19.Sobrecarregados

Eu não imaginei que Hades tivesse tanto trabalho. O Imperador do Inferno, quando não está envolto em uma enorme papelada, está ocupado em reuniões de última instância, uma vez que ninguém ousa chamá-lo à toa.

E agora estou aqui escutando os ideais de Apolo, que são fundamentados por Aurora, como se essa deusa simplesmente apoiasse cada palavra dele. Ainda recordo do que ouvi no corredor antes de Beel se ausentar e passar esse castigo para mim:

— Vou acabar perdendo a minha paciência com você, Apolo. Fale de uma vez! — Beelzebub exigiu, enquanto o loiro o encarava de forma cínica.

— Cruzcredo-kun, deixa de ser chato. Só estou sendo sincero. Dália é uma deusa e tanto apenas para você, creio que deva se esforçar muito com ela.

E foi nessa hora que adentrei a sala, e eu mesma vou matar esse deus se ele não calar a boca. Agora estou aqui lidando com o pedido de revisão das ninfas que foram enviadas ao inferno, enquanto Aurora me encara com vontade.

— Algum problema?

Ela piscou diversas vezes. Acham que esqueci a cena de mais cedo, e estão muito enganados. O inferno é trabalhoso por si só, e receber a visita de Apolo junto a essa aficionada só tornou meu trabalho mais árduo, uma vez que eu ainda quero saber quem é aquela infernal que estava no colo do príncipe.

— Querida, se flexionar as sobrancelhas desse jeito, terá rugas. E essa pele é linda demais para portar qualquer outra marca que não seja a pureza do universo. — A voz de Apolo me despertou, e apenas revirei os olhos.

— Ainda não me respondeu, Aurora. Quer alguma coisa?

— Não, imperatriz.

— Então o que está fazendo aqui? — Nunca imaginei que uma deusa fosse capaz de ficar tão envergonhada.

— Apenas vim trazer Delphine para que desse um recado. Não sou traidora, apenas uma mensageira.

Cruzei meus braços antes de pegar a taça sobre a mesa:

— Não sei por que se colocou na defensiva. Por acaso está escondendo algo, Aurora? Será que terei que mostrar do que sou capaz para que entenda que não há como guardar segredos do Destino? — Coloquei a taça sobre a mesa enquanto a encarava e, com um movimento preciso das minhas mãos em posição anti-horária, deixei tudo mais lento. Encostei no braço da semi-titã/deusa que agora não compreendia nada. Meus olhos se acenderam enquanto fui capaz de assistir seu presente e futuro. Ao me sentar na cadeira, respirei pesado antes de voltar ao normal, enquanto Apolo sorria de leve.

— Não se preocupe em parecer uma traidora e sim em me ver com tanta ingenuidade. Não sou tão fraca quanto pensa, e se eu sonhar que aquela infernal está aprontando enquanto eu estou na qualidade de rainha, pouco importa que tenha seu sangue. A sentenciarei à prisão, isso se não morrer em minhas mãos. Entendeu?

A loira me encarou com um pouco de desconforto, enquanto o deus do sol segurava uma leve risada. Eu o olhei de maneira tediosa antes de voltar a mim. Parece que estou sendo consumida por uma súbita raiva.

— Quanto a você, Apolo, não vejo motivos para continuar aqui impedindo o meu trabalho. Esse lugar não é para você, e sabe muito bem que seres "puros" não deveriam sequer pisar no inferno. A contaminação não chegou ao seu reino, e até onde me informaram, as gárgulas estão cuidando do pequeno córrego de veneno que passou por perto. Então, vou perguntar pela última vez: o que você veio fazer aqui?

Ele me olhou de maneira arrogante antes de ajeitar na cadeira e sorrir levemente:

— Uma delas acabou caindo nesse 'rio'. — Fez um barulho qualquer com a boca antes de apoiar os braços atrás da cabeça. Esse deus é altamente estressante quando quer! E eu massageei minhas têmporas.

— E só me avisa agora?! Precisarei chamar outra gárgula...

— Mandou me chamar, senhora? — Quase levei um susto ao observar o ser materializado ao meu lado. — Sou Demona, muito prazer, minha senhora. — Ela se curvou, e tenho absoluta certeza de que devia estar me espionando. Preciso ter uma conversa com Beel a respeito dessas atitudes. Respirei pesado mais uma vez, olhando para o loiro:

— Demona, por favor, vá com o deus do sol resolver essa pendência. E Apolo, pare de empurrar as gárgulas no rio! Não é divertido e dá muito trabalho descontaminar. Se continuar com isso, vou reportar à Trindade, e terá que lidar com a fúria da Soberana do inferno por interromper as férias dela.

Ele sorriu cinicamente.

— Hoje você está muito estressada, bela Dália. E só para que saiba, eu não as empurrei. Enfim, só peço que resolva o mais rápido possível, pois minhas ninfas são curiosas e não tenho como manter todas afastadas desse pequeno problema.

Apenas meneei com as mãos enquanto Demona os guiava até a saída. Parece que essas curtas confusões não terão fim.


Por Beelzebub,

Delphina havia desaparecido. Essa infernal me causou problemas desnecessários quando só deveria ter me dado uma informação. E tudo para quê? Testar a paciência de Dália e praticamente ser morta. Agora estou aqui encarando os portões do submundo, onde Acadmus e Fgirpah fazem guarda em frente aos portões da pior prisão já construída em Helhein.

— ABRAM! — Ordenei. Desde o fim do torneio, pude notar a hostilidade — para não dizer medo — deles ao meu respeito diminuir. Entretanto, deveriam saber que não é porque Satã finalmente foi exterminado que meus poderes não servem mais. Pelo contrário. E darei a prova disso agora.

Como deus recluso que sempre fui, nunca estive em contato com outras criaturas sem que fosse necessário, assim como nunca senti nada a respeito dos demais, exceto pelo imperador, ao qual respeito profundamente. E agora, sem medo algum, posso até mesmo dizer que nutrimos uma espécie de amizade. Em relação aos outros, em específico aos titãs, meus experimentos seguem controladamente, e eu não sinto um pingo sequer de remorso pelo que farei.

— ABRAM! — Determinei mais uma vez, enquanto seguia pela prisão com ambos os guardas ao meu redor. Esse já é o segundo portão de acesso, seguindo assim por entre a prisão, ouvindo as vozes daqueles que pediam por clemência.

Desci as escadas até o último pavilhão e encarei as grades do último corredor, fortificadas com magia. Se Tesla estivesse aqui, diria que é ciência.

— ABRAM! — Primeiro, o som das grades rangendo sendo abertas soou. Depois, os portões foram destrancados, e a partir daqui segui sozinho com uma tocha em mãos por esse corredor imensamente largo e escuro.

Apoiei a tocha no suporte de parede ao lado esquerdo e acendi o outro, capturando a chama de um lado para o outro. Agora, em um ambiente oscilando em vermelho, sou capaz de ver as barras de ferro extremamente grossas por onde ninguém passaria, exceto um pequeno parasita. Mas o urro que veio de dentro desse local, conforme me aproximei, provavelmente ecoou por todo o corredor.

Bradaram algo como "reles inferior não poderá nos conter." Apenas respirei fundo, parece até que estou 'brincando' de coletar partes de Hajun de novo. Mexi em minhas vestes, tirando de lá um frasco, e ao abrir, deixei que fosse em minhas mãos um pequeno parasita. O coloquei no chão, e o mesmo se arrastou por entre as barras de ferro até chegar aos limites e cair em direção ao Tártaro.

Retornei ao segundo nível da prisão para verificar pessoalmente os reforços, e quando estava no primeiro, foi que ouvi o belo e agonizante som.

— Deus, o que foi isso? — Um dos guardas comentou, ouvindo o som avassalador. Até mesmo os prisioneiros pareciam ainda mais perturbados, e com isso, apenas sorri minimamente.

— Sinfonia do inferno — sussurrei, notando o efeito do meu experimento que talvez se tornasse permanente. Não cheguei a testar com afinco. A mais profunda forma de agonia e desespero, nos mais puros sons que fazem qualquer ser vivo pedir por clemência. E os guardas, desesperados, largando suas lanças e tapando seus ouvidos, assim como muitos dos prisioneiros, me fizeram apenas respirar fundo e seguir por meu caminho.


...


O castelo estava silencioso, e agora Dália encarava os arquivos. Vi que uma das minhas gárgulas a ajudava com os documentos, os empilhando diretamente.

— Não parou para comer? — Ela me encarou séria. Desconfio que ainda esteja com raiva.

— Não tive tempo, Apolo é muito irritante! — Acabei de notar que a deusa do destino, com raiva, fica ainda mais tentadora.

— Então vamos agora. Depois, eu mesmo assumo seu lugar. — Afirmei, e, apesar de parecer contrariada, ela cedeu, se aproximando e passando por mim sem dizer nada, o que fez com que eu segurasse seu braço esquerdo:

— Pelo visto, ainda teremos que resolver uma certa pendência. — Ela apenas riu e puxou o colarinho da minha camisa, ficando próxima aos meus lábios.

— Não seja tão tentador, príncipe, ou posso levar essa birra a sério. — Dália mordeu o lábio inferior, e eu apertei sua cintura lentamente. — Vamos comer antes que esfrie.

E assim como veio, se afastou. Infelizmente, conforme seguimos pelos corredores e meu olhar recaiu sobre seu quadril, uma de minhas gárgulas avisou que, dentre algumas horas, o próprio Zeus e Poseidon estavam à minha espera no Olimpo.

Talvez, pelos próximos dias, sejamos sobrecarregados de trabalho.


Por Dália,

Mais um mês se passou, e realmente tem sido cansativo com todas as pendências que carregamos devido aos problemas ocasionados por Odin e o sangue de minha irmã. São tantas coisas para serem feitas que mal tive tempo de raciocinar a respeito do que virá em breve.

— Dália? — O príncipe me chamou, e eu balancei minha cabeça, um pouco confusa em meus pensamentos destoantes.

— Diga.

— Não vai almoçar? — Terminei de guardar os contratos e fui até ele, que estava parado um pouco distante com um tubo de ensaio nas mãos.

— Na verdade, não, querido. Despina vem me visitar, e Acácia regressará hoje, então vou aproveitar para relaxar um pouco. — Ele deixou os experimentos sobre a mesa, e me aproximei. Esperei que ele tirasse a máscara e as luvas para alisar seu belo rosto antes de tocar em sua boca, sentindo suas mãos em minha cintura. Após esse curto momento, voltamos à nossa rotina, onde ele retém toda a atenção nos papéis à frente, e eu, pela primeira vez em semanas, conseguirei descansar um pouco, mesmo que, em meu íntimo, sinta que Sn está prestes a regressar para o seu parto.

Pré-revisado, até a próxima

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