso que provavelmente foi feito de propósito para guardar coisas relevantes enquanto procuro Kylo tentava se localizar no mapa fascinado com o mesmo. Me distraio mas consigo tirar mais alguns pergaminhos novos todos presos agora a uma fita preta e branca simbolizando os dragões.
Entre os papéis havia outra carta escrita a punho por Liat direcionada especificamente a mim, então decidi ler na mente e se fosse necessário e até mesmo relevante poderia dividir o que estivesse na carta para Kylo. Só não esperava ler praticamente uma confissão.
Bem, não queria ter de escrever isso mas achei necessário já que algo me diz que elas virão mais cedo do que o previsto e talvez nem me dê tempo de conversar com você já que antes de tudo e todos quem mais merece saber pela minha boca é Theodoro. Espero que compreenda. Nemesis, Tisífone, Megera e entre outros são codinomes para manter a identidade real nas sombras, você não precisa saber quem é Nemesis, também queria que não soubesse quem é Tisífone e Megera mas as coisas não são como eu queria que fosse. Mas saiba que Nemesis vira para se vingar da minha rebeldia de ter escolhido vocês, nem eu mesma acredito que fiz isso diante a uma corda banda com pesos nos pés causados por escolhas minhas e agora estar presa até que ela decida me libertar. Já tentamos escapar muitas vezes mas ela é forte e sempre tem o Protetor que deixa impossível fazer algo contra ela. Nesse fundo falso criado por mim está um mapa que roubei do escritório da rainha para que possam se localizar com facilidade, deixei uma carta feita por Theodoro que deve ser a todo custo entregue a Princesa Kelly Leszy e também deixei para você além desta carta, algo que Inej fez questão de que apenas você e somente você mantivesse consigo até o reencontrar. Tudo isso vai passar e estará segura com sua corte em breve, é uma promessa.
Ass: Liat Sarang.
Suspiro terminando de ler a carta e com relutância aproximo o papel do fogo o observando lentamente consumido antes de jogá-lo no meio da fogueira com o fogo parecendo dançar, aumentar e brilhar mais forte à nossa frente. Me encolhi abraçando meus joelhos contra o corpo sem desviar a atenção do fogo.
— Lembra da história de Nemesis, Tisífone e Megera?... — Pergunto baixo para Kylo.
— Lembro até mesmo de você me contar que Megera era Aemy. — Kylo expôs guardando de volta no fundo falso o mapa após fechá-lo com o medalhão.
— Liat é a Tisífone. — Revelo me encolhendo mais.
Um silêncio desconfortável pendurou até sentir Kylo me olhando com um olhar que parecia ser pensativo demais e isso me dava mais motivos para permanecer encarando fixamente o fogo que deixava o ar mais leve por incrível que pareça.
— Não acredito nisso... Mas que merda. — Kylo xinga irritado batendo a mão no chão.
— Mas ela é diferente... Eu sinto isso... — Admito olhando para Kylo.
— Como? Sinceramente só vejo duas pessoas traidoras! — Exclama com raiva.
— A diferença é que não sinto que ela está fazendo isso porque que, claro que ela é uma traidora mas diferente de Aemy, Liat nos escolheu. — Explico olhando no fundo dos olhos dele.
— E como tem tanta certeza de que não é só parte de um plano maior?! — Kylo me encara curioso.
— Porque decidi confiar nela uma última vez... — Confesso olhando para baixo.
Novamente aquele silêncio desconfortável mas dessa vez pendurou por muito mais tempo do que o último até Kylo se deitar no chão de costas para mim e resmungar.
— Espero não me arrepender de confiar nela. — É a única coisa que diz antes de adormecer.
Demorei a pegar no sono para ter certeza de que Kylo estava bem e dormindo pacificamente, então decidi usar o manto como um travesseiro improvisado e me deito tentando adormecer perto da fogueira com cuidado para não estar perto demais.
Quando me perdia nos pensamentos eles acabavam se voltam a certeza que eu tinha e uma estranha compreensão de entender os motivos de Aemy. Ela quer vingança por seus pais, pelas injustiças que passaram e sinto que ela deve estar pegando todo o peso do que aconteceu com seus pais para si além de provavelmente pensar que é culpa dela seu pai estar condenado a servir e ganhar absolutamente nada. O sono veio logo em seguida da última brasa de fogo da fogueira, me impossibilitando de pensar em mil motivos e possibilidades ao adormecer.
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Estava animada com o anúncio que mamãe fez de que eu finalmente teria amigos com quem brincar sem restrições! Vesti meu vestido favorito lilás com flores brancas e deixei meu cabelo solto, corro para o jardim pegando algumas flores fazendo uma coroa de flores colocando em minha cabeça e faço mais algumas para meus novos amigos. Elas pareciam não querer me deixar ir, então briguei com elas e fui embora magoada.
Vejo algumas pessoas pequenas de asas voando entre as árvores, acenei para elas que voam até mim e às comprimento com uma reverência. Algumas crianças divertidas um tanto transparentes se aproximam o que acabam me distraindo por um bom tempo brincando de esconde esconde comigo no jardim.
Na volta para meu quarto enquanto cantarolava avistei dois meninos iguais e duas meninas iguais, eles eram mais altos que eu e poderiam ser mais velhos mas ainda sorri animada indo na direção deles rapidamente fazendo uma reverência ao ver suas belas roupas e não perco tempo me apresentando.
— Prazer, sou Dea mas gosto que me chamem de Lua? — Sorri esticando as coroas de flores para eles pegarem.
Fiquei confusa quando demoraram a responder apenas olhando uns para os outros até que uma das garotas iguais se aproximou pegando uma coroa, o que me fez sorrir mais ainda. Era uma sensação de emoção, nervosismo e felicidade por serem meus primeiros amigos.
Continuamos brincando e sempre via eles todo dia, às vezes até mesmo quando mamãe estava de bom humor ela deixava eles dormirem em casa. Ficava irritada quando eles me chamavam de irritante ou faziam piadas que não me pareciam ser legais, mas sempre que reclamava com mamãe ela dizia que era normal e que se eu não fosse boa eu nunca teria amigo nenhum além deles. Até um dia...
— Que tal levarmos a Lua para brincar? — Um dos garotos iguais sugere de braços cruzados.
Concordo rapidamente com a cabeça começando a guiar eles pelo castelo depois de entregar para os outros suas respectivas coroas de flores. Quando olhei para trás percebi que haviam parado em frente a uma sala pequena deixada para castigar os animais filhotes por suas malcriações, me aproximei deles curiosa.
— Aqui é perfeito para você brincar, não acha, Lua? — As garotas falaram juntas.
Me afasto vendo as pessoas pequenas na janela fazendo sinal para que eu corresse quando um dos meninos tentou me segurar pelo braço, no susto mordi a mão dele deixando uma marca na hora me senti mal mas quando o outro veio me segurar eu simplesmente sai correndo.
O garoto me alcançou segurando pelos braços enquanto me debatia para sair a garota segurou minhas pernas apenas quando olhei para a outra menina que percebi que a salinha estava aberta e ela segurava a chave.
— Assim você para de falar tanto. — O garoto que havia mordido o braço diz rindo.
Sinto meu corpo doer ao ser arremessada para dentro da sala escura e antes que tivesse chance eles trancaram a porta tirando o único feixe de luz! Eles sabiam que eu ainda estava aprendendo a superar o medo de escuro e o lugar era tão apertado que só conseguia ficar agachada bem encolhida enquanto ouvia eles se afastando. Queria gritar para que voltassem, que seria alguém melhor e que não contaria nada mas ninguém me ouviu por dois dias inteiros...
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Acordei sobressaltada com a respiração ofegante e suando muito, apoio a mão no coração que estava disparado quando percebi que estava chorando compulsivamente vendo meu corpo inteiro tremer sem conseguir me acalmar. Cravo as unhas nas palmas das mãos tentando me acalmar de alguma forma enquanto repito na minha mente sem parar. Foi um pesadelo...
Foi um pesadelo...
Foi um pesadelo...
Foi um pesadelo...
Mas...
Mas já foi real uma vez.
Um jarra pequena surge na minha visão e não presto muita atenção apenas virando com rapidez bebendo toda a água e me molhando um pouco no processo, um gosto levemente adocicado e refrescante veio junto da água só percebendo no final quando a figura de Kylo surgiu na minha frente agachado me olhando preocupado. Deixo a jarra de lado passando a mão no rosto e aos poucos fui me acalmando, prendo meu cabelo em um coque feito às pressas somente com o cabelo quando não estou mais tremendo ou chorando.
— Hortelã ajuda a acalmar principalmente nessas horas. — Explica me mostrando um punhado de hortelã na mão. — Quer conversar sobre o que aconteceu? — Balanço a cabeça negativamente.
— Somente um pesadelo... — Explico me levantando pegando a bolsa. — Vamos?
Kylo confirma devagar com a cabeça e segue na frente guiando o caminho que havia decorado nos momentos que passou olhando o mapa minuciosamente. Tentei me concentrar no caminho e esquecer o pesadelo que tive do qual fui capaz de trazer as sensações que senti naquele mesmo dia e a raiva de que eles nunca foram punidos.
Não gosto de me sentir usada, mas é o que mais estou sentindo ultimamente, como se nada tivesse mudado.
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Depois de horas caminhando já no entardecer adentramos uma cidade coberta de verde, casas pequenas, simples e todas dos mesmos tons acinzentados as ruas estavam cheias de vendedores em suas tendas vendendo diversos produtos e iguarias enquanto mais a frente havia música alta, muita bebida e pessoas dançando alegremente.
Kylo segurou na minha mão nos guiando pela multidão até a taberna que estava responsável pela bebida e comida distribuída nesse alvoroço, nos aproximamos do balcão onde um homem acabará de entregar uma bandeja farta de copos de cerveja cheios até a boca para uma mulher que provavelmente trabalhava lá.
— Boa tarde! O de sem... — O homem para por um momento ao reparar detalhadamente antes de pegar dois copos cheios de cerveja. — Bem-vindos a Medium Lunam. O que trás viajantes para estes lados?
Pego o copo apenas para não fazer desdém com a cortesia mas o cheiro era completamente desagradável fazendo com que ao aproximar o copo da boca fizesse uma careta que não passou despercebida pelo homem do balcão que apenas esboçou um sorriso de risada.
— Estamos de passagem, queremos ir até a Princesa Kelly. — Kylo vira o copo, bebendo tudo em um gole sem careta alguma.
Fico olhando abismada não fazia a menor ideia de que ele bebesse bebidas desse tipo mesmo que não deveria ser uma surpresa avassaladora mas não deixa de ser um choque de realidade para mim de qualquer forma.
— Então seu destino é Zima. — Informa o homem apoiando-se no balcão.
— É sempre uma festa por aqui? — Me intrometo curiosa.
— Zima é o principal local onde os piratas saqueiam, já que as docas para os navios pararem ficam por lá. Estamos festejando pela captura de um dos membros de uma equipe que vem causando o caos por onde passam. — O homem explica com empolgação.
— Tudo graças a Elite do capitão Heris Hara! - A moça grita se aproximando, a mesma que havia levado a bandeja de bebida.
Aperto a mão de Kylo para irmos embora, havia me esquecido de contar a qualquer um deles sobre a carta e a menção dessa mesma pessoa para a rainha, agradeço aos deuses por ele perceber meu desconforto e rapidamente saímos dali enquanto os dois se distraiam com as pessoas pedindo por mais e mais bebidas.
Estávamos nos esgueirando pelas pessoas quando Kylo me puxa para a sombra de uma casa e logo em seguida relinchos de cavalos, as pessoas gritando e correndo começaram em um piscar de olhos só percebendo quase no final que os guardas reais haviam chegado.
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