Hysteria

8 de maio, 1987

Pousada Easter Eggs


JUNGKOOK


Estou observando Jimin dormir tranquilamente quando escuto uma batida na porta. O movimento sinuoso do peito dele, a respiração leve e relaxada, o cheiro de sabonete misturado com o shampoo de morango que ele usa, tudo me deixa estático no lugar. Tão estático que leva alguns minutos para que eu levante e crie coragem de caminhar até a porta. As batidas ficaram cada vez mais impacientes e consigo até mesmo ouvir alguns suspiros, o que imagino não ser um bom sinal.

Não é normal sermos incomodados a noite. Absolutamente ninguém veio até nosso quarto durante os dois dias que ficamos aqui, a não ser o dono do estabelecimento quando nos atrasamos para trabalhar logo cedo. Portanto, sem soltar o ferrolho, abro apenas uma fresta e espio quem está do outro lado.

— Finalmente — Alba diz, com aquele seu sotaque carregado e um olhar cansado — Tem alguém no telefone lá embaixo querendo falar com você.

— Ah, certo. Obri...

Ela já havia ido embora antes que eu pudesse terminar de falar.

Com uma mistura de alívio e preocupação, calço meu all star surrado em silêncio e saio do quarto, deixando Jimin dormindo sozinho e trancado lá dentro. Assim como ninguém nos incomoda no nosso sono sagrado, quem poderia estar nos ligando? Durante os dias que permanecemos na estrada, mudamos de lugar três vezes, negociando com os donos e fazendo bico de atendente para poder comer, dormir e ganhar uns trocados. Liguei apenas para Namjoon e não passei nenhuma informação de onde estávamos, afinal não faria sentido. Ele poderia acabar repassando os números para alguém e aí não seria nada difícil nos rastrear pela lista telefônica.

Quando desço as escadas barulhentas, dou de cara com o bar começando a encher. Alba está me encarando com a mais pura expressão de desgosto enquanto aponta para o telefone fora do gancho. Ela só trabalha aqui a noite, mas sempre nos esbarramos. Não posso dizer que a garota é exatamente simpática, mas é melhor que o dono.

Coloco o telefone no ouvido, sob os olhares desconfiados de alguns caras do dobro do meu tamanho, e respiro fundo.

— Alô?

— Jungkook? — A voz profunda de Taehyung me surpreende — Isso sim é um alívio.

Minha primeira reação é olhar ao redor, como se fosse possível ele estar me espionando de algum lugar.

— Como você conseguiu esse número? — é o que pergunto — O que está acontecendo?

— Ah, isso foi fácil. Sai ligando para todas as pousadas beira de estrada que encontrei na lista telefônica, até achar alguém que tinha visto vocês — ele faz uma pausa — Óbvio que comecei com as mais próximas da praia, imaginei que Jimin fosse querer ver o mar... Falando nisso, onde ele está?

Resolvo ignorar o quão obsessivo isso soa, considerando a gravidade da situação.

— Dormindo. Você fez todo esse esforço mesmo?

— Ah, por favor. É com o meu melhor amigo que você fugiu... Mas depois resolvo isso. O mais importante é: quando vocês voltam? Ele está bem? O atestado falso que arrumei para vocês dois não vai cobrir por muito mais tempo.

Balanço a cabeça para conseguir me situar. Muitas perguntas, muita informação e muita ansiedade. É fato que eu não estava pensando bem quando fiz isso e, quanto mais tempo eu passo na estrada, mais difícil é de voltar. Mais e mais o medo de tudo que nos espera me paralisa no lugar.

— Calma — respondo, me inclinando na direção da parede — Jimin está bem, sim. Não está muito apto a conversar, mas estamos indo bem. Agora, como assim um atestado falso? O pai dele com certeza deve ter aparecido na escola causando o maior estardalhaço, me procurando, um atestado não ia servir.

Além de que Jimin sempre passava dias sem aparecer na Beacon Hills, por vários motivos.

— Você não está entendendo — ele diz, sua voz ficando cada vez mais aflita — Eu conversei com ele.

— Com o pai do Jimin?

— O próprio. Olha, eu saí do grupo do Jin e tive uma conversa com o Park — ele faz uma pausa e começa a sussurrar — Falei que não estávamos mais metidos nesse negócio, que íamos apenas trabalhar e estudar. Não é mentira, mas ele só mudou de ideia quando eu mencionei que podia conseguir atestados falsos e convencer todos de que o filho dele não fugiu com um garoto. Não que ele realmente se importe com a escola, foi até um salva vidas para ele, que estava prendendo Jimin em casa com aquelas aulas particulares horríveis... Enfim, depois disso, ele disse que Jimin pode fazer o que quiser, desde que não pise mais no karaokê.

Fico em silêncio por alguns instantes, processando tudo que acabei de ouvir. Sei que algo não bate, algo não se conecta ao resto, mas também acho que não importa tanto assim. Confio no que Taehyung diz, porque é o melhor amigo dele que está envolvido, mas é algo difícil de processar. Ainda mais com outro tópico tomando conta da minha cabeça.

— Você também falou com meus pais? — É meio óbvio que eles precisam concordar com isso de atestado para que realmente funcione. Jimin sempre sumia da escola, mas eu fazer isso seria uma novidade — Eles sabem sobre isso?

— Namjoon falou com eles. Pelo menos foi o que Yoongi me disse. Até agora, eles acham que você está com problemas intestinais sérios e Jimin com catapora.

Não sei qual dos dois é pior e não vou parar para raciocinar.

— Obrigado... eu acho. Eu vou conversar com ele e vamos voltar.

— Não precisa agradecer, eu que criei essa cena mesmo.

— Como assim?

— Fui eu que dei a ideia de entrar pra isso anos atrás e realmente segui adiante. E olha como estamos hoje.

Vou assumir que com 'isso', ele quis dizer a gangue. Não conheço essa parte da história, mal posso dizer que sei algo de verdade, mas se ele diz... Ainda não me acostumei por completo com essa faceta de Taehyung.

— Deixa disso... — é tudo que consigo dizer, porque é estranho o consolar — Não é como se desse pra viajar no tempo.

— Como em De Volta Para o Futuro?

— Exatamente — esboço um sorriso pela primeira vez desde que começamos a conversar — Mas isso também seria um problema.

— Não se brinca com o tempo.

Dou uma risadinha e tudo que ele disse se conecta em minha cabeça.

— Acho melhor desligar agora. Pode deixar que vou contar tudo a ele.

— Eu sei que vai. Até mais.

Escuto o clique, indicando que ele encerrou a chamada, e coloco o telefone de volta no gancho. Procuro Alba com o olhar e a encontro servindo algumas bebidas para um grupo de caras corpulentos, então eu aceno com a cabeça agradecendo e ela apenas retribui o gesto tão minimamente que é quase imperceptível. Foi uma ligação meio longa, afinal. Provavelmente vão descontar da nossa conta.

No entanto... não podem descontar nada de ninguém se não estivermos mais aqui amanhã.

Subo as escadas o mais disfarçadamente que consigo e abro a porta do quarto. Quase me sinto mal por acordar Jimin, mas o sacudo assim mesmo. Dou uma olhada pela janela em cima da cama e volto para passar a chave na porta.

— O que foi, amor? — ele pergunta, com a voz embargada de sono e quase vacilo — O que houve?

— Vamos embora. Agora.

Jimin levanta rápido, se enrolando nos lençóis e franzindo as sobrancelhas na minha direção, que estou recolhendo nossos poucos pertences e jogando na nossa mochila.

— O que houve?

Paro no lugar e largo a mochila no tapete desgastado. Sento-me ao lado de Jimin na cama e seguro sua mão.

É uma notícia boa, afinal vamos poder voltar para casa, mas também é mais um fardo nas costas dele.

— Taehyung ligou. Antes que você surte, ele disse que conseguiu nos achar pela lista telefônica.

Jimin revira os olhos.

— Claro que conseguiu. O que ele disse?

Conto tudo que Taehyung me informou nos mínimos detalhes, explicando até a parte dos problemas intestinais, enquanto Jimin apenas escuta e acena com a cabeça.

Quando termino de falar, ele dá uma risadinha.

— Eu não achei que seria tão fácil assim, mas não estou realmente surpreso.

— Não vai me dizer que você também tem um dedo nisso.

Ele balança as mãos e me abraça logo depois.

— Dessa vez, não. Mas é como você disse... Taehyung se sentia culpado e tudo já estava desmoronando para nós dois.

— Por seu pai saber sobre você...?

— Não só isso — Jimin sussurra — Ele tem outra família.

Imediatamente, eu saio dos braços do Park e o encaro. Ele não pode dizer uma coisa dessas tão casualmente assim.

— O seu pai...?

— Ele mesmo. Eu vi quando voltei para casa durante aquele tempo. Tem outra filha e tudo.

— Não acredito — na verdade, eu acredito.

— Quer dizer, não o culpo por isso, querer seguir em frente e essas coisas — ele puxa a corrente que usa no pescoço e mexe nela nervosamente — Mas primeiro ele se livrou da loja que era dela. Agora, ele quer se livrar de mim.

Sendo sincero, não sou bom com conselhos. Não sou bom em filtrar sentimentos alheios. Sinto desconforto com a situação de Jimin, porque queria ajudar, mas não posso voltar no tempo. Não posso mudar a linha temporal da vida dele, então faço tudo que está ao meu alcance nessa realidade. O abraço bem apertado, um tanto diferente de como venho o abraçando durante os dias em que fomos fugitivos ridículos, e conto o que vamos fazer. A ideia já havia se formado em minha cabeça no momento em que subi as escadas de qualquer forma.

Afinal, o que posso dizer? Aquele homem asqueroso que ele chama de pai realmente está se livrando de Jimin pouco a pouco, isso é um fato. Mesmo assim, ele ainda tem Taehyung e a mim, por mais brega que isso possa soar.

Quando o relógio indica que já passou das duas da manhã, estamos prontos. O silêncio reina no lugar, apenas sendo ocasionalmente interrompido por um grilo ou outro. Olho mais uma vez pela janela e vejo apenas o estacionamento vazio, a não ser por um bêbado jogado no chão. A essa hora, só a luz da cidade mais próxima é visível a alguns quilômetros de distância.

Jimin coloca a mochila nas costas e faz um joinha com a mão. Já revistei tudo umas cinco vezes, dominado pela ansiedade, e garanti que não estávamos deixando nada para trás.

Recuando, eu deixo Jimin subir na cama, para abrir a janela silenciosamente com suas habilidades criminosas. Ele logo consegue e olha para baixo. Por sorte, existe uma lata de lixo gigante a uma altura razoável, bem abaixo da janela.

Antes que eu pudesse respirar fundo, Jimin já tinha pulado e aterrissado na caçamba com um baque surdo. Impressionado, coloco a cara na janela e o vejo sinalizando em minha direção fervorosamente, mas com um sorrisinho no rosto. Eu entendo, normalmente eu não costumava dar ideias como "ah, vamos fugir no meio da noite sem pagar", então Jimin sempre faz essa cara quando acontece.

Como sei que não temos tempo, eu passo uma perna pelo parapeito e pulo sem pensar demais no que estou fazendo. Quando pouso, não sou tão sorrateiro quanto Jimin e acabo caindo de mal jeito, mas sem tempo para pensar e raciocinar qualquer tipo de dor.

Como consigo correr normalmente, isso deve significar que não quebrei nada, então seguro a mão de Jimin e saímos feito loucos pelo estacionamento, até encontrarmos o Mustang dele.

Exatamente como eu imaginava, consigo ouvir alguns barulhos vindo da pousada, além de alguém gritando na nossa direção, mas apenas me jogo com toda força no banco do passageiro. Jimin gira a chave e demora mais do que o recomendado para que o carro dê a partida.

Saímos acelerando feito loucos do estacionamento e, para a minha surpresa, vamos na direção da cidade grande, sempre acordada durante as noites, com letreiros enormes, brilhando em tons de neon.

Encaro Jimin, esperando por uma explicação, mas ele apenas sorri ainda mais. Como se eu não tivesse acabado de lhe contar todas aquelas merdas sobre seu pai. Tudo bem que eu estou ciente de que isso não surpreende mais ninguém, mas esperava algo um tanto mais melancólico da parte dele. Qualquer coisa menos esse sorriso sorrateiro característico do Park.

— O que foi? — pergunto — Nossa casa fica na outra direção.

— Eu sei — ele responde — Quanto de dinheiro a gente ainda tem?

Como sempre, ele não me responde. Passei tempo o suficiente com esse garoto pra saber que ele está aprontando algo. Algo impulsivo e que ele acha que será romântico. Pelo menos eu espero que seja romântico.

Não faz sentido chegar em casa de madrugada mesmo. Alguém acabaria chamando a polícia.

Pego nossa mochila e abro o bolso escondido por baixo de nossa muda de roupa. Enquanto recolho as notas soltas aleatoriamente, que enfiamos ali sempre que podíamos, faço as contas de quanto ficamos devendo, aproximadamente, na última pousada, mas desisto no meio. Não faz diferença mesmo.

— Temos exatamente setenta pratas e alguns centavos.

Estou surpreso, porque convenhamos que isso é bem mais do que eu esperava por alguns dias lavando louça, servindo mesas e recebendo uma mixaria quando descontado o valor do quarto e da comida.

O sorriso de Jimin se alarga ainda mais.

— Perfeito.

Antes que eu possa insistir no que ele está pensando, Jimin liga o som do carro e uma fita com as mais novas faixas de Def Leppard, gravadas diretamente do rádio, começam a tocar. Como seria um crime interrompê-las, apenas confio no mauricinho e aproveito o que pode ser nossa última noite como rebeldes sem causa e sem casa. 


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