paradise city
7 de abril de 1987,
rua da mansão de Jeff
JUNGKOOK
De alguma forma, eu sei que acabei entrando um pouco demais na operação que Jimin me propôs quando nos conhecemos. Parece até ironia do destino, considerando que ele mesmo já confessou que era tudo uma desculpa para passar mais tempo comigo, mas...
Eu perdi. Perdi tudo e perdi feio.
Que ridículo.
Eu acabei de jogar todo o resto de meu orgulho ralo afora quando o beijei, roubei uma bicicleta e ainda ousei subir nessa mesma bicicleta apenas para fazer nós dois nos estatelarmos no chão igual a dois idiotas. Tudo isso enquanto fugíamos da polícia. Não existe nada mais "Operação Bohemian Rhapsody" do que isso.
Não existe nada mais "Eu me apaixonei por Park Jimin e não consigo mais esconder" do que isso.
Observando tais fatos, não sou capaz de culpar Jimin por não acreditar quando digo que estou sóbrio. No entanto... Sóbrio ou não, eu apenas queria beijá-lo...
Eu não estava bêbado, entretanto.
Talvez seja até bom que ele pense isso de mim. Levando em consideração que já é humilhante demais fazer tais coisas quando se está bêbado, é ainda mais humilhante imaginar que você as fez enquanto sóbrio. Eu jamais seria capaz de o dar esse gostinho. Ele ficaria dez vezes mais insuportável do que já é.
No entanto, foi tudo verdadeiro. Não que eu pretenda falar isso em voz alta.
Desde a noite em que jogamos UNO na minha casa até hoje, não me faltaram oportunidades de pensar e encarar minha realidade cruel: Eu realmente acabei me apaixonando por esse mauricinho de merda. E, provavelmente, é um sentimento recíproco. Apesar de ele não ter conseguido falar em voz alta ainda. Muito menos eu. Só vou falar quando ele também falar.
Nada de ser o primeiro a se declarar.
Parando para pensar, talvez eu tenha sido o primeiro a tomar a iniciativa em nosso beijo, mas isso não significa nada.
De qualquer maneira, uma vez que você percebe essa coisa de estar apaixonado e tal, é impossível a deixar jogada embaixo do tapete novamente. Ela se torna uma pedra no sapato, te fazendo agir de maneira estúpida, exatamente como estou agindo agora.
Sei que tenho um tom vermelho irritante estampado em minhas bochechas enquanto andamos de mãos dadas pela rua, agora mais vazia. Por mais que eu tente manter minha pose, devo parecer apenas uma criança emburrada. Também tenho ciência de que Jimin está rindo de mim, mas não consigo dizer nada depois da quantidade preocupante de vezes em que nos beijamos naquele monte de terra escondido por algumas árvores, porque obviamente essa era a única maneira de nos manter distraídos enquanto esperávamos a polícia deixar o bairro. Não que estivéssemos realmente pensando nisso na hora.
O ponto é que realmente perdemos noção do tempo enquanto estávamos ali, nos beijando e reclamando de dor toda vez que encostávamos em algum arranhão proveniente da queda. Até que ouvimos o barulho das sirenes aumentando e vimos as luzes azuis e vermelhas passando na estrada acima de nós, desaparecendo periodicamente. Quando tudo finalmente ficou silencioso, foi que percebemos o que estávamos fazendo e deixamos o meio do mato.
Desde então, tenho estado envergonhado demais para falar algo e Jimin parece irritantemente satisfeito o suficiente para não querer quebrar o clima com suas falas inapropriadas. Ou seja: silêncio. Um silêncio anormal domina o ambiente, a não ser por algumas pessoas ainda conversando alguns metros a frente.
Estreito os olhos para conseguir enxergar e reconhecer os dois indivíduos parados no meio da calçada, aparentemente discutindo. Engasgo com minha própria saliva quando finalmente os identifico.
Kim Namjoon e Min Yoongi, obviamente, estão brigando na calçada de forma nada discreta, provavelmente achando que estão devidamente escondidos atrás de uma picape velha, ou melhor dizendo, Jerônima. Tenho que me esforçar muito para controlar minha vontade de revirar os olhos e de chamar por seus nomes em voz alta. Afinal, não sei se ainda restam policiais na área.
Aperto o passo na direção deles, e Jimin me encara preocupado, mas não diz nada. Logo, chegamos onde meus amigos estão. Demora alguns segundos para que eles percebam nossa presença, mas ainda sou capaz de entender algumas palavras antes deles se calarem e me encararem surpresos.
Na verdade, Namjoon olha bem dentro de meus olhos e depois para minha mão, que ainda segura a de Jimin. Apesar de não ter nada a esconder, a solto num impulso idiota.
— O que vocês estão fazendo aqui? — pergunto, o mais baixo que consigo e minha voz sai num sussurro irritado.
Namjoon levanta uma sobrancelha sarcasticamente.
— Não é óbvio? Estamos nos escondendo.
Jimin solta uma risada baixa.
— Eu consegui ver vocês lá do final da rua — falo por mim e pelo Park — Vocês nem mesmo parecem se importar se ainda existe algum policial rondando a casa.
Namjoon cruza os braços e lembro de como ele é metido a fortão.
— E o que vocês ainda estão fazendo aqui?
Discreto como nunca, Namjoon não consegue parar de encarar Jimin com um olhar tão sugestivo que até o diabo se acanha.
— Minha moto ainda está por aqui — Jimin responde calmamente, enquanto coloca as mãos nos bolsos — Viemos procurar por ela.
— Juntos?
— É, algum problema?
Como se fossem um só, Namjoon e Yoongi levantam uma sobrancelha exatamente no mesmo instante.
— Esse não é o foco — decido interromper o clima tenso com algo ainda mais tenso — O que foi aquilo na festa? Por que você estava brigando com o Jeff? Ou melhor, esmurrando ele.
Talvez essa não tenha sido a melhor pergunta a se fazer, mas preciso de uma explicação.
— Bem, ele mereceu...
Yoongi interrompe a fala típica de Namjoon com um toque em seu ombro.
— Aquele cara falou meu nome morto na frente de todo mundo — ele diz, simplesmente — Então, Namjoon fez o que fez.
Pisco surpreso.
Nome morto?
— Ah — finalmente percebo — Então você...
— Sim, eu sou um homem trans — ele complementa — Sim. Acho que só você naquela escola inteira foi lerdo o suficiente para não perceber. Não é como se eu fosse realmente respeitado... Ou como se as pessoas não falassem.
— Quer dizer.... Eu não sou lerdo, ok!? — olho para o lado envergonhado e Jimin está rindo para mim, então volto a encarar Yoongi — E Namjoon estava mais do que certo no que fez! Apesar de eu ser contra a violência, nesse caso foi mais do que merecido.
Yoongi balança a cabeça.
— Já tem um tempo que implicam comigo — ele diz — Quanto mais corda você dá, mais eles decidem pegar no seu pé.
— Então por que vocês dois insistiram tanto em vir pra essa festa? Vocês não deveriam evitar?
Até porque quem deu a ideia de vir foi Namjoon.
— Eu não sabia — meu amigo rebate, com raiva, como se estivesse dando uma resposta aos meus pensamentos — Yoongi não me contou nada disso. Eu suspeitava que o Jeff estivesse sendo cuzão, até porque ele não é a pessoa com o melhor caráter naquela escola, mas quando perguntei se Yoongi queria vir para a festa....
— Você estava muito animado, eu não queria acabar com isso! — O Min interrompe — A gente já deixa de fazer muitas coisas para evitar esse tipo de situação, e eu não queria ser ainda mais um incômodo para você. Não queria que parassemos de sair juntos para coisas desse tipo, porque esse tipo de pessoa sempre vai existir, em todo lugar. Infelizmente, é como eu vou ter que...
— Então prefere ouvir merda dessa gente escrota e fingir que está tudo bem? — Namjoon quase grita — Quem que disse que você é obrigado a escutar essas coisas? Eu vou arrombar todos na porrada! A gente vai sair para onde a gente quiser, quando a gente quiser, porque você é meu namorado. Entendeu?
Consigo ver as bochechas de Yoongi ficarem tão vermelhas que acho que estou ficando vermelho junto.
Quer dizer, quando faz essas coisas Namjoon é bem atraente.
Apesar desse não ser realmente o foco da conversa, obviamente.
— Por que você também está corado? — a voz de Park Jimin bem no pé do meu ouvido me faz dar um pulo de susto.
Antes mesmo que eu — ou Yoongi — possa articular uma resposta, Namjoon dá uma risada alta, como se não estivesse gritando a dez segundos atrás e diz:
— Ah, Jimin, esqueci de avisar. Muito antes de você chegar, o Jungkook já tinha uma quedinha por mim. Ele diz que viramos melhores amigos por outras razões, mas só foi porque ele me viu de cueca e ficou apaixonado. Você vai ter que aprender a lidar com isso, cara.
— O quê? — grito tão alto que Yoongi dá um pulo — Isso é mentira! E eu tinha doze anos nessa época!
Namjoon abana a mão, completamente convencido de si mesmo.
— Eu sei — diz ele, se gabando — Você deveria estar me agradecendo por ter sido o florecer da sua descoberta bissexu...
Felizmente, Yoongi cobre a boca de Namjoon com a sua mão e sorri em minha direção. Sinto vontade de o abraçar e agradecer por ser o único que consegue fazer este infeliz que chamo de melhor amigo calar a boca. E pensar que houve uma época onde eu não ia muito com a cara do roqueirinho...
— Olhando pelo lado positivo, pelo menos a polícia levou o Jeff — Yoongi diz — Eu meio que queria estar lá para ver a cara detonada dele, mas acho que acabaríamos saindo como errados de todo jeito, então...
Genuinamente, não sei o que devo dizer, porque Yoongi está certo. Infelizmente, caso tivessem sido pegos também, eles que saíriam como errados por terem iniciado a briga e Jeff ficaria ainda mais convencido.
— Bem — Jimin interrompe o silêncio desconfortável e aponta para o outro lado da rua — Por agora, precisamos sair daqui.
Olho na direção em que ele está apontando e vejo uma moto preta típica de gangsters.
Suspeito.
— Você tem razão — Namjoon diz — Seria ainda mais rídiculo ser levado pela polícia depois de todo mundo já ter vazado.
— Ah é? — pergunto sarcasticamente e levo um peteleco na testa — Era brincadeira! Ouch, não precisava disso.
— Certo, Jimin tem razão — Yoongi se apoia na picape e nos dá um tchauzinho — Vamo embora, então. Tchau pra vocês, pombinhos.
Demoro um segundo para processar o que ele quer dizer com isso, enquanto observo Namjoon dar a volta e abrir a porta do lado do motorista.
— Como assim? — pergunto, com um sorriso amarelo surgindo em meu rosto — Eu vou com vocês.
A porta de Jerônima bate com o máximo de força que Yoongi possui e ele coloca a cabeça para fora da janela, seus cabelos pretos voando. Namjoon nem se dá ao trabalho de olhar em minha direção enquanto fecha a porta do seu lado também.
— Desculpa, Jungkook. O banco de trás da Jerônima tá lotado, você vai ter que... — Yoongi olha de soslaio para Jimin — pegar uma carona.
— Isso aí — Namjoon, com seu apoio habitual, complementa — Foi mal, cara.
Ele liga o motor. Yoongi pisca um olho e desaparece dentro da picape velha novamente.
Eu realmente não consigo acreditar.
— Mas eu vim para a festa nesse carro, como não posso voltar nele também?
Sem resposta. Namjoon acelera ainda mais.
— Namjoon?! — quase grito, mas Jerônima arranca para a frente — Você pode ir parando aí!
Obviamente, ele não para, e o automóvel logo some na rua mal iluminada. Não consigo entender qual o conceito de se esconder atrás do seu próprio carro quando você pode simplesmente entrar nele e ir embora, mas vou preferir pensar que eles estavam apenas esperando por mim. Eles não me abandonariam assim, abandonariam?
Até porque é óbvio que eles estão me forçando a pegar carona com....
Jimin apoia sua mão em meu ombro e engulo em seco.
— Acho que sou sua única salvação agora — ele diz, rindo — Seus amigos não fazem muito sentido, não é?
Filho de uma mãe. Ele sabe muito bem que tudo faz sentido.
Acabo apenas suspirando, derrotado.
— Parece que não tenho escolha. Tem algum problema?
O sorriso de Jimin fica ainda maior.
— Por que teria algum problema?
— Minha casa é bem longe da sua...
Assim que digo isso, me arrependo. As sobrancelhas de Jimin se juntam ao que ele se aproxima.
— E como você sabe onde eu moro? Nunca te falei o endereço.
Ah, merda.
Acho que depois de tudo o que aconteceu hoje, não faz mal dizer. Qual o ponto de ser birrento justo agora?
— Talvez... Bem, você sabe como você está sempre sumindo da escola e passando dias sem aparecer, então uma vez eu pedi ao diretor o seu endereço para poder... sabe...
— Espera aí! Então você realmente sentiu minha falta?
— Não! Como seu colega de classe, eu ia apenas checar se estava tudo bem.
Jimin solta uma gargalhada gostosa e acabo dando um sorrisinho junto dele. Maldito.
— Ainda bem que você não foi então — ele diz, entre risadas, até finalmente se recompor — Aquele não é meu endereço de verdade.
Meu quase sorriso morre instantaneamente.
— O quê?
— Não precisa fazer essa cara de quem viu um fantasma — Jimin aperta minhas bochechas — Aquele não é um endereço falso, eu apenas não moro mais lá. É a casa do meu pai.
Ainda não sei se devo ficar aliviado, então tiro as mãos de Jimin de meu rosto e as seguro enquanto o encaro. No entanto, assim que abro a boca para responder, alguém grita. De novo.
— Vocês! Parados aí! — O senhor policial vem novamente em nossa direção e ele está se aproximando cada vez mais rápido.
— Ah, merda — Jimin xinga enquanto me puxa na direção de sua moto — Esquecemos o mais importante.
— Ir embora.
Ele já está ligando a moto e acelerando feito louco.
— Sobe logo — ele diz — Dessa vez não vamos cair, garanto.
— Ha, ha, muito engraçado — respondo, mas já estou passando uma perna por cima da garupa — Você não precisa me levar até em casa, sério.
Não sei bem o que devo fazer. Devo colocar minhas mãos na cintura dele? Devo dar uma de corajoso e não me segurar em nada? A resposta vem em questão de segundos quando Jimin acelera tanto que acho que vou voar e, inconscientemente, minhas mãos agarram sua cintura.
Logo, tudo está ficando para trás e tenho que fechar os olhos por conta do vento. Por que raios ele não tem nem capacete?
— Desculpa por isso! — Jimin grita contra o vento e quase não o entendo.
Ele continua gritando, mas tudo o que escuto são palavras soltas e, infelizmente, acabo tendo a ideia mais ridícula da minha vida.
Park Jimin acabou de me dizer que deu um endereço "falso" para a escola, que não mora com o pai. Eu nem mesmo sei onde ele vive, mas...
Prefiro pensar que é tudo culpa da adrenalina.
— Por que não aproveita para me mostrar o lugar onde você mora, então? — grito em resposta — Posso dormir lá?
Silêncio. Um silêncio que parece ser tão longo que até mesmo abro a boca para gritar de novo e dizer que é brincadeira, mas recebo uma resposta finalmente.
— Tem certeza?
— Sim.
— Okay.
E então Jimin acelera ainda mais.
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