purple rain
9 de maio, 1987
aproximadamente 4am,
Starlight Town
JUNGKOOK
Talvez daqui a dez ou vinte anos, a lembrança de hoje seja como um sonho borrado no fundo de minha memória, com cores pálidas e sorrisos rabiscados. Talvez seja uma lembrança dolorosa, ou talvez não chegue mais a ser uma lembrança, talvez se perca no fio do tempo. Mesmo assim, sempre vou ter essa sensação de estar viajando em um sonho passageiro quando algo me fizer recordar desta noite.
Os letreiros em neon piscam sem descanso, passando propagandas idiotas de marcas famosas ou com anúncios de shows de artistas locais. Caminhamos de costas pela rua, subimos no meio fio e fazemos competição de quem consegue andar em zigue-zague por mais tempo. Falamos sobre bandas, sobre nossas músicas favoritas, sobre o que queremos ser. Enquanto ele gesticula, animado para citar suas faixas favoritas do Pink Floyd, eu apenas consigo encarar a tatuagem em seu braço. A tatuagem que acabamos de fazer juntos.
Nunca havíamos comentado muito sobre algo que não fosse Queen ou Elvis, mas agora temos isso marcado em nosso corpo. Em meu braço direito está desenhada a silhueta de Freddie Mercury com as palavras Don't Stop Me Now, já no braço esquerdo de Jimin está um coração com uma flecha e os dizeres Burning Love. Ele disse que não tatuaria a cara do Elvis jamais e, sendo honesto, respeito isso.
Eu mal consigo acreditar que realmente fizemos uma tatuagem combinando. Essa é, de acordo minha experiência em romance, a pior atitude a se tomar em um relacionamento. Mesmo assim, fui lá e fiz, como se estivesse totalmente inebriado.
O dono do estabelecimento nem mesmo pediu nossas identidades, apenas riu da minha cara quando quase desmaiei diante da agulha. Apesar da maior vergonha ser a tatuagem em si. Acho que ele está acostumado a ver coisas piores corriqueiramente.
Não perguntei como Jimin conheceu esse lugar, ou como ele sabia que era confiável, apenas assumi que foi onde ele fez suas outras tatuagens. Talvez seja um nível perigoso de confiança, mas...
Jimin sorriu em minha direção e segurou minha mão, fazendo a ideia não parecer mais tão ruim assim. Eu quase não queria ter que voltar para casa. Queria poder criar uma fenda no tempo e ficar preso para sempre nesse pequeno trecho, mas não posso. Então, juntos, gastamos as dez pratas que sobraram em uma loja de conveniência, com alguns lanches e bebidas, e voltamos para a estrada.
***
10 de junho, 1987
residência dos Jeon
Um vestido de baile extremamente ousado pousa na cara de minha mãe. Ela segura a peça vermelha chamativa em suas mãos e levanta as sobrancelhas.
— Você tem certeza de que isso é permitido? — ela pergunta para Yeri, que apenas dá de ombros, distraída com uma pilha de acessórios — Se você diz...
Yeri não necessariamente chegou a dizer algo, mas ignoro isso como venho ignorando praticamente tudo o que está acontecendo ao meu redor.
O vestido vermelho acaba aterrissando no topo de mais uma peça azul, em uma pirâmide sem fim.
A data mais temida do ano letivo chegou. O infame baile.
Sejamos sinceros, as pessoas esperam com antecipação pela festa, pelos convites, a dança e tudo mais, mas ninguém está realmente feliz com a ideia de festejar junto dos professores, ouvindo músicas bregas num pátio brega. Ninguém a não ser minha mãe. Ela adora tudo que for cafona. De George Michael a bailes escolares. Posso ver a felicidade no seu olhar, imaginando quantas fotos vergonhosas vai tirar de mim e de meus amigos hoje a noite.
À parte a vergonha, existe outro fato causando cócegas em meu cérebro. Caso isso fosse uma sitcom, a câmera estaria focando em meu rosto lentamente, mostrando a zona em minha casa. Eu não consigo acreditar que Taehyung, Jimin, Yeri, Hoseok e minha mãe estão discutindo sobre moda na nossa sala.
O Park coloca um terno azul escuro em frente ao meu corpo e acena positivamente. Eu não faço ideia de onde ele tirou tanta roupa, mas tem todos os modelos possíveis, a grande maioria personalizada a mão.
— Eu não sei... — ele diz — Você fica bem em tudo.
Eu dou um sorrisinho e abaixo a cabeça, mas percebo minha mãe me encarando com uma expressão cumplíce e fico imediatamente vermelho. Ainda não me acostumei com toda essa situação onde minha família sabe e aceita. Aceita tudo. Eu e Jimin nem mesmo namoramos. Não que eu saiba, pelo menos.
Resumindo, quando voltamos de nossa "pequena fuga", meus pais não sabiam se me abraçavam, choravam ou gritavam comigo. O pai de Jimin não fez diferente do esperado, apenas seguiu com o que Taehyung tinha dito. Ele paga uma pensão para o filho e nada mais, a preço de que ele nunca mais pise no karaokê.
Obviamente, eu fiquei com o pior castigo da eternidade, principalmente por ter chegado em casa com uma tatuagem, o que pode ser chocante para os pais. Não sei nem como consegui ir até a escola sem que mandassem alguém me vigiar, mas até que entendo. O mais engraçado é que, apesar de tudo isso, eles não conseguiram me proibir de ver Jimin. Até mesmo o chamaram para jantar aqui em casa várias vezes, me fazendo acreditar que minha mãe gosta mais do mauricinho do que de mim.
Agora que meu castigo acabou, estão nos ajudando a ir pro baile. Como se nada tivesse acontecido.
Não vou entrar em detalhes sobre como Taehyung, Yeri e Hoseok vieram parar aqui. Foi algo que apenas... aconteceu. O grupo se uniu e tornou isso.
— O que foi? — Jimin pergunta baixinho, enquanto Taehyung arranca uma blusa extremamente amarela das mãos de Hoseok — Você estava viajando, olhando pro nada.
Abro a boca para responder, mas a porta da sala é escancarada e todos os olhares se voltam para as duas figuras que fazem uma entrada triunfal em minha casa.
Namjoon faz uma referência tão exagerada que até minha mãe revira os olhos.
— Acharam mesmo que eu não apareceria? — ele diz e Yoongi imediatamente o puxa pelo colarinho.
— Ninguém achou isso, eu esperava por isso. É diferente — respondo — A paz acabou...
— Eu vou expulsar os dois daqui se começarem a brigar — minha mãe aponta um prendedor de cabelo em nossa direção e, simples assim, a discussão acaba antes mesmo de começar — Tudo bem, meninos?
Yoongi responde a pergunta e começa a conversar com minha mãe, contando todas as fofocas por trás de seu atraso e se enturmando logo de cara. Namjoon vem na minha direção, mas se distrai com Yeri e Hoseok, que estão brigando por um paletó rosa choque, ignorando completamente o que a dona Jeon acabou de dizer. Taehyung caminha até onde estamos com uma expressão de angústia e se joga na única poltrona disponível.
Acho que vou ficar tonto, apesar de isso ter mais a ver com meu estranhamento diante dessa situação.
— Eu não sei o que fazer.
— Sobre...? — Jimin pergunta, mas nem se dá ao trabalho de disfarçar seu desinteresse.
— Você já viu o tipo de roupa que Hoseok quer usar?
— Deixa ele usar, combina com a personalidade dele.
— Ele vai brilhar mais do que a bola espelhada na pista de dança.
— Vocês foram feitos um para o outro — não consigo me conter e acabo me metendo na conversa — Ele combina com esse estilo, só relaxa.
— Jungkook tem razão.
— Aliás, onde vocês conseguiram tantas roupas?
Taehyung faz um gesto de desdém.
— Eu costurei a maioria, a outra parte vêm de brechós.
— Taehyung costuma personalizar roupas e faz sucesso com isso.
Pego uma jaqueta que já vinha me chamando a atenção e mostro para eles como se fosse uma novidade.
— Você que fez essa?
Tae faz que sim com a cabeça.
— Uau...
Antes que ele possa agradecer, Hoseok e Yoongi começam a brigar por uma camisa que nem mesmo David Bowie se atreveria a usar e Taehyung sai correndo para proteger sua preciosa peça.
— Hoje vai ser um longo dia — Jimin comenta calmamente — O que você acha desse conjunto aqui, amor?
Queria saber até quando ele vai continuar me chamando assim sem namorarmos.
— Eu acho interessante.
***
ainda 10 de junho, 1987
estacionamento da Beacon Hills High School
aproximadamente 8pm
O Mustang de Jimin, que por sorte ele conseguiu manter, estaciona em um canto afastado da entrada do colégio com delicadeza. Observo com o canto do olho enquanto ele passa a mão no cabelo loiro, solto em pequenas ondas. O Park está reluzente, mas mal consigo dizer isso em voz alta, mesmo que eu esteja com muita vontade de liberar um lado ainda mais brega do que o normal. Eu estaria mentindo caso dissesse que as coisas entre nós estão normais, que não estamos disfarçando um silêncio desconfortável.
Como não sei o que fazer, apoio a cabeça em seu ombro e o encaro de baixo. Consigo sentir seu perfume, que nunca falha em me deixar completamente perdido e consigo ver suas bochechas ficando rubras, cada vez mais e mais vermelhas, como se nunca ficássemos próximos assim, como se fosse algo novo.
— Jiminie.
— Oi.
— O que houve?
Sei que não aconteceu nada em especial, mas eu consigo perceber bem quando Jimin não está sendo ele mesmo.
— O que você quer dizer?
O corpo dele está relaxado, mas ele mal se move, apenas dá um sorrisinho sem graça.
— Tem algo errado?
— Não...?
Definitivamente não é o momento certo para esse tipo de coisa, mas, como sempre, minhas ações são mais rápidas que minha consciência.
— Eu...
Uma batida no capô do carro me interrompe e me afasto de Jimin quase que inconscientemente.
Não fico surpreso quando Namjoon coloca a cara na janela.
— Vocês vão ficar a noite toda dentro desse carro?
Jimin dá uma risadinha sem graça, mas eu não consigo esconder minha cara de bunda.
— Já estamos indo.
Olho para meu amigo com a pior expressão que consigo.
— Você vai abrir a porta pra mim ou algo do tipo? — pergunto, já que Namjoon ainda está escorado no carro.
— Ah, não — ele sai e caminha calmamente para longe.
Filho da...
Não se pode nem namorar em paz.
Quando estou prestes a abrir a porta do carro, no entanto, Jimin faz isso para mim. Ele até mesmo gesticula dramaticamente e sorri na minha direção. Não consigo evitar olhar para ele como se estivéssemos em câmera lenta.
Eu meio que quero passar cada segundo do lado dele. Por mais clichê que isso possa soar.
Enquanto caminhamos até a entrada, Jimin oferece seu braço para que eu possa segurar e eu topo. Não faço a mínima ideia de como vão reagir na escola, do que pode acontecer, mas não estou com medo. Acho que antes disso, o que mais chama a atenção são nossas roupas.
Consigo avistar Hoseok de onde estou, com um paletó amarelo e um broche com as cores do arco-irís em formato de flor. Até aí tudo bem, não fosse sua calça boca de sino também amarela. Taehyung usa um terno preto padrão, o que é engraçado considerando que ele customizou nossas roupas.
Jimin está deslumbrante de vermelho, mas ainda não tive a oportunidade perfeita de o dizer. Quando tentei logo cedo, minha mãe nos fez posar para uma centena de fotos. Quando tentei falar na viagem, ele começou a contar sobre Taehyung e Hoseok e eu não queria perder a fofoca.
Só me resta falar enquanto estamos na pista de dança.
***
Eu nunca vou esquecer de como Jimin está nesta noite. Rodopiando e rindo com Taehyung. Puxando meu braço tão gentilmente em sua direção que parece o chamado de um anjo. Rindo ainda mais alto do que antes. Colocando suas mãos ao redor do meu pescoço enquanto (I Just) Died In Your Arms toca no salão.
Com algumas bebidas batizadas, com o relógio quase alcançando a meia noite, com todo mundo inebriado, ninguém se importa com quem você vai dançar. Ninguém liga se eu e Jimin nos beijarmos. Ninguém liga se eu dizer em seu ouvido que ele está deslumbrante (finalmente).
Ninguém olha enquanto nos esgueiramos para o estacionamento e nos beijamos tão intensamente encostados em um ônibus velho que parece que realmente estamos à beira da morte.
Quando nos afastamos para respirar, Jimin solta um suspiro e me afasta um pouco. Ele passa a mão no cabelo e respira fundo.
— O que foi? — pergunto, mas minha voz quase não é audível.
— Tem algo que eu quero dizer.
Sinto meu coração quase sair pela boca, mas me recomponho e deixo ele livre. Jimin caminha para onde fica completamente visível e alguns fogos de artifício começam a explodir em cores no céu.
Ele coloca a mão no bolso e tira uma fita de lá.
Então Jimin se ajoelha, como se fosse me pedir em casamento, e ergue a fita cassete em minha direção.
Eu realmente não acredito.
Com o som dos fogos e da música ao fundo, ele diz as palavras.
— Então, eu não tinha dinheiro para te comprar uma aliança, então eu te fiz essa fita.
Se eu chorar, eu sei que vou ser incomodado pelo resto da vida, então forço uma cara de paisagem, mas não paisagem demais.
— Eu coloquei as músicas que ouvimos durante nossas aventuras — ele continua dizendo — Eu lembro de várias. Na verdade, eu tento recordar de cada segundo. Então, se isso for o suficiente pra você... Você aceita namorar comigo?
— Sim! — tento parecer legal, mas minha voz falha no meio da palavra — Eu quero.
Jimin levanta e me entrega a fita, que guardo cuidadosamente no meu próprio bolso.
— Você tá chorando? — ele pergunta baixinho, com as duas mãos no meu rosto.
— Não — uma lágrima escorre pelo meu rosto — Eu te amo.
Nunca falei isso para alguém antes, então espero ser o momento certo.
Jimin me beija sob as luzes roxas dos artifícios mesmo que eu esteja chorando.
— Eu te amo mais — ele responde.
Nota:
o próximo capitulo é o último....
fiquem bem, beijos
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