Capítulo Seis
«Dax? Tens um polícia à tua procura. Deixámo-lo ao balcão.»
Polícia? O que é que tinha acontecido?
Sem demoras, levantei-me do cadeirão do meu escritório e apressei-me a sair. Depois de o trancar e caminhar o corredor que me levava até à zona VIP, desci os degraus prateados enquanto olhava em redor, tentando ver quem era o polícia que me procurava. No entanto, só conseguia ver uma silhueta e a cor azul escura da farda. À volta, algumas pessoas estavam sentadas nas mesas espalhadas pelo bar, aproveitando a calma do costume àquelas horas. Dove era completamente diferente à tarde; sem luzes néon e uma pista de dança, era pouco mais que um espaço de convívio com música ambiente.
Antes que eu pudesse apresentar-me ao polícia e perguntar o que se passava, o homem em questão virou-se. Sorriso largo, olhos escuros brilhantes, e músculos que pareciam não acabar. Steve Farrell. Sorri quase instantaneamente, apesar de não ser algo que fizesse muitas vezes dentro do meu próprio bar, mas foi-me inevitável. Já não o via há quase um ano, por falta de coordenação de horários, e a sua felicidade contagiante fazia falta, se estivesse a ser sincero.
- Stevie! – cumprimentei, num tom leve. – Polícia? Pensei que fosse alguém intimidante.
- Calma, Dax, ainda consigo atirar-te ao chão. – piscou-me o olho, antes de me puxar para um abraço forte.
Steve Farrell só podia estar aqui com uma coisa em mente; ou, melhor, uma pessoa em mente: Ava. Mas, lembrando-me de quando ela me dissera para não assumir sempre que ela precisava de ajuda, forcei-me a manter-me calmo.
- Quando a minha irmã me ligou, há quase dois meses, porque estava sozinha no meio da Rua Verde e precisava de ajuda, de um número desconhecido, escusado será dizer que entrei em pânico. Mas, depois, apercebi-me de que aquele número não era assim tão desconhecido... - sentei-me ao seu lado no balcão, pedindo mais duas cervejas ao empregado do bar e um pouco de privacidade. Ele sorriu-me e, com uma continência a brincar, afastou-se.
- Não sabia que era tua irmã.
- Claro que não sabias, ou tê-la-ia trazido a minha casa. – assenti imediatamente, rindo um pouco. – Ela contou-me o que aconteceu.
- Contou? – arregalei os olhos, verdadeiramente chocado.
- Não. Mas a Mia contou. – pelo sorriso suave que ele mostrou ao falar da sua outra irmã, apercebi-me automaticamente que eles eram mais próximos. Ava mostrara-se demasiado reservada, principalmente com o facto de Steve ser o seu irmão e ser polícia, para eu acreditar facilmente que tivesse sido ela a contar. – Aquelas duas são inseparáveis, como podes imaginar.
- Ah, sim. Já me cruzei com a Mia. – Steve riu alto, ao observar a minha expressão. – É definitivamente uma bola de energia.
- Isso é dizer pouco, mas também não interessa. – encolheu os ombros, bebendo quase um quarto da sua cerveja de uma vez. – Não foi para falar da Mia que passei por aqui.
- Claro que não. Foi para falar da Ava. De como me matas se eu a magoar e etecetera. Certo?
- Não sejas arrogante, Dax. Não te fica bem e eu sei que és melhor que isso. – revirei os olhos, deixando-me relaxar no banco em que estava sentado.
Steve observou-me, com toda a sua perícia policial que eu conseguiria igualar se quisesse, mas deixei-o fazer aquilo que tinha a fazer. Um irmão mais velho devia proteger as suas irmãs, claro. Ficava feliz por ele ainda ter quem proteger, de qualquer forma. Só eu sabia quanto me fazia falta ter a minha irmã para proteger, mas também conseguia ser pessoa suficiente para admitir que só senti falta disso quando o perdi. Durante tanto tempo, ela fora apenas a minha irmã mais nova, adolescente. Supostamente ainda não tinha chegado à idade em que eu pudesse ter medo do mundo que a rodeava. Fui ingénuo, claro.
- Há questão de dias, recebi uma queixa na minha esquadra com o nome da minha irmã. – inclinei a minha cabeça suavemente, esperando que ele me esclarecesse. – A Mia tinha-me contado o que tinha acontecido no dia em que ela soube, mas esperei que a Ava ganhasse coragem para o contar. No entanto, tive que descobrir os detalhes pelo Nate.
- Como assim?
- A Ava falou com uma colega nossa mas, quando o Nate reparou que Ava era quem estava na sala de interrogações, chamou-me. Não sei por que o fez além de me querer irritar. Só não fiz com que ele fosse expulso da esquadra porque não consegui. – assenti, por compreender perfeitamente, e bebi um pouco da minha cerveja. – De qualquer forma, o importante é que a Ava falou de ti no seu relatório e eu decidi vir agradecer-te pessoalmente.
- Não tens que agradecer. Fiz o que qualquer pessoa deveria fazer. – encolhi os ombros, menosprezando os agradecimentos. Steve sorriu abertamente, assentindo.
– O Nate foi um idiota. Traiu a minha irmã e, como se isso não tivesse sido desprezível o suficiente, fê-lo no seu aniversário. Quando elas me contaram, eu percebi que a Ava não o queria ter feito...não queria criar problemas entre mim e os meus amigos, claro...mas tu percebes o meu lado, certo? Amigos que maltratam os que nos são queridos, não são amigos que deveremos ter perto de nós.
- Definitivamente. – quando ele permaneceu calado, apenas a observar-me, senti em mim a necessidade de falar. – Nada se passa entre mim e a tua irmã. Ela parece ter ganho um trauma em relação a polícias e, honestamente, eu não a julgo. Não estamos envolvidos ou algo do género. Mas, ainda assim, podes ter a certeza de que a vou proteger enquanto puder.
- Exatamente o que eu queria ouvir. – bebeu o resto da cerveja e levantou-se. – Bem, vou deixar-te trabalhar. Só quis mesmo pôr a conversa em dia contigo. Já sabes, a polícia terá sempre um lugar para ti.
- E este bar terá sempre um lugar para ti. – pisquei-lhe o olho, fazendo-o rir. – Com tudo isto a acontecer, a Rua Verde bem precisava de vigilância policial de vez em quando.
- Não te preocupes. Aquele miserável que ousou em tocar na minha irmã vai ser castigado, nem que seja a última coisa que eu faça.
Assenti, sabendo que ele estava a ser completamente honesto. Depois de toda a tensão aliviada, Steve lançou mais um dos seus sorrisos e puxou-me para um segundo abraço forte. Lembrei-me do que Ava disse – sobre a lição sobre abraços que Mia lhe tinha dado – e sorri discretamente, imaginando um Steve Farrell, em toda a sua glória, a ser igualmente ensinado pela sua irmã mais nova. Quando nos afastámos, a minha cara tinha voltado à expressão séria e impassível e Steve revirou os olhos, dando-me umas pequenas palmadas na bochecha antes de se afastar, rindo alto.
Todos os Farrell eram muito com que lidar. Steve, Ava e Mia. Não sabia onde me tinha enfiado mas também não estava muito preocupado com isso. Ocasionalmente falava com Ava, para garantir que ela estava a lidar bem com tudo e para ela nunca se esquecer de que eu compreendia. Para nunca se esquecer que ela não passou por aquilo sozinha – eu estava lá. Não disse a Steve que tinha sido eu a convencer a sua irmã a apresentar queixa, porque não estava no meu lugar dizer-lho, mas fiquei feliz por Ava ter seguido o meu conselho. Podia ser que as coisas mudassem minimamente, a partir dali.
- Quem era? – ouvi a voz de Max perguntar-me, enquanto caminhava até ao balcão.
- Steve Farrell. Já te falei dele, acho eu. – ele assentiu. – É irmão da Ava.
- Impressão minha ou essa família é enorme? – ri um pouco, encolhendo os ombros.
- Foi definitivamente uma coincidência. O pior? Ela namorou o Nate James.
- Ugh, aquele pervertido? – assenti lentamente, sabendo que o Max tinha razões para a imagem que tinha de Nate. – Pobre rapariga, não tem sorte nenhuma.
O olhar divertido que Max me lançou, depois de se sentar, foi o suficiente para eu lhe dar um murro no braço. Ele queixou-se, começando a rir alto, e deu-me um murro de volta. Fuzilei-o com o olhar, mas não permiti que a nossa pequena luta se prolongasse, decidindo voltar para o meu escritório. Tinha contas para pagar, papéis para assinar, e licenças para pedir à câmara. Apesar disso, eu também sabia que estava a evitar a conversa que Max queria iniciar; a conversa que levaria à Ava e ao facto de eu ainda não a ter afastado completamente da minha vida.
Infelizmente para o meu melhor-amigo, eu era mais que apenas um homem musculado; era inteligente o suficiente para saber quando fugir dele e como o fazer. Ao levantar-me, alegando ter coisas para fazer, ele percebeu logo o meu disfarce, mas foi sensato e não me desmascarou alto. Caminhei lentamente de volta ao meu escritório, pensando em tudo o que Steve me tinha dito. Ava tinha apresentado queixa; ela tinha-se deslocado até à esquadra onde o seu irmão e o seu ex-namorado trabalhavam, correndo o risco de se encontrar com um deles, porque tinha levado o meu conselho a sério. Permiti-me sorrir, mas não fui arrogante o suficiente para pensar que ela o fez apenas por minha causa. Eu só colocara a ideia na sua cabeça.
As horas passaram rapidamente o suficiente. Jantei com Max e os outros empregados entre a mudança de turnos, na pequena cozinha que tínhamos construído há menos de dois anos atrás do bar, e voltei para o meu escritório. Naquela noite, não poderia realmente sair do escritório, porque tinha demasiadas burocracias a que aceder. De vez em quando, falavam comigo no auscultador e eu dava conselhos sobre o que fazer, mas nada mais que isso. Não me poderia queixar da quantidade de burocracia porque conseguira organizar-me desde o início para só ter que me fechar no escritório dois, três dias em cada mês. Muitos donos de bares tinham que o fazer todos os dias.
Quando senti que tudo estava finalizado, tranquei tudo o que precisava de ser protegido no cofre do costume e saí do escritório, trancando-o também. Apaguei as luzes conforme caminhava na direção da confusão que era a zona VIP naquela noite. Cumprimentei os clientes mais habituais com um gesto simples da minha cabeça e desci os degraus lentamente, observando com atenção a pista de dança. Casais dançavam agarrados e grupos de amigos divertiam-se entre si. Embora a cena fosse agradável, eu não consegui controlar os pensamentos mais negativos de aparecerem.
Não até sentir um corpo a cambalear contra o meu peito.
- Dax! – olhei para baixo para ser enfrentado com a visão de uma Ava, com cabelos despenteados e um vestido prateado que brilhava mais que os degraus do meu bar. Ela agarrara-se a mim com todas as suas forças e eu fui obrigado a encostar-me a um dos corrimões da grande escadaria. – Olá.
- Olá, Ava. – cumprimentei, numa voz suave, olhando-a com atenção. Ela levantou a cabeça, mostrando-me os seus lábios pintados de um rosa escuro e os olhos ornamentados com maquilhagem dourada.
- Danças comigo? – quando abri a boca, claramente hesitando, ela esticou uma das suas mãos e levou-a até à minha bochecha esquerda. – Por favor? Não tenho coragem de o fazer sozinha.
Merda. Assenti, fazendo-a dar um pequeno pulo de felicidade e agarrar a minha mão e puxar-me para a zona de dança. Pela minha visão periférica, vi Max sentado ao balcão, com uma sobrancelha levantada e uma expressão demasiado divertida para o meu gosto, mas foquei-me em ignorá-lo. Se Ava queria dançar, eu dançaria com ela. Simples assim.
- Obrigada, obrigada, obrigada. – gritou ao meu ouvido, sabendo que eu não a conseguiria ouvir facilmente se ela não falasse alto. Abanei a cabeça, pronto para menosprezar os agradecimentos. – A sério, Dax.
- Tudo para te sentires segura.
Percebi que foi a resposta certa quando ela voltou a lançar-me um sorriso maravilhado e completamente feliz – que, honestamente, me fez lembrar o seu irmão – e envolveu o meu pescoço com os seus braços. A música que estava a passar não era horrível – nunca seria, enquanto eu e a Max tivéssemos que aprovar as listas de reprodução – mas eu apanhei-me a nem querer saber do que preenchia os meus ouvidos. Porque Ava estava à minha frente, progressivamente a sentir-se mais segura consigo própria, até conseguir dançar com toda a liberdade que lhe era merecida. Acompanhei-a em muitos dos passos, mas em maior parte do tempo limitei-me a deixá-la fazer aquilo que queria, rodopiando-a e ajudando-a nos seus passos de dança.
Enquanto a observava a dançar, apercebi-me de que gostava de a ter conhecido antes de tudo. Talvez até antes de ela ter conhecido Nate, o idiota, para saber como ela era realmente. Sem o peso de homens se aproveitarem dela a cada momento; sem o peso de ter homens a controlá-la de todos os lados. Do que ela me tinha dito nas últimas semanas, o seu pai era incrivelmente importante na sua cidade-natal e, por isso, ela estava demasiado habituada a que ele se aproveitasse disso. Não queria ser mais um nessa lista, queria ser diferente. Mas como, se era tão igual àquilo de que ela se queixava? Eu era exatamente igual ao seu irmão; talvez pior porque, no meu caso, não tinha sido bem sucedido.
- Ei. Foca-te em mim, Dax. – pediu-me, numa voz que, embora num timbre demasiado alto, me soou perfeitamente suave. – Estavas a pensar no quê?
Abanei a cabeça, indicando que não queria falar daquilo. Ela assentiu, encolhendo os ombros, e aproximou os nossos corpos mais ainda, fazendo-me respirar diretamente contra a sua testa. Poucos segundos depois, ela fechou os olhos e deixou-me guiar os seus passos ao ritmo da música mais lenta que estava a passar naquele momento.
provavelmente ninguém se lembra da Cair e Levantar, mas eu tentei o meu máximo (até a fui reler, na altura em que escrevi esta) colocar alguns paralelismos, apenas porque achei engraçado
e inconscientemente fui pondo alguns também. só agora a reler este capítulo é que me lembrei que, na Cair e Levantar, houve uma cena parecida (não igual, mas parecida).
as nossas irmãs-gémeas têm este talento de fazer o mais difícil dos homens dançar com elas, i guess
espero que estejam a gostar, quem quer que esteja a ler!
e espero mesmo que estejam bem, apesar de tudo, e que esta história sempre vos distraia por uns minutinhos daquilo que se passa no mundo. é tudo o que eu quero.
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