V. Uma Breve História de Amor
─ Conte-me mais. ─ Hans pediu, só quando soltou a respiração é que se deu conta de a ter prendido. Passou a mão pelos cabelos doirados, desta vez fixou o próprio bloco coberto por sua letra quase ilegível.
─ Eu tinha dezanove anos, senhor Axmann. ─ Ela pronunciava o nome dele de forma errada, mas em nenhum momento conseguiu se sentir incomodado com isso. Na verdade era engraçado como Ruby dizia algo que mais parecia com o filme X-men. ─ Os meus pais tinham muito orgulho de mim. Estava a fazer a faculdade de letras e tinha uma vida normal como qualquer outra adolescente. Acreditava no amor, mesmo detestando aqueles filmes de Crepúsculo, pelo menos sabia o que estava em vogue na altura e conseguia acompanhar o ritmo.
Ruby deixou uma risada tão melancólica e o psicólogo que se mostrou inquieto, se perguntando se não seria ainda mais profunda do que aparentava ser. Pela forma como tinha os olhos fechados, podia observar as pestanas curvilíneas que imitavam uma circunferência.
─ Descobri do que era feito o primeiro amor, como neve macia entre os meus dedos, um beijo tão intenso que chegava a doer à partida. Não me entenda mal, já tinha beijado um número incontável de rapazes, na verdade nunca fui nenhuma pudica. Mas pela forma como fui beijada daquela vez, nunca antes e nem depois. ─ Fez uma pausa como se pudesse engolir todo o ar para dentro dos pulmões. ─ Aquela era a Olívia, tão sonhadora que teve um caso de amor que durou exactamente uma semana, duas horas e três minutos. Parece infantil, eu entendo, mas as pessoas diziam que eu iria superar e isso nunca aconteceu, pelo que vejo. Todas minhas relações seguintes foram boicotadas pela comparação de um acontecimento, não podia sentir da mesma forma, era tudo tão cinzento e sem força.
─ A mente, ela pode ser nossa maior aliada como nossa pior inimiga. Por vezes nos agarramos tanto a certas coisas que quando damos por nós, somos incapazes de deixá-las ir porque não acreditamos nessa possibilidade. ─ Mesmo que não estivesse a ser encarado, Hans levou a ponta da caneta para perto da têmpora, sinalizando. ─ Isso é um exercício que para algumas pessoas, precisa de mais tempo. Aceitar que existem coisas que não poderemos mudar ou com as quais teremos de viver eternamente, como uma lembrança, mas que não deve mais nos afectar.
─ Eu inventei essa terapia, ousei escrever um livro de época e não tinha o interesse em enriquecer, só de tentar guardar um sentimento em folhas e letras. Mas a Olívia era incapaz de escrever, foi preciso trazer a Ruby ao de cimo. Depois disso, tudo se transformou porque depois que terminei me vi perdida sem saber mais o que fazer para encontrar satisfação.
─ O livro que menciona é o Perdi me Em Ti?
─ É o único que foi bem sucedido. ─ Ruby chegou a dar uma risada. ─ Depois, senhor Axmann, eu procurei novos amores, novos parceiros. Havia um problema ainda mais grave em mim, a falta de uma excitação num plano geral. Nem os beijos, saídas para festas ou a fama me completavam. Eu queria mais.
─ Antes disso, me conte um pouco mais sobre essa história de amor. O que aconteceu?
Ruby mordeu os lábios sem saber que aquele simples gesto podia ser bastante provocante, mas Hans tentou manter o rosto impávido e procurou buscar toda sua ética profissional. Era bom no que fazia, não pretendia mudar e muito menos criar atritos.
─ Ele foi embora para nunca mais voltar, e eu perdi-me nele para todo sempre. ─ Essa era a única verdade que insistia em fingir que não existia. Tentava cobrir um buraco porque achava que tinha passado tempo demais para ser a jovem apaixonada de dezassete anos por um relacionamento que tinha durado tão pouco para ser verdade. Se sentia ridícula por isso, tanto que tinha evitado de compartilhar aquilo com alguém. ─ Quão ridícula posso ser?
─ Os sentimentos não são lineares como muitas pessoas insistem em pintar. É natural sermos ensinados a ter que criar bases num relacionamento, a conhecer a pessoa o máximo e a estabelecer uma meta que seja válida para poder se afirmar que é uma situação que valha a pena lembrar com tamanha força. A verdade é que somos biliões de seres humanos com mentes e formas de ser e sentir, diferentes, ninguém tem o direito de catalogá-la por isso. ─ Era reconfortante a forma puída como Hans falava e por não ter o julgamento que Ruby temia nas demais pessoas.
─ Eu tinha uma vergonha de mencionar tanto em voz alta como para o silêncio em mim. Contudo tenho a certeza de não dever continuar nesta situação, preciso me libertar dessa história de amor e me permitir ser Olívia de novo. O único problema é que é mais fácil falar do que tomar as atitudes correctas. ─ Balbuciou. ─ Sim. Eu tenho noção disso.
─ Seria demais afirmar que o que apareceu nos jornais esta manhã teria tido alguma influência nessa sua observação?
Ela ouviu o barulho da caneta a ser escrita na folha do bloco. Chegou a cogitar que os olhos azuis-escuros estavam postos em si a mesma medida que escrevia. E era verdade.
─ Aquilo foi como bater num cão ferido na calçada, mas pelo menos serviu para que o animal pudesse compreender que não podia continuar mais ali ou seria mais uma vez chutado por outra pessoa qualquer. ─ Ficou pensativa alguns segundos, era tão bom poder desabafar sem receios e quase sentiu a euforia voltar para o seu peito. O problema é que pensava em comprar alguma roupa nova para comemorar tal feito. Se recriminou.
─ É necessário que saiba que as coisas não vão mudar da noite para o dia só porque finalmente decidiu se abrir e encarar as coisas de frente. Vai ter que contar um dia de cada vez, um dia que não compra algo para substituir suas emoções. ─ Hans pareceu ler seus pensamentos, demonstrando como era realmente bom na sua profissão.
─ Como devemos começar?
─ Primeiro eu iria lhe pedir que organizasse suas coisas todas e conseguisse ver entre elas se tem algo que não precisa. Não peça ajuda de ninguém, faça por si. Não é como uma obrigação de ter que se desfazer de algo, mesmo que não consiga, precisarei que seja sincera. ─ Hans rabiscou mais alguma coisa no seu bloco.
─ Não vejo como isso poderá ajudar! ─ Exclamou e sentiu como ficava irrequieta com a ideia de tirar de lado o que fosse. Levantou-se subitamente, erguendo a coluna e abrindo os olhos rasgados como se fosse uma preguiçosa que não consegue se decidir entre os abrir por inteiro, ou fechá-los. Sempre no meio-termo.
─ Tente. ─ Hans não demonstrou como foi apanhado de surpresa pelo movimentar gracioso que a escritora fez. ─ E outra coisa, comece a reler o seu primeiro livro.
─ Nunca o li. ─ Confessou um pouco nervosa. O carrapito no topo da cabeça tinha se desfeito um pouco e alguns fios encaracolados começavam a escapar.
─ Fique com o meu cartão e número pessoal, pode me ligar a qualquer altura. ─ Ali estava algo que o psicólogo não costumava a fazer nem de longe. Muitos pacientes já tinham pedido algo do género, mas Hans sempre escolhera o seu gabinete para tratar tudo.
─ Posso? ─ Os olhos dela se abrilhantaram.
─ Eu disse que acima de qualquer coisa, pretendo ser seu amigo. ─ Lhe lembrou. ─ Apenas não saia mais correndo.
Ruby esboçou um sorriso tímido, mas confiante. Voltou a calçar os sapatos e se levantou por completo, andando até ele. Recebeu o cartão e esticou a mão pequena para apertar a dele.
─ Posso marcar a próxima sessão para daqui a quinze dias?
─ Você é alemão? ─ A pergunta escapou dos lábios dela.
─ A minha família por parte de pai. Nasci e cresci aqui nesta cidade. ─ Respondeu com uma calmaria que podia ser apalpada com as próprias mãos.
─ Então vejo você em quinze dias. ─ Jurou para si mesma que ia começar a cumprir regras a partir daquele momento. Podia sentir uma ansiedade lhe invadir, a parte boa é que estava sem um tostão no bolso.
Hans a acompanhou até a porta, abriu-a e ficou parado a vê-la sair sempre em frente na sua estatura comportada, sequer olhou para a secretária mostrando que havia alguma guerra pessoal entre as duas, o que o fez sorrir e balançar a cabeça antes de entrar e se fechar na sua sala.
Ruby Angel usou os óculos escuros quando chegou a calçada, mas nem foi preciso dois passos para encontrar Tom, completamente carrancudo, encostado junto ao seu amado BMW. Ela abriu a boca, já não se sentia confortável em tê-lo sempre no encalço.
─ Vai me vigiar a toda hora? ─ Indagou, apreensiva.
─ O facto de ter dado as caras agora não quer dizer que não a vigiasse antes. ─ Soltou um muxoxo despretensioso com os lábios finos e ignorou os olhos inquisitivos. ─ Aposto que sequer reparou que a sua janela foi consertada.
─ O que fez com aquele homem?
─ Não é da sua conta. Me entregue as chaves do seu carro, tenho ordens para levá-la para um lugar. ─ Tom naquela manhã está ainda mais mal-humorado e impaciente. Na verdade chegava a estar insatisfeito por alguns rumos que Dark se propunha a tomar. Não podia concordar que mulheres valessem assim tanto.
─ Para onde vai me levar? ─ Ruby estranhou, mas como era no seu próprio carro percebeu que era para um lugar que podia ao menos saber o caminho. Tirou as chaves e o entregou, pois percebeu que Tom não a iria responder.
Sentou-se no banco de passageiro e sentiu o telefone vibrar, era Malcom que lhe ligava, mesmo assim optou por não atender e aceitou ser conduzida pelas ruas à fora. Era sinistro como podia se sentir confortável ao lado de estranhos.
─ Como ele é?
Tom a encarou de lado e continuou calado.
─ Moreno ou loiro? Negro? Alto ou baixo? ─ Insistiu e espetou o dedo indicador com força no braço dele.
Tom nem se mexeu ou reagiu.
─ Seu nome é Tom, mesmo?
Ele aumentou o volume da música do carro. Tocava This Is Gospel dos Pan!c at the Disco. Nada que fosse do interesse dos seus ouvidos, mas precisava de achar uma forma de calar aquela mulher baixinha e curiosa. Entraram na rua onde a maioria das celebridades viviam, entre várias figuras ilustres daquela cidade, viu como Ruby pareceu ficar gelada quando ele passou com o carro pelos grandes portões da sua antiga mansão.
O coração dela começou a bater forte ao ver o conjunto de Palmeiras, a piscina com formato de livro onde durante a noite ela tinha o hábito de acender luminárias flutuantes com formatos de abajures. O casarão luxuoso de estilo colonial estava tão maravilhoso como quando o tinha comprado pela primeira vez. Quase saltou do carro antes que Tom se dignasse a parar.
─ Seus desejos são ordens. ─ Ele murmurou, certamente contrariado, mas a seguiu e apenas balançou a cabeça enquanto a via dar pulos de alegria ao perceber que estava toda novamente mobilada, decorada e com a cozinha completamente abastecida com tudo o que poderia ter de direito.
─ Não acredito! ─ Exclamou e quase pode sentir a liberdade na ponta dos dedos. Sua alegria era tão genuína que quase contaminou o sombrio Tom.
─ Lembre-se apenas de ser poupada para pagar as contas. ─ Advertiu. ─ Não deverá abusar da benevolência do meu cliente.
─ Eu... Eu estou muito feliz, Tom. Se você não tivesse esse ar de quem comeu e não gostou, eu lhe daria um abraço.
─ Prefiro que mantenha a distância.
─ Não gosta de mulheres?
─ Não gosto de contactos próximos.
Ele colocou a mão dentro dos bolsos com vagar.
─ Ligue para o Mr. Dark, quero falar com ele. ─ Ruby pediu.
─ Não tenho autorização para isso.
─ Só quero agradecer. Não irá morrer por isso. ─ Ela insistiu e fez os olhos de cachorro abandonado. O misterioso Tom soltou um suspiro e retirou um celular de dentro do bolso do casaco que parecia ser pesado, como se carregasse coisas que a escritora preferiu não saber, apenas viu como ele só clicou num único botão e lhe deu as costas.
Mesmo estando tão perto, Ruby se admirou como não conseguia ouvir nada mais que murmúrios sem poder identificar sequer em que língua é que eles estavam a falar. Era tão estranho que se assustou ao ver Tom virar de rompante e lhe estender o celular.
─ Um minuto. ─ Disse no seu jeito frio de ser.
Ela tinha as mãos a tremer quando recebeu o celular e o encostou no ouvido.
─ Mr. Dark? ─ Chamou, sentiu um arrepio ao ouvir a mesma respiração ofegante cheia de significados que não sabia interpretar.
─ Diz. ─ Ouvir a voz dele pela segunda vez chegou a ser tão estranho que lhe fez dar um pulo no lugar. Era poderosa e intrigante de um jeito quase impossível.
─ Quero agradecer por ter me tirado de lá, não pensei que fosse fazer isso e queria ter mais palavras para dizer. É muito tudo isto que está fazendo por mim e... ─ Tom revirou os olhos, mas Dark permaneceu calado do outro lado da linha. ─ Quero compensá-lo pelo desastre do primeiro conto. Peça ao Tom que me leve esta noite e eu irei Revelar Um Desejo meu.
─ Ficou maluca? ─ Tom arrancou o telefone das mãos dela com uma rapidez que Ruby mal teve tempo de pestanejar sequer. Viu como ele desta vez falou alto para que ela escutasse. ─ Isso está fora de cogitação. É completamente contra as regras, já não basta ter lhe cedido tudo o que está aqui dentro desta mansão e... ─ Calou-se de imediato como se tivesse levado um choque. ─ Certo. Certo.
Ruby viu como Tom estava pálido quando a encarou de maxilar retesado.
─ Esteja pronta às 8:00H da noite. ─ Foi tudo o que conseguiu dizer e saiu a andar sem olhar para trás.
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Olás. Olha eu de novo aqui! É que DILACERADO é neste momento meu escape para a má disposição porque acho bem engraçada de escrever e muito profunda ainda assim. Só posso dizer para prepararem as calcinhas a partir do próximo capítulo. Pensei que fosse ser neste, mas não deu para escrever tudo então fica a dica.
Beijos de amor. Chamem as amiguinhas para ler. Adoro as conspirações, vocês são demais!
P.S- Estou saindo agora as pressas, então qualquer eventual erro será corrigido depois.
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