Capítulo 6 - Parte II



— Perdão, já nos conhecemos antes? — Delilah perguntou assim que os músicos começaram a tocar uma nova música e ela enfim pôde realizar a mesura. Respirando com dificuldade, ela sentiu seus passos e ações serem milimetricamente observados por todo o salão.

— Antes de prosseguirmos esta conversa, quero oferecer-lhe minhas sinceras desculpas por esconder minha identidade. — Killian pigarreou, silenciando-se por um breve momento quando ambos se separaram. — Naquele dia, quando o gentil destino nos uniu, não disse tudo que precisava saber.

"Quando o destino nos uniu, não disse tudo o que precisava saber." Aquele príncipe era maluco? Tais palavras ecoaram na mente de Delilah, demorando a fazer sentido. Não havia uma única passagem de sua memória que a fizesse se lembrar de já tê-lo encontrado antes. Mas, ao olhar para os seus olhos de um tom escuro e profundo, aliado ao tom melodioso de sua voz... Ela já ouviu aquele som antes.

De repente, e de uma maneira atropelada, sua mente relembrou a visita de um estranho homem no momento em que ela tentava fugir. Tal rapaz era deveras atrapalhado e não pareceu estar sendo totalmente sincero, e ao ligar as peças...


Killian era James, o tolo que não sabia como controlar um cavalo? Pelos deuses, como ela não havia feito a ligação?


— Como... Como pode mentir pra mim? — Delilah disse quando eles se conectaram novamente. Estava nervosa e incomodada com todos os olhares em volta dela, reprimindo-a e calculando-a. — Acaso Alteza é como eles? Acha divertido brincar com a minha recém posição social?

— Lady Delilah, não é isso que... — Arrumando as palavras, o príncipe a girou, deixando as costas da jovem pressionadas contra o peito dele. De frente para os murmúrios do salão, Delilah suspirou. — Eu não menti. Realmente me chamo James. Killian James Whitenwright.

Delilah entortou os lábios. Havia tanto daquele príncipe que ela não sabia, a começar pelo nome? Bem, não era surpresa o fato da jovem ser leiga quanto aos assuntos da nobreza. Em toda a sua vida, ela não se lembrava de uma única vez em que o monarca e seu filho ultrapassaram o requinte da capital e visitaram as propriedades para além das fachadas lustrosas e moçoilas de chapéu.

— Além de príncipe, Alteza treina a si próprio nas horas vagas? Bem soube que a realeza era um pouco... excêntrica.

Delilah encarou o príncipe com o canto dos olhos, notando o choque pelo modo como ela o tratava. Decerto aquela não era a forma correta de se tratar um príncipe, mas quem ligava para decoro quando tudo o que ela via a sua frente era um completo mentiroso?

— Menti e reconheço a minha mentira. Mas peço-te que não me julgue mal, não era a minha intenção brincar com a senhorita.

A jovem movia-se conforme os passos de Killian, que se tratando de dança, poderia ter um diploma emoldurado na parede. Suas mãos eram erguidas e manejadas, a cintura recebia o calor da mão do príncipe, e os pés, quando tropeçavam, eram postos no lugar pelos passos ágeis do jovem.

— E qual motivo seria? — Perguntou Delilah, sentenciando-o com o olhar.

— A senhorita foi a primeira a me tratar com naturalidade. — Killian confessou, abaixando o olhar. — Não tive coragem de dizer a verdade, e vê-la se policiar diante de mim.

— Mas eu não sabia que Alteza era o príncipe.

— Se soubesse, trataria-me de outra forma?

Delilah não respondeu, encarando o sorrisinho nos lábios finos. Apesar de ter o conhecimento atual que estava diante de uma pessoa de grande importância, não estava convencida a abaixar a cabeça e saudá-lo como todos faziam. Mas aquilo a fazia ser indecorosa, não alvo de curiosidade. Seu tiro estava se voltando contra si mesma.

— Disse-me que estava acompanhando o príncipe, mas não apareceu no Instituto. Isso também era uma mentira?

— Não era. — Respondeu Killian, logo soltando um murmúrio de dor ao sentir o sapato de Delilah contra o seu pé. Ela não havia prometido ser uma boa dançarina, nem poderia, com tantos movimentos difíceis.

— Perdão.

— Isso... não é nada. — Killian respirou fundo, duvidando um pouco que aquele ato teria sido sem intenção. A jovem que estava em seus braços parecia ser um tanto impetuosa. — Fui ao Instituto de Lady Lefrance para visitar minha prima, Florence. Essa era a minha intenção, mas... O cavalo se assustou e o resto é de conhecimento da senhorita.

"Então ao invés de encontrar Florence, a prima, ele encontrou a mim." Delilah pensou.

— E desde aquele dia, não consigo pensar em outra coisa que não seja a senhorita, Lady Delilah. Meu coração quis que nosso encontro não tardasse, mas a razão me fez esperar até este baile, quando eu poderia abordá-la de forma respeitosa.

— Mas mal... — As palavras sumiram dos lábios de Delilah, que piscava repetidamente. Não, não, não, aquilo não podia estar acontecendo. Tudo menos chamar a atenção de um príncipe. Ela não podia olhar, e na verdade nem precisava, sabia que sua mãe estava vibrando onde quer que estivesse. Bom, isso a livrava da bronca que receberia acerca da vestimenta, no entanto, a colocava em uma situação muito pior. — Mal conversamos. Não pode ter pensado em mim como diz que pensou por causa de cinco minutos de conversa.

— Acredite, não minto quando digo que está em meus pensamentos. — Killian a girou novamente, e dessa vez foi além, inclinando-a para trás. — Nossa conversa foi o combustível para o desejo que mora em meu coração para conhecê-la.

Delilah prendeu o ar quando a música acabou e o seu corpo, em pleno ar, foi apoiada por uma das mãos do príncipe. A outra, ela custou a acreditar, estava apoiada em sua perna direita, que erguida por ele, mantinha-se no ar. Todo o salão parecia ter compartilhado da mesma ideia e por segundos, a passagem de ar havia desaparecido.

A música recomeçou com o som agradável dos instrumentos de sopro, anunciando uma nova rodada de dança. O salão parecia se recuperar com alguma dificuldade, e logo moças e rapazes voltavam a se encontrar, mas para Delilah e o príncipe, que permaneciam na mesma posição, o tempo pareceu não ter mudado um segundo. A jovem respirava com o auxílio dos lábios, vendo todo o salão do ângulo que estava. As luzes dos lustres, borradas, formavam silhuetas dançantes no espaço que podia ver. Foi em um desses momentos que a mão de Killian, que outrora estava em sua perna, ergueu-se em seu campo de visão.

Delilah aceitou a ajuda, agradecendo segundos depois que voltou à posição original. Não pode agradecer no momento exato pois, ao erguer-se novamente, seu corpo ia de encontro ao príncipe, que a amparou com a mão livre. Por poucos segundos seus corpos permaneceram unidos e estáticos na mesma posição.

— Eu agradeço a dança mas... — Delilah foi a primeira a se afastar, desconcertada. Não havia sido loucura sua, o príncipe realmente parecia inalar o seu cheiro, mesmo longe, sua pele havia imprimido a sua respiração. — Devo ir agora.

Killian não teve tempo para pedir que a jovem ficasse, perdido nos aromas que ela emanava. Leite, mel, e coco em seus cabelos que se agitavam conforme ela saiu em disparada. Segundos depois, sua atenção foi ocupada com o enxame de moças que se ofereciam para dançar com ele.

Delilah abriu a primeira porta que encontrou, fechando-a com um baque audível. Encostou-se e deixou o peito apertado expelir o ar que segurava. O que raios se passou desde o momento em que chegou à propriedade? Os olhares, os cochichos, o convite do então desconhecido e a revelação. Aquele que esteve tão perto dela era o príncipe, herdeiro do Trono. Que a Deusa a ajudasse com a chuva de expectativas que cairiam sobre ela.


🜲🜲🜲


Amelie estava em uma sequência de negações. Primeiro, viu no alto da escada a jovem que ela jurou estar fora do jogo que montava. Acompanhou-a com o olhar, estava absurdamente indecorosa. O busto coberto de uma forma vulgar, os cabelos arredios a acompanhando em cada passo que dava, completamente soltos. Ela estava acabada. Seu sorriso triunfante a convenceu de que Delilah Westville era um caso perdido, e ela estava quase decidida a pegar uma limonada e iniciar sua noite, quando aquele evento aconteceu.

Todo o salão prendeu o ar quando o príncipe Killian, convidado de honra e homenageado da noite, levantou-se do seu lugar de destaque, e caminhou na direção das novas ricas indecorosas. Amelie manteve o sorriso, pensando que o próprio príncipe daria um jeito de expulsá-las, afinal quem iria contra uma ordem do futuro Rei? Seus olhos acompanharam com expectativa e ela quase estava sentindo o gosto da vitória, mas...


Lá estavam eles, de mãos dadas, prestes a dançar.


Amelie presenciou uma cena que não previu. De todas as garotas, Delilah era a única fora de seu baralho. Não havia criado uma armadilha para a nova rica pelo príncipe, não, isso nunca passou pela sua cabeça. Sua raiva inicialmente era acerca da posição conquistada e nada mais. A jovem possuía alguma beleza, isso ela não negaria, mas era indecorosa e imoral, além de fazer parte da Segunda Plebe. Que a Deusa iluminasse seus olhos e a fizesse ver que aquilo era apenas um de seus devaneios tolos, mas não era. Killian, o seu Killian, e Delilah dançavam no centro do salão, chamando a atenção de todos em volta.

Era pra ser ela ali. Ela havia dado as cartas e se preparado para chamar a atenção do príncipe. Era o propósito da sua vida. Delilah não poderia chegar da ralé e tomar o seu futuro daquela forma. As coisas não ficariam assim.

Amelie a seguiu, deixando para trás o seu triunfo da noite. Que triunfo haveria de existir se Killian não a notasse? Com as bochechas avermelhadas e odiosa, a jovem viu o seu desgosto entrar em uma das salas do andar superior, e sem demora, entrou.

Encontrou-a de frente à janela, deixando que toda a luz prateada da lua iluminasse a pele retinta. Delilah parecia desenhada, seu corpo levemente inclinado definia as curvas do seu corpo, mas não era para admirar a inimiga que ela estava ali.

— O que a senhorita estava fazendo com o Príncipe Killian?

Delilah encontrou sossego nas janelas abertas. O vento que entrava pelo espaço aberto era convidativo e quase a fazia esquecer dos problemas que a esperariam quando retornasse ao salão. As palavras do príncipe ecoavam em sua mente, e o significado delas a fazia estremecer.

— A senhorita não deveria primeiro dizer que é a responsável pela sabotagem em meu vestido de baile?

Delilah não estava contando com um embate com a D'Montfort naquela altura dos acontecimentos. Mas não fugiria da oportunidade de pressioná-la contra a parede, literalmente.

Amelie não conseguiu desviar dos passos decididos da jovem quando ela se aproximou e a segurou pelo braço, prendendo-a contra a parede. Corpo com corpo, a centímetros de distância, a fizeram suar.

— Não sei do que está falando.

— Ah, sabe sim. — Delilah a encarou pela curta distância que as separavam. Amelie estava vestida nos verdadeiros moldes da nobreza, delicada e angelical. Seu corpete adornado com rosas e os brincos de safira que usava, além da máscara de penas brancas, a faziam parecer tudo o que aquela jovem maldosa não era: dócil. — Eu posso jurar que a senhorita usou a sua pobre criada para fazer esse serviço sujo. E é em consideração à ela que não levarei o caso à Lady Lefrance.

— Sem provas, seria a palavra de uma Segunda Plebe contra as palavras de uma Nobre Real.

Delilah mordeu os lábios, retomando a calma. Amelie queria desestabilizá-la, primeiro armando para que ela não fosse ao baile. Como não conseguiu, tentava fazer com que ela parecesse raivosa. Ela não cairia naquele joguinho, por mais que sua vontade fosse se afundar nele por inteiro, e dar-lhe uma lição.

— Não vou lhe dar o que quer, por mais que a minha vontade seja picotar esse vestido por inteiro. — Delilah disse, aumentando a pressão no braço de Amelie, que a olhava, espirituosa. Maldita dama de olhos azuis. — Mas aviso-te que nossa conversa não acaba por aqui.

— Não a temo, Westville. — Amelie respondeu, com um típico sorrisinho de moça esnobe. — Como também a aviso para não se envolver com o príncipe. A senhorita não tem chances.

— Será? — Delilah a olhou, com uma expressão atrevida. Poucos segundos em que olhos e lábios estavam tão pertos, fazendo a jovem ruiva empalidecer e umedecer os lábios. Por fim, finalizando a tensão, Delilah se afastou, soltando o braço da outra. — Não foi o que ele me disse.

— O Príncipe pode ser muito bondoso com os menos afortunados, mas isso não significa que ele irá se casar com qualquer uma. — Disse Amelie, abanando as mãos em um gesto de pouco caso.

— Então veremos, nobrezinha. — Delilah retrucou, sabendo que não era de seu interesse entrar em uma disputa por uma coroa que não lhe interessa. Mas era particularmente interessante irritar aquela nobre, ainda mais diante do que ela havia lhe feito. Se a aproximação com o príncipe significasse a sua vingança pessoal contra o seu vestido sabotado, então assim seria feito.

Amelie estalou os lábios, virando-se para partir. Já havia a interceptado, como queria, agora era o momento de voltar e sorrir como lhe foi ordenado. Àquela altura o príncipe Killian deveria ter dezenas de moças à espera de sua atenção, mas nenhuma delas carregava o peso de ser uma D'Montfort e os incansáveis treinamentos que ela havia passado, preparando-se para este dia.

Um giro. Dois. Três. E nada. A porta não abria.

— Não, não, isso não pode estar acontecendo... — Amelie intercedeu, girando a maçaneta sem sucesso. — Não, no meu primeiro baile não!

— O que aconteceu? — Delilah a encarou por cima do ombro, julgando ser mais um dos ataques sem sentido da nobre.

— A porta... Ela não quer abrir!

— Você já tentou fazer força? — Delilah riu, óbvia. — Deve ter sido o vento. É só empurrar um pouco que ela cede.

— Se fosse tão fácil, eu já teria conseguido! — Amelie ralhou, empurrando a porta junto ao seu corpo. A garota suava e tremia, respirando com dificuldade. E tudo piorou quando um clique foi ouvido, e para a sua infelicidade, não era o barulho de abertura da porta.

À maçaneta estava em sua mão.

Amelie se virou lentamente, atônita. Olhava para Delilah como se qualquer solução mágica resolvesse a situação, bastava que a jovem soubesse de uma. Mas Delilah não sabia, tão atônita quanto ela.

— Isso aí é a...

— Maçaneta! — Amelie gritou. — A maçaneta está na minha mão!

Hiperventilando, a garota a largava como se segurasse um bicho peçonhento.

— Ótimo, D'Montfort! Agora estamos presas. Parabéns. — Delilah bufou, empurrando-a para acessar a porta. Tudo o que menos queria era passar qualquer segundo do seu tempo presa com Amelie D'Montfort.

— A culpa é sua! — Acusou Amelie. — Foi a senhorita que disse para fazer força!

— Mas foram as suas mãos que quebraram! — Delilah devolveu a acusação, batendo na porta que não cedia por nada. — Até quando a senhorita irá colocar nos outros a culpa que...

Delilah se calou no momento em que se virou, irritada, e a viu cambalear. Amelie estava pálida, abrindo e fechando os lábios em busca de ar.

— D'Montfort. Ei, Amelie. — Delilah a segurou, desferindo tapinhas contra o rosto da jovem.

— Não me bata. — Amelie pediu, ofegante. — Estou te ouvindo e não preciso da sua ajuda. Estou bem.

— Se estivesse bem, não estaria com essa voz desafinada. Se bem que sua voz já é assim naturalmente, mas... — Amelie a encarou com raiva, se soltando. Voltando atrás, a jovem ergueu as mãos, em rendição. — É sério. Não está nada bem, deve ser o seu espartilho. Vem, senta aqui.

— Eu já disse que não preciso da sua ajuda!

— Não estou fazendo isso pela senhorita. — Delilah bufou, a arrastando. — Se o seu corpo apodrecer aqui, os corvos e urubus virão se alimentar e eu não quero passar a minha noite na companhia deles.

Amelie arregalou os olhos, pensando na possibilidade de ser a janta de animais tão medonhos. Encostando-se no sofá, a jovem decidiu que ter a ajuda de Delilah era menos pior que virar alimento. Por isso, Amelie cedeu, inclinando o corpo.

— Boa menina. — Delilah zombou, fazendo a jovem se retesar. Sem dar tempo para outra recusa, Delilah abriu os botões do vestido de Amelie, passando os dedos pelo tecido claro. Decidiu não se focar na maciez deles, e nem nas pintinhas alaranjadas que encontrou no pescoço da dama, descendo pelas costas. Desceu o corpete, paralisando alguns segundos por vê-la daquele modo.

— A senhorita não está com nenhum pensamento impuro, está?

— Por quê eu estaria? — Delilah riu de modo nervoso. Em seguida, se apoderou das amarras do espartilho, soltando-as devagar. — Céus, quem apertou isso não considerou que havia um corpo dentro dessa peça?

— Eu pedi para amarrarem ao máximo. — Amelie revelou, respirando profundamente a cada amarra que era afrouxada. — Precisava estar bonita para ele.

— Para o príncipe Killian? O quê adiantaria se a senhorita caísse morta aos pés dele?

— Ao menos morreria em busca do meu propósito. — Amelie suspirou.

— Casar-se. — Delilah refletiu, observando as curvas da outra. — A senhorita não tem outro objetivo?

— Que outro objetivo uma mulher pode ter que não seja o matrimônio?

— Com certeza há muitos. — Delilah garantiu, mais querendo que suas palavras fossem um fato, do que apenas uma esperança. — A senhorita não possui mesmo outra vontade? Algo que gostaria de fazer?

Amelie se calou, sentindo-se melhor depois do alívio que Delilah proporcionou ao soltar seu espartilho. Desde pequena, havia entendido que o casamento era o ápice da vida de uma mulher. Os filhos e toda a segurança que ela conquistaria depois do matrimônio eram a consequência de seu destino. E não podia ser qualquer casamento. Ainda nos seus primeiros anos de vida, seu destino foi selado. Nasceu para ser uma rainha.

— Pensar em futilidades é bobagem. — Amelie abanou as mãos, desdenhosa. — Também não possuo interesse em compartilhar minha vida com a senhorita.

Delilah se irritou, vendo que ela já havia voltado ao modo esnobe de sempre. Poderia ter a deixado se debater até que o ar acabasse, mas foi idiota e a ajudou. Não sabia o que havia se passado em seu coração para fazer algo tão tolo.

— Bom, não é como se eu tivesse interesse em escutar. — Retrucando com uma pontada de chateação, Delilah a deixou, indo vasculhar o cômodo. Haviam estantes, uma escrivaninha e uma cadeira, o que indicava ser um local usado para reuniões ou algo assim.

Delilah se apossou de um dos livros, olhando o seu conteúdo. Não havia muito o que fazer além de ficar esperando que alguém as achasse, gritar era inútil, visto que ninguém se aventuraria no andar superior.

— O quê a senhorita está fazendo?

— Passando o tempo?

— Não deveria mexer em itens que não lhe pertencem. Sua mãe não a ensinou?

— Minha mãe me ensinou mais coisas do que a senhorita sequer pode imaginar. — Delilah a respondeu com um sorriso cínico. Amelie não perdia uma oportunidade de a importunar, então ela não estaria errada se fizesse o mesmo. — Sabe que estou em uma passagem muito interessante?

— Me admira a senhorita saber ler. A sua gente possuí tempo para desfrutar uma boa leitura?

— Oh, sim. — Delilah alargou o sorriso, fechando os punhos pela pontada de raiva que a atravessou. Não resolveria as coisas desse jeito, mas sim de uma forma que a incomodaria mais que um tapa. Ah, se incomodaria. — Tanto sei, que farei questão de compartilhar a leitura dessa passagem:


"O capitão a penetrou com força e com vontade, fazendo-a revirar os olhos em um prazer que a preenchia. Roseane pedia por mais e arranhava as costas do homem que a fazia conhecer o doce sabor da luxúria."


Amelie havia perdido a cor habitual, trocando-a por um tom vívido de vermelho. Suas bochechas ardiam e pinicavam, a respiração se tornava irregular e os olhos piscavam com o processamento lento de sua mente em decorrência das palavras que ouvira.

— Ah, e não termina por aqui. — Delilah ergueu o livro, lendo as próximas palavras em voz alta. — Roseane cavalgava à procura do desconhecido, excitando-se com os urros do homem abaixo dela. A jovem de lábios suplicantes sentia o grande, duro, e majestoso...

— Pela misericórdia, Westville, pare! — Amelie gritou, não podendo mais se conter. Ela estava trêmula da cabeça aos pés, ofegante, suada e quente, absurdamente quente. — Não precisa mais me provar nada. Já entendi que tem o dom da leitura. Não leia mais nada, por favor.

— Ora, a senhorita duvidou da minha capacidade de leitura. Apenas provei que estava enganada. — Delilah sibilou, escondendo um sorriso sob a capa do livro. Não é que os Lacouver possuíam uma estante de livros deveras interessante? — E nós ainda nem chegamos na melhor parte.

— Já lhe disse que não desejo ouvir mais nada! Não quero saber desse livro vulgar.

— Mas eu quero. — Delilah estalou os lábios. — Se não quer ouvir, então leia.

— L-ler? — Amelie arregalou os olhos.

— Exatamente. A senhorita não consegue ler? Achei que nobres possuíam tempo suficiente para exercitar a leitura.

— Ora, eu passei horas da minha vida em salas de estudo! Mas é óbvio que sei ler.

— Então me prove.

— Não preciso provar nada à senhorita.

— Então, assumirei que não sabe. E que a senhorita não é tão perfeita quanto pinta.

As últimas palavras inflaram Amelie. Não que ela precisasse provar que era perfeita, mas odiava que alguém zombasse de suas capacidades. Tomada pela raiva, a jovem tomou o livro das mãos de Delilah, que sorriu triunfante com o ato. Sentando-se novamente, Amelie pigarrou e baixou os olhos sobre o livro, voltando à vermelhidão.

— Duro, grande e majestoso... — Amelie tossiu. — Majestoso...

Delilah a viu assumir centenas de tons de vermelho a cada tentativa mal sucedida. Caindo na risada, a jovem balançava a cabeça em negação, zombeteira.

— Pela Deusa, D'Montfort! Não consegue dizer a palavra "pau?"

— É claro que consigo! — Amelie bufou. — Apenas receio em dizer por não ser uma palavra apropriada para uma dama.

— Isso está me cheirando a desculpa. Estamos em duas. Ninguém vai saber que a recatada e virginal Amelie D'Montfort pronunciou a palavra "pau."

— Louise. — Amelie murmurou.

— O quê?

— É Amelie Louise D'Montfort.

— Tanto faz. — Delilah deu de ombros. — Que a recatada Amelie Louise...

Pau. — Amelie disse baixinho, roxa de vergonha.

— O quê? Não escutei.

— Duro, grande e majestoso pau! — Amelie se levantou, irritada. — Está satisfeita? Olha só, eu consigo dizer pau! Pau! Pau! Pau! Pau! — Amelie berrava, mais irritada por Delilah não estar prestando atenção depois de importuná-la. A razão pela qual Delilah não a encarava, descoberta por Amelie segundos depois, a fez empalidecer. Escutando o clique da porta e recusando-se a se virar, a jovem sabia o que estava acontecendo.

— Lady Delilah! Lady Amelie! As senhoritas estão bem? — Na entrada, com uma expressão confusa ao ouvir os gritos de Amelie, Killian esperava uma resposta das duas. E ao ouvir a voz de seu futuro prometido, as feições de Amelie se transformavam na mais pura raiva. Killian havia a flagrado em seu pior momento, e a culpa era daquela que estava igualmente empalidecida. Ela haveria de pagar.


🜲🜲🜲

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top