9 - Venha, querida Sari

   Mais alguns dias se passaram desde o dia que levei Loki à sorveteria. Eu não o havia mais visto tanto durante esse tempo, e o sentia extremamente distante nas poucas vezes que trocávamos alguns olhares. Aquilo havia me afetado levemente, afinal pensei que estava começando a ter finalmente uma convivência pacífica e agradável com o Deus, mas talvez eu tenha entendido errado.

   Ainda não sabia descrever o que as ações de Loki causavam em mim, mas com certeza não era algo imperceptível, isso eu deveria admitir. O dia que ele leu pra mim, no meio de uma das minhas piores crises, me acalmou de uma maneira que jamais pude imaginar. Ver sua expressão e sentir sua energia animadas ao ter a primeira experiência de tomar sorvete, me deixou feliz, e todo esse afastamento repentino depois daquele dia atingiu-me como um soco no estômago. Mas por quê? Tantas perguntas, para tão poucas respostas.

   De qualquer jeito, essa era a última das minhas preocupações, já que minha mente estava fixa em Wanda e na separação dos Vingadores. Onde minha irmã estaria? Ela estaria bem? Estaria precisando de ajuda? E Natasha e os outros? O que diabos de tão grave aconteceu entre eles? Eu precisava me concentrar drasticamente para não ceder a ansiedade e angústia com todas essas perguntas e todas essas preocupações, mas a imagem de Wanda vinha sempre em minha cabeça.

   E ao mesmo tempo que meu cérebro gritava para que eu voltasse para a Terra e fosse procurá-la, ainda tinha a minha intuição que protestava contra todos os meus neurônios, lembrando-me sempre do sonho e da mulher misteriosa que eu havia visto: Bryndís.

   E por falar em Bryndís, durante esses dias também não encontrei mais absolutamente nada sobre ela. Nada em livros, mais nenhum sonho, inclusive perguntei a cada alma existente neste planeta sobre ela e ninguém parecia conhecê-la, mesmo que fizessem a mesma expressão, e que suas energias denunciassem algo como familiaridade com o nome, como se já tivessem ouvido em algum lugar, mas não fizessem ideia de onde ou quando.

   Frustrada. Era exatamente assim que eu estava me sentindo, para dizer o mínimo. Frustrada por não encontrar nenhuma resposta, frustrada por não saber sobre minha irmã e os outros na Terra e por mais estranho, frustrada por Loki estar tão distante e por suas ações me afetarem tanto.

   Com esse turbilhão de pensamentos e sensações, dirigi-me até a mata que ficava em volta da cidade dourada. A natureza me fazia bem, e por um instante me perguntei o porquê de não ir atrás de todo aquele verde e de toda aquela vida antes.

   Caminhei por entre as árvores, sentindo a energia de todos os seres vivos existentes naquele ecossistema, e podendo pela primeira vez no dia respirar profundamente aliviada. Parei em um ponto e fechei os olhos, sentindo toda a vida daquele lugar, como se a energia das flores, folhas e animais fosse me completar cada vez mais. Puxei mais uma grande quantidade de ar para os pulmões e me permiti sorrir ao sentir o cheiro fresco de orvalho que escorria pelas folhas.

   Por um breve instante pensei que pudesse esquecer de todos os problemas que rondavam minha mente e meu coração, e apenas aqueles míseros segundos de paz já foram uma enorme satisfação.

   Sim, míseros segundos, já que senti uma energia a mais aproximar-se. Uma energia estrondosa, potente e feroz, mas ao mesmo tempo revigorante, jamais havia sentido algo parecido antes. Abri os olhos, encarando os arredores, em busca da tal energia misteriosa, ou da criatura que a carregava.

   Até que eu a vi, parada em minha frente, com a atenção fixa em mim. A postura era rígida, mas os movimentos eram extremamente suaves e graciosos. A pelagem clara como as nuvens constrastava com as manchas e listras escuras que também possuía, e os olhos... Os olhos verdes eram como duas esmeraldas brilhantes e majestosas em minha direção. Prendi a respiração por um momento.

   Havia uma tigresa em minha frente.

   Pisquei algumas vezes, não acreditando no que via, como se meus olhos fizessem uma pequena brincadeira de ilusão. Eu poderia muito bem correr, ou apenas me teletransportar para longe, mas a cada movimento que a tigresa branca fazia, mais intrigada e incrivelmente mais confortável eu ficava, como se algo me atraísse para ela, uma familiaridade desconhecida, a mesma sensação que havia sentido no sonho com... Bryndís.

   — Tudo bem... — comecei, sem fazer nenhum movimento brusco, e mantendo meu olhar no do animal a todo instante. — Não acho que queira me atacar, estou certa?

   Ótimo, estou falando com uma tigresa.

   A tigresa parou a caminhada leve e simplesmente sentou-se em minha frente. Ela inclinou um pouco a cabeça para o lado, ainda com os olhos fixos em minha figura.

   — Vou considerar isso como um "sim". — disse mais uma vez.

   Quase que involuntariamente dei alguns passos para frente, na direção do animal. Não estava com medo, ou receosa, nem ao menos querendo fugir, muito pelo contrário; quanto mais perto eu chegava dela, mais confortável e segura eu me sentia, o que era uma sensação completamente contraditória, afinal, havia uma tigresa enorme em minha frente, e ela poderia me matar em um piscar de olhos se quisesse.

   Ao me aproximar o suficiente dela, percebi que usava um adereço em torno do pescoço. Parecia um colar, inteiro dourado, e entornava seu pescoço como galhos de árvores, com algumas pequenas flores em alguns pontos, também douradas. — Desconfiei ser de ouro puro. — Além da corrente, também carregava um pingente pequeno e simples ao centro. Este possuía a cor verde e algumas letras grafadas formando um nome.

   — Sari. É seu nome? — perguntei, encarando o pingente. Meus músculos já não estavam mais tensos e por incrível que pudesse parecer, eu estava completamente relaxada.

   O animal grunhiu como resposta, o que me fez considerar novamente como uma resposta positiva. Ergui uma das mãos para alcançar Sari, e acariciei seu rosto suavemente, observando enquanto ela fechava os olhos e mostrava-se aberta a qualquer toque ou gesto de carinho vindo de mim. Naquele momento já havia desistido de entender o motivo de não sentir medo ou receio algum, apenas sorri mais uma vez, enquanto Sari deitava-se e apreciava as carícias que eu fazia em seu pelo.

   — Meu nome é Kira... caso entenda algo que eu digo.

   Sari levantou-se após alguns segundos, e começou a caminhar até a um ponto da mata. Permaneci onde estava, em dúvida se eu deveria segui-la ou se aquele era um sinal de "adeus" do animal. Porém, quando estava quase me virando para voltar pelo caminho que vim, vi a tigresa parar a caminhada e olhar para mim novamente, me esperando, como se pedisse para que eu seguisse seus passos.

   Adentramos um pouco mais a mata até chegarmos em uma parte um pouco mais aberta, como uma pequena clareira. Havia um riacho estreito ali, com pouca água corrente, acima dele em algum ponto existia um tronco largo, como se a própria natureza criasse uma ponte para atravessar o riacho, mesmo que este fosse de largura insignificante. Sari subiu exatamente nesse tronco, e parou, de frente para mim mais uma vez.

   Foi então que uma imagem surgiu em minha mente. Ao olhar fixamente nos olhos de esmeralda de Sari novamente, a energia familiar e confortável que sentia ao lado dela apenas se intensificou, ao mesmo tempo que o restante da mata sumia gradativamente e eu via a figura de Bryndís de forma nítida. Era como se eu houvesse voltado ao meu sonho, com a mulher encarando meus olhos, com uma expressão suave e uma energia inexplicável.

   — Venha, querida Sari. — Ela dizia.

   Bryndís afastou-se lentamente, e ao mesmo tempo que sua imagem começava a se esvair, era possível enxergar cada vez mais as silhuetas das árvores e das plantas da mata em Asgard. Pisquei algumas vezes atordoada, como se alguém apertasse um botão e toda ou então grande parte da energia fosse cessada. Encarei os arredores antes de voltar meu olhar a tigresa em minha frente. De alguma forma, eu sabia o que eu havia acabado de ver, mas como?

   — Isso foi uma lembrança? — perguntei a ela. — Conhece Bryndís?

   Sari desceu do tronco e caminhou, com os mesmos movimentos graciosos, até parar ao meu lado, bastante próxima. Ela sentou-se de novo, e grunhiu, sempre com os olhos fixos em mim. Sorri, considerando mais uma resposta afirmativa, em seguida franzi o cenho ainda confusa por estar conversando com uma tigresa.

   — Venha, Sari, pode me ajudar?

   (...)

   De volta ao palácio, eu caminhava pelos corredores de maneira frenética, procurando por um certo alguém. Minha consciência protestava, dizendo que Loki não queria me ver e que não me queria por perto, mas eu precisava de sua ajuda, afinal ele era o único que sabia os detalhes sobre Bryndís.

   Havia deixado Sari em meu quarto, ou pelo menos torcia para que ela ficasse no cômodo até eu voltar, e por conta dessa preocupação que meus passos eram tão velozes e aflitos.

   Durante a busca, virei um dos corredores e encarei Lady Sif um pouco mais afastada. Ela ainda não havia me visto, e carregava uma feição um tanto raivosa no rosto. Merda, esqueci que tínhamos treino hoje, pensei enquanto voltava rapidamente meus passos, tentando não fazer nenhum barulho e não deixar indícios de que eu estava ali. Aparentemente obtive sucesso, já que observei enquanto Sif atravessava o corredor sem nem ao menos olhar para os lados. Suspirei aliviada, enquanto encostava as costas em uma das paredes.

   Fiquei parada por alguns segundos, em seguida bufei e revirei os olhos irritada, um tanto cansada de procurar por Loki. Mais uma vez, algo relacionado ao Deus me afetava de forma significativa, deixando-me ainda mais frustrada, porém ao mesmo tempo intrigada.

   — Preciso ver como Sari está. — disse em um sussurro para mim mesma.

   Após a fala, fiz todo o caminho de volta até meu quarto, com os passos um pouco menos frenéticos que antes. Eu poderia estar no meu quarto em segundos, obviamente, mas quis caminhar, tanto para espairecer a mente quanto para pensar no que havia acontecido minutos antes.

   Uma tigresa, de verdade, em carne e osso, estava em meu quarto, e ela havia me mostrado uma memória com a mulher misteriosa que roubara meu sonho noites antes. Wanda não vai acreditar, pensei enquanto sorria suavemente, mas logo em seguida, com o pensamento de minha irmã, a preocupação que sentia horas antes voltara como um tornado. Meu coração apertou-se drasticamente, e pude sentir a falta de ar começando a me alcançar sem piedade.

   Algumas lágrimas ardiam em meus olhos enquanto eu abraçava meu próprio corpo e apertava meus braços com as mãos, numa tentativa inútil de acalmar minhas ansiedades e angústias. Apenas consegui desviar minha atenção de tudo ao ver uma pessoa parada em frente à porta fechada do meu quarto.

   Era Loki, e não precisei sentir sua energia para saber, já que ele estava em sua forma original, logo deduzi que não havia ninguém ali ou sequer por perto. Parei meus movimentos, apenas observando os próximos passos do Deus, torcendo internamente para que ele batesse na porta, mesmo que eu não estivesse do lado de dentro.

   Soltei uma risada desanimada ao ver que ele apenas se afastava, sem fazer nada e sem ao menos notar a minha presença ali. Caminhei novamente em passos largos até chegar mais perto.

   — Sinto que quer me ver, Branca de Neve. — provoquei, com um sorriso de canto enquanto observava ele virando-se em minha direção lentamente.

   — Está enganada, midgardiana, apenas passei por sua porta. — Ele respondeu, com as mãos atrás de seu corpo. — Você não é o centro do universo, sabe disso, não é?

   — Mentindo de novo. — Semicerrei os olhos em sua direção ao dizer, com o sorriso em meus lábios aumentando.

   Loki apenas revirou os olhos como resposta, pronto para sair dali de vez. Meus instintos e meu coração foram mais rápidos ao pará-lo novamente.

   — Espere, preciso de ajuda. — Ele virou o rosto de novo, com uma das sobrancelhas erguidas. — Quero te mostrar uma coisa.

   Lancei um último sorriso a ele antes de abrir a porta do meu quarto e adentrar o cômodo, sem esperar para ver se ele me seguiria. Encontrei Sari deitada tranquilamente na enorme cama de casal que existia ali, como se nada pudesse perturba-la. Ela grunhiu em minha direção enquanto balançava algumas vezes a cauda. Sua energia era animada ao me ver.

   Senti Loki se aproximar e fechei a porta ao ver que ele entrou no cômodo por completo. Sua expressão do rosto era particularmente hilária: Os olhos de oceano estavam arregalados e os lábios entreabertos enquanto encarava Sari, e a postura completamente rígida. A tigresa, por sua vez, continuava tranquila e pacífica, desviando a cabeça para o lado, como se não ligasse para o fato de estar sendo descaradamente observada.

   — Essa é Sari. — disse finalmente, não conseguindo controlar uma leve risada por conta da feição de Loki.

   — Não acredito que achou uma Sari. — Ele respondeu, com o tom de voz surpreso e ao mesmo tempo animado.

   — Ela me achou, na verdade. — Aproximei-me alguns passos do homem, enquanto encarava a tigresa. — Como sabe sobre ela?

   — Como sei sobre ela? Kira, as Saris fazem parte de nossa história, das lendas asgardianas. — Ele dizia, dessa vez encarando os meus olhos. — São tigresas nobres, poderosas. Elas conseguem se conectar com pessoas a ponto de se comunicarem com elas. — Ele segurou em meu braço em um movimento involuntário, mas logo afastou o toque, voltando a falar. — Cada uma se conecta a apenas uma única alma durante toda a sua existência, por isso são extremamente raras. A última Sari conhecida viveu na época de meu bisavô, Buri...

   Após o nome, a fala de Loki foi cortada por um rugido estrondoso e descontente de Sari. Ambos desviamos nossos olhares a ela, que havia saído da cama e andava de um lado para o outro. Ela estava frustrada, um tanto enraivecida, e pude sentir seus energia com precisão.

   — Acho que ela não gosta do seu bisavô. — disse a Loki, que havia assumido uma postura rígida mais uma vez.

   — Como ela sequer conhece meu bisavô? — Ele perguntou, sem desviar o olhar da tigresa dessa vez, que já havia parado de andar de um lado a outro, e aproximava-se de mim suavemente.

   — Ela conhece Bryndís. — respondi apenas. Loki voltou a encarar meus olhos, com a expressão confusa. — Ela me mostrou uma memória.

   — Kira, não percebe o que aconteceu? — Ele perguntou, com o mesmo tom animado de antes. Ele voltou a tocar em meu braço, mas dessa vez deixou a mão ali. — Ela se conectou com você. A partir de hoje você tem um laço inquebrável com ela, mesmo após a morte. — Percebi um sorriso leve surgir nos lábios de Loki.

   — Mas como? E por quê? — perguntei, buscando alguma resposta no fundo dos olhos do Deus.

   Ele sustentou meu olhar antes de responder, como sempre fazia desde a primeira vez que nos vimos. Sua mão ainda apertava levemente meu braço, sua palma era um tanto fria contra minha pele, o que me proporcionou sensações ainda mais entorpecentes. Senti-me confortável com o toque, e percebi que ele sentia o mesmo. Senti falta de seus olhos de oceano, pensei enquanto dava um singelo passo em sua direção.

   — Sari é a única que poderá lhe responder.

   Desviei meu olhar à tigresa após a fala de Loki. Ela estava bastante próxima, encarando-me fixamente. Levei uma das mãos até seu rosto, e sorri abertamente observando-a inclinar a cabeça na mesma direção do meu toque, recebendo novamente de forma aberta o carinho. Temos alguns assuntos a resolver, pensei, de alguma forma tendo a certeza de que ela ouvira meu pensamento.






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⚠️AVISO⚠️
algumas informações, personagens e histórias serão um pouco diferentes da mitologia nórdica original, então aos que conhecem e pesquisam sobre, vão haver mudanças para que eu pudesse encaixar a história e o plot dela (pesquisei sobre cada momento da mitologia que irei mudar, para ter uma noção igualmente)

Autora: oooii, marvetes, tudo bem??
Bom gente, como vimos teremos uma personagem nova em folha aqui. Sari será EXTREMAMENTE importante para a história e para o desenvolvimento da Kira, só digo isso!! Espero que gostem tanto dela quanto eu já amo kkkkkk
Espero que tenham gostado do capítulo, e que estejam gostando da história.
Não esqueçam da estrelinha e comentem muuuuito pra eu saber se estão gostando (leitores fantasmas, eu vejo vocesssss, não sejam tímidos, eu não mordo hihi)
Bjin procêis💚

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