Capítulo 23
Os sinos tocaram. Os instrumentistas preparam-se. A noiva, divinamente bela, pôs-se à entrada do Templo. O noivo sorriu. A noiva não sorriu de volta.
Amelie suspirou e arriscou um passo, segurando o buquê de pétalas lilás. Sentiu o aroma das flores e olhou para os convidados, vendo uma porção de rostos sorridentes. Viu Jolie e Clorance, que vibravam com a sua suposta conquista, mas foi ao ver o motivo de suas lembranças ao inalar o cheiro floral, que Amelie abriu um pequeno sorriso. Trocou olhares com aquela que era sua cúmplice e sua confidente, para os momentos que viriam a seguir.
Delilah sentiu-se perder o fôlego ao ver Amelie trajada em vestes nupciais. Seu coração palpitou ao vê-la tão linda e pronta para caminhar na direção de outro. Desviou o olhar para Arnold, que imaginava um desfecho que não aconteceria. Delilah sabia que aquele casamento não chegaria às vias finais, mas ainda lhe doía o peito imaginar que, caso nenhuma das duas confessasse o seu amor e lutasse por ele, em minutos e até o final de sua vida, Amelie estaria presa a Arnold. O amor da sua vida, entregue a outro.
Amelie enfim parou ao lado de Arnold, que alegremente tentou segurar a sua mão. Afastando-se, a dama o encarou brevemente e abriu um enigmático sorriso, confundindo-o. Arnold ouviu todo o tipo de coisa na noite anterior, quando ofereceu uma festa em comemoração ao matrimônio. Cavalheiros bêbados batiam-lhe nas costas em sinal de felicitação, outros zombavam que havia chegado a hora de pôr o que havia entre suas pernas nos calções, reprimindo-se de bordéis onde seu nome era devera conhecido. Os últimos a ficarem no bar ofereciam-lhe condolências pelo dia que chegaria, opinando sobre a vida conjugal enquanto trocavam beijos com as damas de trajes íntimos, especialmente contratadas para a ocasião.
Arnold apenas riu para as falácias dos rapazes, afirmando que não era preciso afastar-se de atividades que afirmavam o seu status de homem. Mesmo casado com a ingênua dama D'Montfort, poderia divertir-se com damas como aquela que lhe beijava o pescoço. Amelie era deslumbrada e não precisava de cuidados; bastava duas palavras de amor e ela se ajoelharia aos seus pés. Soube da fama da dama em suas tentativas infrutíferas à procura de seu primo, sabia que ela era uma jovem capaz de tudo para agradar o seu marido. Além de tudo, uma opinião feminina não era necessária para o cargo que ocuparia em breve, disse ele com um sorriso cheio de interesses. Amelie era uma escada para seus objetivos, um mero objeto. Certamente no dia seguinte, os outros responderam com um sorriso, a dama haveria de estar em lágrimas, com os sonhos juvenis de damas que sonham com aquele magnífico dia. Morreram de pena da coitada por passar aquele dia justo ao lado de Arnold.
"Não vá destruir os sonhos tolos da dama, Arnold" Disse o mais velho com um sorriso sugestivo. "Não no primeiro ano."
Mas Arnold, ao lembrar daquela conversa regada a whisky e mulheres, não percebeu nenhum daqueles sinais afoitos das jovens tolas em Amelie. A dama exibia uma segurança nunca vista, seus punhos estavam cerrados e aquele olhar... Aquele olhar queria lhe dizer alguma coisa. Arnold não sabia dizer o que era, mas o seu corpo retesado e a fina camada de suor que se acumulava em sua testa parecia se preparar para o pior.
Amelie ouviu a voz do celebrante, proferindo palavras que em breve selaria a união dos dois. Havia combinado com Delilah e Killian que a cerimônia seria interrompida na hora do fatídico sim, e apesar de saber que tudo caminhava para o cumprimento dos planos dos três, as palmas de suas mãos suavam com a proximidade daquela pergunta que outrora a uniria com o homem ao seu lado para sempre. Não precisou estar a centímetros de distância dele para perceber que Arnold cheirava a álcool, mulheres e uma vida de infelicidade que a aguardava caso não entendesse e aceitasse seus sentimentos pela dama que a aguardava. Amelie desviou o olhar para Aida, que acompanhava a cerimônia sem uma expressão diferente da carcaça rígida que sempre apresentava. Pensou na vida da mãe, que cedo enlaçou-se à de Edgard. Aida passou a viver para ele, mutilando-se em favor dos interesses do marido. Amelie não sabia, e isso atualmente lhe entristecia, como havia sido a vida de Aida antes de Edgard. Se era feliz. Se conseguia sorrir com frequência.
Sentia por sua mãe não conseguir sorrir verdadeiramente hoje. Sentia por não conhecê-la. Sentia por nunca ter sentido o seu verdadeiro amor. Sentia pela vida infeliz que a mãe teve.
— Arnold Jacob Clearvant, jura proteger, amar e honrar Amelie Louise D'Montfort até que ambas as almas estejam eternamente enlaçadas no descanso eterno?
Arnold sorriu, balançando a cabeça uma única vez. Virou-se para a noiva e a pegou pela mão, encarando os olhos azuis.
— Prometo te honrar como minha esposa, e tornar-me um homem digno de ti. Prometo te amar e te respeitar hoje e sempre. Prometo que nossos corações estarão unidos pela eternidade, até que a Deusa os enlace no descanso eterno.
Amelie engoliu em seco, sentindo todo o corpo tremer. Teve ímpeto de recuar, mas não poderia fazê-lo antes da hora. Apenas sorriu educadamente e procurou por uma silhueta entre rostos emocionados, ávida para lhe passar uma mensagem.
Delilah apertou a barra do vestido ao escutar palavras que ela gostaria que estivessem saindo de seus lábios. Arnold era um completo calhorda e jurava que se tivesse a devida oportunidade, socaria-o antes que ele pensasse em se jogar para cima de Amelie novamente. Quis rir ao pensar que havia chegado ao ponto de sentir ciúmes pela dama, e convencida do jeito que era, seria bom que aqueles pensamentos ficassem para sempre consigo.
Quando seus olhos castanhos encontraram os olhos azuis, Delilah sorriu ao entender a mensagem que aquele brilho costumeiro lhe passava.
"Eu também queria estar dizendo essas palavras para ti."
— Amelie Louise D'Montfort, jura... [...]
Silêncio. Todos os olhos voltaram-se à ela, esperando ver uma jovem tão emocionada que suas palavras mal poderiam sair. Mas não havia lágrimas no rosto da dama, apenas certeza.
— Diga, Amelie. — Pediu Edgard, abrindo um sorriso amarelo ao ouvir os cochichos.
— Amelie, meu bem, deseja que a pergunta seja repetida?
Amelie ouviu as palavras desconfiadas do noivo, mas não respondeu. Não precisou, pois segundos depois, a porta escancarou-se com um audível barulho, fazendo todos, inclusive Edgard e Arnold encararem o motivo do som. Que estava vivo, trajado em vestes reais e terrivelmente atrasado.
— Pela Deusa! Achei que eu teria que dizer sim. — Brincou Amelie, afastando-se de Arnold.
— Perdão. — Retrucou Killian, acompanhado pelos guardas reais. — É extremamente difícil ouvir claramente do lado de fora.
Os convidados entreolharam-se, e o barulho de cochichos tornou-se a melodia central da antiga cerimônia. No entanto, tal barulho não foi capaz de conter a onda de raiva e espanto de Arnold, que olhava para o primo com olhos estupefatos.
— Killian! Não achei que nos daria a honra de aparecer em nossa união. Mas, julgando o horário, o melhor não seria dar-nos as felicitações no desjejum? Não é de elegância, mais ainda para membros da família real, interromper matrimônios quando estes já iniciaram.
— Decerto estaria aqui se meu amado primo não planejasse uma emboscada contra mim. Junto do pai da noiva, é claro.
Killian respondeu com extremo ressentimento no olhar e na voz, encarando fixamente o parente que esperava encontrar o seu cadáver. Da forma como Delilah havia informado, sua carruagem foi atacada no momento em que se preparava para chegar à união. Se seus guardas não estivessem bem equipados, não estaria ali para revelar todo o perverso plano.
A comoção era geral. Todos os olhares alternavam entre olhar o príncipe que acusava, e o Duque que era acusado. Edgard estava vermelho dos pés à cabeça, vendo os seus planos irem por água abaixo. E o motivo estava a passos de distância. Amelie.
— Não sei do que fala, meu primo... Jamais...
— Sua fedelha estúpida! — Ralhou o patriarca. — Bem que sabia que estava tramando algo. Então o objetivo era lançar teu pai à discórdia?
Aida tentou intervir, segurando os braços do marido, mas este em força maior, afastou-a com petulância.
— Nunca foi o meu objetivo fazer mal ao senhor. — Iniciou Amelie, apertando a barra do vestido. — Mas não posso dizer o mesmo de ti. Edgard, se importa e sempre se importou com o seu bem estar, mesmo que isso significasse passar em cima da individualidade das mulheres que, em tese, deveria amar. Se o senhor está na situação deplorável em que se encontra, isso é culpa dos seus próprios atos.
— Ora, sua...! Como ousa desrespeitar o teu pai, aquele que cuidou de todos os incontáveis custos que seus devaneios de menina tola sempre me custou? Sempre te banquei, Amelie. Se conquistou a reputação que tem é por causa dos meus gastos contigo.
Amelie não pode evitar o riso amargo que subia-lhe a garganta. Com os lábios trêmulos, a dama prosseguiu.
— Custos? Gastos? É mesmo, essa sempre foi a forma como me enxergou. Nada além de um mísero investimento que lhe traria lucros. O senhor tem razão, eu consegui uma reputação. Feitos vazios que em nada condizem com o que eu realmente sou. Sempre tentei ser alguém ideal para ti, meu pai. Alguém que algum dia receberia a aprovação do grande Edgard D'Montfort. — Disse ela com uma pompa forçada na voz. — Mas não dá pra ganhar a aprovação de alguém que vive em uma lama sórdida de interesses mesquinhos.
Amelie fechou os olhos e encolheu-se a segundos de ganhar uma bofetada daquele que se afetou com suas palavras. Edgard estava monstruoso e assustador, com grandes olhos esbugalhados e uma aura maldosa. Levantou a mão para acertá-la com força, mas algo, ou melhor alguém, o parou.
A dama abriu os olhos lentamente e lá estava ela, encarando o D'Montfort com fúria. Delilah segurava o braço de Edgard no ar, apertando-lhe o pulso.
— Se ousar acertá-la, terá sérios problemas comigo.
Delilah praticamente rugiu entredentes, arrancando uma risada estridente do homem que se afastou. Alisando o pulso com uma expressão desdenhosa, como se o toque da dama lhe causasse ânsia, o homem respondeu.
— Meus problemas de família chegaram na sarjeta? Não lembro de aceitar opiniões de meros residentes do lixo.
— É engraçado que o "senhor". — Fez aspas com os dedos, odiando ainda tratar-lhe com algum respeito. — Sempre usa das minhas origens para fazer-me chacota. Não tenho vergonha de ter vindo de onde vim. Vergonha teria eu se fosse uma nobre munida de todos os privilégios e ainda assim, tais barganhas não fossem suficiente para me tornarem uma pessoa melhor. Pois o senhor sim, advém do lixo, do chorume e da podridão. É tão vazio e estúpido, escravo dos seus interesses, e diga o que quiser, nunca poderá me atingir com essas palavras sendo o homem sujo que é.
Edgard estava afoito, enraivecido de uma maneira que jamais esteve antes. Primeiro a filha lhe pregava uma traição sem tamanho, agora aquela filhote de Revolucionários ousava lhe dizer palavras que até os mais aptos tinham medo de dizer. Delilah olhava o de cima, como se fosse maior do que aquilo tudo, e como aquilo lhe enraivecia, ah se enraivecia. Tinha vontade de matá-la ali mesmo e jogar seu corpo em pedaços aos cães, e depois que saísse daquela situação, porque haveria de sair, afinal era Edgard D'Montfort, certamente colocaria aquele plano em prática.
Em minuto Delilah estava encurralando o D'Montfort e no outro Arnold aproveitou a inclusão da dama para arrastar Amelie consigo. A plateia berrou um "oh" preocupado diante da cena que presenciaram e apenas quando Delilah virou-se na direção que todos expectavam, viu o retrato estampado de seu terror.
Arnold segurava os braços de Amelie para trás com uma das mãos, enquanto a outra apontava um canivete em seu pescoço. O olhar do Duque estava insano, ninguém ali duvidaria que ele realmente fosse matá-la.
— É realmente lindo essa união entre plebe e nobreza e instigante essa briguinha familiar, mas... Não vou cair aqui. — Arnold riu e apontou a navalha para Edgard. — É um tolo, Edgard. Tolo e insuportável, assim como essa cretina da sua filha. Acha que eu suportaria estar casado com ela por muito tempo? Assim como planejei matar o meu primo, a mataria assim que tivesse a chance. Logo logo teriam a notícia de que a minha amada esposa havia falecido devido à fraca saúde mas na verdade, eu estaria a envenenando. Em seguida, o eliminaria e não restaria ninguém que ameaçasse o meu reinado. Eu nunca estive ao seu lado, Edgard. Sempre pensei em te derrubar.
A plateia levou a mão aos lábios, mal podendo respirar com tantos acontecimentos. Killian sentiu o peso das palavras do primo com a confissão deste e orientou os guardas a não fazerem movimentos bruscos, temendo pela vida de Amelie. Aida desesperou-se vendo aquele artefato tão perto do pescoço da filha e precisou que os presentes a acudissem. Mas Edgard apenas sentia ódio por ter sido enganado por seu aliado.
— Não se importa nem um pouco com a vida dessa cachorra né? — Grunhiu Arnold, segurando os braços da dama que se debatia. — Somos iguais Edgard, só nos importamos com nossos interesses. Mas eu sou melhor porque tenho ela. Meu amado primo não deixaria uma jovem inocente morrer, não é?
Arnold olhou para Killian enquanto segurava a navalha perigosamente perto do pescoço de Amelie.
— O que quer em troca da liberdade de Amelie? Não a machuque, não ganhará nada com isso.
— É, posso até não ganhar. — Disse Arnold com falsa culpa. — Mas não tenho nada a perder. Já ela, apesar de burra, pode ter alguma serventia. — Arnold a prendeu contra o corpo, causando nojo e revolta em Amelie. O homem estava louco e com sua vida nas mãos. E para provar que estava falando sério, apertou o fio contra a pele alva, derramando uma gota de sangue. Aquele ato que tanto causou dor na dama arrebatou uma comoção geral.
— Dou-lhe tudo, diga-me o que quer! E eu darei, mas por favor, não se prejudique mais.
— Tudo é uma palavra muito tentadora... — O Duque passou a língua entre os lábios. — É um verdadeiro tolo, meu primo. Nunca serviu para ser Rei. Um cachorro no meio de leões. Quero o que é de sua linhagem e que deveria ser de meu amado pai. Quero a Coroa.
— A escolha foi justa. Meu pai nasceu primeiro.
— Mas meu pai sempre foi o melhor! — Ralhou Arnold com raiva no olhar e Amelie temeu que ali fosse o seu fim. — Seu pai ascendeu às custas do meu que sempre ensinou-lhe o que não conseguia aprender. Meu pai era o melhor estrategista, a cabeça pensante desse Reino e o melhor na esgrima. O teu pai é inferior.
Killian não era o maior defensor do pai, mas Arnold estava errado, consumido pelo ódio e inveja.
— Sempre teve lugar para meu tio nesse Reino. E a ti, meu primo.
— O que restou a mim foi assisti-lo ter a vida que eu deveria ter. É um fraco, Killian. Tinha medo de segurar uma espada. Fugia das aulas. Quando cresci, parti para esquecer essa injustiça, mas não era justo que eu me lançasse ao exílio quando o meu lugar é sentado no Trono que será teu. Voltei para tomar o meu lugar. — Após o monólogo, Arnold voltou a sorrir insanamente. — E tomarei ou morrerei junto a ela. A escolha é sua.
Enquanto Killian se via diante da escolha mais difícil da sua vida, Amelie e Delilah se entreolharam desde que a primeira foi arrastada para aquela barganha. Amelie se debatia, grunhia e se desesperava com a possibilidade de sua vida conturbada ter fim ali. Lutava da cabeça aos pés, desgrenhada e totalmente distante da imagem de dondoca que por anos tentou manter. Como o seu pai disse, possuía uma reputação que não serviu para fazer-la feliz. Ao longo de sua vida, duvidava ter conhecido a verdadeira felicidade. Até conhecê-la.
Amelie mudou quando a conheceu. O sol em forma de mulher, a luz em meio às sombras que por anos a rodeavam. Quando Delilah chegou, foi difícil aceitá-la no começo. Aceitar sua luminosidade, sua língua travessa e sua capacidade de sempre fazê-la pensar. Na comodidade em que vivia, se perguntar sobre a injustiça de um mundo predominante masculino nunca foi algo que lhe fosse importante pensar. Mas quando aquela dama irritantemente revolucionária adentrou a sua vida, se viu compelida a lutar.
Estava feliz por ter se tornado uma pessoa melhor. Alguém digna dela. Estava feliz por estar partindo com um feito bom, ter salvo Killian. Queria que o príncipe fosse genuinamente feliz. E é por isso que ela não poderia deixar que ele tomasse uma atitude tola por sua causa.
— Não dê ouvidos a ele, Killian. — Disse Amelie, sobressaindo-se ao barulho — Não pode entregar o Trono para alguém como Arnold. Ainda que eu tenha que morrer para isso, é o único adequado para reinar.
Arnold riu estupefato e odioso, apertando os pulsos da dama com estupidez. Subiu a mão para os cabelos ruivos da dama e puxou.
— Está tentando ser a heroína, minha noiva? Sabe que eu preferia quando era uma esnobe avoada com manias de grandeza?
— Então sinto-lhe dizer que nunca me conheceu.
— Tanto faz. — Arnold estalou os lábios. — Estou sendo paciente mas não gosto de escutar voz de mulher por muito tempo a não ser que seja para me satisfazer. Se continuar ralhando no meu ouvido e tentando ser engraçadinha, corto a sua língua.
Amelie calou-se em um assombro ao pensar que realmente podia estar casada com um patife daqueles. Odiava-se por não ter força para mudar aquela situação. Odiava-se por ter deixado ser pega. Odiava ainda ser, não importa o quanto tentasse mudar, aquela jovem chorona de sempre.
Mas ao levantar os olhos marejados, viu a determinação nos olhos daquela que amava.
Delilah não se mexeu desde que o tumulto iniciou. Quando Arnold tomou Amelie como refém, seu coração retorceu e inchou. Viu a dama se debater e resistir enquanto o Duque a arrastava com brutalidade como se a dama fosse nada mais nada menos que gado. Sentiu tremores quando Arnold tirou sangue de sua amada e acompanhou a pequena gota escorrer na navalha mortífera. Arnold a mataria. E mataria também o seu coração.
Naquele momento, Delilah entendeu a dualidade do amor. O amor que enfraquecia e fazia tremer. O amor que a deixava imponente e com medo, muito medo. Não era capaz de imaginar sua vida sem Amelie. Sem a dama de língua afiada e olhos perdidos, que escondiam muito mais do que sua pose de dama forte queriam transparecer. Relembrou os momentos que transitaram entre o ódio e o amor, para ela sempre foi amor. Nos toques que trocavam à luz da lua e nos segredos das ruínas. Assombrou-se com a possibilidade de nunca mais poder tocá-la.
Olhou para as mãos que tremiam no exato instante em que as palavras de Amelie a fizeram ter orgulho e medo de sua certeza. A Amelie que estava na sua frente, aquela que havia lhe jurado amor, estava disposta a dar sua vida pelo Reino. Delilah queria beijá-la ali mesmo e ao mesmo tempo a chamar de tola por tal escolha. Que a Deusa a perdoasse, mas Delilah sacrificaria toda Terithia, todo o mundo se isso significasse poder passar a eternidade com ela.
Arnold emitiu seu ultimato enquanto puxava os cabelos de Amelie, a levando à dor. E ao presenciar aquela cena com suas mãos trêmulas, Delilah presenciou o outro lado do amor. A determinação.
Com os olhos e o peito enfurecido de amor, Delilah aproveitou as múltiplas distrações para esgueirar-se entre os vasos de flores que compunham o cenário. Arnold ainda fazia exigências; ordenava já como um Rei que chamassem o Rei atual e o desposassem ali mesmo, em seguida, que fosse reconhecido como soberano aos olhos da Deusa. Os presentes se agitavam em reação às palavras e os atos ensandecidos, os guardas esperavam com as mãos nas respectivas bainhas, Killian providenciava os pedidos do primo.
Amelie arregalou os olhos ao notar as intenções de Delilah obrigando-se a permanecer calada ainda que temesse pela louca atitude da amada, Edgard se rebateu diante dos braços que o seguravam enquanto tentava fugir e Delilah...
Delilah lutou.
Segundos atrás, quando o mundo a empurrava para longe de Amelie, ela embrenhou-se nas turvas águas do incerto e muniu-se de um vaso de cerâmica, com fogo no olhar. Que todos os Deuses intercedessem por ela. Ou que a própria Lilith tomasse o seu corpo. Que céu e submundo se juntassem para a ajudar em sua louca empreitada, guiada pelo amor.
Um barulho e olhos estatelados. Sangue a escorrer. Lágrimas. O fim.
Delilah e Amelie se entreolharam, e a segunda encarou o sangue que se acumulava nas mãos da primeira. Derramou lágrimas antes de se jogar em seus braços e abraçá-la apertadamente, encerrando qualquer distância que pudessem as separar. Delilah a agarrou de volta, pouco se importando com o sangue em suas mãos, causados pelos ferimentos ao acertar o vaso contra a cabeça de Arnold. Tocou-a nos cabelos, no rosto e por pouco não a beijou. Segurou a vontade ao voltar à realidade e escutar os gritos de um Duque perdedor já contido.
— Soltem-me! Ordeno que me soltem! Estão cometendo um ultraje contra o futuro Rei! Mandarei todos para a masmorra! — E voltando-se à Delilah. — Cachorra maldita... Não perde por esperar! Vou desgraçar esse rostinho...
Delilah soltou Amelie e lentamente caminhou até Arnold, olhando-o com repulsa. Ao se aproximar, trocou um rápido olhar com os guardas e o pisou no rosto, esfregando o seu calçado. Olhava-o de cima, vitoriosa.
— Terá tempo suficiente para latir bem longe daqui, Arnold. Espero que a sua estadia onde que quer seja equivalente ao seu caráter podre.
E deixando-o para trás, os gritos, as súplicas de Edgard que percebendo para onde ia, implorava por perdão, Delilah, Amelie e Killian abraçaram-se, compartilhando risadas gostosas como o arco-íris depois de uma longa tempestade.
🜲🜲🜲
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top