[19] Um Alfa Corajoso

Jungwon estava dormindo quando acordou sentindo um solavanco, indicando que o galeão em que estava a bordo ancorou. Ele olhou para os lados ainda se situando, esperando pelo que viria a acontecer.

Os piratas e outros bandidos presos nas demais celas, estavam agitados, rosnando e batendo nas grades. Uma última tentativa desesperada de se verem soltos e lutar pela liberdade.

Não foi encontrada nenhuma oferta de recompensa pela cabeça de Tobie, mas o Almirante Zhang decidiu entregá-lo às autoridades, para que fosse feita uma apuração dos fatos e que ele fosse devidamente julgado de acordo com suas últimas ações.

Claro, para a Marinha, usar duas crianças para atingir seus objetivos na guerra estava claramente de acordo com a lei, deveria existir alguma cláusula que considerasse suas ações válidas, portanto que fosse para benefício do Imperador.

O Tenente desceu as escadas até o compartimento das celas, e seguiu até onde Jungwon estava sendo mantido, ignorando os xingamentos e ameaças dos demais prisioneiros.

— O que vai acontecer comigo? — Tobie perguntou ao ver que apenas o Ômega estava sendo levado.

— Alguns oficiais virão aqui para conduzi-los.

— Conduzi-los? — Tobie olhou para os demais presos e depois para o Tenente. — Espere, eu não sou igual a eles. Nunca cometi crime algum. Sou inocente!

— Não cabe a você ou a mim decidir isso — O Tenente fechou a grade da cela, e indicou a escada para Jungwon. — Suba.

— Espera! Volte aqui! — Tobie ainda gritava com as mãos agarradas desesperadamente nas grades de ferro.

— Onde está o Jay? — Jungwon seguiu o Tenente até as escadas.

— Está esperando por você — Wo continuou ignorando os pedidos de Tobie e demais prisioneiros. — Apenas fique quieto.

Jungwon foi acompanhando o Tenente, seguindo suas orientações. Assim que chegaram no pavimento superior, o Ômega viu o Black Swan ao longe. Saber que a tripulação ainda estava atrás deles, deixou o pequeno mais tranquilo. Ele correu ao encontro de Jay no momento em que o viu, ainda sob os olhos atentos do oficial.

— Você está bem? — O Alfa perguntou muito aliviado em finalmente ver Jungwon. — O Tenente disse que você estava de castigo. Fiquei com medo por você.

— Estou bem, não se preocupe — O Ômega segurou na mão dele, sempre mantendo uma postura protetora. — Fique perto de mim.

— Tenente, leve-os até minha casa e transmita a Yue às minhas ordens — O Almirante referiu-se às crianças. — Diga a ela que acomode esses dois em um dos quartos de hóspede e os alimente. Sem perguntas. Vou ter com o Imperador imediatamente, quando chegar em casa eu explico a ela melhor a situação.

— Sim, senhor.

O Tenente guiou as crianças até uma carruagem, onde foram conduzidos até a residência da família Zhang. A casa do oficial da Marinha era uma construção grande e moderna. No centro havia um pátio a céu aberto com jardim assimétrico. A limpeza e organização do lugar era mantido pela esposa do Almirante.

Zhang Yue era uma Beta sobrinha do Imperador. Era uma mulher carinhosa, que se tornava rígida quando se tratava de realizar os desejos do seu marido. A própria Beta foi receber o Tenente e as crianças na entrada.

— Olá, Tenente Wo. É sempre uma alegria recebê-lo em nossa casa. — Após cumprimentar o Alfa, Yue desceu o olhar até as duas crianças ao lado dele. — E esses, quem são?

— O Almirante, senhora… — A Beta entendeu a seriedade do assunto pela expressão fechada do oficial.

— Neste caso é melhor que entrem… — Ela indicou a porta e seguiu em frente com as crianças.

O Tenente ainda transmitiu algumas ordens de seu superior para alguns marinheiros, para que eles montassem guarda ao redor da residência, apenas por precaução. 

Ao rumar para dentro de casa, Wo tranquilizou a Beta informando que podia deixar as crianças à vontade dentro de casa, sem a necessidade de vigilância. Marinheiros já estavam a postos ao redor da construção, logo não tinha para onde Jungwon e Jay fugirem.

A princípio, as crianças permaneceram na sala, sem saber o que fazer ou para onde ir, eles apenas se afastaram do Tenente e da Beta. 

— Podem conhecer o jardim, meninos — Yue sorriu gentil. — Há um laguinho com peixes.

Jungwon olhou para onde a Beta indicou. Havia uma porta circular que dava acesso ao pátio. Jay deu os primeiros passos curiosos na direção do jardim, o Ômega seguiu logo atrás. 

Como a Beta havia dito, realmente existia um pequeno lago com alguns peixes bicolor. As crianças se aproximaram tímidas, observando as plantas e flores ao redor. 

Aparentemente não tinha ninguém os vigiando, foi aproveitando isso que Jungwon segurou na mão do Alfa e o puxou para um acesso que parecia ser a saída, mas quando abriu a porta, o Ômega se deparou com dois Alfas vestindo uniforme da Marinha chinesa. Os oficiais mostraram uma expressão ríspida, segurando com força seus mosquetes, no mesmo instante, as crianças voltaram para dentro fechando a porta de imediato.

— Quem são vocês? — Uma voz de repente surgiu, próximo a fonte do pequeno lago.

As crianças voltaram-se na direção da voz. Havia um menino Alfa, pouco mais velho que Jungwon. Parecia ter cerca de onze anos de idade, mas o modo que estava vestido e a postura eram como as de um Alfa adulto.

Na falta de resposta, o Alfa insistiu.

— Não vou machucar vocês. 

— Você não pode nos machucar. — Jungwon deu um passo à frente, com os braços cruzados. 

— Ah, você fala… — o Alfa desconhecido sorriu, em seguida olhou para Jay. — Não vão me responder? — Novamente, não obteve resposta. Ele então decidiu uma abordagem diferente, oferecendo a mão para o Alfa menor: — Certo, eu sou Zhang Lian.

— Jeon Jungwon — o Ômega se apresentou com pressa. — Este é Jeon Jongseong.

— Mas todo mundo me chama de Jay — o outro disse. — Se você quiser também pode.

Lian sorriu para o Alfa mais novo, assentindo. 

— São parentes? — Perguntou, trocando olhares entre os dois.

— Somos irmãos.

— Acho que já ouvi esse sobrenome em algum lugar… Escutem, não levem a mal a minha insistência, mas, essa casa é minha. Quando meu pai não está, sou eu quem deve tomar conta. Então… o que estão fazendo aqui?

— Não sabemos — Jungwon respondeu. — Você deveria perguntar isso ao seu pai, já que foi ele que nos abrigou a vir.

Lian ficou um tempo em silêncio, ponderando a resposta. 

— Meu pai não faria algo desse tipo se não fosse muito importante.

— Importante para quem?

— Para a sociedade em geral. — Com a resposta do Alfa, Jungwon fez cara de descrente. Lian suspirou com paciência. — Vocês ainda são crianças, talvez não entendam como é difícil fazer o certo.

— Você também é uma criança — Jay o lembrou.

— Não mais. Tenho responsabilidades agora. — Lian observou o céu. — Parece que vai chover, vamos para dentro. Tenho uma sala de estudos onde podemos conversar mais confortavelmente.

No momento em que o Alfa mais velho girou para que os outros dois o seguissem, o Tenente Wo surgiu de uma das entradas para o pátio. Ele sorriu assim que viu o filho do Almirante.

— Olá, Lian. Como está?

— Muito bem, e o senhor?

— Estou bem. Como vão os estudos?

— Excelente.

— Ótimo. Seu pai deve estar muito orgulhoso.

— Sim, ele está. É para isso que me dedico tanto.

— Muito bem, está no caminho certo. Tenho que ir agora, até um outro dia. 

Antes de deixar o recinto, o Tenente lançou um olhar severo para Jungwon e Jay, e saiu logo em seguida.

— Por aqui — Lian indicou para as outras crianças, que seguiram logo atrás.

No quarto citado pelo Alfa mais velho havia algumas estantes com livros grossos e pesados, com títulos que dificilmente chamariam a atenção de uma criança. Lian pareceu orgulhoso ao dizer que já leu a grande maioria deles, mas o que realmente chamou a atenção dos outros dois foi uma reprodução perfeita do Andrômeda, com cerca de três metros. 

— Nossa… — Jungwon suspirou fascinado, passando a mão no casco da réplica. — É tão…

— Perfeito. — Jay continuou, igualmente maravilhado.

— Eu gosto de brincar que sou o timoneiro — Lian afirmou. Quando teve a atenção dos dois para si, ele tentou esconder o entusiasmo, ajeitando a postura novamente. — Quer dizer, eu gostava de brincar. 

— Você não brinca mais? — Jay franziu o cenho.

Lian hesitou antes de responder:

— Não — seu tom de voz não indicava certeza. Ele então resolveu explicar: — Claro que não. Não sou mais criança para fazer tal coisa.

Jay e Jungwon trocaram olhares confusos.

— Você tem quantos anos? — o Ômega perguntou.

— Onze.

— Claro que é criança! — Jay disse firme, subindo no navio. — Isso é tão legal!

— Eu já guiei um navio — Jungwon afirmou, após saber o interesse de Lian em ser timoneiro. 

— Barquinhos de papel? — O Alfa riu. — Eu também já fiz isso, no lago do nosso pátio.

— Não, um navio de verdade. Mas não fiquei sozinho, pois ainda não tenho controle do leme.

Lian encarou o Ômega sem acreditar no que ele havia dito. 

— E se a gente brincasse nesse navio? — Jay propôs, sentado no pequeno convés.

A primeira intenção do Ômega era perguntar se ele havia esquecido o porque de estarem alí. Mas Jay parecia distraído e encantado com a réplica do navio, logo Jungwon não quis trazer de volta a terrível realidade em que se encontravam, e deixar o mais novo melancólico.

— Não acho que seja uma boa ideia… — Lian pensou em voz alta.

— Por que não? — Jungwon perguntou desconfiado. Em seguida, ele mesmo indicou: — Não precisa ter medo do seu pai. Ele não está aqui, certo? 

— Não estou com medo dele, eu só… — a expressão de descrença do Ômega fez Lian mudar o discurso: — Então, tá. Pode ser. Podemos brincar que somos da Marinha, eu sou o Almirante e vocês meus oficiais.

— De jeito nenhum! — Jungwon respondeu com ultraje. — Sou um capitão pirata.

Jay pulou da imitação do Andrômeda e correu para ficar ao lado do Ômega.

— Eu quero ser o seu contramestre.

— Eu não poderia encontrar alguém melhor. — Jungwon sorriu para ele.

— Tá, mas eu continuo sendo Almirante da Marinha Real.

Jay e Jungwon deram de ombros. Eles observaram o Alfa mais velho buscar alguns objetos em um baú, quando Lian voltou trazendo consigo três espadas de madeira, para treinamento, e entregou uma para cada.

Enquanto Lian ficou com a réplica do Andrômeda, para Jay e Jungwon, a mesa se tornou um perfeito navio pirata. Eles estavam no meio de uma batalha quando a espada de Lian atingiu o Alfa mais novo na lateral. Jay largou a espada e se lançou dramaticamente no chão.

— Oh! — o mais novo grunhiu com as pequenas mãos pressionando o ferimento imaginário no abdômen. 

— Este será o seu fim, pirata. 

Lian sentenciou erguendo a espada para aplicar o golpe final, porém, um corpo menor chocou-se contra o seu e o levou ao chão. Os dois rolaram para abrir distância entre si, quando se levantaram ainda segurando suas espadas.

— Então é você, o famoso Capitão Jeon… — Lian observou o adversário. — Não pense que vou pegar leve só porque é um Ômega. Na verdade… 

Apesar de ser bastante jovem, Lian sabia do "poder" que possuía na voz, que deixava as demais classes mais submissas ao comando de todo Alfa. Não tinha esse dom completamente desenvolvido, mas estando prestes a completar doze anos e usando contra um Ômega mais novo, ele achou que poderia surtir algum efeito. 

Lian então sorriu certo de sua vitória, e indicou usando sua voz de Alfa:

— Curve-se, Capitão Jeon.

O Ômega franziu as sobrancelhas, inclinando a cabeça um pouco para o lado.

— Quê? — Jungwon realmente estava confuso. Por ser um lúpus, a voz de Lian soou normal para ele.

— Mandei se curvar! — O Alfa insistiu, desta vez, com seus olhos amarelos como âmbar.

— Melhor desistir — Jay afirmou com expressão risonha. — Meu Capitão é um lúpus.

Lian encarou o Ômega, chocado, principalmente depois de notar os olhos dele, agora prateados. Ele havia sentido uma aura diferente em Jungwon, mais forte. Só não poderia adivinhar que ele era justamente um Ômega lúpus, eles ainda eram bastante raros.

— Nada mal — Lian recobrou sua postura. — Eu realmente estou impressionado… Mas isso não muda o resultado, no final.

Com isso, ele investiu em um ataque frontal contra o Ômega. Sua intenção era fazê-lo recuar, mas não conseguiu colocar toda sua força no ataque, com medo de machucar Jungwon de verdade. Assim sendo, ele apenas conseguiu ser lançado contra o chão mais uma vez, quando o Ômega se defendeu e contra-atacou ao mesmo tempo.

Foi então que o Alfa percebeu que não deveria subestimar o pequeno na sua frente. Lian se levantou e segurou no cabo da espada com mais firmeza, dessa vez não iria se conter. Ele se perguntou como aquele Ômega havia aprendido a lutar daquele jeito, enquanto tentava encontrar uma abertura para desarma-lo. 

Lian sabia que o Ômega não poderia defender Jay e a si ao mesmo tempo, não com a mesma agilidade. Além de perceber que Jungwon daria prioridade a ele, afinal eles eram irmãos. 

Em um plano arriscado, ele mirou seu ataque contra o Alfa largado no chão, e assim como previu, Jungwon baixou a guarda para protegê-lo. Neste momento, Lian girou rapidamente e conseguiu desarmar Jungwon e ao mesmo tempo, posicionar a espada contra seu pescoço.

— Venci. — Sorriu vaidoso.

— Tem certeza disso? — Jungwon também sorriu, olhando para baixo e novamente para os olhos do Alfa.

O sorriso de Lian diminuiu até murchar de vez, e se tornar uma expressão completamente horrorizada quando viu o punhal que usava em seu cinto, abaixo da camisa, pressionado contra a lateral do seu abdômen. Era um punhal de verdade, muito afiado e seriamente mortal que havia ganhado de seu pai.

Lian largou a espada e se afastou ligeiro, com os olhos arregalados e mantendo sua atenção no Ômega.

— Devolva. — Lian exigiu.

Mas Jungwon não tinha essa intenção. Há alguns momentos atrás estava apenas brincando, mas aquele punhal em sua posse poderia significar sua liberdade e a do pequeno Alfa. Ele moveu a cabeça em negação.

— A brincadeira acabou. apenas devolva e não vai se machucar— o Alfa mais velho insistiu, tentando mostrar autoridade. — Acha mesmo que os guardas vão deixar você sair com ele, só porque está segurando essa faquinha? 

— Com você como refém, eu imagino que sim.

— Hum… — Lian de repente riu, sem graça. — Eu não contaria com isso.

Há cerca de quatro anos, o Alfa havia deixado de ser tratado como criança e passado a ser visto como um adulto. Desde muito cedo, eram impelidos diversos deveres e obrigações, em uma criança de apenas oito anos. Lian e sua mãe eram obrigados a seguir as ordens do Almirante Zhang com disciplina e obediência.

Com isso, Lian aprendeu que sua vida poderia ser descartada facilmente se fosse pelo bem da China, como a de um soldado. Ele não disse, mas sabia que se Jungwon continuasse com aquilo, poderiam morrer os três.

— Isso não vai funcionar como você imagina, Jungwon — Lian tentava ganhar tempo, conforme se aproximava sorrateiro do outro Alfa. — Caso consiga sair dessa casa, o que vai fazer depois? Pedir ajuda à Marinha?

O Ômega foi até a janela para confirmar se o Black Swan ainda estava pelo estaleiro. O navio de velas negras continuava lá, ancorado e há um fio de atacar à Marinha. Quando voltou para encarar o Alfa e responder, sentiu o corpo paralisar quando encontrou Jay sendo mantido por Lian, que estava logo atrás segurando na mandíbula dele.

— Você será rápido o suficiente para impedir que eu machuque ele? — Lian tentou. — Jogue o punhal para mim.

— Seu pai mandou que jogassem o Jay no oceano! E você ainda fica do lado dele!?

Lian hesitou, sabendo que seu pai poderia fazer muito pior consigo, caso soubesse que as crianças fugiram por causa dele. 

— Sim… — a voz não demonstrava tanta certeza, mas foi suficiente para que o Ômega atirasse o punhal contra o chão.

— Eu preferia você quando estava brincando — Jungwon disse magoado. — Pelo menos não era tão covarde.

Assim que se viu livre do Alfa mais velho, Jay correu ao encontro de Jungwon e ambos se afastaram de Lian, ignorando todas as próximas tentativas que o garoto pretendeu se aproximar novamente.

🏴‍☠️ 

No palácio do Imperador Ming, Zhang contou sobre suas conquistas durante o tempo em que esteve navegando sob o comando do Andrômeda, e demais navios. 

O Imperador ficou grandemente satisfeito. A melhor forma de vencer a guerra era expurgar o mal de dentro para fora. Invadindo o coração da besta, a Ilha de Cabuga, atual fortaleza pirata. 

E qual a melhor maneira de fazer isso, se não sendo em ter o controle de um das tripulações mais fortes, que frequentam aquela ilha terrível? Com os filhos do Capitão Jeon sob a guarda da Marinha, o plano era seguramente possível.

Com novas ordens em mãos, Zhang decidiu primeiro voltar para sua casa, para conferir se as crianças estavam apropriadamente onde deveriam estar. Após a longa jornada, foi-lhe dado um pequeno espaço de tempo para descanso, e ele aproveitaria ao lado de sua família, antes de acabar de vez com o Black Swan. O Capitão Jeon já estava em suas mãos.

Também iria aproveitar os dias para enaltecer a si mesmo, sobre o título honorífico que a ele seria aplicado pelas explorações e serviços prestados em nome da Marinha Real da China. 

Na última noite antes do Almirante retornar às suas obrigações, a família Zhang foi convidada para cear com o Imperador pessoalmente. Apesar de estar grandemente animado com a ideia, Lian não conseguia tirar da cabeça o episódio em que impediu a possível fuga das crianças mantidas em sua casa.

Assim que retornou para casa, Lian despediu-se de seus pais e subiu para finalmente descansar após a tão cansativa noite entre os adultos. Era fatigante manter a pose perfeita em exigência do pai. Na manhã em que esteve na companhia de Jay e Jungwon, ele havia esquecido de suas obrigações, e por um breve momento se sentiu verdadeiramente feliz.

Lian parou no topo da escada e em vez de ir direto para seus aposentos, decidiu tomar o caminho contrário. Ele seguiu através do corredor e parou ao lado da porta do quarto em que Jungwon e Jay estavam. 

A porta não estava trancada, Lian pretendia bater e pedir licença, mas antes, ouviu a dupla cochichando baixinho e parou para ouvir o que diziam:

— O que será que está acontecendo? — Era a voz de Jungwon.

— Seu pai deve estar pensando em algum jeito de salvar a gente. Ele é o Capitão, é só a gente ficar aqui e esperar — eles discutiram anteriormente sobre algum outro plano de fuga. — Por favor, não vamos fazer nada perigoso. Vamos ficar quietinhos.

Jungwon estava prestes a responder, quando a porta foi aberta e Lian entrou parecendo chocado.

— Vocês não são irmãos — ele olhou de um para o outro. — Estavam mentindo.

Os meninos ficaram sem reação, foram pegos em flagrante, não tinha como negar. E o momento só piorou quando o Almirante Zhang apareceu na porta. Por sorte, não parecia que tinha ouvido a conversa.

— O que faz aqui? — Zhang perguntou ao filho.

— Eu… — Lian viu o pavor nos olhos de Jungwon e Jay, principalmente nos do mais novo. — Eu estava exigindo que eles parassem de conversar e fossem dormir. Estão falando muito alto e eu tenho sono leve.

— Hm… — O Almirante estudou o filho durante alguns segundos, mas não desconfiou de nada aparentemente. — Se apresse, amanhã o dia será longo.

— Já estou indo, meu pai.

Zhang deixou o quarto e seguiu pelo corredor até o seu próprio cômodo. O filho dele debruçou-se sobre a porta até ter certeza de que ele havia realmente ido embora, depois, voltou-se para dentro do quarto.

— Por que fez isso? — Ele foi recebido pelo questionamento de Jungwon.

— Não sei ao certo… Sinto que não devem estar aqui amanhã.

— E por que isso agora?

— Mas que Ômega desconfiado! Porque sim! Ora. Porque eu quero. Porque não sou o covarde que você pensa.

Jungwon suspirou satisfeito ao constatar a determinação do Alfa. 

— Como você vai ajudar a gente? — Jay quis saber. — Não é nada muito perigoso, não é?

— Eu não sei. — Lian foi sincero. — Mas se estão dispostos a arriscar, me encontrem no topo da escada assim que ouvirem o galo cantar.

Após passar as instruções, o Alfa saiu do quarto e deixou os garotos pensativos. Tendo em vista que Lian os encobriu perante a ameaça do Almirante, o sentimento de confiança surgiu entre os dois mais novos. Porém, o receio da dupla era o tipo de ajuda que iriam receber na manhã seguinte. 

Estavam prontos para qualquer eventualidade? Não. O fato é que eles pelo menos precisavam tentar. Haja o que houver, eles não ficariam sentados esperando pelo fim.

Jay pretendia ficar acordado e esperar o horário estipulado por Lian, ao lado de Jungwon, mas acabou adormecendo pouco tempo depois. Já o Ômega estava ansioso demais para conseguir dormir, pensando nos seus pais, no Alfa que dormia tranquilamente ao seu lado e no amanhã que os aguardava.

Apesar de não ter dormido, Jungwon praticamente não viu o tempo passar. A madrugada seguiu tão breve que logo ele ouviu o galo cantar, indicando o raiar de um novo dia. Ele olhou pela janela e viu que o sol ainda não havia nascido, em seguida, acordou o Alfa com cuidado.

— Papai… — o mais novo resmungou, virando para o outro lado. — Só mais um pouquinho…

— Jay, acorda. Precisamos ir.

Depois do esforço que foi para acordar o Alfa, Jungwon tomou uma lamparina que estava em cima da mesa de cabeceira, e ergueu para que iluminasse o caminho até a porta. 

No lado de fora havia alguns suportes com castiçais, permitindo que eles enxergassem uma silhueta pequena surgir do outro lado do corredor. Jungwon e Jay seguiram na mesma direção e encontraram Lian, que também estava na posse de uma lamparina em uma mão, e na outra ele carregava alguns lençóis.

— Façam silêncio. — O mais velho indicou, descendo as escadas e sendo seguido pelos outros dois.

Lian os levou até um espaço que ficava abaixo do nível térreo. O lugar foi levemente tomado pela pouca luz das lamparinas, mas foi o suficiente para notar que haviam alguns tambores usados para armazenar as roupas, lençóis, toalhas e demais peças sujas.

— Uma vez na semana os Betas da lavanderia passam aqui em casa e levam para lavar. Como podem ver, estão vazios. Isso significa que já foram levadas as peças dessa semana — Lian explicou mostrando os recipientes. — Mas assim que os criados notarem que ainda restaram dois tambores, eles irão levar para a lavanderia imediatamente.

— Onde fica a lavanderia? — Jungwon perguntou, já compreendendo o plano do Alfa.

— Fica perto da feira. — Sabendo que a informação é vaga demais para os dois que nunca antes haviam pisado na China, Lian acrescentou: — É um pouco distante, mas pelo menos vai abrir uma boa distância entre vocês e meu pai.

— Fica na direção do estaleiro? — Jay perguntou ansioso para ver seus pais e seu irmão.

— É claro que não. Você é doido? Eu não ia mandar vocês logo para onde a Marinha vive reunida.

— É claro que não seria fácil… — Jungwon refletiu sozinho, em seguida girou para o mais velho: — E quanto a você? E se acaso seu pai descobrir o que fez?

— Eu? — Lian não deu importância, desviando o olhar. — Vão logo. Os criados levantam daqui a pouco.

Lian ofereceu auxílio para os dois menores, mas Jay e Jungwon, acostumados a escalar os cabos do Black Swan — escondidos de Jimin e Sungjae —, não iriam se assustar com um simples tambor com um metro de altura.

— Foi bom ter voltado a ser criança, pelo menos por um dia — Lian confessou para o Alfa mais novo. — Gostaria de brincar mais vezes com você.

— Uhum… — Jay sorriu nervoso. 

— Está com medo? 

— E não é óbvio? — O Alfa menor ergueu as sobrancelhas. — Isso é muito perigoso. Quero chegar aos sete ainda.

— Você só tem seis anos?! — Lian admirou-se. Ele encarou Jungwon e antes que pudesse comentar qualquer coisa sobre o fato dele ter a mesma altura que o Alfa mais novo, o Ômega fez uma cara que o fez mudar de ideia. Lian voltou sua atenção para o Jay: — Certo. Você é o Alfa aqui, e como tal, precisa ser corajoso. Posso contar com você para proteger o Jungwon?

— Sim! — Jay respondeu de imediato, e ainda balançou a cabeça para confirmar.

— Ótimo. — Lian sorriu. — Se abaixe, vou cobrir você.

O Alfa ajeitou alguns lençóis por cima do mais novo, o suficiente para escondê-lo inteiramente. Logo em seguida ele girou para o tambor em que Jungwon estava.

Não satisfeito com a ausência de uma resposta, o Ômega insistiu mais uma vez:

— O que vai acontecer com você?

— Ele vai me castigar, caso descubra o que eu fiz. — Lian pegou mais lençóis. — Mas nada comparado com o que ele vai fazer com vocês se continuarem aqui.

O Alfa parou para encarar o reflexo das chamas nos olhos pretos de Jungwon. O Ômega o encarava de volta, mirando os olhos de Lian com seriedade quando afirmou:

— Jamais esquecerei o que está fazendo.

Lian assentiu sorrindo, entregando o punhal que o Ômega havia tirado dele quando estavam brincando. 

— Tenham cuidado. 

De seguida, o Alfa repetiu o processo de ajustar os lençóis no esconderijo em que Jungwon estava agachado. Havia algumas brechas e furos ao redor do tambor, provocados pelo tempo de uso, o que iria permitir a dupla perceber quando chegassem em seu destino.

Lian averiguou mais uma vez por fora, para se certificar de que as crianças não seriam notadas. Quando teve certeza que eles estavam muito bem escondidos, retornou em silêncio até o próprio quarto, para não chamar atenção.

A Jungwon e Jay cabia apenas esperar que o plano realmente funcionasse.

Continua...

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