Capítulo Dez
Quatro horas depois, estava eu no estacionamento em frente ao laboratório onde Ava trabalhava. Era um edifício alto, imponente, branco e reto. Ao fundo, conseguia ver um edifício redondo que eu calculava que fosse um observatório. De qualquer forma, eu não percebia muito daquela área mas sabia que o laboratório era incrivelmente famoso. Estar ali, à espera da minha Ava, deu-me uma sensação de orgulho muito forte. Tão forte que me fez sorrir, enquanto permanecia encostado à minha mota e via pequenos grupos de pessoas envergando batas brancas a saírem, de minutos a minutos.
Eventualmente, a pessoa por quem eu esperava apareceu. Ava, em toda a sua glória, não tinha descartado a sua bata branca, tal como me tinha prometido nas mensagens que partilháramos durante a sua hora de almoço. Quando estava mais próxima de mim, rodopiou feliz, fazendo-me rir. Embora eu gostasse de como os vestidos que ela usava lhe assentavam no corpo, não podia negar que ela parecia completamente no seu habitat natural com umas calças largas, uma camisola de malha simples e a sua bata branca. E, por ter notado nisso, sorri-lhe abertamente, mais livre do que me sentira durante o restante do dia.
- Olá. – sussurrou, colocando-se em bicos dos pés para me beijar. Sem saltos, a sua cabeça mal chegava ao nível dos meus ombros. – Trouxeste uma mota?
- Estava bom tempo. – encolhi os ombros. – E não podia negar que a ideia de vir buscar a minha cientista de casaco de cabedal e bota tinha a sua piada.
Ava riu alto, assentindo freneticamente.
- Nunca andei numa, Dax! – mas, apesar de ela parecer estar a reclamar comigo, o sorriso não saíra dos seus lábios. – É seguro?
- Achas mesmo que eu te colocaria em perigo? – ela fingiu pensar por uns segundos, levando a mão ao queixo, mas eu puxei-a para mais perto e beijei a sua testa. – Nunca. Tu cuidas de mim e eu cuido de ti.
O sorriso que ornamentava a cara de Ava duplicou, fazendo-me sorrir também. Ela deu um pequeno pulo e, depois de perguntar se ela estava pronta, retirei o capacete sobressalente do pequeno compartimento da mota. Arrumei lá a pequena mochila que Ava trazia consigo e sentei-me primeiro na mota, retirando o travão do chão. Coloquei-lhe o capacete, depois de beijar suavemente os seus lábios, e coloquei o meu a mim próprio, logo de seguida. Ajudei-a a subir e indiquei-lhe para agarrar-se no meu tronco, apertando brevemente as suas mãos quando ela o fez. Senti-a a respirar fundo e ri para mim próprio, sabendo bem que nunca andaria com velocidade suficiente para ela recear pela sua vida.
Saí lentamente do parque de estacionamento, com cuidado para não fazer curvas demasiado bruscas, e conduzi na direção da minha casa. Tinha demasiadas razões para ter escolhido a mota em vez do carro. Primeiro, pela razão que tinha dito a Ava: a ideia de um rapaz rebelde e de uma cientista dava-me uma certa adrenalina e divertia-me. Mas as outras razões eram definitivamente mais importantes: numa mota, ao contrário de num carro, não haveria hipótese para conversarmos. Ava não teria hipótese de olhar para mim e possivelmente reparar que eu estava mais...apagado que o costume. Não teria, também, a hipótese de reclamar comigo por não a levar ao seu apartamento, como ela insistia que preferia.
Eu gostava suficientemente da Mia e do Asher, claro, mas sentia que era melhor para todos se mantivéssemos a nossa privacidade. A minha casa era o melhor para isso.
Meia hora e uns certos atalhos depois, chegámos finalmente à minha garagem. Deixei-a sair da mota primeiro, ajudando-a com uma mão, e retirei-lhe o capacete. O seu cabelo estava consideravelmente mais achatado que antes, mas as suas bochechas tinham ganho um certo tom vermelho devido à brusquidão do vento. Ela sorriu-me, mostrando-se feliz pela viagem, e esperou calmamente que eu entrasse na minha garagem e colocasse a mota no sítio designado para ela. O meu carro estava diretamente ao lado, estacionado naquele sítio pela primeira vez em alguns meses, porque geralmente eu não abria sequer o portão da garagem. Naquele dia, no entanto, eu não estava a planear sair mais de casa. Ava ficaria comigo durante a noite.
- Como foi o teu dia? – questionei, genuinamente interessado.
Ava era uma pessoa geralmente feliz, mas grande parte dos dias ela passava-os muito contida. Só quando estava comigo, dentro dos lençóis, ou a jogar algum jogo de tabuleiro com a irmã gémea, é que eu a via realmente solta. Naquele dia, ela parecia diferente, mais feliz.
- Ah, tu sabes. Normal. – olhei-a com uma sobrancelha levantada, cruzando os braços depois de fechar a porta de entrada atrás de mim. Ela aguentou um total de dois segundos com uma expressão neutra até esta ter sido rasgada por um sorriso. – Estou a brincar!
- Jura? – ela revirou os olhos, sem nunca parar de sorrir.
- Fui promovida a chefe de equipa. – arregalei os olhos, apressando-me a abrir os braços para a abraçar. – Mas não é tudo!
- Tiveste um dia cheio de coisas, então? – ela riu, fazendo um gesto de menosprezo. Lancei-lhe um sorriso doce.
- Ligaram-me da esquadra da polícia e disseram-me que interrogaram o homem que me atacou. – o seu sorriso foi definitivamente mais contido do que o último, mas os seus olhos encadeavam-me. – Vai ficar em prisão domiciliária. Aparentemente eu não fui a única vítima dele e a polícia que tratou do meu caso procurou raparigas que já tinham ido lá à esquadra mas depois tinham desistido de apresentar queixa. Construíram um caso forte o suficiente para não ser preciso julgamento.
- Ava, isso é ótimo! – exclamei, com olhos arregalados e um sorriso largo no rosto. Ela sorriu-me, assentindo freneticamente.
Não demorei a abraçá-la, apertando-a com todas as minhas forças. Abracei-a por mim e pela minha irmã mais nova, pela justiça que tinha acabado de ser feita. Ela envolveu o meu corpo com os seus braços e respirou fundo contra o meu peito, fazendo como eu e aproveitando o conforto de um corpo humano quente. Beijei a sua cabeça, a sua testa, a sua bochecha, até chegar finalmente aos seus lábios. Ela ria e tremia contra o meu toque, mas eu não parei, demasiado feliz por ela ter tido exatamente aquilo que merecia.
- Vai ser um processo demorado até ele ser efetivamente preso, como é óbvio. E não duvido que o meu irmão tenha tido alguma coisa a ver com a rapidez de tudo, mas...
- O que importa é que vais ficar segura. Finalmente. – murmurei, encostando a minha testa na dela. – Ele já devia ter sido preso há muito tempo.
A minha voz quebrou e eu não gostei da sensação que isso me deu.
- Dax...estás bem? – assenti, mas recusei-me a falar. Ela levou uma mão à minha bochecha, deslizando até aos meus cabelos. Os seus dedos acalmavam-me. – Tu cuidas de mim e eu cuido de ti. Mentir não é cuidar.
Assenti, concordando piamente. Suspirei, no entanto, porque não queria manchar a sua felicidade com a escuridão que aquele dia geralmente era para mim. Pela primeira vez em dez anos, eu passava o aniversário da morte da minha irmã com alguém além da minha mãe e, apesar de ser Ava e de ela ser maravilhosa e serena...não estava a saber lidar com a diferença. No entanto, sabia que tudo seria melhor se eu partilhasse o que estava na minha mente. Sabia que ela ia compreender; se alguém tinha capacidade de o fazer, era ela.
- Preciso de te contar uma coisa. – ela observou-me, um pouco assustada. – Não te assustes, amor. Vem comigo. – Ava assentiu, continuando calada.
Com uma das suas mãos numa das minhas, guiei-a até à minha pequena sala de estar. Olhei à volta, em procura de uma moldura específica, e suspirei quando a encontrei, ao lado de uma das jarras que a minha mãe me obrigava a ter sempre com flores. Eu era péssimo a dar-lhes a água que precisavam, mas não havia como dizer não à minha mãe. Sorri, pensando de novo na reação dela ao saber que eu finalmente tinha namorada, e olhei de novo para Ava. Ela tinha as suas mãos entrelaçadas no seu colo e olhava para baixo, num hábito nervoso que eu já tinha descoberto nela desde o início.
Estiquei a minha mão e, sentando-me ao seu lado no sofá maior, mostrei-lhe a moldura. Ela levantou a cabeça e observou-a, olhando para todos os detalhes da fotografia. Como seria de esperar, era uma fotografia antiga e notava-se. Sophie tinha catorze anos e eu tinha acabado de fazer os meus dezasseis; eu envolvia os seus ombros com um dos meus braços e tinha uma tiara na cabeça – uma prenda dela para mim. Parecia um passado tão distante...e de certa forma era. Já tinham passado treze anos, afinal.
- Eras tão novo aqui... - murmurou, ao tocar na face do jovem Daxon da fotografia. Sorri-lhe.
- Dezasseis anos. – esclareci, assentindo. – Essa é a minha irmã mais nova. Sophie.
- Oh. Não sabia que tinhas uma irmã mais nova.
- Porque já não tenho. – a sua expressão de choque ter-me-ia feito rir alto se não estivéssemos naquela situação, se eu não lhe estivesse a contar o acontecimento mais desesperante da minha vida.
Resumidamente, contei-lhe a história da minha irmã, desde a primeira violação até ao seu suicídio. Do facto de ela nunca ter conseguido encontrar a justiça que merecia e de eu não a ter conseguido proteger de nenhuma das vezes. Quando terminei, Ava estava pálida e tinha lágrimas nos olhos. Terminei a história ao esclarecer que naquele dia faziam dez anos da sua morte, que quase um terço da minha vida tinha sido passado sem a minha irmã mais nova, aquela que vivera comigo desde que eu me lembrava de ter memórias.
- Dax... - abanei a cabeça, indicando-lhe que ela não precisava de fazer nada. – Seu idiota, e eu aqui a contar tudo o que tinha corrido bem na minha vida hoje.
- Ava, não foi por isso que eu te contei. Eu fico feliz por ti, estou tão orgulhoso. – limpei as suas lágrimas com os meus polegares, olhando-a diretamente nos olhos. – Contei-te porque queria agradecer-te.
- Agradecer?
- Sim, Ava. Apesar de, felizmente, não te ter acontecido nada da gravidade do que aconteceu à Sophie, foi grave o suficiente. E, apesar de teres ficado visivelmente afetada com o que te aconteceu, sobreviveste e tornaste-te mais forte. Não entendes? Ao teres apresentado queixa e teres-te agarrado aos teus valores, ao que acreditavas, conseguiste proteger dezenas de raparigas de uma só vez. – acariciei a sua bochecha. – A minha irmã não conseguiu apresentar queixa e, quando o fez, não serviu de nada, mas tu ganhaste, Ava. Tu conseguiste fazer alguma coisa.
A resposta que recebi da sua parte foi um abraço tão forte e tão repentino que caí para trás no sofá, rindo alto.
infelizmente, vivemos num mundo em que existem muitas Sophies, que quando apresentam queixa nada é feito. senti-me na necessidade de que a Ava fosse diferente, mesmo que o seu caso não tivesse sido "tão grave". como o Dax disse, foi grave o suficiente. todos os casos são graves o suficiente.
uma coisa muito engraçada nesta história é que o Dax há de ser a minha primeira personagem desde tipo 2011 a usar termos carinhosos como "amor" mas, quando o escrevia, saiu-me tão naturalmente que eu até deixei ficar.
eu própria nunca fui muito de usar termos assim, mas ganhei o hábito de chamar "amorzinho" aos meus amigos e acho que isso também ajudou a que eu normalizasse essas coisas ahahaha. foi só um fun fact
espero que estejam a gostar e obrigada a quem tem lido <3
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