Capítulo 9 - Parte I
Sob a luz tremeluzente do candeeiro que descansava de modo solitário em cima da bancada, Delilah começou o projeto de sua vida. Decerto, o horário da madrugada era visto como o momento propício para boas donzelas descansarem, mais ainda aquelas que estavam em vésperas de apresentar-se em um evento importante. No entanto, a jovem que cuidadosamente realizava o processo de separar a flor de seu pedúnculo, repetindo o processo ao buquê de flores frescas, colhidas no horário matutino por Rosa, pouco caso fazia daquele preceito. Se não fosse rápida, seu futuro estaria estilhaçado; se fosse pega, não haveria futuro algum para ela.
O cheiro floral invadia as narinas da dama, ao passo que ela pensava como abordar o causador de tamanho empenho no dia seguinte. Tratando-se de homens como Lorde Ruffen, a qual se esperaria todo tipo de malícia típica dos comerciantes, não saberia dizer como uma donzela tida como a mais promissora das debutantes poderia chamar a sua atenção.
Delilah utilizou o pilão para esmagar as pétalas que em breve seriam destinadas à panela fervente. O processo de destilação da água era um dos processos o qual a dama nem poderia unir forças para descrever, tamanho trabalho árduo necessário para produzi-la. Com um sorriso esperançoso, Delilah sorria ao ver o andamento de sua criação.
— Se minha proposta for bem aceita por Lorde Ruffen, conseguirei dinheiro o bastante para decidir o meu destino. Mamãe discordará, sim. Mas será fácil persuadi-la caso o dinheiro seja destinado ao meu dote. — A jovem respirou fundo, sentindo o doce aroma das violetas. Gotas de óleo de jabuticaba foram adicionadas à mistura, deixando-a com um aroma esplêndido.
Deixando que a mistura descansasse, Delilah partiu para sua segunda investida. Com o restante das flores esmagadas, a dama juntou-as à gordura de carneiro e as misturou com sementes de linhaça fervida, dando ao melaço um aspecto gelatinoso. Quando ambas as misturas resfriaram-se, Delilah agrupou-as em potes tampados com retalhos e fitas vermelhas.
Assim que o dia raiou e Rosa apareceu em seu quarto religiosamente, Delilah sentiu os efeitos do sono reprimido em sua aparência pouco harmoniosa. Manchas escurecidas abaixo dos seus olhos foram acalmadas com água bem gelada, recomendação da dama, e rodelas de pepino fresco. Em seguida, lavou-se com seu sabonete de manga rosa, fabricado pela própria. Rosa não escondia o seu encantamento sempre que presenciava os conhecimentos naturais de sua lady.
— A senhorita é tão entendida... Aquele creme que me deu, gostei tanto que não quero mais parar de usar.
— É mesmo? — Delilah sorriu, apreciando a notícia. Em seguida ela se virou para a criada, revisitando tempos remotos. — Sempre preferi os produtos naturais aos vendidos como produtos milagrosos. São caros e altamente prejudiciais, e o jeito era se virar com o que a natureza tinha a oferecer.
— E daí a senhorita virou uma especialista.
— Nem tanto. — Delilah sorriu com franqueza. — Ainda tenho muito a percorrer. É por isso que o dia de hoje é tão importante.
— Falará com o tal nobre acerca do assunto arranjado com o seu pai?
— Sim. — Delilah sorriu, nutrindo esperança. — E se a Deusa estiver a me ouvir, sairei com a resposta que espero.
— Presumo que a senhorita queira ir bem vistosa para o Festival, então. Como devo arrumá-la?
— Sim e não. Não nego que desejo me sentir bem com minhas vestes, mas desejo ser admirada por minha astúcia. E quanto ao preparo, decidi me aprontar sozinha hoje. Para ti, tenho outros planos.
— Milady dispensará a minha presença, então?
Delilah não respondeu, abrindo um sorriso travesso. Rosa não podia antecipar nada que pudesse vir daquela dama astuciosa, e como sempre, a ansiedade lhe tomava em todas as vezes que não podia supor o que estava por vir.
— E... Tcharã! — A dama revelou sua surpresa com um gritinho. — Espero que tenha ficado do seu gosto. Posso dizer apenas pelo olhar qual cor ficaria melhor em ti, mas como não sabia suas preferências...
— Lady Delilah, o que é isso?
— Não vê? É um vestido. O tamanho está errado? A cor não lhe agradou?
— Não é isso, é que... — Rosa encolheu-se, pondo as mãos em frente ao peito. — Não sei o que uma mulher como eu fará com um vestido desses.
— E o que mais poderia ser!? — Rebateu Delilah, pondo ambas as mãos na cintura. — Vesti-lo, oras. Vesti-lo e se preparar para o lindo penteado que farei.
Nesse momento, Rosa arriscou um passo para trás, levando instintivamente as mãos à touca que usava religiosamente. Seu semblante surpreso denunciava o choque ao ouvir as intenções da dama.
— O que deseja com tudo isso, Lady Delilah? Lady Lefrance não gostará de me ver bulindo com os pertences da senhorita...
— Não estará bulindo em nada que seja meu, porque o vestido é seu, Rosa. Usará esse vestido, deixará que eu te penteie e lhe encha de jóias. E juntas, vamos àquele Festival.
Rosa não podia estar mais incrédula com tudo o que ouvia. Ela, uma criada, no meio de um evento de nobres? Aquela dama não devia estar batendo bem das ideias.
— E não aceito não como resposta. — Delilah insistiu, sorrindo.
— Mas eu não posso... Não seria bom uma criada acompanhar a sua senhora em um evento como esse... E afinal, que utilidade terei eu nesse lugar?
— Hmmmmm... Não estou vendo uma criada e uma senhora aqui. Mas sim, duas amigas que irão se divertir e comer docinhos. Ouvi dizer que os preparados especialmente para o Festival são os melhores.
— Ainda assim, Lady Delilah...
— Rosa. — Delilah a chamou. Pegando-a pelas mãos, que estavam geladas, a dama Westville buscou-a tranquilizar. — Se não quiser ir por se sentir mal, se esse lugar trouxer lembranças ruins, irei entender. Não quero te forçar a nada. Mas... Não quero que se esconda por vergonha de quem é ou por temer a reação de outras pessoas. É tão digna de estar lá como eles.
— Mesmo sendo desse jeito? — Rosa murmurou, retirando aos poucos a touca que cobria a sua cabeça, revelando-se. Olhando para baixo, ela não queria ver a reação de Delilah, quando a visse como é. O olhar de pena, como todos os outros. — Tenho esse problema desde a minha infância. E não há nada que os médicos do vilarejo, nem os daqui, possam fazer.
Esperou que Delilah se afastasse, como todos faziam, mas a dama permaneceu no mesmo lugar, observando-a. Rosa possuía falhas capilares visíveis, que a deixavam envergonhada e desesperançosa consigo mesma. Mas aquilo nem de longe era, e nem deveria ser, motivo para que ela se colocasse tão para baixo.
— Confia em mim, Rosa? — Vendo-a balançar a cabeça timidamente, Delilah guiou-a pela mão. A sentou no lavatório, e se muniu de bacia, água e misturas para cabelo. Claro que, apesar de algumas resistências da criada, que insistia em fazer o papel de cuidadora, Delilah a fez se sentir cuidada. — Vou deixá-la linda. Mais do que já é.
A jovem entoou cantigas que vieram em sua memória, quando despejou a água sobre o cabelo de Rosa. Memórias com o seu pai, que exaltava o seu cabelo cacheado sempre que a falta de diversidade dos produtos para cabelo a faziam odiar o seu. A água que corria sobre a extensão volumosa, e os cantos da voz masculina, eram guardados em um espaço saudoso do seu coração.
Rosa sentia as lágrimas se misturarem ao líquido que lavava não só o seu cabelo, mas a sua alma. Durante muito tempo, passou a acreditar que mulheres como ela, vindas de onde ela veio, nunca seriam cuidadas como aquelas que estavam do lado certo da lei. Mas ao sentir os dedos carinhosos de Delilah, sua igual, que compreendia suas dores, seus anseios, medos e desejos. Delilah esfregava, dividia e mergulhava os dedos onde outros tratavam como nada. E Rosa não sabia se era digna de tudo aquilo.
— Sabe, quando eu era pequena, pentear o cabelo era uma tortura. — Delilah riu, secando os cachos de Rosa com cuidado. — Não haviam aliados para nós. As escovas ardiam e machucavam, os enfeites se adaptavam em outros cabelos... O mais indicado era que cortassem os nossos cabelos. — Com o auxílio do pente de madeira, cujos "dentes" eram inclinados para cima, Delilah desatou os nós do cabelo de Rosa. — Faziam-nos acreditar que não tínhamos direito de cuidarmos dos nossos cabelos pois acreditavam que não existiam cuidados para ele. Quando eu vi a tesoura, corri dela. Odiava que mexessem em meu cabelo, mas tão cheio de nós, não havia outro jeito. E foi aí que papai fez esse pente pra mim.
Rosa olhava-se no espelho, admirada com o talento de Delilah para arrumar o seu cabelo. Realmente, antes da doença acometer a sua saúde capilar, não conseguia cuidar de seus fios volumosos. E quando passou a conviver com as quedas de cabelo frequentes, a touca se tornou sua aliada e sua máscara contra as risadas frequentes. Se acreditasse não ter mais um cabelo, então não precisaria se preocupar com ele.
Fio por fio, delicadamente, Delilah trançava o cabelo de Rosa, juntando as partes falhadas em uma destreza impressionante. Parte do cabelo não trançado despontava em cachos crespos no alto de sua cabeça, formando uma coroa majestosa. Rosa estava linda.
— O meu cabelo, ele... É ele mesmo?
— Olha, eu ainda não aprendi a criar cabelo do nada. — Delilah riu, enxugando as lágrimas que se acumulavam nos cantos dos olhos. Quando a viu tão recuada, a dama se viu nos gestos e na descrença. Mas se hoje estava no auge de sua autoaceitação, era hora de passar tal sentimento para frente. — Não fiz nada que já não estivesse aí.
🜲🜲🜲
Antes que os pássaros começassem a cantar, anunciando os Festejos que se seguiriam até o anoitecer, toda a Corte estava reunida nos arredores do Parque das Três Rosas, que estava divinamente arrumado para a ocasião. Balões coloridos eram alçados entre os troncos das árvores ao lado de fitas vermelhas e azuis. Mesas cobertas com tecidos nobres abrigavam os mais diferentes tipos de doces, e no centro, uma cascata infinita chamava a atenção de crianças ansiosas. Lordes e ladys socializavam, como a ocasião pedia. Entre eles, a família Westville, que observava a produção com olhos vivazes.
— Pela Deusa, mal posso acreditar que estamos aqui... Lidia, Rique, não vão muito longe! Ah, céus, Lord Westville, já encontrou Delilah?
— Ainda não a vi, Austina.
— Ora céus, homem! Aqui somos Lord e Lady Westville. Não nós chamemos por modo tão íntimo entre os homens e mulheres de bem!
Garon apenas suspirou, avistando a filha. Perto dos patos, Delilah conversava com Rosa quando avistou o seu pai e sem demora, puxou a criada para junto de sua família. Austina sorria para os presentes, até o momento em que a viu acompanhada.
— Minha filha, Rosa veio para auxiliar-te em algo?
— E por quê deveria? — Delilah olhou para o pai, que em dizeres mudos, instruía-a a ter paciência com a mãe. Seria difícil, pensou ela.
— Digo, adoraria que sua criada auxiliasse com as crianças, ainda assim trazê-la...
— Pareceu que trouxe Rosa para esse fim? — Delilah bufou, prestes a ignorar as recomendações do pai. — Rosa está aqui como minha convidada. Não cuidará de ninguém além de si mesma.
Mãe e filha ainda continuariam a discutir, se a presença repentina do príncipe não as obrigasse a rapidamente encerrar o assunto e curva-se em respeito. Dispensando as reverências, Killian observou Delilah, que parecia enviada dos céus naquele dia. A dama usava um vestido cor de lavanda, lembrando as pétalas frescas em encontro com a aurora cristalina. A barra lhe caía pelos pés, mas sem arrastar no chão e correr o risco de sujar aquela produção. Só aquilo já lhe seria suficiente para fazer justiça, mas a seda ainda contava com uma camada extra, adornada com símbolos florais. O busto bem acentuado ganhava mais destaque com o colar perolado que envolvia o seu pescoço, e por falar nele, abrigava os cachos do cabelo adornado por duas tranças laterais. Fios de prata cobriam as junções, deixando-a perfeitamente bela.
Já no outro lado das comemorações, Amelie abria um sorriso forçado para cada bom amigo de seu pai que a cumprimentava. Mas aquilo não era suficiente. Sua produção não merecia apenas ser elogiada por velhos caducos, esperançosos por fazê-la sua senhorita. Gastou dias experimentando vestidos, obrigando-se a não comer para caber naquele que mais queria. O vestido rosé floral, que apertava suas belas curvas e a deixava idêntica à uma princesa, palavras de sua mãe. A seda de primeira qualidade, importada apenas para ela, rodeava suas pernas como aquela cascata que tanto chamava as atenções infantis. Então, por quê não era olhada por ele? Seu colar de safiras, que havia escolhido minuciosamente para aquela ocasião, os brincos delicados e a maquiagem angelical não eram suficientes? Haviam sido os cachos ruivos ao redor do seu rosto? Millone não os havia feito direito?
— Não posso acreditar que uma desqualificada, a trazer uma criada suja consigo, esteja roubando as atenções que deveriam ser suas, Amelie.
Aquilo não era uma simples constatação, Amelie sabia dizer pelo tom de voz passivo-agressivo de sua mãe. Aida era uma mulher muito polida, ignorante a escândalos. No entanto, suas palavras feriam como facas recém afiadas. Ela sabia que estava em desaprovação.
— Mamãe, eu...
— Sorria, querida. — Repreendeu Aida assim que um homem de barba rala as veio cumprimentar. Amelie sorriu e fez a mesura, ganhando um olhar cortante de sua mãe, evidenciado apenas para ela. Para o homem, Aida era uma mulher extraordinária. — Que lamentável. Tem sorte de seu pai não estar aqui. Assim só eu posso ver a sua decadência.
— Perdão, mamãe. Vou ser melhor na próxima.
E afastando-se do olhar de águia de Aida, Amelie decidiu fazer de suas palavras realidade. Sua mãe engoliria as palavras no dia em que ela, dentre todas as damas de Terithia, erguesse a coroa acima da sua cabeça.
Austina ria completamente envolvida pelo falatório do príncipe. Cotidianamente, seus braços alegres colocavam sua filha ao lado dele, e Delilah, que não o sentia nem um pouco disposto a cortar o contato, sorriu amarelo para a situação.
— Devo dizer que a senhorita está deveras elegante hoje, Rosa. — Killian sorriu educadamente para a criada, que aceitava o elogio com um sorriso acanhado no rosto. Relutou para sair até o último segundo, sentindo-se a mais estranha das mulheres. Combinava com os aventais, não com os vestidos galantes. Aquele escolhido pela Dama Delilah, um vestido de cor dourada, assemelhando-se ao sol das 10h da manhã, a deixava estranha, em evidência demais. O vestido era lindo, é claro. Adornado com fios de ouro por toda a barra, era leve, confortável, apesar que o nervosismo a fazia pinicar dentro dele. Delilah a havia coberto de joias como prometeu, um colar delicado de brilhantes, além de enfeites dourados em seu penteado majestoso. Sentia-se em um reconto de Cinderela. — E é claro, a senhora também, Lady Westville.
— Oh, meu querido, chame-me de Austina! Assim ficará mais fácil quando formos família!
— A sua filha...
— Mãe, acredita que Alteza estava me contando que os muffins estão deliciosos?
— Oh, decerto Rosa buscará alguns para nós mais tarde. — Austina continuou sorrindo para o príncipe, alheia ao olhar enfurecido de Delilah. — Continue falando, meu querido.
— Se a senhora desejar, posso buscar os muffins. — Killian ofereceu-se, educado.
— Oh não, não é preciso... — Austina ainda tentaria persuadi-lo, mas o príncipe estava decidido. Quando se afastou, Austina beliscou a filha, furiosa. — Muffins? Delilah, sabe quanto custa a atenção de um príncipe? Ele estava a dar-nos atenção, minha filha!
— Alteza não disse que volta? — Delilah suspirou, fazendo pouco caso.
— Achas que volta? — Austina ralhou, apontando para um ponto a frente. — Aquelazinha...
Amelie sorria e acenava educadamente, próxima a mesa das limonadas. Observava discretamente a interação entre Killian e a família Westville, suspirando. Quando chegasse o momento, agiria.
— Perdão, Alteza! — Pondo a mão nos lábios, Amelie fingiu preocupação, assumindo uma face culpada. Havia calculado o momento exato para o esbarrão parecer acidental, e julgando a aparência aturdida do príncipe, seu plano funcionou. — Posso ajudar em alguma coisa? Oh, como sou desastrada...!
— Não há necessidade de se desculpar, Lady D'Montfort. — Killian sorriu, pedindo licença para pegar a taça da mão de Amelie. — Nem príncipes estão a salvo de contratempos.
— Alteza está certo. Mas não posso me perdoar pelo o que fiz... — Amelie abaixou os olhos, apenas o levantando quando Killian secava as suas luvas delicadamente. Parou de respirar por instinto, sentindo os dedos dele a envolver-lhe. — E ainda estou lhe dando trabalho... Oh! Espero não ser um inconveniente. Alteza estava a conversar com a Dama Delilah, certo? Por favor, não se importe comigo.
Killian olhou para trás, onde havia deixado Delilah e sua família. Havia interesse de sua parte em continuar a conversa com as senhoras, mas não podia deixar uma dama para trás.
— Posso retomar a conversa outra hora. Primeiro, preciso saber se a senhorita está bem.
Amelie levantou os olhos, sorridente. Enfim, havia conseguido o que queria. Atrás do príncipe, a observá-la, estava Aida. Ao vê-la na companhia do futuro rei de Terithia, a mulher de expressão severa meneava a cabeça, sem qualquer afago visual.
Era claro. Dificilmente Amelie seria elogiada por qualquer coisa que fizesse, estando dentro do esperado ou não. Engolindo em seco e tentando impedir que tais sentimentos de abandono chegasse ao seu semblante empalidecido, a dama sorriu.
— Está tudo bem comigo. Mas Alteza... lamento profundamente ter estragado uma peça tão bonita. Decerto odeia-me agora. — Amelie finalizou com uma risada baixa, esperando que sua isca fosse mordida.
— Refere-se a essa mancha? — Killian apontou para o tecido prejudicado. — Isso não é nada.
Amelie engoliu em seco ao vê-lo lentamente desabotoar os botões de seu uniforme real, retirando a por completo ao revelar a camisa branca que usava por baixo. Killian sorriu e ajeitou as mangas da camisa abotoada, voltando a olhar para a dama que nem por um segundo tirou os olhos dele. — Melhor assim?
— Hm? Claro, claro. — Amelie sorriu, desconcertada. Não podia ser tão tola como aquelas damas que mal suspirava quando Killian passava por elas, mas o príncipe... Realmente arrancava suspiros. — Alteza deseja juntar-se a mim? Há tempos anseio provar os muffins de damasco.
— Será um prazer. — Oferecendo o braço, Killian a guiou para à mesa de doces. Passaram por damas curiosas, vendo-o ao lado de Lady Amelie, e por Delilah e Austina Westville, que viram a jovem abrir um sorriso triunfante ao passar por elas. Revirando os olhos, Delilah não ficou alheia aos puxões de orelha da mãe.
— Aquela ratinha D'Montfort! Se não tivesse o entregado de bandeja, era conosco que o príncipe estaria. Ah, como foi principiante. — Austina encarou com desgosto a cena atual, onde Amelie ria e ajudava o príncipe a limpar o canto dos lábios. Estavam próximos o bastante para que os cochichos acerca do matrimônio começassem a surgir. E se falassem que sua filha foi trocada por aquela sem sal?
— Eu não estou em uma disputa com Lady Amelie, mamãe. — Delilah suspirou, pondo os dedos na lateral da cabeça. Por que eventos como aquele serviam como centrais casamenteiras, ao invés do único propósito ser a diversão?
— Mas deveria. Se aquela jovenzinha o enlaçar, o que será de ti? Lord Westville, deve colocar juízo na cabeça dessa menina. Lord Westville? Lord Westville, está me ouvindo?
Garon, que a muito tempo já havia se desligado das reclamações da mulher, meneou a cabeça, causando mais ruídos da parte de Austina, que o acusava de ser mole demais. Delilah não queria estar por perto para escutar as reclamações de sua mãe sobre si, então, em um ímpeto, puxou Rosa consigo, tomando fôlego para fazer o que realmente a levou para aquele festival.
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Seus passos eram firmes quando se aproximou dos homens engomados. Rosa estava ao seu lado, de braços dados e apesar das reclamações desta, a presença da amiga a acalmou, anunciando sua presença quando a falta de espaço as colocaram entre eles.
— Milordes. — Delilah se abaixou lentamente, mantendo o olhar altivo. Os homens que conversavam se calaram, olhando em sua direção.
— Oh, se não é a filha do Barão Westville. Diga, menina, como está o seu pai?
— Em excelente saúde e disposição, pelas graças da Deusa. Receio abordá-los no meio de uma conversa importante, mas desculpo-me alegando a necessidade de ter uma conversa particular com Lorde Ruffen.
O anunciado trocou olhares com os outros, e concordando com a cabeça, os dispensou. Quando estavam longe o bastante para que seus cochichos já não fossem mais ouvidos, o homem de pele escura voltou-se à dama Westville.
— E o que uma Lady desejaria com um homem como eu? Decerto, a senhorita têm conhecimento o bastante para saber que já estou comprometido.
Delilah quis rir à menção de sua procura dar-se a motivos matrimoniais. Então, esse era o único papel de uma jovem em sociedade?
— Sei que o senhor foi abençoado com uma esposa e uma filha adoráveis. Não estou aqui pelos motivos que fazem de mim uma Lady. Estou aqui pelos motivos que fazem de mim uma comerciante.
Agora, foi a vez do homem tensionar a mandíbula, curioso.
— Acaso deseja transmitir-me um recado de seu pai?
— Não. — Delilah sorriu, impassível. Ela viu os olhos escuros do homem passarem de Rosa para ela, analisando-as.
— E que assunto referente a negócios terei eu a tratar com uma Lady?
— O senhor saberá se me der um minuto de sua atenção. Garanto que não se arrependerá.
— Terá toda a atenção que conseguir conquistar, Lady Westville. Mas, não deveríamos conversar melhor sem a presença de sua criada?
— Rosa é a minha amiga e o assunto que tenho a tratar também é do interesse dela. Agora, acompanha-nos?
Lorde Ruffen, desconfiado, aceitou o braço de Delilah, que já estava enlaçada com Rosa. O trio caminhou pelos arredores do parque enfeitado, ganhando cochichos por onde passava.
— A senhorita aprecia mesmo um bom falatório.
— Não costumo me importar com o que a sociedade pensa de mim. O senhor também não, certo?
— Bom, o falatório é certo quando somos parte dessa sociedade. Quem há de controlar a língua desse povo?
Delilah concordou, sorrindo. Quando o lorde as serviu com limonada, bebeu lentamente e apreciou o gole, voltando a falar.
— Sinto muito pelas perdas que teve no último ano. Com o comércio de armaduras.
— Então, realmente aprecia um bom falatório. — Lorde Ruffen sorriu, perspicaz, e brindou antes de prosseguir. — São os riscos que se correm quando o comércio nos chama.
— Há de concordar que um bom comerciante não se rende tão fácil. Estou errada?
— Vejo que seu pai a instruiu. Imagino que também tenha lhe dito que farejamos intenções antes que elas sejam proferidas. Sem rodeios, menina. O que deseja tratar comigo?
Delilah sorriu ao notar que Lorde Ruffen a havia encurralado como o bom comerciante que era. Theodore Ruffen, dono da Companhia Ruffen, e o seu alvo principal desde que as chamas de um novo empreendimento a acenderam. Aquele homem possuía o poder de decidir o seu destino.
— Achei que poderíamos trocar mais saberes. — A jovem respondeu, movimentando a taça. Rosa apertou o braço dela, sentindo no ar a aura tensa que os circundava. Mas Delilah apenas sorriu, tranquilizando-a como a loba esperta que era.
— E correr o risco de ser envolvido pela conversa melodiosa da senhorita? Conheço o truque das mulheres. Seu canto de sereia não irá me afetar.
— Oh, devo sentir-me lisonjeada se acha que uma simples milady como eu seria capaz de persuadir um homem que já foi conhecido como o maior comerciante desse Reino.
— Vejo que fez a lição de casa. Mas já lhe disse, milady, terá que se esforçar mais se quiser me convencer com bajulações baratas.
— Não tive a intenção de lhe bajular. Acredito que trabalhará ao meu lado sem que para isso eu tenha de ser um dos seus admiradores.
— E como a senhorita pode ter tanta certeza?
— Por quê eu tenho um diamante em minhas mãos e preciso de sua ajuda para lapidá-lo, Lorde Ruffen. Tenho a solução para o seu declínio.
Lorde Ruffen se empertigou diante da afirmação da donzela, que o olhava com uma determinação inabalável.
— Devo-lhe alertar que a senhorita não sabe o tanto que supõe saber.
— Não é importante apenas saber que guerras não movem a roda do comércio? Ao menos nesse Reino.
— E o que, na visão da milady, moveria essa roda?
— O setor de cuidados femininos. — Delilah respondeu, altiva.
Lorde Ruffen riu, meneando a cabeça. O que quer que a dama estivesse pensando, essa conversa deveria acabar por ali.
— Não acha que tenho razão?
— Seria mais plausível se a senhorita me mandasse contrabandear cavalos. Investir no mercado de bebidas ou administrar um clube ilegal.
— O senhor acaba de provar o meu ponto. O comércio é predominantemente masculino.
— E essa constatação deveria ser suficiente para que a senhorita deixe de lado essa ideia tola.
— Na verdade, esse seria o momento perfeito para a que a minha ideia triunfasse nesse cenário onde os prazeres das mulheres tem pouca importância mercantil.
— E os produtos voltados ao uso masculino, não contam?
— Produtos feitos por homens, com alto teor mortífero, que em nada são pensados para as necessidades reais das damas? O mercado precisa de alguém que olhe para as senhoras e supra as necessidades que possuem.
— A senhorita não deve ter ciência dos custos necessários para tal ideia sair do papel. Muito menos o público que utiliza tais produtos. O setor de cuidados não abrange toda a população, milady.
— Se estamos falando de uma produção artesanal, os custos serão reduzidos na metade. E se estivermos dispostos a oferecer treinamento para as senhoras de Terithia, que pouco conseguem oportunidades de serviços, sejam por doenças, exclusão, ou falta de experiência, e garantirmos que essas senhoras tenham direito à uma parte da produção, aumentamos a área de consumo e consequentemente, traremos para perto mais consumidoras. — Rosa arregalou os olhos ao lembrar da conversa que teve com a dama, referente as tentativas infrutíferas de sua mãe. Quando afirmou que a conversa também era de seu interesse, acaso Delilah estaria pensando em...
Lorde Ruffen batucou silenciosamente na mesa, tomando um grande gole de limonada. Delilah era uma verdadeira raposa quando se tratava de negócios, e ele deveria ter cuidado para não sair mordido.
— O senhor deve estar se perguntando qual seria o seu papel nessa empreitada. Preciso de uma Companhia que me garanta prioridade na entrega dos materiais que preciso para tal empreendimento. E é claro que o senhor também ganharia com os lucros do negócio. Podemos falar de sua porcentagem quando tiver a sua palavra final.
Fornecer produtos para um empreendimento que visa atingir as senhoras de Terithia...? Ruffen pigarreou, um tanto incerto.
— Se outra pessoa me abordasse com tal convicção, milady, poderia jurar que estava insana. Mas a senhorita é filha de Garon Westville. Vejo em seus olhos a perspicácia dele. — Ruffen se demorou antes de concluir. — Seu pai tem ciência de seus planos?
— Não só sabe, como deu-me liberdade para prosseguir. Se conhece o papai, sabe que ele nunca errou em um palpite que envolvesse lucros. Mas peço-te que não se deixe influenciar pela decisão dele. — Delilah ergueu a cabeça, decidida. — Não quero ser julgada como filha de Garon Westville. Quero ser julgada como uma comerciante.
Ruffen sorriu e balançou a cabeça em concordância. A menina caminhava entre a linha da sagacidade e a insanidade. Outros apelariam que o seu nascimento fosse levado em consideração, já aquela milady, que o olhava como se o destino já estivesse decidido ao seu favor, jogava-se no precipício. Não era soberba que movia Delilah, não. Era a sua determinação.
— Bem, não entenda como uma trapaça, mas não vim despreparada. — Delilah sorriu de modo juvenil. De dentro de sua retícula, retirou os potes que havia preparado outrora, entregando-lhe. — Preparei uma água de rosas e um creme para lábios para a sua esposa e sua filha. Por favor, peça para que elas passem o creme todos os dias, e lavem o rosto com a água de rosas sempre ao dormir. Ao fim da próxima semana, gostaria de saber o resultado.
— Acaso a senhorita me intima a ter uma resposta nesse prazo?
— Não. — Delilah rebateu, sincera. E antes de pedir licença e se afastar, sorriu confiante. — Mas decerto, terá uma quando esse prazo chegar.
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