Capítulo 4


Amelie não entendeu o motivo do formigamento em suas mãos, minutos depois de terem chegado à Vila. Delilah havia ido na frente, recepcionada por um pequeno grupo de boas senhoras, que cientes do estado lamentável que ambas chegaram, logo trataram de providenciar um bom banho e roupas limpas. Ela ainda teria fôlego para disputar pelo primeiro lugar, se não fosse aquele estranho sentimento que a cercou, levando-a de volta à floresta.

A chuva caía impiedosa, e como uma amazona em busca do desconhecido, Delilah atravessava galhos e troncos com uma destreza impressionante. Em um desses momentos de valentia, a jovem destemida a içou como se o peso de seu corpo fosse equivalente a um saco de plumas. Amelie a agarrou, por reflexo, sentindo os seus pés deixarem para trás o monte de lama, que agora se acumulava em suas botas. Olhando para aquele estado deplorável, a jovem Westville soltou uma risada em resposta, encarando-a como se ela fosse uma coisinha imprevisível e desastrada.

Não haviam soltado as mãos até o momento em que Delilah se ausentou para retirar a lama e o cheiro de chuva do corpo. E para trás, sentindo o coração palpitar de uma maneira estranha, Amelie guardava para si mesma as impressões que aquela tarde chuvosa havia criado. Ela odiava a dama Westville, e esse seria o sentimento que haveria de nutrir até o fim dos seus dias.

— Se irá se comportar como parte da mobília, ao menos faça isso em outro lugar. Está atrapalhando a passagem. — Amelie se sobressaltou com o toque atrevido na ponta do seu nariz, e piscando os olhos com confusão, a viu parada na sua frente, trajando um dos vestidos que as boas senhoras haviam emprestado. O modelo era horrível, ela tinha de concordar. Não entendia por quê as mulheres, ao se tornarem Irmãs, abdicavam de gostos que eram indispensáveis para as senhoras. Ainda com o caimento duvidoso, Delilah não ficava menos bonita com o desfavorecimento. Suas curvas competiam com o tecido justo, definindo-a de uma maneira tão pecaminosa, que ela duvidava ser esse o propósito das vestes sagradas. Com certeza não havia de ser. — Ei, D’Montfort. Está me ouvindo!?

— C-como não haveria de ouvir, com todo o ruído que a sua voz produz na minha cabeça? — Amelie sibilou, apertando o tecido do vestido manchado.

— Como a senhorita pode ver, já estou limpa. É a sua vez.

— Tomar banho na mesma água em que a senhorita banhou-se!? — A jovem arregalou os olhos, sentindo-se ridiculamente idiota por não ter competido a vez.

— A senhorita pode se banhar na água da chuva ou continuar cheirando a cocô de cavalo. A escolha é sua. — Dizia Delilah com um floreio exagerado, ironizando a voz.

Amelie mordeu o canto dos lábios, confirmando a raiva que sentia da dama à sua frente. Passando por ela, a jovem D’Montfort a deixava para trás com um baque audível na porta. Emitindo um risinho, Delilah movimentou os ombros, pensando ser até divertido vê-la tão afetada.

Amelie deslizou suas vestes para baixo, e discretamente as cheirou, confirmando o odor fétido. A lembrança do momento em que foi retirada da lama ascendia o seu receio em banhar-se na mesma água que seu desgosto, mas não havia muito a fazer. Embebendo o pano com água, Amelie o usou em seus braços e pernas, retirando o excesso de lama. E enquanto se ocupava nesse afazer, deixou os pensamentos fluírem na direção do burburinho que ouvia do lado de fora.

Delilah não cheirava mal quando a interceptou. Naturalmente, a dama mantinha aquele cheiro de rosas e coco, proveniente dos cabelos cacheados. E apesar da adição do odor da chuva, em nada adiantou para suprimir o seu bom cheiro. Amelie odiava ter que admitir aquilo.

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— Realmente sentimos muito por não poder acomodá-las de maneiras mais confortáveis. — Desculpou-se a Irmã no momento em que Amelie aparecia na cozinha, com os cabelos recém-úmidos. — Damas tão prestimosas merecem ser tratadas com todo o requinte de sua posição.

— As senhoras não poderiam ser mais receptivas. — Delilah sorriu, exalando uma gentileza que não poderia ser mais mal vista por Amelie. A jovem, diferente da dama que sorria, odiou a ideia de passar a noite ali. Os mosquitos lhe davam coceira, os móveis eram decrépitos aos olhos, e toda a casa mais parecia um cemitério, que uma casa dedicada à Deusa. — E para agradecer a hospitalidade, adoraríamos preparar o jantar.

— “Adoraríamos?” — Amelie repetiu, duvidosa.

— Oh! Não posso permitir que mãos tão jovens se cansem com afazeres tão indignos de vossas posições sociais. — Retrucou a senhora, espantando-se com a suposição.

— Jantares são jantares em qualquer posição. — Delilah respondeu, arregaçando as mangas. Se haviam duas mãos funcionais, então elas seriam usadas para preparar o jantar. Para a jovem, não era lógico que outra pessoa fizesse o que ela própria era capaz de fazer.

Tal pensamento não poderia ser mais esquisito, na visão de Amelie. Cansar-se e criar calos nas mãos com tarefas que eram adequadas para criadas?

Delilah cortou as batatas, divertindo-se com o preparo do caldo. As mulheres se entreolharam e Amelie, entediada e irritada com a atitude da dama, passou a observar o cenário. Mobílias desgastadas, papéis de parede incorretos para a moda da época; aquelas senhoras não sabiam que aquele modelo estava ultrapassado há décadas? Suspirando, a jovem recostou-se na cadeira, iniciando uma conversação.

— As senhoras não se cansam de viver tão isoladas da sociedade? Se estivessem na capital, poderiam ter acesso a mobília de qualidade, papéis de paredes novos...

— Haveria de ser ótimo, mas estamos satisfeitas com a vida que levamos. Ao entregarmos nossos corações e mente para a Deusa, nos retiramos de qualquer coisa que fuja de nossa fé e propósito para com Ela.

— E dedicar toda a vida à Ela... Não é estranho? Eu quero dizer. — Disse Amelie apontando para si mesma. — Tenho pretensões de me casar muito em breve. Não acho que poderia abdicar dessa vontade.

— Talvez por quê nem todas tenham pretensões de se tornarem dondocas!? — Delilah retrucou enquanto mexia na panela. O comentário explicitamente ácido fez a jovem D’Montfort estalar os lábios e apertar os olhos, ofendida.

— Algumas de nós, a escolha se fez presente na vocação.

— E outras... — A mulher mais jovem tomou a fala, abaixando os olhos para o tampo da mesa. — Foi a única que tivemos.

Nós, mulheres, ganhamos papéis ao nascermos. Se bonitas, recebemos a expectativa de um bom casamento. Se bonitas e nobres, o trato está feito. Se bonitas e plebeias, nos aventuramos como preceptoras, governantas... Mas, se alguma deficiência nos impedir de se apresentar à sociedade, esse é o lugar que nos acolhe quando ninguém mais zela por nós.

A mulher terminava o pequeno discurso levantando uma mecha de cabelo preto escorrido que escondia o lado direito do seu rosto. Por trás dela, uma queimadura visível apareceu, cobrindo parte da testa e bochecha. Envergonhada, a mulher a cobria rapidamente, encolhendo-se.

— Assim como a senhorita, Lady Amelie, também possuía expectativas de me casar e formar uma boa família. Mas como pode ver, aspirações como essa são tolas para jovens como eu.

Delilah trincou os dentes, apertando com tanta força o cabo de madeira, que por sorte não se quebrou. Não era justo. Mulheres deveriam ter mais escolhas além das que tinham. Quem se importa com casamentos? Se não fossem bem qualificadas, estavam jogadas à própria sorte? Caberia à Deusa acolhê-las? A mulher que representava justiça, e que lutou tão bravamente para sentar-se no trono que lhe era de direito, estaria de acordo com preceitos tão antiquados?

🜲🜲🜲

À noite pintou o céu e o interior da casa com uma tonalidade escura. Recolhidas, as senhoras as ofereceram o único quarto disponível, o que significava que as duas opostas deveriam dividir a mesma cama. Entreolhando-se, ambas emitiram gemidos de descontentamento, mas com o silêncio da casa e a aparência fantasmagórica, restavam para as duas compartilhar as horas que as juntavam.

— Está me apertando, Lady Westville. — Amelie se contorcia, empurrando-a.

— Na verdade, Lady D’Montfort, é a senhorita que me aperta. — Delilah devolvia os empurrões, visivelmente incomodada com a situação adversa. — Além de inconveniente, a senhorita é espaçosa.

— Inconveniente? — Amelie repetiu, sem entender a atribuição dada à ela.

— E não haveria de ser? Importunou as Irmãs com questionamentos desagradáveis.

— Não importunei. Só possuía a curiosidade de saber como era o modo de vida delas.

— Sem luxos e riquezas? — Delilah ria, amarga. — Bem vinda ao mundo real, nobrezinha. Não são todos que vivem na mordomia com a qual é acostumada.

— Mas é claro que não! Apenas os escolhidos pela Deusa.

— Aquela que lutou por justiça? — Delilah arqueou os olhos, tamanha a sandice das palavras da jovem. Nobres eram tão acomodados, que cabia a intercessão divina para a explicação de seus privilégios. — Não me parece muito conveniente que ela seja a responsável por atribuir títulos e riquezas pela ordem de nascimentos.

— Mas é assim que é. Nobres nascem Nobres pelos bons ventos que acompanham as suas gerações. E é por esse motivo, Lady Delilah, que é uma disparidade a nova lei que permite que qualquer cidadão tenha acesso a títulos e privilégios que herdamos ao nascer.

Ao escutar as palavras da jovem, Delilah se entregou a um acesso de riso que apenas cessou quando sua barriga protestou. Limpando o canto dos olhos marejados, a dama previu que era perda de tempo conversar com uma Nobre tão corrompida pelos discursos da sua classe.

— Então que bom que as leis não são feitas conforme o gosto da senhorita, Lady Amelie. Tenha uma noite agradável.

Teria, se não estivesse ao lado da senhorita.” Foi o que Amelie respondeu. E virando-se, a jovem puxou a parte do cobertor que lhe cabia, o trazendo até o topo de sua cabeça.

A noite era longa e cheia de mistérios, e um deles se fazia presente nos galhos que se balançavam do lado de fora. O pouco vento que entrava pela janela entreaberta produzia um som assustador, e tudo piorou quando do corredor, batidas foram ouvidas, fazendo a jovem Amelie tremer embaixo das cobertas.

— Lady Delilah. — A chamou, sem sucesso. — Lady Delilah. Lady Delilah!

Delilah resmungava, remexendo-se. Sentindo os toques em seu ombro, a jovem lentamente despertava, encarando dois grandes círculos azuis, que a observavam na escuridão.

— Escuto batidas vindas do lado de fora. Acha que é algum fantasma?

Não era possível. Amelie a acordou para dizer aquelas bobagens? Cobrindo-se novamente, Delilah foi interrompida pela segunda vez, pela mesma voz temerosa de segundos atrás.

— Não a chamaria se não sentisse mesmo que um fantasma habita esta casa.

— Fantasma nenhum se envolveria com a senhorita. — Disse Delilah, bocejando. — É demasiada irritante para tal.

— Ora, sua... — Ofendendo-se, Amelie cruzava os braços, mas parte dela estava aliviada por ter conseguido chamar a atenção da jovem. Mais desperta, Delilah se virava na direção da dama, a olhando com atenção.

Compartilhando olhares, o de Amelie foi o primeiro a cruzar o outro lado, desconcertada. De costas para Delilah, a jovem gritou a plenos pulmões quando sentiu que algo passeava em seu quadril, e só segundos depois, quando a dama Westville chacoalhava a cama com risadas, Amelie percebeu que se tratava dos dedos da jovem.

— O quê é tão engraçado? — Perguntou Amelie, aborrecida.

— Não consegui segurar. — Delilah abafava as risadas que ecoava no escuro da noite. — A senhorita teme tanto assim os fantasmas?

— Não temo. Apenas não gosto de compartilhar o mesmo espaço que eles.

Delilah suspirou, achando graça dos receios da outra. Como precisava dormir e não conseguiria fazê-lo ao lado de uma dama tão medrosa, a contragosto, a abraçou, pondo o seu braço sobre o corpo retesado de Amelie.

— O-o quê está fazendo?

— Ora, sendo a sua armadura contra os seres da noite. Seja lá quem eles forem, terão que passar por mim primeiro, antes de atacarem a senhorita.

— Eu... eu não preciso de... — Calando-se, Amelie observava o braço de Delilah, circulando o seu corpo. Estava frio no quarto e a proximidade do corpo da jovem era mais que bem vinda, por mais que lhe doesse afirmar. Por isso, e só por isso, ela permitiu que continuassem a partilhar calor. — Depois dessa noite, finja que isso nunca aconteceu.

Ah, com certeza. — Disse Delilah em um tom irônico, enquanto a trouxe para o calor de seu corpo. Seus seios pressionados contra as costas de Amelie eram apenas um mero detalhe, ainda que esse fato tenha passeado em sua mente por mais tempo que devia. Em dado momento da noite, quando o sono havia chegado para Amelie, a jovem se aninhou ainda mais no corpo em combustão de Delilah, que não havia pregado o olho desde a aproximação da jovem. Amelie buscava o seu braço, entrelaçando os dedos com os dela. Seu traseiro se aproximava mais, apertando-se contra ela. Engolindo em seco, agora era Delilah que temia os fantasmas, esses bem mais perigosos que os temidos por Amelie.

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Distribuídas no salão, as jovens aguardavam as instruções de Lady Lefrance, que caminhou impondo sua presença e parou ao encarar suas pupilas. Bem vestidas, as damas fariam uma simulação dos incontáveis eventos que as esperavam, e iniciariam os ensaios pelo principal: A dança.

— Bons rapazes escolhem suas companheiras de acordo com o manejo dos seus pés. — Zoeh batia as mãos, chamando a atenção das damas esperançosas. — Formem duplas. Hoje, sairão daqui preparadas para fisgar o coração dos melhores solteiros da temporada.

— Serei boa se eu dançar...? — Clorance de Lange, uma jovem espirituosa, foi a primeira a buscar sua dupla. As outras a seguiram, adornando o salão em pares.

Delilah não poderia estar mais desanimada com a atividade do dia, mas fugir de uma tarefa de Lady Lefrance era o mesmo que ter expectativa de uma relação saudável com Amelie: não era possível. E ao lembrar da jovem, o olhar de Delilah a seguiu na busca por um par, e ela estava da mesma forma de sempre: tirana e insuportável. Depois da estadia na Vila, o relacionamento das duas voltou as irritações cotidianas, a ponto de ser sufocante o mínimo espaço compartilhado pelas duas.

— Lady Delilah? Se ainda estiver sem par, posso ser...

Prestes a responder a gentileza de Lady Cedritte Tremunt, Delilah foi silenciada por Zoeh, que a puxava para um lado específico do salão. Caminhando sem destino, seus olhos se arregalaram ao ter a ciência de qual seria o seu destino final.

— Não posso dançar com ela! — As duas falaram ao mesmo tempo, encarando uma a outra com uma expressão enojada.

— Não há nada melhor para resolver as diferenças que uma boa dança. — Disse Zoeh, com um floreio. — Além disso, é uma boa oportunidade para que as senhoritas trabalhem a cordialidade. Nem sempre dançarão com rapazes amigáveis.

Era impossível colocar Amelie e cordialidade na mesma frase, e o mesmo valia para o outro lado. Cedritte, o anjo da boa convivência, ainda tentou persuadir a dona do Instituto, oferecendo-se para dançar com Delilah. Mas a vontade de Lady Lefrance era soberana.

— Se fizermos o que Lady Lefrance pede, seremos liberadas em pouco tempo. — Sussurrando, Delilah ofereceu a mão para Amelie. Com uma ressalva, a jovem ergueu os dedos lentamente, encontrando a palma da mão da jovem.

A música começou a tocar e as jovens se encaminharam ao centro do salão. Em um primeiro momento, Delilah agiria como o rapaz interessado, e Amelie, como a jovem debutante.

— Bons deuses, Westville, não sou uma panela empenada! Pare de me apertar.

— Estou fazendo o meu melhor. — Delilah retrucou, e isso era verdade. Fazia o possível para acompanhar Amelie, que parecia um cisne quando dançava. Não tendo o costume de realizar movimentos como os quais era forçada a fazer, em boa parte das vezes as tentativas transformavam-se em tropeços ou apertos inconvenientes por parte da condutora.

— Pois faça mais. — Amelie sorriu, entredentes, encarando o olhar afiado de Lady Lefrance. — E de preferência não pise no meu pé. Ah, se a senhorita fosse um dos pretendentes à minha espera, morreria esperando.

— Hei de agradecer a Deusa por não ser. — Compartilhando o mesmo sorriso, Delilah a virou de supetão, girando-a.

Amelie quis gritar, mas não o fez. As mãos de Delilah, junto às dela, acima de sua cabeça, e o corpo da jovem tão próximo, a fizeram emudecer.

— Pois bem. Troquem a função! Conduzidas viram condutoras, e condutoras viram conduzidas.

Agora, essa dama esnobe provará do próprio veneno.” Foi o que Delilah pensou, com um pequeno sorriso contido nos lábios. Caminhando na direção da fileira de jovens, Delilah parou em frente a silhueta de Amelie, esperando o início da dança. Mal poderia esperar para vê-la tendo as mesmas dificuldades que ela.

Mas Amelie, para a sua infelicidade, era tão boa condutora como era conduzida. A jovem erguia a mão, como um perfeito cavalheiro faria, e a levou aos lábios, depositando um beijo singelo que faria Delilah empalidecer, se não fosse seu autocontrole. A jovem a guiava para o centro do salão e a conduzia, deslizando os pés pelo piso bem polido, como se já tivesse nascido com a ciência daqueles passos.

— Parece impressionada, Lady Westville.

— P-porquê haveria de ficar? — Delilah mordeu os lábios, forçando-se a acompanhar os passos.

— Acho que parte da expectativa da senhorita torcia para que eu não tivesse o devido conhecimento da condução. Sinto lhe informar que desde o início essa foi uma expectativa tola. Apesar de não ser necessário tal conhecimento para uma dama, sou precavida, e agora, contando-lhe uma expectativa minha, acho que a senhorita também deveria ser. Seus passos não são nenhum pouco graciosos.

Delilah poderia pegar aquele rostinho perfeito e marcar-lhe com a palma de sua mão. Como ela ousava ser tão afrontosa? Buscando Lady Lefrance, a encontrou com os olhos fincados como duas flechas em alvos determinados, no caso, as duas. Respirando profundamente e sorrindo, a dama buscou a calma que precisava para lidar com o sorrisinho atrevido da jovem a sua frente.

— Agradeço pelos conselhos, Lady D’Montfort. Mas acredito que, considerando a posição em que estamos, não deveria deixar suas armas tão expostas para a sua concorrente.

— Oh, mas se é o que lhe preocupa, asseguro-lhe que nem de longe, a senhorita representa perigo para o meu objetivo. Sua falta de modos, a pouca relevância na sociedade e falta de jeito para a dança, já me convencem que, no máximo, conseguirá a atenção de um segundo filho sem muito requinte social.

Amelie sorria, desdenhosa, para o aborrecimento de Delilah, que se sentia tão ofendida quanto na primeira vez que se conheceram, e com a mesma vontade de dar-lhe o que lhe deu naquele dia. Mas as palmas de Lady Lefrance foram mais rápidas, encerrando a prática.

— Com toda a licença, Lady Delilah. — Amelie realizava uma mesura perfeita e passava pela jovem de punhos fechados, seguida por sua criada que já a esperava. De cabeça quente e peito sufocado pelas palavras daquela nobrezinha e pelos dias trancafiada naquele lugar, Delilah se viu instigada a buscar ar fora daquele ambiente. Nem que para isso ela tivesse que quebrar algumas regras.

— Lady Delilah! Lady Delilah, para onde a senhorita está indo!? — Rosa fazia o possível para alcançar a jovem que atravessava os corredores como um jato. Delilah era deveras temperamental, isso era fato, mas especificamente naquele dia, parecia que um aborrecimento a havia tirado do eixo da racionalidade.

— Não me siga, Rosa. Preciso de um pouco de ar.

Deixando a criada para trás, Delilah atravessou os jardins, se afastando da propriedade. Rodeou o perímetro, encontrando as cercas que a mantinham enjaulada. Mas se tivesse um pouco de sorte, e preparo, aquela situação mudaria em minutos.

A jovem arriscou, subindo nos canteiros. Fazia o máximo para não danificar as plantas que ali estavam, desculpando-se com elas pelo incômodo. Segurou na primeira cerca, movimentando os pés para tomar impulso. Resmungando, Delilah olhava para baixo, onde o tecido do vestido atrapalhava a sua locomoção.

— Maldito seja quem proibiu as mulheres de usarem calças! — Delilah ralhou, segurando ambos os lados do tecido lilás, rasgando-o. Com a abertura produzida, a jovem livrou-se das abas que sobravam, encurtando o tamanho da peça. Devidamente preparada, Delilah voltou a se aventurar na cerca, passando as suas pernas pelo arco.

Ela estava esperando por tudo, menos pelo barulho de um trote desenfreado, vindo em sua direção. E tomada pelo susto, sua ideia que outrora parecia muito inteligente, transformou-se no motivo do barulho do eco do seu corpo contra o chão.

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