Maddie
KATHERINE ELSHER
Fitchburg, Wisconsin
1990
A coberta grossa cobre metade do meu rosto enquanto estou deitada na cama de meu quarto compartilhado com minha irmã mais nova, Maddison, de 5 anos. Sempre odiei tempestades. Acredito que seja porque os trovões me lembram os gritos do meu pai quando chega em casa, bêbado demais para se manter em pé, despejando todo seu ódio e frustração do dia na minha mãe.Já era um ciclo ao qual me acostumei. Papai chega, senta na grande poltrona da sala de estar no andar de baixo e bebe o quando o seu organismo permitir e não colocar para fora. O cheiro do cômodo é puramente de álcool, então prefiro não passar lá com frequência, mesmo quando ele não está presente.
Sinto meu coração acelerar a cada barulho alto vindo do lado de fora, junto com a luz dos raios atravessando a janela e os galhos de uma velha árvore que fica em frente à nossa casa arranhando o vidro. Apesar de o quarto ser no andar de cima, a árvore é alta o bastante para alcançar a janela e me aterrorizar todas as noites.
Levo meus olhos até a cama da minha irmã mais nova, localizada ao lado da minha, com apenas uma mesinha as separando. Admiro sua capacidade de conseguir dormir em noites assim. Sempre me prontifico a, antes de colocá-la para dormir, ler um de seus livros favoritos, que deixamos guardado em uma pequena estante junto de outros livros e brinquedos, e cantar até ela adormecer. Mamãe nunca faz isso comigo, mas eu a entendo. Trabalhar o dia inteiro, chegar em casa, ter que lidar com o marido bêbado e cuidar de duas crianças não é nada fácil. Então, por mais que eu tenha apenas 11 anos, faço questão de dar à minha irmã tudo que nunca recebi, para que ela tenha uma infância feliz e com memórias boas.
Me assusto novamente quando ouço outro trovão e vejo a luz do raio entrar pelo quarto. Levo meus olhos para a janela e a árvore ainda está lá, com seus galhos balançando e fazendo um barulho infernal. Respiro fundo, me escondendo mais ainda debaixo da coberta, mas deixando espaço suficiente para ainda ter uma visão boa do quarto. Os galhos e a luz da lua cheia fazem uma sombra assustadora, com seus finos gravetos balançando de um lado para o outro conforme o vento batia.
Não sei se estou com muito sono e não tenho noção de quantas horas são, porém vejo algo, como se fosse uma mão com dedos e unhas compridas, se movendo até a borda da janela e a abrindo, deixando o vento gelado e algumas gotas de água entrarem. No exato momento sinto meu corpo gelar e é como se meu coração parasse. Me mantenho paralisada no lugar. Apenas movo meus olhos para a cama de minha irmã. Eu preciso ir até lá, eu preciso protegê-la, porém meu corpo não obedece meu cérebro e permaneço deitada.
O desespero começa a tomar conta de mim quando vejo algo encapuzado entrar pela janela. Meu coração, que já estava acelerado, quase sai pela boca quando a figura vai até a cama de Maddie, que está dormindo pacificamente, sem ter consciência do que está acontecendo. Minha respiração acelera, sinto meu corpo tremer e uma urgência enorme de gritar, falar algo, pedir socorro, mas a voz não sai. Minha boca não abre. Sinto-me presa, incapaz, como se algo estivesse me mantendo naquela cama. No entanto, sei que sou eu mesma. Estou com medo e não sei o que fazer.
As lágrimas começam a brotar em meus olhos à medida em que vejo a criatura, ou seja lá o que for aquilo, se inclinar na direção da minha irmã. Ela parecia não ter me percebido, e se percebeu, estava me ignorando, pois seu foco estava completamente em Maddie. A coberta em volta de mim já estava começando a me deixar sufocada, e tudo piora quando vejo a boca daquilo aberta, com algo como se fosse uma luz saindo de dentro. Ela estava tão perto de minha irmã que com certeza poderia sentir seu cheiro característico de morango.
Ouço sussurros, falando algo que eu não entendia, parecendo uma outra língua, e uma espécie de fumaça começa a sair da boca de minha irmã, agora aberta. Eu não sabia o que fazer. O sentimento de inutilidade estava me devastando. Ver algo acontecer com Maddie e não conseguir fazer nada para ajudá-la estava me destruindo. Seus olhos estavam fechados, porém sua feição me aterrorizava. Era quase como se todo o sangue tivesse sido sugado de seu corpo. Ela estava pálida.
Após apenas alguns segundos, que para mim pareceram infinitos, a criatura se levantou, saiu pelo mesmo lugar por onde entrou e fechou a janela, deixando minha irmã jogada na cama, parecendo fraca. Meus olhos estavam arregalados e queria acreditar que isso era um pesadelo. Que nada disso era real. Mas era. Eu sabia que era. Sinto um peso enorme no corpo ao lentamente colocar a coberta para o lado e me sentar na cama.
Jogo as pernas para o chão e me levanto, caminhando devagar até a cama de minha irmã. Minhas mãos estão tremendo e minha respiração está desregulada, enquanto a cena de horror continua se repetindo em minha mente. À medida que chego perto da cama, o mundo ao meu redor parece se silenciar. Não consigo ouvir mais os trovões nem os galhos da árvore arranhando na janela.
O rosto de Maddie está tão branco quanto um papel, quase como se a sua vida tivesse sido sugada. Não consigo ver suas lindas bochechas rosadas, suas sardas estão imperceptíveis e todo o seu brilho parece ter desaparecido junto com o que aquela coisa levou dela. Ela ainda estava respirando, podia ver seu peito levantando. Mas ela podia estar tudo, menos bem. Toda a sensação de estar presa se esvazia de meu corpo, e imediatamente grito o mais alto que posso. Um grito de horror, medo e desespero. Choro como nunca havia chorado antes, como nunca havia feito na frente de ninguém. Continuo em pé, em frente à cama, deixando toda a angústia que senti sair de uma vez só. A porta do quarto se abre de uma vez, e sinto minha mãe me empurrar para o lado e ir em direção a Maddie. A confusão está presente em seu rosto e percebo que a coisa foi séria quando ela começa a gritar por meu pai.
Fitchburg, Wisconsin
2005
A porra da cena se repetia em minha cabeça como uma música que você ouvia e não conseguia mais esquecer. Ela ficava lá, no seu subconsciente, e quando notava, ela já estava tocando na sua cabeça. De maneira irritante, quase insuportável. 15 anos se passaram desde a morte da Maddie, e nunca parei de procurar por quem havia tirado a vida de minha irmã. O sentimento de culpa por ter deixado aquilo tirar ela de mim me consumia a cada dia. Não fui brava o suficiente para salvá-la, porém serei para matar aquele monstro que destruiu a minha vida.
Sempre soube que o que fez aquilo não era humano. Contei aos meus pais na época, mas obviamente não acreditaram em mim. Junto com Maddison, outras 6 crianças morreram no leito do hospital. Todas com pneumonia. O que aquela coisa fez com minha irmã, provavelmente também fez com todas as outras. Os adultos não acreditavam em mim quando contava, e eu ficava indignada. Qual é, 7 crianças perfeitamente saudáveis morrerem de pneumonia na mesma semana? Eles realmente não suspeitavam de nada errado? Inacreditável.
Durante todos esses anos, me empenhem em estudar o mundo sobrenatural e aprender a matar essas coisas. Consegui muitos contatos, e descobri que não estava sozinha nessa. Existiam caçadores espalhados pelo mundo inteiro, todos arriscando suas vidas para salvar desconhecidos e matar monstros. A sede de vingança pela minha irmã me jogou de cabeça nessa nova realidade.
Obviamente, meu foco estava em descobrir o que era aquilo que eu havia visto naquela noite. A única informação que eu tinha era de que aquilo era uma Wicked, um tipo de bruxa que se alimenta da energia vital das crianças, e que aparecia em intervalos de 15 a 20 anos. Então ela deveria aparecer agora. No entanto, não fazia ideia de como matar.
Estou sentada no banco de um porquinho que fica em frente à escola, com os braços cruzados e encarando fixamente o chão na minha frente. Havia apenas uma menininha brincando, sua mãe estava sentada em outro banco, longe do meu. Eram 16:10, deveria estar cheio de crianças e pais aqui. Ouvi falar que as outras crianças estavam todas internadas, e os médicos também achavam que era pneumonia, como foi com Maddie.
Desperto de meus pensamentos quando ouço a voz de um homem falando comigo. Levanto minha cabeça para olhar para ele. Ele estava em pé ao lado do banco, segurando um copo de café, enquanto olhava para a menina e sua mãe no porquinho.
– É bem quieto aqui. – Sua voz grossa se direciona a mim, mesmo que esteja olhando para frente. Nunca havia o visto pela cidade.
– Na verdade é uma pena... geralmente não é assim. – Olho para o homem loiro e alto. Decido dizer apenas o que a população sabe. Não posso sair falando do sobrenatural pra qualquer um.
– Por que? – Ele pergunta, parecendo interessado no assunto. Claramente não é daqui. Todos os moradores já estão sabendo.
– As crianças estão ficando doentes. É... terrível. – Digo e olho para a menina escalando o brinquedo, não muito longe de nós.
– Quantas? – Ele pergunta e levo meus olhos até ele. Acho estranho sua curiosidade, porém não demonstro.
– Umas... cinco ou seis. Mas é sério. Estão no hospital. – Respiro fundo antes de continuar falando. Querendo ou não, ainda era um assunto complicado para mim. – Os pais estão ficando nervosos. Acham que é contagioso.
Ele concorda e encara o chão por alguns segundos, parecendo pensar. Me agradece e se afasta, indo embora. O acompanho com o olhar e o vejo chegando em um carro onde havia outro homem encostado. Este bem mais alto. Eles falam algo e entram no carro, saindo dali. Um Impala 69, por sinal, belo carro.
Olho uma última vez para a menina brincando e decido sair dali também. Ela me lembrava Maddie. Fechei os olhos e respirei fundo, me levantando do banco e colocando as mãos nos bolsos da jaqueta que usava, caminhando em direção ao hotel que estava hospedada.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top