Capítulo 15
Estava ensopada e meus sapatos tinham água por dentro, os tirei andando descalça em direção ao castelo que parecia tão gélido quanto o frio trazido pelo vento junto com a chuva que apenas se intensificava cada vez mais.
Passei pela sala do trono, parei no meio do caminho encontrando a silhueta de alguém que se aproximava ofegante, só quando estava próxima que notei que era apenas Laylah com uma toalha pendurada no ombro e uma lamparina na mão direita, o fogo parecia dançar de forma lenta e calma, trazendo consigo de um jeito estranho um conforto diferente.
Quando me viu, seus olhos se arregalaram e parecia entrar em choque sem saber o que fazer. Mesmo que tentasse, falharia em tentar trazer afeto para ela nesse momento, apenas peguei a toalha em silêncio, saindo andando secando meu cabelo com a mão livre. Laylah apenas me acompanhou tão quieta que podia jurar que não sentia sua presença.
Parando em frente ao quarto não fui capaz de não olhar na direção do final do corredor onde agora se encontrava um quarto vazio e emanando um ar abandonado. Talvez sempre foi assim e eu apenas ignorava o fato.
— V-vossa Graça... — Olhei de canto para Laylah que parecia perdida. — Sua Majestade quer sua presença assim que possível... ainda hoje.
Fechei meus olhos segurando com força a maçaneta do meu quarto, estava exausta e se entrasse nesse quarto acabaria dormindo e evitando esse encontro que me causava náuseas. O castelo estava em um completo breu, Liat, Theodoro, Raely e Kylo devem estar dormindo a esta hora. Coloquei os sapatos molhados em frente a porta e peguei a lamparina da mão dela.
— Vamos. — Anúncio caminhando para o escritório da rainha.
Demorei para ouvir a respiração incerta de Laylah, não julgo, deve ser difícil não ter nenhuma base ao ser julgada como um objeto para servir e depois ser descartada. Preciso desesperadamente me assegurar de manter ela segura, mesmo que não sei se devo confiar em alguém agora apesar de querer muito confiar nessa criança.
Estranhei a falta de guardas em frente a porta, entrei após bater na porta junto com Laylah, vendo a rainha encostada na mesa conversando com Inej. Estreitei meus olhos ao ver a cena fechando a porta com um certo desconforto e fazendo barulho, atraindo a atenção dos dois.
Laylah se escondeu atrás de mim, Inej me olhou de cima a baixo curioso enquanto a rainha apenas se aproximou devagar de mim, fechei meus olhos com a boca seca já preparada para um tapa de repreensão mas em vez disso, escutei resmungos de Laylah ao ser puxada pelo pulso e jogada para o canto da sala.
— Inútil! Mandei que cuidasse dela e não a deixasse molhada, despenteada e ainda por cima, descalça! — Sommar esbravejou contra a menina que se encolhia na parede.
— Chega. — Discretamente estava arrancando a pele do canto da minha unha enquanto me aproximava de Laylah.
Com um braço a puxei para mim em um abraço que foi rapidamente retribuído, comecei a fazer cafuné nela quando percebi os lábios repuxados de Sommar em uma expressão de surpresa com um claro descontentamento de minha atitude.
— Por que estava na chuva? — Ela andou até a cadeira, se sentando com um suspiro irritada.
— Aemy decidiu voltar para casa... — Minto. — Apenas a acompanhei até os portões.
— Ela não vai fugir, me deve muito ainda! — Murmurava enquanto rabiscava uma folha em branco.
— Posso me retirar? — Bocejo exausta.
— Vão. E Príncipe, conte resumidamente o que lhe disse, depois se possível, chame o chefe da guarda real para mim ainda hoje. — Sem nos olhar, apenas se levantou e começou a remexer em livros da estante atrás dela.
Segui para fora sem me importar com reverência, puxando com certa força Laylah para que não fizesse a reverência para aquela mulher. Inej nos acompanhou por pelo menos três corredores quando o senti segurar na minha mão, encarei em busca de algum sinal encontrando apenas um olhar perdido.
— Vá dormir com elas. — Me afasto de Inej beijando a testa de Laylah.
Ela retribuiu com um forte abraço que me pegou de surpresa, dei um pequeno sorriso ao retribuir o sorriso para vê-la se afastar e virar no corredor seguinte em direção ao quarto de Lyz e Adisura que provavelmente estariam em um sono pesado.
Inej havia se aproximado de uma janela fechada e com as cortinas abertas, fiquei ao seu lado observando o jardim escuro e lá nas profundezas devia estar Kylo dormindo calmo sem os trovões na pequena casinha de jardineiro, apoiei uma mão na janela comprimindo os lábios pensando no que Elinor diria se estivesse aqui comigo sobre Aemy, sobre o que fazer e como seguir em frente.
— Estou com medo. — Confesso. — Medo de chegar em um ponto que não consiga confiar na minha corte mais... — Sussurrei o final olhando para baixo.
Senti a mão de Inej repousar nas minhas costas de forma carinhosa na tentativa de demonstrar algum consolo, ergui meu olhar para encará-lo mas seu olhar estava fixo nas gotas que escorriam pelo outro lado da janela.
— Marcaram o casamento para que ocorra em dois meses. — A voz de Inej estava baixa ao falar.
Senti o ar faltar por um momento, havia acabado de perder minha mãe, agora minha melhor amiga e agora preciso casar em dois meses para uma união que irá me prender ainda mais nesse castelo até meu último dia de vida. Encostei na janela sentando devagar no chão abraçando minhas pernas, encarando fixamente a iluminação que vinha da janela.
Mal percebi que Inej havia sentado ao meu lado mas em vez de olhar para o chão, encarava o teto com uma mão na nuca de forma pensativa. Em momentos como esse que me sinto perdida, sem controle nem de minhas ações quanto mais da minha vida, como se fosse apenas um fantoche meramente ilustrativo.
Resmunguei de dor ao arrancar a pele do canto da unha e começar a sair um pouco de sangue, apertei meu dedo contra a saia do vestido para que parasse de sangrar pelo menos. Inej estava rindo baixo quando o olhei, não sabia o porque apenas era estranho o ver rindo em uma situação assim.
— Qual a graça? — Pergunto abraçando mais minhas pernas.
— Apenas pensando na vida. — Se inclinou estralando as costas.
— Como é sua família? — Olho para meu dedo mexendo e manchando meu outro dedo com sangue.
— Sou o quarto filho em um reino que prioriza o primogênito. — Inej ria sem vontade mexendo em algo no bolso da calça.
— Não sei nada dos outros reinos. — Confesso esticando as pernas. Percebi o olhar de Inej sobre mim. — O que? Ninguém da família real saiu de Hayesfir, então é inútil que ensinem algo.
— Você vai ser rainha um dia. — Retruca perplexo.
— O rei que tem voz aqui, rainha é meramente figurativa comparada a um rei. — Dou de ombros.
— Bizarro. Em Châdifir a voz da rainha tem tanto poder quanto a do rei, mas se você não é o primogênito não há muito que lhes ensinar além de procriar. — Seus olhos acinzentados me encaravam fixamente agora.
— Acho que é normal, já que no bem há o mal e no mal há o bem afinal.
— Você não é tão insuportável, querida. — Brinca me empurrando com o ombro.
— Você ainda é um intruso, Príncipe meia boca — Devolvo o empurro rindo baixo.
Inej de repente se levantou colocando as mãos no bolso e foi se afastando devagar mas antes de sumir ao virar no corredor consegui escutar ele falando:
— Vou trazer algo para lhe aquecer.
Bufei revirando os olhos, não havia pedido por ajuda dele, mas estava mais incomodada porque de fato estava começando a ficar com frio e era bem provável que pegasse um resfriado por ficar na chuva tanto tempo.
Encostei na parede fechando os olhos na tentativa de tirar um breve cochilo, um estrondo ressoou como se o barulho estivesse do meu lado, apertei as mãos querendo abrir o olho mas não consegui, como se algo me impedisse de enxergar. Apertei com mais força minhas mãos com medo, fiquei alguns segundos em silêncio apenas escutando minha respiração pesada quando senti um sopro quente no meu ouvido. Prendi a respiração sem me mexer.
— Se acalme e tente abrir os olhos sem pânico ou pressa.
Comprimi os lábios sem reconhecer a voz, engoli em seco enquanto respirava e inspirava profundamente aos poucos fui capaz de abandonar boa parte do medo que sentia mas não completamente. Tentei novamente abrir os olhos devagar, demorou e apenas após um longo tempo tentando sem entrar em pânico, consegui abrir os olhos.
Arregalei meus olhos cambaleando para o lado na tentativa de me afastar dela. Tinha uma mulher um pouco mais velha que eu ao meu lado, parecia um tanto borrada e transparente mas ainda era perceptível os olhos verdes, o longo cabelo loiro escuro preso em um coque e a pele pálida.
— Q-quem é você?! — Me afasto mais.
— Sou eu, raio de sol. — Aos poucos reconheci aquela voz.
— Tia... — Sussurro.
Estiquei minha mão para tocar em seu rosto mas apenas passou reto, borrando um pouco o rosto dela que voltou aos poucos, deixei minha mão perto do peito a encarando para evitar olhar para Reluz. Realmente estava vendo uma pessoa morta!
— Ela me permitiu falar com você mesmo que a negue. — Sorriu gentilmente.
— Ela quem? Não nego a ninguém! — Retruco sem saber como reagir.
— Pergunte, raio de sol. Não tenha medo. — Ela se aproximou de mim e tocou meu rosto, seus olhos expressavam dor ao passar direto, sem poder me tocar. — Pergunte.
— Como era sua vida quando estava viva? — Como era minha mãe? Queria perguntar mas não conseguia.
— Ela era boa, confortável e luxuosa. A nossa família, a família Lena era conhecida por representar a família real com os outros reinos. — Abri a boca para perguntar mas Reluz foi mais rápida. — Sim, todos da família Lena saiam do reino para representar o reino. Até ela.
Olho para baixo então minha mãe já viu como é fora de Hayesfir, como é a cultura, comida e paisagens, mas nega isso a mim e negara para minhas irmãs.
Voltei a olhar para Reluz no momento que estava olhando para um corredor escuro, rapidamente ela voltou a olhar para mim como se não tivesse encarado a escuridão a pouco tempo. Era melhor ignorar isso agora.
— Então por que ninguém sabe de você? — Pergunto devagar.
Reluz parecia pensar antes de voltar a sorrir gentilmente.
— Nunca cheguei a ser conhecida por ninguém e morri envenenada antes mesmo que pudesse ser conhecida como... — Silêncio.
— Rainha... — Reluz afirma com a cabeça olhando para o lado. — Quem te matou?
Os olhos de Reluz escureceram olhando para o chão fixamente, estava prestes a me desculpar quando ela simplesmente sumiu na minha frente. Cocei a nuca envergonhada, apoiei as mãos no chão para levantar sentindo algo macio, fiquei sentada vendo o que havia no chão e era um tecido macio com o desenho de uma serpente negra com detalhes em dourado e olhos de kianite água aura.
— É o símbolo da minha família. — Inej surgiu com uma caneca de chá fumegante.
— Você deixou cair! — Me defendo rapidamente envergonhada.
Ele apenas sorriu minimamente se sentando ao meu lado e entregando a caneca com chá fumegante para mim, peguei sem pensar duas vezes e comecei a beber, o líquido quente parecia queimar minha garganta mas por outro lado não estava com frio.
Termino de beber deixando a caneca de lado sentindo um peso a mais no meu ombro, percebi que era Inej que havia apoiado sua cabeça em mim e adormecido sentado de qualquer jeito. Não consigo pensar no que fez ele se cansar tanto para dormir em qualquer lugar assim, aproveitei para ficar pensando essa noite. Pensando em Aemy.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top