Capítulo 3
Amelie olhava para si mesma, como se estivesse imersa em um feitiço. A recatada filha de Edgard e Aida D'Montfort, comportando-se de forma tão bestial? O que seus pais diriam, se a vissem com modos tão chulos, manchando a sua posição social?
A donzela D'Montfort nasceu para ser perfeita. Mesmo em seu nascimento, quando era de praxe que todos os bebês anunciassem a sua chegada por meio de brados espalhafatosos, Amelie nasceu como uma perfeita dama. Em silêncio, a jóia de Edgard e Aida mexia os dedos pequenos, na direção das alturas. Desde pequena, ela sabia onde deveria estar.
Sua criação foi cercada de preceitos e regras. Edgard repetia para a garota de cabelos ondulados que a perfeição era o sinônimo da felicidade. Se ela não fosse perfeita, seria infeliz. Para isso, muitas foram as preceptoras que cruzaram o caminho da dama D'Montfort, todas ensinando receitas pouco eficazes para a perfeição.
Não adiantava o quanto Amelie se esforçasse, nunca era o suficiente. Se entrava nos aposentos do pai, tão feliz que por um breve momento esquecia-se da regra que a impedia de ser inconveniente quando não era chamada, Edgard a lembrava com duras repressões. E a garota animada, trazendo um desenho, um bordado, ou uma tarefa concluída, se recolhia com a certeza de que na próxima vez, seria tão perfeita que Edgard se esqueceria de repreendê-la.
— Lady Amelie, há alguma explicação para o que presenciei naquela sala? — Zoeh tamborilava na mesa, pausadamente. Suas unhas criavam uma sonata mortífera para a cabeça perturbada da jovem Amelie.
— Não, senhora. Peço desculpas pelo modo como comportei-me esta tarde. Asseguro-lhe que não irá mais acontecer.
— E a senhorita, Lady Delilah? Algo que queira acrescentar?
Delilah poderia dizer muitas coisas. A começar por revelar que aquela sentada ao seu lado havia causado toda a confusão. Mas não parecia valer a pena, e não só por isso. Algo no semblante assustado da jovem com as bochechas avermelhadas pela adrenalina a fez recuar.
Parecia... medo. Não dela, é claro. Mas a Amelie do salão, tão espinhenta, em nada se parecia com aquela que constantemente engolia em seco, e demonstrava apavoro com a incerteza do que poderia acontecer.
— Tenho certeza que nenhuma de nós gostaríamos de ter chegado a esse ponto. Com todo o meu coração, peço-lhe desculpas pelo ocorrido.
Zoeh suspirou, encarando as duas moças. Uma parecia estar realmente arrependida, ao menos por pensar em seus familiares e na reação contrária que poderiam ter. A outra, nutria nos olhos nublados a impossibilidade de ler seus pensamentos. Lady Zoeh Lefrance havia lidado com muitas jovens desde que o Instituto passou a ser o seu propósito de vida, para superar a viuvez precoce. Mas Delilah Westville era surpreendentemente diferente.
— Bom. Se as duas mostram-se tão genuinamente arrependidas, então não tenho motivos para levar a situação para os seus familiares. — Encarando a mudança de expressão da jovem D'Montfort, Zoeh levantou um dedo, prosseguindo. — Não irei levar, por acreditar que ainda estão nervosas com a mudança de ares. Mas escutem: não tolerarei outra briga como a desta tarde. As senhoritas são damas da sociedade e devem agir como tal. Se não alcançarem a modéstia que espero de ambas, terei que dispensá-las do Instituto.
— Pela Deusa, Lady Zoeh! — Amelie empalidecia apenas pela menção do desligamento. Ter a sua imagem associada a balbúrdia não era algo que seus pais esperavam quando a matricularam no Instituto, e a jovem tinha plena consciência disso. — Prometo não causar mais nenhum problema.
— E quanto a mim? Estou liberada? — Bocejando, Delilah apenas queria que todo aquele falatório tivesse o seu fim. Não suportava ficar em um espaço onde sua presença era requisitada para que ouvisse o que era certo e esperado de sua nova posição.
— Sem escutar a sua punição? — Zoeh cruzava os braços, olhando-a com divertimento enquanto se recostava na cadeira.
— P-punição!? — Amelie arregalava as pupilas cristalinas. — Achei que Lady Zoeh havia dito que nos daria uma chance...
— E darei. — Zoeh se inclinou, encarando a jovem espantada. — Mas atos falhos precisam ser reparados. Só assim jovens como as senhoritas poderão se tornar damas de requinte.
— E qual seria? — Delilah perguntou, a fim de colocar um fim naquela discussão.
— Que não seja nada pesado, Lady Zoeh... Meu debut está próximo, e não posso arriscar ficar com marcas, nem posso me sentir indisposta.
Delilah revirou os olhos, tendo vontade de vomitar ao ouvir as justificativas da nobre ao seu lado. Ela fazia mais força que o necessário para não encarar aquela dama, que retribuía, tratando-a como um inseto insistente. Ela odiava aquela sensação.
— Fique despreocupada, seu debut estará mantido. A tarefa de vocês será levar provisões para a Vila de Sarsch.
— A vila de Sarsch? — Amelie perguntou, contorcendo os músculos da face. — Não é lá que vivem as Irmãs?
— Suas preceptoras fizeram um ótimo trabalho, Lady Amelie. É exatamente onde as Irmãs vivem há muitas décadas. É trabalho dos Sacerdotes abastecê-las com tudo que precisam, mas em uma pequena exceção, será tarefa das senhoritas.
— Mas a Vila de Sarsch fica a algumas boas milhas da Capital... Bom, se tiver uma carruagem, ficarei bem.
Delilah encarou a garota que usava o singular para se referir a tarefa quando as duas estavam no mesmo barco. Pela décima quarta vez no dia, seus olhos giraram em um eixo perfeito.
— As senhoritas terão uma carruagem... Até a metade do caminho.
— E a outra metade!? Lady Zoeh, não posso andar tanto! — Amelie intercedeu, apertando o tecido do vestido. — E eu não quero ir para a Vila de Sarsch. O clima arruinará o meu humor!
— Como se ele não fosse deplorável em qualquer circunstância... — Delilah rebateu, cantarolando. Estava com a cabeça a latejar pelos minutos que passava ao lado de uma jovem tão cheia de vontades esdrúxulas, típico da classe ao qual ela pertencia.
— Perdão. O que disse?
— Ah, a senhorita lembrou que há alguém ao seu lado? — Delilah sorriu, irônica.
— Não poderia esquecer-me, quando tal pessoa me faz passar por uma situação tão constrangedora... Eu, Uma D'Montfort, entregando provisões?
— Tenho certeza que essa será uma ótima oportunidade para o seu ego voltar ao lugar.
— Lady Delilah, acaso insinua que tenho o ego elevado?
— Senhoritas. — Zoeh tamborilava a mesa, chamando a atenção das jovens que a minutos atrás juraram manter o decoro. Amelie estalava os lábios, olhando para o lado. — Partirão amanhã. Pedirei para Albey levá-las até a Sede para que lá tratem dos últimos ajustes.
— A-amanhã!? — Amelie espalmou as mãos na mesa, criando um estampido. Estava tão nervosa que esqueceu-se de recuar, o que geralmente faria se estivesse com a cabeça no lugar. Ou melhor, se estivesse com a cabeça no lugar, não estaria naquela situação. — Tenho que me preparar. Não pode ser na próxima semana?
— Amanhã, e espero que as senhoritas entendam que estou sendo muito complacente designando-as para uma tarefa tão ínfima. Espero não me arrepender de minha decisão.
Amelie desabou na cadeira, recebendo um duro golpe que a deixou estagnada. Já Delilah, cansada, levantou-se, se afastando com uma mesura antes mesmo de ser dispensada. Aquele ato não foi despercebido por Zoeh, mas eram muitas as oportunidades de ensinar-lhe o que era o correto.
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— Está satisfeita, filhotinha de Revolucionários? — Amelie a segurou pelo braço, impedindo-a de prosseguir. — Percebe o que acabou de causar a mim?
— Achou que eu ficaria calada diante dos seus desaforos, sua nobrezinha mimada? — Delilah afastou o braço, mas não a distância. Encarava a jovem D'Montfort, de onde muitos daquela gente achavam que ela não era capaz de alcançar. — A senhorita começou os insultos. Só fiz o favor de retribuir.
— Sabe, me impressiona como Lady Zoeh decide abrir as portas da casa dela para qualquer tipo de pessoa. É aquilo que chamam de “fazer o bem sem olhar a quem?” Praticar caridade ou algo assim?
Delilah sentia o sangue subir à cabeça e a palma da mão coçar para acertá-la mais uma vez. Mas, ao lembrar da senhora Westville, e das expectativas que a esperavam, recuou. Não colocaria tudo a perder por uma nobre sem decência.
— A minha presença aqui não é mais impressionante que a sua, Lady Amelie. Não culpo Lady Zoeh por ser obrigada a aceitar uma jovem tão intragável quanto a senhorita. Mas, se o que ouço a respeito de sua família estiver certo, há uma regra silenciosa em “nosso” círculo social que nos impede de ir contra as vontades do Marquês. Então, já parou para pensar em quantos lugares a senhorita não é tão bem vinda quanto aparenta, e quantos dos seus afetos só podem ser chamados assim por temerem o seu querido pai?
— É a segunda vez que a senhorita fala da minha família. — Amelie fechou os punhos, olhando para baixo. Não queria mostrar que as palavras daquela nova-rica havia a atingido, mas ao lembrar do seu círculo de amigas, nas preceptoras que cochichavam sobre a sua personalidade, e o seu próprio pai, que a enxotava sempre que havia a oportunidade, não pôde evitar aquele sentimento amargo que lhe assolava o peito. — Acha que tem moral para falar do meu pai, quando o seu atrapalha as assembleias por causas tão inúteis? Como a senhorita acha que ele é conhecido pelos homens de bem?
— Por gente como a senhorita? — Delilah riu, amarga. — Certamente, meu pai é visto da pior forma possível. Mas se ele é ruim pela ótica dos Nobres Reais, então ele está no caminho certo. Não é como se o seu grupo seja o melhor para definir a índole de alguém.
— Senhorita Westville! Senhorita Westville! Ah, graças a Deusa, encontrei a senhorita... — Esbaforida, Rosa se curvava, pedindo desculpas pela intromissão. Pela ótica de Delilah, a criada não poderia ter aparecido em melhor hora. — As jovens a esperam para jantar.
— Tudo bem, Rosa, eu já estava acabando. Lady Amelie, espero que a Deusa nos dê sorte para o dia que está por vir.
Delilah realizou uma mesura que, na visão de Amelie, sangrava todas as aulas em que ela havia treinado com afinco a movimentação de suas pernas e o abaixar preciso de sua cabeça. Aquela jovem era horrível, mas ela não precisava se preocupar. O tempo haveria de puni-la, a “presenteando” com um péssimo debut.
— Desculpa mesmo se atrapalhei a conversa da senhorita... — Rosa sussurrou, caminhando atrás de Delilah entre os corredores com janelas altas. Os últimos raios de sol se despediam, dando ao lugar um aspecto alaranjado.
— Você me salvou, Rosa. Mais alguns minutos ali e aquele rostinho levaria a marca da minha mão.
— Estava a discutir novamente com a dama D’Montfort? — Rosa levava a mão à boca, impressionada. Outras garotas levariam como preceito a palavra da dona do Instituto, mas Delilah estava fora dos estigmas de todas as damas que já havia conhecido. — Não teme ser repreendida por Lady Zoeh?
— Temo, sim. — Delilah confessou, chegando em frente às escadas. O salão de jantar estava a poucos passos, mas a jovem não possuía energia para enfrentar minutos de conversas triviais e sorrisos fingidos. — Mas não consigo me controlar quando estou diante daquela nobrezinha. Rosa, pode avisar que prefiro jantar em meu quarto? Não tenho vontade de me juntar às outras.
— Como quiser, senhorita. — Rosa se curvou, deixando Delilah sozinha. Subindo os degraus lentamente, a jovem olhava para o papel de parede, o lustre e os quadros que adornavam o lugar. Lidia amaria aquela casa, e o ligeiro pensamento a fez ter saudades do seu verdadeiro lar.
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— Atrapalho, senhorita?
De pé, Delilah apreciava a vista para a grandiosa área verde que estava abaixo dos seus olhos. A noite estava bela às pupilas, salpicadas com estrelas, e a lua no centro. Mas nem mesmo a presença do luar a fez esquecer do lugar em que estava.
— Você nunca atrapalha, Rosa. — Delilah sorriu, se recolhendo.
— Vim ver se a senhorita necessitava de ajuda com o vestido, mas vejo que já foi capaz de resolver-se sozinha... — Rosa abria um sorriso amarelo, abanando as mãos. Enquanto buscava uma utilidade para a sua presença, avistou uma mala intocada. — Oh, posso arrumar essas roupas para a senhorita...
— Não! — Delilah pigarreou, se achando tola por ter aumentado a voz, mais ainda quando percebeu a expressão assustada de Rosa. — Não... São roupas. — A jovem sorriu, se aproximando da mala. — Veja.
Rosa se aproximou, encarando a mala repleta de livros.
— A senhorita aprecia muito a leitura. São romances?
— Creio ter alguns. — Delilah piscou um dos olhos, voltando a encarar os livros com carinho. — Mas a maioria, são livros da área de Medicina. Foi tão difícil conseguir estes... Geralmente, papai os trocava por mercadorias. A mamãe nunca soube, mas desconfiava, e ela nem sonha que trouxe esses livros comigo. Me mataria se descobrisse.
— Medicina? A senhorita aprecia tais assuntos?
— Devo dizer que é o assunto da minha vida, Rosa. — Delilah comentou, com um brilho nos olhos nunca visto desde que a jovem pisou no Instituto. — Desejo com todo o meu coração, tornar-me médica.
— Não diga! — Rosa se espantou. — Mas tal profissão não é restrita apenas aos homens?
— Por enquanto. — Delilah suspirou. — Mas hei de quebrar essa regra. Daqui a alguns anos, Rosa, quebrarei essa regra.
Delilah sorria, olhando para a criada com uma impressionante certeza do que dizia. Rosa a encarava, já tendo visto moças que sonhavam com casamentos elegantes, nobres afortunados, mas nunca uma jovem que sonhava como Delilah. A garota que chegou quebrando regras, talvez pudesse mesmo ser capaz de quebrar mais uma.
— Mas, enquanto isso ainda não acontece, devo acordar cedo amanhã e realizar a tarefa confidenciada à mim por Lady Zoeh. E como tenho certeza de que não conseguirei acordar sozinha, lhe peço para que me chame assim que o sol raiar.
— Durma despreocupada, senhorita Westville, estarei aqui para o que precisar.
— Aqui? Nesse quarto?
— Onde mais ficaria? — Rosa a olhava com dúvida explícita no olhar.
— No seu quarto...? — Delilah lhe devolvia a dúvida, e ao perceber as intenções da criada, que separava uma cadeira ao seu lado, suspirou. — Vá dormir em uma cama, Rosa. Tocarei a sineta se precisar.
— Mas e se... — Delilah, com os braços apoiados na cintura, encarava a jovem com teimosia no olhar. Rosa cedeu, balançando a cabeça em negação. Aquela jovem era realmente deveras estranha. — Como quiser, senhorita Westville. Amanhã, quando os primeiros raios de sol aparecerem no céu, estarei a postos para lhe chamar.
Rosa cumpriu o combinado, batendo na porta três vezes antes de entrar. Encontrou a jovem enrolada nos lençóis, ignorando completamente os chamados da criada.
— Senhorita, vim lhe chamar, como pedido.
— Mas eu acabei de fechar os olhos agora... — Delilah resmungou, odiando a si mesma por ter perdido tanto tempo em pensamentos inúteis na hora de dormir. Quando as luzes foram apagadas, sua mente traiçoeira se acendeu.
— Sinto muito, senhorita, mas é o combinado.
— Aquela nobrezinha me paga. Ah, se paga.
Em outro quarto, situação semelhante ocorreu com a jovem Amelie. Sua criada abria as cortinas, delicadamente, avisando-a que era chegada a hora de se levantar.
— Odeio a dama Westville por ter feito-me abandonar a maciez desses lençóis.
— Mas devo lhe lembrar que a senhorita a atacou primeiro.
— E era o dever dela aceitar esse ataque calada! — Amelie ralhou, fazendo a criada se encolher. — Não é o que pessoas da posição dela fazem?
Contentes ou não, as jovens foram guiadas por Albey até a Sede. Passaram por ruas parcialmente vazias, até adentrarem o pequeno espaço usado para resolver as pendências do Templo das Três Rosas. Quando chegaram, foram recebidas por um rapaz de pele escura, que as recebeu de forma acolhedora.
— Lady Zoeh já me passou todos os informes que precisava saber a respeito das senhoritas. Agradeço-as em nome dos Sacerdotes por isso, estamos mesmo precisando de pessoal.
— Bom, não é como se eu estivesse fazendo isso de bom grado...
Delilah a beliscou, fazendo a jovem alisar o local com um gemido contido. Amelie a encarava, incrédula pelo ato, e mais incrédula ainda por ela continuar sorrindo para o rapaz.
— As senhoritas precisam de carruagem?
— Não. — Albey se adiantou. — Lady Zoeh cedeu uma carruagem que as levará até a metade do caminho.
— A outra metade é complicada para duas jovens do porte delas atravessarem sozinhas. E se considerar a chuva que ameaça os céus...
— Elas ficarão bem. — Albey respondeu, sentenciando-o com o olhar. — Ordens de Lady Zoeh.
O rapaz assentiu, abastecendo a carruagem com as provisões necessárias. Em seguida, desejou-lhes sorte para enfrentar o caminho que estava por vir.
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A carruagem se balançava à medida que atravessava as ruas que ganhavam cada vez mais transeuntes com o passar das horas. Amelie, na ponta direita, olhava para a fresta da cortina que lhe permitia a visão dos passantes.
— Já sinto as minhas pernas doerem. Detesto ficar horas em uma carruagem.
— Deveria fazer uso dessas horas para ficar calada.
— Não estou me dirigindo a senhorita. — Amelie estalou os lábios, ríspida. — É um disparate ter que aturar a sua presença.
— Olha, está aí um ponto em que pensamos iguais? — Delilah sorriu, irônica. Olhou para a janela, vendo a mudança de paisagem para o cenário arbóreo, o que significava que estavam se afastando do centro da cidade.
Amelie bufou, se remexendo no banco. Cruzando e descruzando as pernas, a jovem usava o seu leque para se abanar, e enquanto realizava esse ato, Delilah deixou suas pupilas caírem sobre ela. Observava o movimento de suas mãos, e fios do cabelo ruivo que ora movimentavam-se com as lufadas de ar. O busto que subia e descia no decote bege, e a expressão de impaciência da jovem, faziam a jovem observadora engolir em seco, sentindo-se estranhamente aquecida.
— Se relaxar, verá que rápido chegaremos ao nosso destino.
— Agora diz-me o que devo fazer? — Amelie ria, olhando para a fresta da janela. — Guarde seus conselhos para si, Lady Delilah.
— Não é pela senhorita que digo. — Delilah revirou os olhos, movendo-os para o outro lado. Precisava mesmo de outra visão que não fosse os atributos físicos de Lady Amelie D'Montfort. — Me dá tontura ao vê-la tão inquieta.
— Não me olhe, então.
— É possível com a senhorita sendo tão barulhenta?
— Ora, sua...
— Chegamos.
Amelie foi a primeira a sair, respirando profundamente o ar do cenário atual. Estavam cercadas por floresta por todos os lados, e pela sorte, haviam calçado botas. A chuva prometida pelo sacerdote criava poças de lama por uma boa parte do caminho que teriam que seguir.
— Temos de ir enquanto esse chuvisco não se torna uma chuva forte. — Delilah suspirou, agradecendo ao homem de barba rala por lhe entregar as provisões. Ao mesmo tempo, ela olhava com os olhos semicerrados para Amelie, que não havia se oferecido para segurar. — Lady Amelie, não está esquecendo de nada?
— Não vou segurar sacos, se é o que propõe.
— Então, ficará para trás.
Amelie olhou para a carruagem, longe o bastante para que voltasse para buscar por ela. Voltando a olhar para Delilah, a jovem resmungou, caminhando sem vontade.
— Eu juro, que essa é a última vez que passarei por essa humilhação.
A chuva, contrária a previsão de Delilah, apertou minutos depois da entrada das jovens na mata densa. Amelie tremia e levantava os pés, pesados de água e barro. Delilah guiava a dupla, mas até a visão que auxiliava até aquele ponto a deixava para trás.
— A gente não pode parar? — Amelie aumentou a voz, segurando a provisão contra o corpo.
— E correr o risco de ainda estarmos aqui quando escurecer? O condutor disse que a vila fica depois dessa floresta, se a atravessarmos, chegaremos em pouco tempo.
— Fale pela senhorita. — Amelie bufou. — Minhas botas estão atoladas e não aguento mais andar.
— Então fique para trás e vire comida de urso, Lady Amelie.
— U-urso!? — Amelie engoliu em seco, forçando as botas a saírem do lugar. Tendo conseguido essa façanha, a jovem segurou o tecido do vestido de Delilah, parando-a. — Não quero virar comida de urso.
— Então ande. — Delilah sorriu, irônica. — Rápido, de preferência.
Amelie assentiu, andando a poucos passos atrás de Delilah desde que a preocupação com ursos tomou conta de seus pensamentos. O vestido de ambas grudaram-se contra o corpo, os penteados já haviam se desfeito, as respirações tornavam-se mais rápidas conforme o frio avançava. Não conseguiriam sair daquela floresta caso não colaborassem uma com a outra.
— Me dá a sua mão. — Delilah pediu, erguendo a mão livre para Amelie.
— Minha mão!? Para quê?
— Para que possamos chegar mais rápido? — Delilah estreitava os olhos, encarando a expressão desconfiada da jovem. A última coisa que queria era ficar de mãos dadas com Amelie D'Montfort, mas era preciso. — Ou é isso, ou vamos mofar nessa floresta.
— E seremos comidas pelo urso... — Amelie engoliu em seco com a possibilidade, empalidecendo. Das duas opções, por mais que estar ligada a Delilah Westville representava o pior dos castigos, ainda era melhor que ter seus ossos triturados por uma criatura assustadora. — Tudo bem. Mas é só porque eu odiaria ficar desfigurada antes do meu debut. Mas saiba que não é um prazer para mim andar de mãos dadas com a senhorita.
— Fique tranquila, nobrezinha. Fará o seu debut e conquistará um nobre perfeito que a cobrirá de joias e elogios vazios. — Delilah abriu um sorriso sarcástico, pegando a mão da jovem Amelie. Entrelaçadas, as duas enfrentaram a chuva constante, ignorando a sensação das luvas se tocando. Apesar da cobertura, as duas sentiam como se o tecido não existisse, tamanha descarga elétrica que compartilhavam sem saber. — E para a sua informação, também não me agrada nada estar de mãos dadas com uma senhorita tão mimada e egocêntrica.
— Ego o quê?
— Não escutou da primeira vez?
Amelie estalou os lábios, jurando a si mesma que destruiria Delilah Westville. E mais uma vez, provaria a si mesma e a todos que era perfeita, e assim haveria de ser.
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