Capítulo Treze
A primeira vez que encontrei Dan, vi-o sentado no chão, podre de bêbado, a olhar para o rabo de uma pessoa. Tinha acabado de comprar o meu bar e estava em processo de renovações, portanto ainda não me tinha feito conhecido na Rua Verde. Eram sete da tarde, o sol ainda se estava a pôr, e eu achei ridículo um homem que deveria ter no mínimo quarenta anos estar ali, a fazer aquela figura triste. Aproximei-me dele e fiquei parado, à espera que ele desviasse o seu olhar da pobre rapariga ingénua para mim. Demorou uns bons quinze segundos, mas lá o fez, olhando lentamente dos meus pés à minha cabeça. Mesmo naquela altura, anos antes, eu já tinha um corpo intimidante o suficiente.
- Não estava a fazer nada de mal! – defendeu-se automaticamente, levantando as mãos. Com resposta, levantei a sobrancelha, perguntando-me porque é aquela teria sido a sua primeira reação. – Olhar não é crime!
- Quando a rapariga é menor, está pouco longe de o ser.
- M-menor?
A forma como ele gaguejou e empalideceu disse-me tudo o que havia para dizer. Respirei fundo e cruzei os meus braços, sabendo automaticamente que aquele homem seria uma pedra no meu sapato. No entanto, quando as raparigas que ele estava a observar entraram num dos bares e ele se limitou a pegar na garrafa de vinho que tinha ao seu lado, não havia muito que eu pudesse fazer. Fiz, ainda assim, uma nota mental para o observar com atenção. E assim o fiz: depois de Dove abrir, ele frequentou-o algumas vezes e, sempre que o fazia, as pessoas que o rodeavam afastavam-se. Dan zangava-se e tentava agarrar uma delas, mas havia sempre um dos meus empregados a impedi-lo.
Lentamente, ele deixou de frequentar Dove, mas a Rua Verde parecia ser a sua casa. Passava lá tardes e noites inteiras, em busca de uma rapariga ingénua o suficiente que se deixasse ser agarrada por ele. A situação que Ava passara tinha sido passada por dezenas antes dela, infelizmente, então eu fizera questão de saber tudo sobre ele. Onde vivia, onde trabalhava, se era casado, todos os detalhes; os meus amigos na polícia foram úteis nesse aspeto, não se importando de dobrar um pouco as regras em prol da segurança pública. Sempre que o via a fazer algo menos próprio, impedia-o e ameaçava-o. Nunca o conseguira controlar porque não tinha motivos suficientes para efetivamente apresentar queixa, mas controlava-o e vigiava-o à minha maneira.
A ideia de aquele homem miserável saber onde Ava vivia assustava-me. Uma coisa era ele ser um perigo na Rua Verde, onde existiam seguranças em todos os cantos, devido à quantidade de bares, e onde eu o podia vigiar. Mas ele tinha sido preso e provavelmente soubera que Ava tinha tido algo a ver com isso. Se Nate fora capaz de revelar uma informação daquele grau e de dar a volta às leis para que ele não fosse preso – algo que eu não duvidava que tivesse acontecido, porque Ava e Steve me tinham assegurado que Dan seria castigado de uma forma ou outra -, também seria capaz de mentir o suficiente para enfurecer Dan. Um bêbado zangado era um bêbado ainda mais perigoso.
- Ava! Mia! – gritei, ao bater na porta do apartamento das duas. Parecia louco, mas era por motivos maiores. Não tinha poupado tempo algum em sair a correr do Dove e a conduzir estupidamente rápido até à morada das irmãs gémeas.
- D-daxon? – uma Mia assustada abriu a porta, esfregando os seus olhos. – Que horas são? O que é que se passa?
- A Ava está aqui, certo? – Mia olhou para o quarto da irmã gémea e pensou por uns segundos, assentindo logo de seguida. Suspirei audivelmente, sentindo o meu corpo ficar sem forças.
- Entra, tu claramente não estás bem. – agarrou a minha mão e puxou-me para dentro do apartamento. Olhei para a porta do quarto de Ava e as luzes estavam apagadas; só a olhar para um relógio que elas tinham pendurado na parede é que percebi que já passava da uma da manhã.
- Mia? Quem era? – ouvi a voz de Asher, antes de o ver a sair do quarto da pequena rapariga, apenas com umas calças do pijama. – Daxon?
- Pobre rapaz, ele está tão pálido. Ash, ajuda-me a levá-lo até à sala.
- Não preciso. – afirmei, mas não podia negar que ter cada um deles a agarrar um dos meus braços e a ajudar-me a caminhar me aliviou. – Obrigado.
- Vou fazer um chá. – Asher anunciou. – Camomila está bom? – assenti, soltando um breve sorriso.
- Devo acordar a Ava? – Mia questionou, sentando-se à minha frente na mesa de café. Respirei fundo, levando uma mão até à ponte do meu nariz.
- Não... Não. Ela está a dormir e precisa de descansar. – olhei para Mia a tempo de a ver sorrir e assentir.
- Concordo. Então, vais-me contar porque é que apareceste aqui quase às duas da manhã? Eu sei que digo que és um brutamontes mas não precisas de provar que eu tenho razão a toda a hora.
O seu humor era tão parecido com o de Ava que comecei a rir, abanando a cabeça. Olhei para a rapariga à minha frente, analisando-a como nunca tinha feito. Embora visivelmente cansada, Mia estava a reservar as suas energias para se focar em mim e naquilo que eu tinha para dizer. A sua expressão estava marcada pelos olhos de ónix brilhantes e pelos dentes no lábio inferior, num sinal claro de que estava preocupada. Respirei fundo, tentando acalmar-me antes de tentar explicar tudo o que se tinha passado. Apesar de Mia ser pequenina, aparentemente tinha força suficiente para partir o nariz a um polícia – isto apenas com 21 anos –, então não sabia quão instável ela seria ao ouvir as notícias. O seu ódio por Nate ultrapassava o meu e talvez até o do seu irmão mais velho – e esse partira-lhe um braço - e era natural. Ele magoara a sua irmã gémea.
Esperei que Asher voltasse antes de começar a falar e, minutos depois, o rapaz alto e magro apareceu com três canecas de chá. Mia agradeceu-lhe com um beijo suave na bochecha e Asher sentou-se no sofá individual perpendicular àquele onde eu estava, ao lado da sua namorada. Aceitei a chávena de chá de bom grado, bebendo um pouco antes de inspirar e me preparar para falar. Talvez a presença do rapaz acalmasse Mia mas eu sabia dentro de mim que ela ficaria tão assustada como eu estava. Ava era minha namorada, claro, e eu adorava-a com todas as forças, mas Mia...Mia era irmã, era uma ligação completamente diferente.
- O Nate – sussurrei o nome, caso Ava entretanto tivesse acordado – apareceu no meu bar.
- O Nate? – Mia quase gritou, estragando todo o meu propósito. Asher olhou para mim por dois segundos, com uma expressão divertida, e encolheu os ombros, bebendo do seu chá. – O ex-namorado da Ava, esse Nate? Como é que sabes quem ele é?
- Calculei que a Ava te tivesse contado. – suspirei, exasperado. – Eu, o vosso irmão e o Nate andámos todos na academia de polícia.
- Tu és polícia? – abanei a cabeça. – Então estou confusa, Daxon. Vais ter que ser mais explícito.
Não contive o meu riso e bebi um pouco mais do chá que me tinha sido dado. Olhei para eles os dois, alternando entre um e outro, e fui lembrado do que a Ava me dissera. Eles equilibravam-se. O Asher era definitivamente parecido com a Ava, em muita coisa, mas elas eram irmãs em tudo o resto, eram gémeas em tudo o resto. E, apesar de ela me ter dito que eu e a sua irmã éramos extremos opostos, apanhei-me a pensar que isso não era assim tão verdade. Se eu conseguia ser bom amigo do Steve, conseguiria ser bom amigo de Mia. Aliás, ela fazia-me lembrar o Max, o meu melhor-amigo desde que me lembrava de ter um melhor-amigo. Não éramos assim tão diferentes.
- Eu quase fui polícia, mas depois segui o ramo da segurança privada. Trabalhei com alguns políticos, algumas celebridades, algumas pessoas que tinham dinheiro a mais... Isto durante quatro, cinco anos, até que finalmente abri o Dove. – ela assentiu lentamente, compreendendo. – Não te julgo pela reação. A tua irmã fugiu de mim quando soube que eu tinha a formação policial. Até agora, estás a reagir bem melhor que ela.
- É um dom. – respondeu instantaneamente, lançando-me um sorriso aberto. Confortável. Assenti, aceitando.
- De qualquer forma...sim, conheço o Nate. Sim, sei o que ele lhe fez. E sim, ele apareceu no meu bar hoje.
Fazendo o meu máximo para controlar o trémulo das minhas mãos, foquei-me em agarrar a chávena que agarrava e contei tudo o que se tinha passado. Como Nate tinha aparecido, assumido que Ava era sua e terminado ao dizer que tinha divulgado informação secreta ao homem que tinha atacado Ava. Contei-lhes de como eu já conhecia Dan desde os meus primeiros meses a trabalhar na Rua Verde com Dove e em como eu pensava honestamente que ele seria preso, por tudo o que Steve me tinha dito. Mia e Asher, aparentemente, nem sabiam que Ava tinha apresentado queixa, mas esqueceram esse pormenor rapidamente, como seria de esperar. Contei-lhes tudo, não me preocupando em me mostrar impassível como já tinha feito tantas outras vezes. A eles, mostrei que estava realmente assustado com a segurança de Ava. E de Mia, por acréscimo.
- Duvido que Dan faça alguma coisa, mas... - respirei fundo. – Sugiro que se afastem do vosso apartamento por uns tempos. Vou falar com o vosso irmão e com todos os meus outros amigos na polícia e ver o que consigo fazer mas, até lá...
- Daxon. – Mia sussurrou, fazendo-me olhar para ela. – Obrigada.
- Mas... - antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Mia saltou da mesa de café e abraçou-me com força.
Abraçá-la era diferente de abraçar Ava, como seria de esperar, mas ofereceu praticamente o mesmo grau de conforto. Mia cheirava a laranjas enquanto Ava geralmente cheirava a flores, algo que me fez rir porque, além do cheiro a citrinos, ela envergava um pijama laranja-forte. Abracei-a durante tanto tempo quanto ela precisava, até perceber que talvez não fosse apenas ela a dar-me conforto, mas ela a precisar dele também. Suspirou contra o meu ombro, apertando-me por uns segundos antes de me soltar completamente e voltar a sentar-se na mesa de café. Olhou-me com olhos repletos de lágrimas e assentiu, engolindo em seco.
- Nesta família, abraçamo-nos. – disse apenas, antes de pegar na mão do seu namorado e sorrir para ele.
Assenti, não sabendo bem o que responder àquilo.
- Eu... - olhou para o Asher, que permaneceu com uma expressão neutra, a olhar para ela com cuidado. – Importas-te de passar a noite connosco, Daxon? Amanhã tratamos dos pormenores.
- Dax. – corrigi, com um pequeno sorriso. – Claro que não.
Ela assentiu, com os olhos ainda cheios de lágrimas, e respirou fundo, pestanejando até o brilho desaparecer. Levantou-se e anunciou que tinha que dormir, já que no dia a seguir iria com Asher visitar a avó dele. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela desejou-me uma boa noite e puxou o seu namorado consigo, antes de me incentivar a ir para o quarto de Ava. Como se tivesse lido os meus pensamentos. Não consegui agradecer, no entanto, porque antes de eu sequer abrir a boca, já o casal estava fora da sala de estar. Segui a decisão, depois de uns minutos a ponderar se devia realmente acordar Ava ou se deveria ficar ali, mais perto da porta da frente, caso Dan ou Nate fossem mais estúpidos do que eu pensava.
Eventualmente, a minha vontade de verificar por mim próprio se ela estava bem e de lhe tocar ganhou.
Atravessei calmamente o apartamento das gémeas, ouvindo vagamente Mia a falar com o Asher no seu quarto. Deixei a chávena que eles me tinham dado no lava loiça, com um pouco de água para não fazer demasiado barulho a lavar, e ganhei finalmente coragem de enfrentar Ava. Não bati à porta, preferindo abri-la devagarinho para ver se ela realmente ainda estava a dormir. As minhas suspeitas foram confirmadas quando reparei que ela estava abraçada a algo, encolhida sobre si própria, e completamente ignorante do que tinha acontecido. A sua primeira semana como chefe de equipa no laboratório tinha definitivamente roubado todas as energias do seu corpo.
Sem fazer muito barulho, retirei os meus sapatos à entrada do seu quarto e, quando me aproximei da sua cama, ajoelhei-me. Apreciei a inocência e a suavidade da sua cara, completamente relaxada. Embora adorasse ver o seu sorriso, ao olhá-la naquele momento, apercebi-me de que ela realmente tinha superado muito nos últimos meses. A dormir, já conseguia relaxar completamente, ao contrário de nas primeiras semanas depois do incidente com Dan, em que ela revelara ter alguns pesadelos. Fiquei feliz e sobretudo aliviado, observando-a, e estiquei uma das minhas mãos para acariciar a sua bochecha que não estava esmagada contra a almofada.
Quando foquei naquilo que ela estava a agarrar ao dormir, sorri ao ver que era uma das minhas t-shirts, inconfundível pelo logótipo de Dove na parte de trás. Ouvi-a a soltar um hm levezinho, como se estivesse a ganhar lentamente consciência de que estava a ser acariciada na vida real. Retirei a minha mão da sua face durante o tempo suficiente para retirar as calças e a t-shirt, já que o seu quarto estava incrivelmente quente. Olhei para a janela ao pousar a minha roupa na cadeira da sua secretária, certificando-me de que ela tinha fechado os estores antes de adormecer.
- Dax? – ouvi um sussurro atrás de mim e virei-me, para a encontrar ainda abraçada à minha t-shirt, mas com olhos abertos e confusos.
- Olá. – aproximei-me da cama mais uma vez e ela, com a pouca força que tinha, levantou o seu lençol e o edredão. Sorri-lhe e entrei na cama. Retirei a minha t-shirt dos seus braços e deixei que ela se agarrasse automaticamente a mim. – Dorme, amor.
- Hm... está bem. – ri suavemente, contra os seus cabelos. – Bem-vindo à minha cama.
- Obrigada, Ava. Fico feliz por me teres convidado. – ela riu, completamente ensonada, e esticou o seu pescoço apenas para pousar um leve beijo nos meus lábios. Penteei os seus cabelos com os meus dedos, até ouvir a sua respiração a acalmar mais uma vez.
Suspirei, esperando que o sono me atingisse também.
já escrevi esta história há praticamente 5 meses, mas lembro-me muito bem de ter sentido o nervosismo do Dax neste capítulo, espero que tenha sido algo que tenha ficado bem expresso.
infelizmente, esta semana ambas as histórias estou a publicar são muito atuais e pertinentes. por um lado, temos a Equilibrar a Verdade que inclui o assassinato de um rapaz preto por um polícia e, por outro, temos a Devagar Se Vai ao Longe, com os homens que não sabem ouvir um não e as raparigas que são assediadas.
esta semana, nos EUA um polícia asfixiou um rapaz negro e, cá em Portugal, uma rapariga de 23 anos foi morta por um rapaz que era obcecado por ela desde que ela lhe tinha dito que não queria nada com ele. isto não é normal. uma pessoa TEM que ter o direito de dizer não. uma pessoa TEM que saber ouvir um não, sem partir para a violência. ninguém deve nada a ninguém mas, mais que isso, uma mulher não deve nada a um homem que por acaso está interessada nela
óbvio que a situação do Nate é uma situação muito exagerada para o propósito da história (acho eu) (porra, nem é acho, eu espero que isto seja um exagero), mas a ideia continua pertinente: a sensação de posse que os homens têm para com as mulheres, porque lhes convém. o Nate desapareceu durante 5 anos da vida da Ava, depois de lhe ter partido o coração e destruído todas as conceções que ela tinha de homens, e assim que ela avançou com a sua vida, ele apareceu para a tentar controlar mais uma vez. eu QUERO que isto seja uma caricatura exagerada do que acontece na vida real, mas temo que não seja. temo que aconteçam coisas destas na vida real. temo que existam muitas Avas - muitas Beatriz Lebre, o nome da rapariga que foi morta. temo por toda a gente e já não sei bem o que seria útil para impedir estas coisas de acontecer de forma tão sistemática.
peço desculpa por esta nota de autor gigante, mas esta semana foi uma semana triste para a humanidade. e, como disse, é com muita pena minha que vejo as minhas histórias a serem tão atuais. preferia muito ser criticada por estar a retratar algo que já foi superado mas, infelizmente, ainda estamos nesse patamar
muito obrigada quem tem lido <3
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