coca-cola, desaforos e Park Jimin

16 de março, 1987
estacionamento da 
Beacon Hills High School 

JUNGKOOK

— Então você se livrou completamente? Ele não ligou para os seus pais? Você não foi suspenso? — Namjoon pergunta pelo que eu acho já ser a décima vez desde que nos encontramos — Você tem certeza mesmo?

Revirei os olhos e estourei a bola que tinha feito com o chiclete, logo depois voltando a mastigar com ódio, decidido a responder apenas mais uma vez.

— Sim, eu tenho certeza de que não fui suspenso. O diretor apenas disse que eu deveria ficar longe de confusão.

A um custo bem alto, penso. Apenas lembrar da ocorrência faz meu sangue ferver e encaro o ônibus estacionado na minha frente como se ele fosse a origem de todos os meus problemas.

— Isso daí já é meio difícil...

Óbvio.

Como ficar longe de confusão quando seu melhor amigo é Kim Namjoon e, como se isso não fosse suficiente, você acaba sendo perseguido por um metidinho a besta dos cabelos oxigenados?

— Eu sei, eu sei — tento não soar tão sarcástico em minha resposta — Só que você ainda não sabe da melhor parte.

— Então me conta!

Respiro fundo, me preparando para soltar a bomba. Estamos esperando o quase namorado de Namjoon no estacionamento do colégio, encostados no Jeep velho e decadente da família Kim, fofocando para passar o tempo.

Eu confesso que, alguns dias atrás, quando quase fomos pegos no karaokê, cheguei a nutrir um sentimento de desgosto por Yoongi, convicto de que ele tinha nos entregado. Apenas depois fui descobrir que, enquanto corríamos e pulávamos cercas, ele já tinha sido pego pelos seguranças e sido expulso. O sentimento de desgosto acabou se transformando em simpatia quando descobri isso.

— Então, lá vai — começo a falar, com um sorriso de ódio mal contido estampado na cara — Eu quase peguei uma discussão com o diretor, por motivos óbvios, e ele estava puto da vida, dizendo que eu não devia me meter em brigas que não são minhas.

— Ele não deixa de estar certo.

Dou um tapa estalado no braço de Namjoon.

— Foi você que disse que eu devia me meter na briga!

— Eu não imaginei que você realmente ia fazer isso! — ele reclama enquanto acaricia o lugar onde bati — Você que foi lá por livre e espontânea vontade.

— Mentiroso!

— De que adianta discutir sobre isso agora? Me conta o resto da fofoca!

No fundo do meu âmago, tudo que quero é esgoelar Namjoon, mas me contenho e respiro fundo.

— Tudo bem. Ele seguiu insistindo nisso sem parar e, quando ele muito provavelmente ia falar algo sobre ligar para meus pais e tudo mais, um certo loirinho metido entrou na sala.

— Que loirinho metido?

Faço mais uma bola com o chiclete, tentando causar suspense, mas Namjoon a estoura cruelmente com o dedo.

— Para de fazer drama. Me conta logo!

— Aí, tá bom! Lembra do tal Jimin? O que eu disse que vi beijando Taehyung e logo depois você me pegou dentro da salinha do karaokê com ele?

Fingindo pensar, Namjoon apoia o dedo, ainda sujo do meu chiclete que ela tinha estourado, no queixo.

— Ah, lembro, lembro. Ele era bonitinho.

— Não achei... — murmuro em resposta, mesmo que na verdade ache que ele seja um tiquinho bonito, apenas um pouquinho de nada — Enfim, foi ele quem invadiu a sala do diretor. No caso, não invadiu, porque teve a decência de bater na porta antes, mas foi quase. Aí o diretor olhou pra ele e, se antes ele já estava vermelho, naquela hora ele ficou roxo. Parecia uma berinjela.

— Talvez devêssemos chamar ele de Diretor Berinjela.

Tento segurar a gargalhada, mas não tenho muito sucesso.

— Foco, Namjoon, foco.

— Certo, foco. — Namjoon para de rir e cruza os braços — E o que o loirinho bonito fez?

Minha gargalhada se converte numa risada nervosa em questão de segundos.

— Ele disse que o Diretor estava demorando demais para me dar uma bronca e que precisava sair logo. Então ele disse que ia garantir que eu ficasse longe de encrenca. Dá pra acreditar?

Namjoon me encara com um misto de confusão e pena.

— Achei corajoso da parte dele... Mas... o que esse cara está fazendo nesse colégio? Ele não estuda aqui, estuda?

Bingo

Resolvo não perguntar o que Namjoon quis dizer com "corajoso" e ignoro essa parte. Pelo bem da nossa amizade.

— Então... aparentemente ele estava aqui pra ajustar sua transferência. Foi o que ouvi — respondi a contragosto — Mas não é esse o problema maior.

— E tem algum problema no geral? É apenas mais um mauricinho bonito se transferindo para nossa escola.

Reviro os olhos, quase engolindo o chiclete diante de tanto desgosto.

Não sei como Namjoon não consegue ver. O problema está estampado em tudo que acabei de dizer. Um problema com nome, sobrenome, um gosto desleixado para roupas e cabelo claro.

— Você não acha que ter a pessoa que tirou minhas chances de falar com o garoto que gosto me rondando pela escola todos os dias não é ruim o suficiente? Eu não quero ter que ficar vendo a cara dele todos os dias, caramba!

Quando percebo que já entreguei o mistério, é tarde demais. Como o verdadeiro fofoqueiro que é, sempre monitorando minha vida, Namjoon tem uma expressão de incredulidade estampada no rosto de forma tão dramática que eu até arriscaria rir se não estivesse surtando de raiva.

— Como assim?

— De forma resumida, dá para dizer que Jimin fez um trato com o diretor. Disse que, ao invés de ligar para os meus pais, ele deveria me colocar como seu auxiliar na escola. Que eu tenho que passar toda a matéria atrasada para ele, mostrar o colégio... basicamente ficar de babá! Você não acha isso estranho? Eu só o vi uma vez e ele não tem absolutamente nada a ver comigo, ainda assim, fez tudo isso claramente de propósito! — Engulo em seco, nervoso apenas de pensar em como meus dias vão ser de agora em diante — Eu não consigo entender, você consegue?

Isso faz com que meu amigo coloque as mãos em meus ombros, massageando, em uma tentativa falha de me acalmar. Talvez alguém deva avisá-lo de que já é tarde demais.

— Não consigo, mas veja pelo lado bom.

— Tem lado bom nisso?

— Claro. Ele é bem gatinho.

Para a sorte de Namjoon, a voz de Yoongi se torna audível antes que eu possa jogá-lo na frente de um carro que está passando por nós.

— Ei, o que está acontecendo? — ele pergunta, com descaso, sem ter noção de que impediu uma quase tentativa de assassinato.

— Jungkook está surtando.

Apesar da minha respiração irregular e da minha vontade de fugir, acabo franzindo as sobrancelhas. Eu não estou surtando! Apenas tendo um choque muito assustador de realidade e uma crise de paranoias ao mesmo tempo.

Nunca fui o aluno que apresenta a escola aos novatos, simplesmente porque nunca fui um exemplo. Nunca fui o que ajuda com a matéria atrasada, porque nem mesmo copio toda a matéria no caderno. Como eu já disse, o gênio aqui é Namjoon.

Para completar, não sei lidar com as provocações baratas do mauricinho cabeludo... e sinto que vão vir muitas outras ao longo do tempo. Também não consigo entender qual é a dele. Não consigo entender se Jimin quer transformar minha vida em um inferno ou apenas se aproximar. É coincidência demais...

— Por que ele está surtando, então?

— Porque vai ter que apresentar a escola para um novato — Namjoon respondeu calmamente — Um que ele conheceu naquele karaokê. Que agora vai ser transferida pra cá. Também porque esse novato pegou o ga-

Isso é mais do que o suficiente para que eu afaste as mãos de Namjoon de meus ombros com um tapa, interrompendo sua fala antes que ele vá longe demais. Em seguida, cansado de mastigar a goma de mascar, a engulo. Acabo lembrando de quando minha mãe disse que, caso eu engolisse o chiclete, minhas tripas iam acabar grudando e eu ia morrer, mas agora já é tarde demais.

— Um novato que você conheceu no karaokê? — Yoongi pergunta para mim, caminhando até estar do lado da porta acabada do Jeep — Não sabia que você tinha feito amizades por lá.

É... não exatamente.

— É uma longa história. A gente meio que teve uma discussão boba... Só que hoje, quando eu estava na diretoria, descobri que ele vai estudar aqui.

Yoongi arqueia uma sobrancelha, mas não diz nada. Apenas abre a porta do Jeep e entra, sendo acompanhado por mim e por Namjoon logo em seguida. Acomodo-me no banco de trás, ainda tentando me controlar, e recebo uma balinha de menta do Beatles fã.

— Tenta relaxar — ele fala, sem olhar pra mim — Qual o nome do mauricinho?

— Por que vocês estão sempre chamando ele de mauricinho?

— Mas ele não é um?

Coloco a bala na boca e penso um pouco. Ele é um? Parece mais com um rebelde sem causa do que com um filhinho de papai.

— Eu não sei...? Não parei pra perguntar se o garoto era um mauricinho ou não.

— Ó idiota — Namjoon resmunga enquanto tenta dar a partida em sua lata velha — Ele está sendo transferido pra nossa escola muito depois do período letivo ter começado. Isso é coisa que apenas dois tipos de pessoas fazem.

— Mauricinhos ou rebeldes sem causa — Yoongi completa — E ele estava no karaokê, como você disse.

— Ou seja... Mauricinho — Namjoon finalmente consegue ligar o carro — Aê, finalmente! Eu sabia que você ia conseguir, Jerônima.

— Ainda acho que não faz sentido — não posso controlar minha voz desacreditada — Acho que ele está mais para rebelde sem causa.

Rebelde metido a besta...

— Larga de ser idiota — Namjoon reclama, mas parece feliz enquanto nos tira do estacionamento.

— Você ainda não disse o nome dele.

Faço um gesto de desdém com a mão. Quem se importa, afinal?

— Jimin... Park Jimin, eu acho.

Yoongi gira a cabeça em minha direção com tudo assim que termino de falar. Sua cara pálida está ainda mais pálida.

— Tem certeza? — pergunta baixo — Ah não...

— O que foi? Aí, tá vendo, eu sabia que ele não é flor que se cheire.

— Foi esse cara aí que entregou a gente pros seguranças no karaokê. — Yoongi responde e posso ver daqui sua expressão cansada — Além de que...

Sinto vontade de bater com a testa no banco do carro. Eu sabia! Sabia que tinha caroço naquele angu. Afinal, o próprio Jimin chegou a se entregar.

Ou seja, o real objetivo dele é fazer da minha vida um inferno, sabe-se lá porquê. Talvez tudo isso gire ao redor de Taehyung.

— Além de que...? — ainda mais nervoso, balanço seu ombro de leve para que ele continue — Fala, Yoongi.

— Ele é um encrenqueiro de mão cheia. Provavelmente vai ser transferido porque arrumou confusão na outra escola. E... hm, ele meio que é filho do dono do karaokê.

A última parte faz Namjoon desviar o olhar do trânsito rapidamente, atônito.

— Okay, você estava certo, Jungkook. — Ele murmura enquanto faz uma curva — Rebelde sem causa. E garoto problema. E mauricinho.

Respirando com força, encosto a cabeça no banco da Jerônima, aspirando o cheiro de café que está quase que permanentemente impregnado no carro. Tudo só parece piorar...

— Como vou chegar no colégio e encarar o tal Jimin Sr. rebelde sem causa agora?

— Com os olhos, imbecil — Namjoon responde.

— Só não te enforco com o cinto porque todos nós acabaríamos morrendo.

•••

ainda 16 de março de 1987,

lanchonete Robbers

Namjoon acaba nos levando para o mesmo cantinho de sempre. Uma lanchonete um tanto grunge em um canto meio afastado da cidade. O lugar, repleto de quadros e pôsteres de bandas de rock nas paredes, já é como nosso destino oficial. Temos até mesmo nossa mesa marcada e o atendente provavelmente já decorou o que sempre pedimos.

Com a Jerônima devidamente estacionada e meus nervos relativamente mais calmos, caminhamos até a portinha de vidro do lugar.

Acho que não tenho escolha a não ser tentar relaxar meus ombros e meus pensamentos. Afinal, é só um aluno novo disposto a encher meu saco por algum motivo que desconheço.

Posso lidar com isso, certo?

Yoongi é o primeiro a entrar no estabelecimento, empurrando a porta e caminhando desleixadamente. O lugar cheira a hambúrgueres, jovens frívolos e refrigerante. Fico para trás, sendo o último a entrar, observando enquanto Namjoon segura a mão do Beatles fã timidamente e a cena é um tanto adorável.... Considerando que Yoongi é bem mais baixo e magro que meu amigo, suas roupas largas pretas se contrastando com o jeans azul claro que Namjoon usa.

Até que eles são fofos. Eu admito isso.

Os acompanho até a mesma mesa de sempre, que fica ao lado da janela e tem uma vista deprimente da rua lá fora. Encaro o poste de luz decadente como se fosse a coisa mais interessante do mundo enquanto tento ignorar o casal na minha frente. Sinto que estou queimando de tanta vela que estou segurando para esses dois.

— Está mais calmo?— Yoongi pergunta, gentil como sempre — Você ainda me parece meio pálido.

Dou de ombros de forma espalhafatosa.

— Estou bem sim. — Minto, já que não tenho opção. Embora eu me sinta um pouco mais calmo, eu sei que vou surtar assim que chegar em casa — Vai ficar tudo bem, qualquer coisa eu posso só dar um soco nele.

Namjoon arregala os olhos, mas a chegada do atendente o impede de falar. O moço olha para nossas caras e sorri.

— O mesmo de sempre? — pergunta.

— O mesmo de sempre — respondo com outro sorriso — Mas e você, Yoongi? O que vai querer?

— Só uma porção de batatas fritas e um milkshake de morango.

O atendente anota o pedido em seu caderninho, dá meia volta e sai. Assim que suas costas não são mais visíveis, Namjoon enfia um dedo na minha cara.

— Você não vai arrumar briga com o Jimin. Tá me ouvindo, Jungkook?

Sinto vontade de rir diante da sua ameaça, mas, convenhamos, eu tenho noção do perigo.

— Mas se qualquer coisa acontecer, — respondo, tentando manter o tom de voz neutro — você sabe que a culpa vai ser dele.

— Mas você não vai fazer nada. Vai só mostrar a escola e ser educado.

— Virou minha mãe agora? Não era você que estava me arrastando pra invadir lugares e essas coisas?

Namjoon, que ainda sustenta um dedo apontado na minha cara, abre a boca pra responder, mas não parece encontrar nenhum argumento coerente.

— Isso não importa — diz, apenas.

Deixo uma risadinha debochada escapar.

— Por que você não faz aquilo que você sempre faz? — Yoongi sugere — Você sabe...

— Não sei, não. Do que você está falando?

Ele faz um gesto de desdém com a mão. Parece não estar nem aí para o que falamos, embora tente ajudar.

— Faz ele se apaixonar... até ele ficar caidinho por você.

Nenhuma reação se esboça em meu rosto, já que não faço ideia do que pensar. A mesa mergulha em um silêncio sepulcral diante disso.

— Eu não faço isso. — É a única coisa que consigo falar — Por que eu faria uma coisa dessas?

— Sei lá, para ele não te arrastar até nenhuma confusão — Yoongi devolve — E você faz isso. Você já fez isso. Seu talento é fazer pessoas se apaixonarem por você, Jungkook.

Ah?

Minha primeira reação diante disso é encarar Namjoon. Foi uma péssima decisão. Ele está de boca aberta, aparentemente processando o que seu quase namorado acabou de dizer.

— Desculpa, meu talento é o quê? — pergunto, em uma tentativa falha de amenizar o clima — Eu acho que não tirei a cera do ouvido direito hoje.

— Você ouviu muito bem.

— Como você tem a coragem? — Namjoon finalmente diz, na direção de Yoongi — Você já gostou do Jungkook?

Pela primeira vez no dia, vejo o garoto esboçar uma expressão diferente de tédio em suas feições delicadas. Primeiro é surpresa, depois desespero. O entendo completamente. Eu também estaria desesperado se estivesse em sua situação.

— Não — ele responde — Não é isso! Quer dizer...

— Jungkook, como assim? Seu talarico raspa canela!

— Quê? Eu não sei de nada.

Realmente, nessa situação eu não faço a menor ideia do que está acontecendo.

— Calma, amor. Eu não tô falando de mim...

Yoongi é um gênio. Quando ele profere estas palavras amaldiçoadas, a alma fofoqueira de Namjoon ressurge, apaziguando sua ira e seu olhar brilha em curiosidade.

— Então quer dizer que tem alguém gostando do Jungkook?

— Não. Quer dizer, tinha. Quer dizer... — Yoongi me encara, apavorado — Argh, falei demais.

Como se fosse uma deixa, levanto de meu lugar ali e começo a caminhar na direção do banheiro. Graças aos céus, o plano absurdo de fazer Jimin se apaixonar por mim parece ter sido esquecido momentaneamente diante da visão de uma fofoca mais atraente. Não tenho o menor interesse de saber quem está gostando de mim, já que essa pessoa com cem por cento de certeza não vai ser Taehyung. Ainda não superei a verdade massacrante de que nunca vou ter a chance de nem mesmo conversar normalmente com ele.

— O que você está fazendo? — o Kim pergunta, quando percebe que estou me afastando — Pode voltar aqui!

— Não. Estou fugindo, não vê? Se divirtam fofocando sobre mim.

Os protestos de meu amigo se perdem no barulho à medida que me afasto em direção ao banheiro, sendo englobado por uma multidão de jovens que não notei que estavam aqui. Não sei como, mas tenho certeza de que eles não pareciam ser tantos assim quando vistos de longe. Os observo cuidadosamente, notando suas jaquetas de couro parecidas umas com as outras e suas aparências desleixadas. Será que são delinquentes?

Arrisco uma olhada rápida e curiosa ao redor, absorvendo alguns rostos e posturas. A maioria dos jovens riem de forma escandalosa, e acho que vi alguns escondendo uma garrafa de vodca dentro da mochila de forma desleixada. Uma garota de cabelos vermelhos captura a minha atenção, talvez por ser levemente familiar, e acho que estou a encarando por tempo demais, porque a próxima coisa que sinto é o choque do meu corpo trombando com o corpo de alguém.

Meu peito vai de encontro ao peito dessa pessoa e a única coisa que consigo ver é que ele tem ombros muito largos e é alto. De repente, o lugar fica silencioso demais e é nesse momento que eu sei que estou com um pé na cova. O homem com quem eu trombei segurava uma porção de batata frita na mão, mas, por conta do impacto, agora está tudo esparramado no chão. Só que essa não é nem de longe a pior parte. A pior parte é que ela também segurava um grande copo de Coca-Cola e agora sua camisa branca exibe um tom assustador de marrom.

Respiro fundo antes de criar coragem para encará-lo, me arrependendo assim que olho para o seu rosto. Sobrancelhas franzidas, lábios cheios, cabelo preto e testa de fora, ombros largos e uma camisa muito, muito suja. Como se isso não fosse o suficiente para me fazer tremer na base, ele ainda é muito mais musculoso do que eu. Musculoso e alto o suficiente para me dar um peteleco e me fazer sair voando até sumir em um lampejo de luz no céu.

— Você não olha por onde anda? — sua voz não é alta, mas é ameaçadora o suficiente para fazer eu me encolher.

— Eu...

Antes que eu possa formular uma frase coerente, ele me agarra pela gola da camisa e me puxa até nossos narizes estarem colados um no outro.

— Eu gosto bastante dessa camisa — ele sussurra bem na minha cara — E olha o que você fez.

— Foi sem querer. Eu não vi você...

O brutamontes me sacode, me fazendo levantar os braços em um sinal de rendição. Tenho plena noção de como pareço ridículo e de que todo mundo está olhando em nossa direção. É engraçado como não tive medo algum diante dos três patetas, mas estou a ponto de borrar as calças por causa desse homem.

Acho que acabei me metendo onde não devia. De novo.

— Como você vai pagar pela minha camisa, pirralho? — ele continua resmungando na minha cara — Ou será que você devia levar uma lição pra aprender a-

— Seokjin! — uma segunda voz, infelizmente conhecida por mim, interrompe a ameaça — O que houve?

Então esse é o nome da fera.

Seokjin afrouxa o aperto na gola da minha camisa, e eu aproveito para me soltar completamente, dando dois passos para trás.

Como sempre, quando olho na direção de onde veio a voz que interrompe a provável confusão, é ele que vejo. Park-encrenca-Jimin. Com ênfase na encrenca.

Ele está saindo do banheiro e usa uma jaqueta preta de couro como quase todas as outras pessoas que estão aqui. Tem a testa franzida, parecendo confuso, mas não menos divertido do que estaria em uma situação normal, e logo está parado ao lado de seu amiguinho que queria me dar uma surra.

— Esse garoto tem problemas em olhar para onde anda — Seokjin responde, enquanto estica sua camisa para mostrar o estrago, como se não fosse visível a léguas de distância — Esta merda aqui foi ele que fez.

Jimin olha bem para camisa de seu colega, em seguida dando uma escaneada no lugar todo para, por último, focar em meu rosto. Juro que vi um sorriso ameaçar tomar conta de seus lábios por um momento, mas ele apenas coloca a mão na frente do rosto, num sinal de desapontamento.

Certeza que está tentando desesperadamente não rir.

— Não é tão horrível assim — murmura, depois de um tempinho — Você pode tentar... secar com um guardanapo.

Ouço risadinhas escaparem das mesas.

— Quer levar uma surra também, Park? — Seokjin ameaça, mas já não parecia mais tão assustadora — E vocês? — ele se vira na direção de nossos espectadores — O que estão olhando? Vamos embora.

Confirmando minhas teorias, imediatamente a enxurrada de jovens rebeldes se levanta e deixa a lanchonete aos montes. Consigo ver várias notas de dinheiro serem deixadas sobre as mesas e agradeço mentalmente. Pelo menos eles pagam.

Seokjin observa enquanto a multidão vai embora. Quando o lugar está quase vazio, é que ele parece pronto pra sair também. Não antes de, obviamente, me lançar uma encarada raivosa. Ele me olha de cima a baixo e sai em disparada, me dando um empurrão no meio do processo.

— Você sempre se metendo em brigas, Jungkook — o loirinho metido diz, deboche exalando por cada poro de seu corpo.

Agora somos só nós dois aqui, para a minha surpresa. Todos os fregueses eram delinquentes?

Perguntei-me onde estão Namjoon e Yoongi quando se precisa deles. Já é a segunda vez.

— Eu só esbarrei nele sem querer — eu explico a situação, embora não ache que seja necessário — Foi só isso, acidentes acontecem. Só que ele surtou.

Jimin finalmente solta a risada que vinha segurando.

— De todas as pessoas em quem você poderia esbarrar, você foi logo no Jin.

— Como se eu pudesse escolher isso. Ele só apareceu no meu caminho!

Jimin coloca as mãos dentro dos bolsos de sua calca jeans e dá um passo em minha direção. Como se eu já não estivesse irritado o suficiente, ele ainda tem a pachorra de me encarar com esse olhar de quem obviamente está se divertindo horrores com a situação.

— Ele poderia muito bem ter dado uma surra em você — diz, normalmente — Por ter o humilhado na frente de todo mundo.

— Oh, jura? Resolveu tomar meu tempo agora pra falar o óbvio?

Jimin dá mais um passo em minha direção, ainda com um resquício do seu sorriso prepotente no rosto.

— Além do mais... — continuo falando, mas não recuo nenhum passo sequer — Vocês são o quê? Não vai me dizer que você faz parte de uma gangue.

Dessa vez, ele dá uma gargalhada bem audível.

— Por que você está tão preocupado com isso? Devia estar me agradecendo por ter salvado essa sua cara bonita.

— Salvado? Então me explica como a palavra salvar se aplica num conceito onde você — estico meu dedo e aponto bem para sua testa — entrega a mim e meus amigos para os seguranças. Ou onde você quer ingressar normalmente no mesmo colégio que eu, mesmo fazendo parte de uma gangue. Eu não vou bancar a babá de um delinquente feito você.

Ele tem a audácia de continuar sorrindo enquanto levanta uma sobrancelha.

— Já vi que vai ser difícil cumprir minha promessa ao diretor — Jimin desdenha com descaso — Você parece ser atraído por confusão. Eu que sou delinquente? Nas três vezes em que te encontrei, você estava metido em brigas e confusões e eu que sou o delinquente?

Abro a boca para responder, mas percebo que ele tem razão. Seja fugindo dos seguranças no karaokê de seu pai, seja na diretoria da escola, seja agora. Em todas as situações sou eu que pareço com um delinquente.

Prefiro colocar a culpa nele e dizer que estou me sentindo pressionado, do que admitir que apenas sou burro e é por isso que acabo dizendo algo completamente idiota:

— Sério? Vai fingir que nunca dedurou a mim e meu amigo para os seguranças naquele dia?

Jimin fica um tempinho em silêncio e dá de ombros. Espero por uma resposta engraçadinha, mas nada vem.

Isso me deixa completamente irritado.

— Vocês conseguiram fugir, não conseguiram? — é o que responde no final — Aliás, olha seus amigos ali.

Ele aponta com a cabeça para algum lugar atrás de mim e viro o corpo, apenas para ver Namjoon e Yoongi finalmente caminhando em minha direção com feições preocupadas. Depois que tudo acontece é que eles vêm dar as caras.

Volto a encarar Jimin e seu olhar afiado.

— Boa sorte, Jungkook — ele diz, baixinho, começando a se afastar — Te vejo na escola.

Observo-o sair calmamente pela porta de vidro do lugar e não consigo conter minha expressão surpresa.

Jimin se foi, me deixando com várias pulgas atrás da orelha, uma lanchonete muito suja e um provável e iminente problema.  

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