Capítulo 20


Delilah tocou os lábios, relembrando o beijo de outrora, compartilhado ao redor das rosas. Sim, ela havia permitido que Killian a beijasse e sim, ela havia sido impulsiva. Estava ferida e procurava defesa como uma leoa que ainda tenta resistir a um golpe mortal. Talvez beijá-lo não tenha sido a escolha correta, mas que escolha ela haveria de ter, quando a única que desejava não era recíproca? Teria que conviver com a dor de presenciar Amelie nos braços daquele patife? Ou, seu caminho começava a se desenhar no rastro daquele cujo sentimento afugentava-a com a intensidade de sua luz?

Não, não poderia aceitar Killian. Que ainda a sua opção seja afastar-se completamente da sombra amarga de sua amada, não poderia tornar-se rainha. Não o amava e acreditava que seus ideais ultrapassavam as paredes daquele Castelo. Uma vez lá dentro, poderia advogar em favor do seu povo, mas apenas ser a representação de uma figura real... seria o suficiente? Delilah sempre se imaginou à frente de suas reivindicações, não escondida atrás de uma Coroa pesada. Aprendeu a duras penas, com a infância de uma menina excluída dos centros luxuosos, que aqueles sentados à vista de todos, apesar de se mostrarem favoráveis às causas do povo, pouco podiam fazer.

— Senhorita? — Uma criada anunciou sua presença. — Lady Westville pergunta-me se já está pronta para ir à Modista.

Delilah demorou a responder, presa em suas divagações. Decerto estava mais nervosa devido a iminente reivindicação dos Nobres Reais, alegando serem os únicos detentores de tal título. Era um ultraje à ordem divina que reles pessoas como ela tivessem acesso a privilégios concedidos aos eleitos pela Graça da Deusa. Cada vez que ela lembrava daquelas sujas palavras, seu peito inflamado comprimia-se mais.

— Diga à mamãe que desço em um instante. — Escutando o clique da porta, Delilah encarou-se no espelho. Quanto dela havia mudado desde que a mudança para a Capital, os bailes e os frívolos assuntos de sempre tornaram-se o seu lar? Será que aos poucos, empoleirada naquele vestido de seda fina e enjaulada em um colar de pedras delicadas, estava tornando-se um deles?

Apertou os punhos, enojada. Segurou o tecido do vestido e em um ato de desdém, reverenciou a si mesma, repetindo as palavras que treinou ao longo daqueles meses, como um mantra doloroso e pessoal:

— Sim senhor, milorde. Claro, milorde. Oh, sim, adoraria dançar, milorde... — Mordeu os lábios, incapaz de continuar. Tais palavras não eram para ela. Delilah era um ser livre, e gostava de se sentir liberta. Estar naqueles trajes e estar próxima de mais uma vez, colocar um sorriso no rosto enquanto o seu coração estava sangrando era o oposto da liberdade que almejava.

Animada ou não, a dama deixou a sua residência para ocupar por um breve espaço de tempo ao lado de sua mãe, a carruagem que as levavam até a Modista. Madame Lou estava impecável como sempre, andando para lá e para cá com amostras de tecidos de cores diversas. E as jovens, amontoadas em esperanças frutíferas, tocavam e sentiam a peça responsável pelo sucesso ou fracasso de suas investidas.

— Um bom flerte começa pelo vestido... — Madame Lou interrompeu-se ao ver as novas visitantes. — Oh, se não são menina Westville e sua adorável mãe! Venham, aproximem-se, e me digam em que posso ser útil.

— Venho procurar o mais belo vestido para a mais bela dama deste Reino. — Começou Austina, com leve soberba na voz. — Com o devido respeito às senhoras aqui presentes, é claro, mas minha Delilah é a jovem mais agraciada deste recinto.

Com tal fala pretensiosa, o burburinho deu-se início e cada uma das senhoras listava as qualidades de suas meninas, competindo entre si. Em meio ao vozerio confuso, a risada de Aida D'Montfort ergueu-se sob os protestos de todas as outras:

— É certo considerar a nossa prole a mais bela criatura. Mas muito me admira, Lady Westville, que tal pensamento fútil seja a sua preocupação atual e não a situação crítica em que a sua família se encontra.

O silêncio instaurou-se e as senhoras presentes entreolharam-se, contendo-os cochichos que vazavam de bocas curiosas. Tais mulheres sabiam o assunto proposto por Aida D'Montfort e algumas delas, dormiam ao lado de homens que na manhã seguinte reuniriam-se em torno de planos maquiavélicos, cujo objetivo era empurrar de volta para o limbo dejetos que nunca deveriam ter atravessado o lado de lá. Apesar de sorrirem e mostrarem-se receptivas à família Westville, nenhuma daquelas senhoras teriam a decência de intervirem por elas. E não precisava.

— Desculpe, Lady D'Montfort. — Delilah retrucou, pondo-se à frente da mãe antes que esta pudesse responder. — A que "situação crítica" a senhora se refere exatamente?

— Ora, ainda não é de conhecimento das senhoras que o meu marido, Edgard D'Montfort, está para apresentar uma moção que determina que tais privilégios obtidos pelos Novos Nobres sejam inteiramente revogados? Era de certeza minha que tal informação fosse de conhecimento de seu marido, Lady Westville, afinal não é Garon Westville o principal nome dos Revolucionários?

Delilah sentiu o gosto ferroso da raiva que descia de sua garganta ao escutar as palavras presunçosas daquela mulher, ao ver o seu sorriso sarcástico e o tom de nojo em sua voz ao proferir o nome de seu pai. Naquele momento, seus olhos raivosos procuraram Amelie, que apertava os braços da mãe sem fazer som. Sua feição estava estranha, abatida, com manchas notáveis abaixo dos olhos apesar do esforço da maquiagem, bem diferente daquela Amelie que certamente se aliaria a mãe, fazendo-lhe chacota.

— Parece-me estranho que tal desejo para que "voltemos ao nosso lugar" esteja deixando o Marquês tão estranhamente desesperado. E parece bem mais estranho que tal urgência se dê justamente no momento em que o meu pai sugeriu uma reavaliação dos impostos cobrados pela Coroa, que sugestivamente, passou a ser de responsabilidade dos Nobres Reais.

Aida revelou na face pálida o choque e o desgosto com as palavras de Delilah, que acenderam os olhares das senhoras e jovens presentes no recinto. Madame Lou, sorrindo forçadamente, sugeriu que as damas acalmassem os ânimos, mas nada afastou o olhar altivo da jovem que estava a poucos metros daquela que olhava-lhe com a face de um gavião.

— Delilah, acaso insinua que meu marido tem algo a esconder?

— Mamãe, por favor... — Amelie conseguiu dizer, sussurrante. Já amargava-lhe e muito todas aquelas provas e mais provas de vestidos, perguntas sobre a disposição dos vasos e escolhas infinitas de flores. O baile D'Montfort, oferecido por Aida, poderia deixar os convidados felizes, menos a principal interessada na atração.

— Lady Westville. Não estou abaixo da senhora, ou então, também terei a ousadia de chamá-la de Aida.

— Chamar uma Marquesa por seu primeiro nome!? Acaso perdeu o juízo, menina vulgar? — Aida inflamou-se, desvencilhando-se da contenção de Amelie. — A senhorita deveria ser grata por não ser uma de minhas criadas ou então ensinaria-lhe uma boa lição.

Delilah riu, aproximando ao sentir que Aida também se aproximaria. Apenas um passo e a raiva ardente separavam as duas.

— Bata-me, se é o que deseja. Mas aviso-lhe que irei devolver. Não pisará em mim como pisa nas pobres coitadas que dependem da tarefa sórdida que é trabalhar para uma mulher intragável. Rezo para que um dia todas possam se libertar das amarras cruéis que a prendem a ti.

— Nenhuma das minhas criadas jamais reclamou de servir a mim.

— E elas poderiam? — Delilah riu com desprezo.

— És deveras vulgar para entender a relação entre as senhoras e suas servas. Nós, os Nobres Reais, nascemos para comandar. A ralé nasceu para obedecer.

Delilah inchou-se, apertando os punhos e deixando que a raiva agisse por ela. Não sujaria as mãos naquele monte de podridão, não. Aida não merecia a marca dos seus dedos, mas merecia o seu desprezo. E com grande prazer, Delilah o despejou na face assombrada da Marquesa.

— A senhorita... — Aida rosnou, levando a mão ao rosto úmido de saliva. — Sua...

— A senhora não é a escolhida e a eleita merda nenhuma. É apenas uma folgada, junto com o seu marido.

As senhoras levavam as mãos aos lábios, chocadas com o acontecido. Lou e Austina seguravam Delilah, que sentia a justiça imprimida no rosto nojento da mulher. Aida se limpava como se aquele cuspe a indignasse como mulher e naquele momento, ela estava certa. Aida não era digna de coisa alguma.

— A farei engolir essas palavras quando o meu marido e eu mandarmos a sua gente de volta para o lixo apropriado para as senhoras. Uma menina vulgar nunca estará a altura de uma dama bem formada de berço, como a minha Amelie.

— A senhora é tão repugnante que nem é capaz de perceber a apatia de sua filha, apenas preocupada com os seus interesses vazios. Devia perguntar-lhe se tal formação a faz verdadeiramente feliz.

Delilah encarou Amelie enquanto proferia aquelas duras palavras e a viu arregalar os olhos profundos e sem o brilho habitual. Só um tolo não veria que algo errado se passava com a jovem, e Aida cega pelos interesses e status, comportava-se como uma tola.

— Não ficarei a escutar palavras de uma desqualificada, sem berço social. Aproveitem bem o último baile em que irão, pois me compadeço e muito do estado de miséria que passarão a enfrentar. Vamos, Amelie.

Amelie ainda demorou alguns segundos, estática no mesmo lugar. Encarando Delilah, desejava poder pegar em sua mão e fugir para longe daquele estado caótico, para longe de Aida. A mulher treinava-a rigorosamente para o baile D'Montfort, determinando-a a agir como uma perfeita anfitriã. Mas ela não queria. Não desejava mais dançar, esperar por cavalheiros, sorrir e reverenciar. No entanto, sua infinita submissão não a permitia ir ao contrário daquilo que lhe foi ordenado.

Passou por Delilah com a certeza de que a admirava mais por não se abater. Queria pedir-lhe desculpas pelas palavras da mãe e esperava genuinamente que o olhar que trocaram, segundos antes de desaparecer, fosse o suficiente para mostrar o seu arrependimento por essa e todas as vezes que a rechaçou. Sentia vergonha e pena da mãe por ela ser tão mesquinha. Sentia vergonha e pena de si mesma por um dia ter sido assim.

— Aquela fedelha... Ela me paga! Arrumarei uma forma de fazê-la passar vergonha no baile que darei, ah sim! Como ela ousa insultar-me na frente de todas aquelas senhoras?

— Deveria deixá-la em paz, mamãe. — Amelie retrucou com um semblante cansado. — Disse que deveríamos ser boas anfitriãs, e assim seremos. Um inconveniente não contribuiria para o nosso objetivo.

— É, tem razão... — Aida murmurou. — Já irão sofrer o bastante voltando para o muquifo de onde nunca deveriam ter saído. Isso me basta. — A mulher riu de maneira maquiavélica, alisando as mãos. — Apenas senti falta de sua defesa, Amelie. Na verdade, sinto-lhe a cada dia mais distante. Não me diga que está sendo influenciada pelas palavras daquela plebeia?

Amelie apertou os punhos, raivosa ao escutar aquelas palavras que um dia tanto utilizou como forma de insulto. Delilah era uma mulher mais digna que as duas juntas, tão podres quanto dejetos descartáveis.

— Nunca, mamãe. — Amelie tentou sorrir, como esperado pela mãe. — Apenas concentro-me o necessário em meus deveres.

— Como esperado da minha menina! — Aida bateu as mãos, presa em seu mundo fútil. Realmente a mulher não percebia, ou não fazia questão de perceber, o buraco aquoso o qual Amelie adentrava. A jovem que definhava a cada dia, presa em um mundo que não desejava estar, sorriu mais uma vez e assentiu, como era o esperado.


🜲🜲🜲


Delilah não deixou se abater nem mesmo pelo breve sermão de Austina e o olhar amedrontado das mulheres. Estava cansada daquelas pessoas diminuindo-a apenas por acharem que tem condições para tal. Estava fatigada das tentativas de sua mãe, apesar de saber o que todas naquele recinto achavam de seu título, de comportar-se como uma daquelas senhoras de chapéu chique. Estava realmente cansada de existir em um mundo em que os títulos e as moedas ditavam quem deveria ser tratado com dignidade, e quem seria visto como a escória da ralé.

— Não tenho palavras para descrever o quanto eu a admiro. — Madame Lou confidenciou enquanto tirava as suas medidas. — Ninguém nunca a enfrentou dessa forma.

— Todos estão em assentos confortáveis o bastante para tal. — Delilah suspirou ao revelar a verdade. Nobres ajudam nobres em qualquer situação e ainda que a rigidez de Aida ultrapasse a linha da classe social, ninguém teria coragem o bastante para enfrentá-la. — Aprendi desde pequena que sempre serei eu por mim. Se não tivesse falado nada, ninguém falaria.

— Eu entendo esse sentimento... Para manter o meu negócio, tenho que fechar os olhos para muitas barbaridades que vejo e os ouvidos para os preconceitos que escuto. Acomodei-me com as atitudes perversas das senhoras e confesso que algumas vezes acabei reproduzindo certas palavras. Mas ao ver-te hoje, reacendeu a minha esperança que algum dia essa situação pode mudar. Devo te parabenizar não apenas por suas palavras conscientes como também pelo trabalho que faz junto às mulheres de outras classes sociais. Quem poderia crer, que uma rede de mulheres despontaria em um mercado totalmente novo e até então, inacessível a pessoas como nós?

Delilah sorriu, voltando-se ao espelho. Apesar de repudiar a posição que ocupava, não poderia negar que tal privilégio a permitiu olhar para os seus. Sem o título de nobreza, o sonho de criar uma marca própria de produtos naturais, envolvido a uma rede de colaboração coletiva com as mulheres que outrora eram esquecidas nas margens do preconceito social, nunca seria possível. Sem o título de nobreza, não ensinaria dezenas delas a ler e aprender sobre o seu espaço no mundo. Aida estava errada. Aquele não seria o último baile dela. Não por estar interessada em dançar, conversar e sorrir. Aquele não seria o último baile, nem que para isso ela tivesse que lutar.

— Madame Lou, a senhora já sabe o que fazer. — Delilah sorriu, encarando o seu reflexo.

— Oh, se sei. — A mulher sorriu de volta, cúmplice. — Que seja um baile memorável, então.


🜲🜲🜲


O baile D'Montfort decerto era mais do que os olhos curiosos dos presentes poderiam prever. No centro, uma fonte jorrava água infinita sem comprometer a segurança daqueles que dançavam. Castiçais e bandejas douradas reluziam aliados ao dourado da ornamentação opulente. Rosas brancas despontavam angelicalmente entre o ouro.

— Lady D'Montfort, devo dizer que o baile está magnífico. — Zoeh a cumprimentou, deslumbrada com as luzes que aconchegavam os olhos atentos. — Decerto é o melhor da temporada.

— Ora, és deveras gentil! — Aida retrucou com um sorriso. Lady Zoeh Lefrance, a mulher que todos reverenciavam, deveria ver com seus próprios olhos de raposa, o triunfo de sua filha. Assim como todos os presentes, que rechaçaram-a ao ser preterida pelo príncipe. — Sinta-se à vontade, por favor. Devo ir. O dever me chama.

— Oh, é claro que sim. — Zoeh a liberou, passando os olhos velozes pelo salão. E ao encontrar aquela que mais chamou a atenção, caminhou até ela, com um sorriso largo de aprovação e desaprovação.

— Sinto que nenhum dos meus ensinamentos foi capaz de barrar a sua crescente vontade de rebelar-se.

Delilah virou em direção à voz com um sorriso largo. Zoeh Lefrance, sua ex tutora e agora, uma potencial amiga.

— Está enormemente errada, Lady Zoeh. Foram os seus ensinamentos que me permitiram vestir esses trajes. A senhora ensinou-me que uma mulher deve fazer o que der vontade.

Zoeh reparou um pouco mais na ex-pupila, correndo os olhos por suas vestes. Delilah trajava um vestido de corpete preto, perigosamente coberto com uma tela transparente no vão aberto, entre os seios. A saia branca, caindo até os seus pés, era coberta com rosas vermelhas, como rastros de sangue no tecido alvo, deixando-a perigosamente bonita e fatal. Os cabelos soltos foram separados em dois chifres adornados com anéis de ouro. Delilah estava como Lilith e Sibelle ao mesmo tempo, Deusa e Demônia, sorridente e atrativa como só ela poderia ser.

— Não ensinei-lhe a lançar-se aos leões.

— Mas ensinou-me a adquirir antídotos contra as mordidas. — Delilah piscou, sapeca, antes de curvar-se em respeito ao príncipe que se aproximava.

Zoeh olhou de Killian para Delilah, abrindo um sorriso satisfeito. Ainda que indecorosa, Delilah trilhava um ótimo caminho. Cabia a dama não desvirtuar-se dele.

— Acredito que devo ausentar-me agora. Alteza. — Zoeh curvou-se, antes de deixar os dois a sós.

— Espero não ter atrapalhado a conversa entre a amável tutora e a graciosa pupila. — Killian sorriu, beijando delicadamente a mão enluvada. — Sentiria-me péssimo se fosse o caso.

— Na verdade, salvou-me de uma bronca. Fico te devendo essa.

— Poderá quitá-la agora, se aceitar ser a minha parceira na próxima dança.

Delilah estreitou os olhos, risonha com a perspicácia do príncipe e assentiu, oferecendo-lhe a mão. Quando a próxima rodada de dança iniciou, os dois ocuparam o centro do salão.


🜲🜲🜲


Faltavam menos de 10 minutos para Amelie descer as escadas que a levariam para os braços de Arnold. Olhando o seu reflexo no espelho, para as suas bochechas rosadas e o cabelo perfeitamente preso em um coque delicado, sorriu tristemente com a quase definição de seu destino. Quando deixasse aquele quarto, seria oficialmente a noiva de um Duque.

— É o que eu sempre quis, não é? — Amelie cruzou as mãos, perguntando a si mesma. Não obteve resposta. Quem poderia respondê-la, se não ela mesma?

Casar-se... Formar uma família... Servir a um marido... Desde pequena, havia treinado para um dia assumir as suas funções como mulher. Ainda quando as criadas lhe serviam as refeições na boca, divagava sobre um futuro feliz ao lado de um companheiro muito bom. Esse companheiro muito bom havia de ser Killian, mas Arnold não estava tão distante do seu ideal de felicidade. Mas não era por status que estava infeliz.

Era por ela.

Ao conhecer Delilah, seu castelo perfeitamente montado provou ser extremamente frágil. A cada encontro em que ela jurou estar a afastando, seu coração instigava-a a procurá-la uma próxima vez. A cada palavra atravessada que recebia daqueles lábios carnudos, a queria mais.

Beijaram-se, tocaram-se e conheceram-se como Amelie não poderia fazer com mais ninguém. Não se imaginava tendo o prazer e a vontade de querer mais ao lado de Arnold. Não se imaginava nem mesmo suportando passar uma tarde ao seu lado. E quando passava a pensar que procriariam, e que oficialmente ela seria a senhora Clearvant, suas lágrimas retesadas saíam sem que percebesse. Ela não poderia cruzar aquela porta. Mas deveria.

— Oh, senhorita, o seu rosto...! Se Lady D'Montfort a ver desse jeito...

Amelie encarou novamente o seu retrato, vendo o rosto profundamente marcado por sua tristeza e suas lágrimas. Sorriu de modo fraco e permitiu que a criada refizesse a maquiagem, conformando-se com a sua situação atual.

— Minha filha... — Aida levou as mãos aos lábios, encarando a silhueta de Amelie. Estava angelical e bela. Os olhos estavam parcialmente avermelhados, teria ela chorado de emoção com o eminente noivado? — Está tão bela, Amelie. Como eu sempre sonhei que estaria no dia de seu noivado.

Amelie sorriu, querendo rir de si mesma por ter pensado por alguns segundos, que sua mãe preocuparia-se com o seu pranto. Para Aida, contanto que estivesse de pé e respirando, bastava para a realização dos seus desejos. Sua alma não estava incluída no pacote.

— Obrigada, mamãe. — Respondeu, quase sussurrante. — E papai?

— Seu pai está recepcionando os convidados. — Disse a mulher em uma animação sem fim. — Devemos ir agora, está pronta, querida?


~ Flashback ~


— Mandou me chamar, papai?

Amelie se retesou ao ver Arnold ao lado do pai. Os dois, sorridentes, a encararam ao mesmo tempo quando chegou.

— Oh sim, minha querida Amelie. Devo contar-lhe uma boa nova.

— E qual seria? — Amelie encarava o Duque, que sorria de uma maneira a arrepiar todos os pelos de seu corpo. Ela não gostava daquele sorriso nem do jeito que ele a olhava, como se estivesse prestes a devorar uma presa.

"O seu noivado. Com o Duque. Irá se casar em breve, minha querida."


"Flashback Off"


Amelie desceu as escadas, degrau por degrau, arrastando a barra do vestido branco por onde passava. Com a mão enluvada, movimentou o leque que balançava os poucos fios ruivos que não foram presos ao coque. Ao descer tão leve como uma pluma, a dama chamou a atenção de todos, que passaram a observá-la com devoção. Inclusive ela.

Delilah passava pelos braços de Killian, acompanhando o ritmo dos instrumentos musicais. Rodava nos braços dele, se afastava e em seguida voltava ao lugar de origem, colando o corpo ao dele. Já era de seu conhecimento o ótimo desempenho do príncipe no que dizia respeito a dança, mas naquele momento, ele a conduzia com um fervor diferente, suficiente para prendê-la naquela visível tensão. Delilah o encarou, desconcertada, até o momento em que a sua atenção foi fisgada pela dama de vestido branco, que como uma anja, descia as escadas despretensiosamente.

Delilah engoliu em seco, observando a antiga rival. Amelie estava bela, tão bela quanto... Naquele momento, ela não conseguiu comparar. Estava sôfrega, tonta e completamente apaixonada. Seu coração batia forte pela jovem de vestido branco, correndo por seus pés e as borboletas que se prendiam a renda fina que compunha a segunda camada. O busto sugestivamente avermelhado lhe dava lembranças quentes, dos seios rosados que outrora visitaram a sua boca. A jovem sentiu-se estremecida.

Killian seguiu o olhar da dama paralisada, encontrando Amelie. O príncipe, e Delilah, captaram ao mesmo tempo o momento em que a jovem observada deixou o leque cair aos seus pés, apenas para que o Duque o pegasse com extrema lentidão, reverenciando-a. Bocas curiosas foram cobertas com tamanho choque, ao vê-la tão graciosamente mortal.

— Lady D'Montfort. — Arnold beijou a mão enluvada. — Encantado por vê-la.

— Alteza. — Amelie conseguiu dizer, retesada.

Aida, triunfante, tomou o centro do salão enquanto a filha era levada por Arnold. Tomando uma taça para si, a matriarca D'Montfort chamou a atenção de todos, com o tilintar ressonante.

— Caros convidados. — Começou a mulher, em um tom de voz pomposo. — Agradeço a todos por saírem de suas casas e comparecerem a tão graciosa reunião.

Aida olhava para todos, sorrindo, enquanto Amelie aguardava o anúncio do seu fim. Que vieram em palavras que fizeram o mundo de Delilah cair.

"Tais senhores não imaginam como alegra-me ser a portadora de tão boas notícias. Minha querida menina, Amelie, se casará em breve com o Duque. Ao futuro casal, ofereço este baile em comemoração."

— Lady Westville, está tudo bem?

Delilah não respondeu. Afastou-se de Killian, encarando a jovem que sorria ao lado de Arnold, recebendo as felicitações.

Ela não era tola de acreditar que Amelie voltaria atrás quando claramente a negou, assim como tudo o que viveram. Mas assim, vê-la prometida aquele homem lhe doía como milhares de facas incrustadas em seu crânio. Arnold não a faria feliz. Não a trataria como merece. Ele não...

— O quê pensa que está fazendo, Delilah?

A voz cortante veio de Austina, que segurava o seu braço. Não se lembrava de ter ido para o canto do salão, mas também não poderia ter certeza, tamanha a turbidez que alastrava-se em sua mente.

— Eu... eu preciso de um tempo. — Conseguiu dizer, sentindo a garganta apertar.

— Uma dama não tem tempo para tolices! Volte agora mesmo para o centro do salão e dê a atenção que o príncipe merece.

As palavras de sua mãe pareciam embaralhadas, como se estivessem sendo ditas do nível mais profundo do mar. Ainda assim, robótica, Delilah agiu como o ordenado, encontrando um príncipe tão perdido quanto ela.

— A senhorita está pálida. Tem certeza que não deseja sentar-se por um momento? Ainda estarei aqui quando voltar. — Killian tentou brincar, no entanto Delilah não percebeu. Sua cabeça ainda repassava o anúncio do noivado de Amelie, sua amada e o futuro marido de mãos dadas, trocando sorrisos e juras de amor.

— Eu estou bem. — Delilah repetiu três vezes, para si mesma. Em seguida, olhou para Killian e sorriu. Um sorriso triste, ele percebeu.

Amelie enxergava o choque no rosto dos presentes com uma nova rodada de dança, e a segunda parceria entre Delilah e Killian. Não eram preciso dotes consideráveis nas regras de etiqueta para que se soubesse que era altamente indecoroso repetir um parceiro de dança em um baile. Quando tal escândalo acontecia, previam-se um casamento. Se as perspectivas de altar estavam rondando a silhueta de Delilah, agora, era como se a dama estivesse a caminho do matrimônio.

Amelie deveria sentir-se feliz por ela, afinal, também estava prestes a se casar. Mas ao vê-la, e deuses, como ela estava linda, agraciada por aquele vestido que parecia feito para ela, sentia um vazio amargo no coração. Como se a partir daquele momento, seus caminhos se separassem definitivamente. E apesar de ser doloroso, extremamente doloroso, deveria aceitar.


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