IV. Descobertas Cruas
─ Foi decepcionante. ─ Ruby bebia a quarta taça de Dry Martini e chupava as azeitonas verdes, com gosto, dentro da sua boca carnuda. Parecia ultrajada, estava sentada no alto do banco de couro preto e suas pernas delineadas chamavam atenção de quem estava dentro daquele recinto.
Era um espaço luxuoso, o Fenccini. Tinha a parte do restaurante, um bar que era onde ela estava e que estava separado por uma grande vidraça de modo que as pessoas que jantavam podiam ver as que já se divertiam na noite, mas o isolamento de som fazia com que cada ambiente tivesse uma música propícia. E do lado de fora tinha uma sorveteira perto de um parque infantil, vazio pela noite já avançada.
─ Se havia algum animal que Noé não deveria ter colocado na arca era você. ─ Malcom tinha o rosto enrubescido pela bebida. A taça triangular estava cheia de um Vodka Martini e ele bebericava agora com certo cuidado, pois já tinha emborcado demais. Ele trazia o seu topete bem arrumado, uma camisa branca, um pulôver verde e calças riscadas.
─ Eu não sei o que fazer. E se esse homem misterioso desistir do contracto? Eu sou um fracasso, Malcom. Um fracasso! ─ O teor alcoólico trazia uma carga ainda mais surreal ao desespero dela. Segurou a cabeça entre as duas mãos e o monte de cachos cobriram o rosto esbelto.
─ Se acalme, cherry. Olhe, eu só não quero ser repetitivo e chato, por isso não vou dizer que deverias desistir. Como sei que és louca e que vais continuar com tudo isso, apenas quero que pares para pensar.
─ No quê? ─ Levantou os olhos rasgados e chorosos. Girou a taça na boca esvaziando até a última gota.
─ Escreva sobre o que você tem curiosidade, Ruby. Pare e pense lá no fundo, o que gostaria de sentir. ─ Sugeriu e engoliu em seco quando o empregado de mesa trouxe mais outra taça para a amiga, afinal era ele que iria pagar a conta. Já sabia que ela tinha sofrido represálias por gastar mais do que devia da última vez que tivera um cartão em mãos.
─ Eu tenho curiosidade em compras. O sexo é... apenas sexo. Nada que me aqueça... ─ Foi sincera. ─ Estou apavorada! Porque desta vez vai ser ele a escolher o tema.
─ E desde quando você cumpre regras, hum? ─ Malcom retrucou e olhou para o lado, sua tez empalideceu em seguida e tentou disfarçar.
─ O que foi?
─ Nada não. Quer ir para outro lugar?
Ruby virou o rosto para onde ele tinha olhado e sentiu o coração falhar uma batida quando viu Marc entrar abraçado com uma negra alta com um corpo de proporções maravilhosas. Tinha o cabelo em duas longas tranças, seios grandes que se sustentavam num vestido sem sutiã, uma bunda redonda e uns olhos pequenos com pestanas longas e abundantes. Pela forma como andava e mantinha o queixo em pé, não houve quem não olhou para ela. Os dois se sentaram numa mesa onde estava outro casal, se cumprimentaram e se aconchegaram no sofá côncavo de couro preto.
─ O que...?
─ Volte aqui, Ruby! ─ Malcom entrou em pânico ao ver a sua amiga saltar do banco alto junto ao bar e começar a caminhar até eles. ─ Maldito Judas que traiu Jesus!
Marc se apercebeu da aproximação da ex namorada só pelo jeito como ela se mexia furiosa. Ele tinha a pele escura como a noite, dentes brancos, cabelo curto e uns olhos brilhantes cheios de charme. Se inquietou no lugar.
─ Traidor! ─ A escritora estava sem ar quando o acusou na frente das pessoas. O coração batia com força e o peito subia e descia. A mulher poderosa que Marc subitamente fez questão de abraçar, apenas se virou para encará-la com a sobrancelha levantada. ─ Nós estávamos dando um tempo.
─ Até você se curar. ─ Ele não hesitou em responder. ─ Coisa que nunca vai acontecer. Não pode me obrigar a suportar isso mais do que aturei. Quase levou minha vida ao fundo como a sua.
─ E por que não me disse? ─ Questionou, não se preocupava com os olhares e algumas risadas que escapavam pelo ar. Só precisava lidar com aquele sentimento de se sentir traída mesmo que não estivessem mais juntos.
Marc ia abrir a boca, mas a mulher se levantou. Era tão alta que Ruby teve que olhar para cima e recuou um passo quando a viu lhe apontar uma unha comprida pintada de um vermelho vivo.
─ Escuta bem o que te vou dizer porque nunca vou repetir, Olívia Strain! Toda cidade sabe que estamos juntos e noivos, incluindo aquele teu amiguinho boiola ali atrás. Pare de fazer figura de idiota e vá se tratar, tente recuperar alguma dignidade na sua vida. Eu e o Marc já andamos juntos há tempos, você ao menos tem noção do tempo que passou? Aposto que não porque vive presa na montanha de roupas que sua condição não permite comprar. Pensa que o Marc lhe deixou quando? Ontem? ─ Estalou os dedos perto do rosto dela. ─ Acorde! Já passou um ano.
─ Um ano? ─ Ruby não compreendeu. ─ Foi há poucos meses.
─ Doze para ser exacta! ─ A mulher era altiva demais, forte e tinha o olhar bastante ameaçador. ─ Eu nem deveria lhe dar nenhum conselho, mas já que veio aqui prestar esse papel ridículo, deixe-me dizer: O mundo não gira a sua volta, Olívia. Tire os olhos do seu próprio umbigo, porque quando o seu vício mesquinho prejudica pessoas ao seu redor, é hora de rever certas coisas.
─ Cale-se! ─ A escritora sentiu sua vista começar a tremelicar como um lago maculado por uma pedrinha.
A mulher desatou a rir.
─ Aposto que todo esse egoísmo enregela sua alma que até chega a ser fria no sexo. ─ Não poupou e se agachou para tirar uma nota de cem dólares de dentro da bolsa Louis Vuitton. ─ Para o táxi!
─ Pare, Fiorentina! ─ Marc se sentiu mal, não só por saber que não deveria ter exposto a ex parceira daquele jeito, como pela atitude malvada de sua noiva.
─ Fiorentina Baker, a assistente d' O Advogado do Diabo. ─ Ruby finalmente a reconheceu. Sabia ser tão desalmada como o próprio chefe e tinha um nome tão peculiar quanto.
─ Sempre ao seu dispor. ─ Ela lhe piscou o olho e ainda tinha a nota estendida de forma a humilhá-la ainda mais. Ruby trincou os dentes, deu meia volta no seu sapato tão alto, mas que não a fazia chegar nem nos ombros daquela mulher e olhou para Malcom que tinha um ar culpado no rosto.
Ouviu quando o melhor amigo a chamou, tentava pagar as contas o mais rápido para a poder alcançar, mas já ela corria pelo bar a fora até ao parque e chorou dentro do seu BMW. Afinal quem precisava de um Marc quando podia derramar lágrimas dentro de um carro de luxo? Certo? Errado. A escritora se sentia horrível pelo que tinha escutado de Fiorentina, mais ainda por não conseguir saciar sua vontade de comprar.
Dirigiu até ao prédio onde Malcom vivia, precisava sair dali o quanto antes, mas não tinha meios para voltar a viver na própria mansão sem uma única mobília sequer. Sabia que o amigo a queria proteger por todo este tempo, mas ela preferia que lhe tivesse contado. Deixou o carro na sua vaga, desceu ainda a limpar o rosto e bateu com a porta. No entanto não estava preparada para o que se seguiu naquela noite tardia de domingo.
─ Passa as chaves, rápido. ─ Ouviu uma voz e se virou para ver um homem que lhe apontava uma arma de fogo. ─ Coloque as chaves no chão e chute para mim, depois entre no carro.
─ Tudo bem. Tudo bem. ─ Era só o que lhe faltava para terminar aquela noite. Levantou as mãos para o alto e sentiu que o coração queria lhe escapar pela boca, mas antes que pudesse sequer raciocinar pelo medo que a invadia, ouviu o som de um tiro alto, mas foi o bandido quem gritou.
O vidro do seu carro se estilhaçou, o assaltante segurava na mão que sangrava sem parar enquanto berrava e a arma de fogo que trazia tinha ido parar um pouco afastada. Tom tratou de a pisar quando se aproximou.
─ Boa noite. ─ Estava sério como sempre, com uma mão no bolso do longo casaco preto. Ruby estava de boca e olhos muito abertos, completamente chocada. ─ Vá para casa senhorita Angel.
─ Mas...?
─ Vá agora! ─ Tom a advertiu e ficou a vê-la correr nos saltos finos para dentro do edifício, enquanto ele pensava o que fazer com aquele ladrão de meia-tigela.
Ruby tremia sem parar quando entrou em casa, seu peito batia como índios dançantes em busca de chuva, seu rosto estava banhado por lágrimas. Tudo tinha acontecido tão rápido que quase não conseguia conjugar o que tinha visto. Vomitou no banheiro, tomou um banho quente e lavou a boca antes de se atirar na cama.
Era tudo muito confuso, as palavras daquela mulher, as risadas e depois o assaltante com a mão ensanguentada, para além do rosto impávido de Tom. Estava com muito medo, mas não podia deixar de ficar agradecida por tê-la resgatado.
Ouviu seu celular vibrar sem parar, número desconhecido no ecrã. Atendeu de imediato, estava afoita.
─ Alô? ─ Perguntou, mas não se ouvia nada do outro lado. ─ Alô?
Estava silencioso.
─ É você, não é? ─ Perguntou e sentiu novamente lágrimas quentes rolarem de seus olhos. ─ Eu estou bem.
Ouviu uma respiração forte e pesada, que se não fosse tão esquisito poderia jurar que ele tinha respirado em alemão. Chegou a sorrir a meio do choro.
─ Eu sei que não mereço, mas preciso pedir que me tire daqui... Eu... Estou tão cansada. ─ Acabou por desabafar, mesmo sem obter a resposta. Podia ouvi-lo respirar e saber que estava do outro lado da linha, estranhamente a confortava.
Ruby rebolou na cama, olhou para a janela e chorou baixinho enquanto podia sentir a presença dele. Os dois ficaram em silêncio, até ela adormecer como se tivesse sua companhia do lado.
Ruby nem costumava acordar mais cedo que o amigo, mas naquela manhã tinha saído prematuramente apenas para não se cruzar com ele. Recebeu o telefonema da sua editora, mas desde que soubera que tinham sido pagos, a escritora cancelou o contracto do novo livro que esperavam. De momento apenas queria distância de tudo aquilo.
Usou uns grandes óculos escuros quando desceu em frente ao edifício da rede dos Médicos e Associados. Sequer se dera ao trabalho de pentear seu cabelo emaranhado, apenas o prendeu num carrapito no topo da cabeça. Usava uma saia elástica muito justa, os imprescindíveis sapatos altos e uma blusa de gola alta.
Mesmo sem ter tido a confirmação, sabia que Dark a ajudara a dormir, mas para o seu desgosto tinha amanhecido com a fotografia de Fiorentina a estender-lhe dinheiro, nas capas de todos jornais. A vergonha era tanta que correu para o estabelecimento e subiu o elevador a espera de não ser reconhecida.
O perfume de mau gosto da secretária logo lhe atravessou as narinas, assim como o ar carrancudo que sempre trazia como bónus na cara. A cumprimentou forçosamente e logo tratou de abrir a agenda num gesto irónico.
─ Queria falar cinco minutos com o senhor Axmann. ─ Ruby informou parada em frente dela. Sentiu o cheiro do café e sabia que um gole só poderia ajudar a aliviar sua dor de cabeça.
─ Não tem marcação. ─ Constatou o que já era bastante óbvio.
─ Apenas cinco minutos. Avise-o que estou aqui, por favor. ─ Tentou ser educada, mas estava impaciente.
─ O senhor Axmann está ocupado. E tem a agenda preenchida pela semana completa, então... EI VOLTE AQUI! ─ A secretária ainda se levantou, incrédula, mas já Ruby abria a porta sem se dignar a bater. Sequer cogitou que o psicólogo podia estar com um cliente, mas ficou envergonhada ao vê-lo sentado ao telefone a falar um alemão tão perfeito que a desconcertou.
─ *Wir reden später. ─ Hans disse com toda calma e desligou a chamada.
─ Desculpe, senhor Axmann. Essa mulher invadiu o consultório e eu avisei que...
─ Pode ir. ─ O mais estranho era que falava normalmente sem o sotaque alemão em evidência. Era como se tivesse nascido ali na cidade, mas a forma como era fluente na língua apenas causava espanto.
─ Mas é que...
─ Eu disse que pode ir, Theresa! ─ Repetiu com a mesma calma e nem pestanejou quando viu a secretária sair e bater com a porta. Se levantou, era bastante alto e aquela bata branca apenas aperfeiçoava sua masculinidade viril. ─ Sente-se. Aceita um café?
Ruby não esperava que a recepção fosse ser tão calorosa após ter saído a meio da consulta da primeira e última vez, mas depois percebeu que talvez ele estivesse acostumado com aquilo. Acabou por se sentar e aceitou de bom grado o café que recebeu.
─ Obrigada. ─ Deu um gole e fechou os olhos ao degustar do sabor. ─ Muito bom.
─ Especialidade da casa. ─ Ela acreditou ter visto um sorriso discreto nos lábios rosados de Hans, este que se sentou, abriu a gaveta e tirou o bloco novamente. Antes de voltar a falar, clicou no botão do interfone que estava em cima da mesa. ─ Cancele minha próxima consulta.
─ Sim senhor. ─ A jovem mulher parecia zangada do outro lado, mas sem ter poder algum para refutar.
Ele concluiu a ligação e voltou o olhar azul-escuro para a mulher sentada no divã de cor creme. Desta vez aguardou que ela se manifestasse.
─ Não vai fazer aquilo de escrever e olhar para mim ao mesmo tempo, pois não? ─ Inventou o melhor quebra-gelo para disfarçar o seu nervosismo.
─ Isso a incomoda? É que a maioria das vezes nem reparo que faço isso, mas para uma melhor solução, deite-se e feche os olhos. ─ Sugeriu com a voz cheia de uma serenidade capaz de adoçar qualquer amargura.
Ruby desta vez aceitou. Pousou a chávena na mesa pequena, retirou os sapatos que de tão pequenos deveriam pertencer a uma Cinderela, e se deitou devagar no confortável divã. Pousou as mãos no peito e fechou os olhos, ciente de que suas pernas estavam demais à vista.
─ O que a fez voltar? ─ Hans questionou, desta vez parecia lutar para não encarar as coxas grossas e de pele lisa brilhante.
─ Eu simplesmente... Senhor Axmann, parece que se passou um ano e eu fiquei presa numa ilusão, mas antes eu deveria lhe contar uma história.
─ Que importância teria essa história em sua vida? ─ Hans se remexeu na cadeira. Podia ouvir pela voz melodiosa, o quanto parecia afectada, mas era essa vulnerabilidade que a fazia resplandecer.
─ Quando vim aqui, me perguntou sobre Olívia Strain, devo admitir que preciso parar de tentar fugir do meu passado. É verdade que Ruby e Olívia são pessoas diferentes.
Hans estreitou os olhos enquanto escrevia sem deixar de observá-la. Ela tinha alguma coisa que o fazia querer aconchegá-la em seus braços fortes, e isso era muito mau assim como podia ser perigoso.
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*Wir reden später - Falamos Mais Tarde.
Bom dia, meus amores.
Boa segunda-feira e espero que tenham adorado mais um capítulo dos misterioso Dilacerado.
Vamos as conspirações. Já está claro que Dark e Olívia se conheceram num passado, mas o que será que os afastou? E o Malcom deveria ter contado para a amiga sobre o ex? E esse perigoso Tom?
Bem abaixo vou deixar as fotografias desses três homens por enquanto. Ainda pesquisando a nossa baixinha Ruby e depois no final irá mostrei o Mr. Dark. Só digo uma coisa, ele tem cara de MAU gente!
Não se esqueçam de votar, comentar para fazer uma pequena autora feliz!
Küsse!
Hans Axmann "O Psicólogo intrigante"
Tom. "O Misterioso"
Malcom
w.ver��
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