Capítulo 18


De volta à Capital e longe dos ares rurais das últimas semanas, a temporada de 1826 encaminhava-se para o fim com a definição de alianças casamenteiras e a árdua tarefa enfrentada por mães que ainda percorriam o difícil caminho do firmamento matrimonial. No Instituto Lefrance para Jovens Solteiras os ares não eram de todos diferentes, tomado por uma certa melancolia que pairava no ambiente no último dia das jovens naquele recinto.

— Antes de tudo. — Começou Lefrance, tomando a palavra. — Devo dizer que estou muito orgulhosa das minhas pupilas. No geral, o saldo conquistado nessas semanas em que passaram sob a minha tutela foi deveras produtivo. — Uma pausa para a entrada das criadas, que serviam o desjejum. — Lady Jannet, Lady Crisolde e Lady Parhalt estão confortáveis em ótimos casamentos. Lady Allairé, que aqui nos agracia com a sua presença, está noiva de um virtuoso rapaz. E a todas as outras que ainda estão nesse caminho, posso prever que percorrerão igual sucesso.

Todas as jovens assentiram, entreolhando-se. Algumas mais confiantes, outras nem tanto. Ainda assim, seja qual fosse o nível de certeza em relação às palavras de Lefrance, todas compartilhavam igual gratidão.

— Decerto, a maior aquisição desta temporada partirá de Lady Westville e o seu "improvável" casamento com o príncipe. — Comentou Lady Breaullet, com um sugestivo sorriso no rosto.

Ao ter a roda da conversa voltada para si, Delilah, que até então degustava o seu desjejum em silêncio, sorriu e retrucou:

— Não lembro de estar com uma aliança no dedo. E nem pretendo, obrigada. Mas fico feliz de participar dos casamentos das senhoritas e desde já desejo-lhes os melhores votos.

— Ainda não consigo acreditar que a senhorita desperdiçará tão magnífica chance. — Dessa vez, Clorance foi quem provocou. — Tenho Lord Vernaux na minha mira e não pretendo falhar.

— Talvez a minha mira esteja apontada para outra direção. — Respondeu Delilah, inocentemente dirigindo um olhar para o outro lado da mesa. — Não posso dizer com 100% de certeza que acertarei pois... Não depende só de mim.

Delilah manteve o olhar fixo naquela que tossiu ao sentir o olhar penetrante da outra. Os olhares desviaram-se para a dama que se aliviou com a xícara de chá, visivelmente avermelhada.

— Bom, tenho certeza que a maior felizarda dessa mesa é Lady Amelie. — Disse uma terceira jovem com escancarada bajulação. — O Duque é tão... encantador. Qualquer jovem ficaria nas nuvens apenas com um segundo de sua atenção.

— Decerto. — Amelie conseguiu dizer, não sem antes encarar aquela que, mudado o foco da conversa, a olhou com mais intensidade. Seu olhar era tão sufocante que Amelie jurou ter perdido o ar. — O Duque tem atrativas qualidades. Adoro estar em sua companhia.

Amelie forçou um sorriso que certamente não convenceria Zoeh, que encarava a jovem e a Westville que vez ou outra trocavam olhares sugestivos enquanto as outras faziam planos para o restante da temporada. Permaneceram em silêncio quando Breaullet teceu expectativas acerca de seu futuro casamento, ou quando Cedritte combinou um encontro entre todas assim que estivessem devidamente intituladas como senhoras. Era como se o ambiente externo e as vozes não existissem, apenas as duas e o magnetismo no olhar que trocavam.

Liberadas, as jovens deveriam preparar-se para retornarem aos lares que deixaram para trás. Amelie foi a primeira a se levantar, esquecendo-se até mesmo do decoro que a intimava a pedir permissão para se ausentar. Entre o vozerio das outras, animadas para regressarem, Delilah foi a segunda a se levantar, realizando o mesmo caminho que a primeira.

— Que milagre ver Amelie D'Montfort organizando as suas próprias roupas. — Disse Delilah assim que ultrapassou a porta do quarto de Amelie, encostando-se. — Assim não tem graça. Não poderei mais chamá-la de mimada.

— Pois saiba que nem o título de rainha me impedirá de chamá-la de plebeia. — Amelie encarou-a de soslaio, voltando as atenções para a sua valise.

— Não me incomodo, se for a senhorita. — Delilah sorriu travessa, fazendo um pequeno bico no final.

Amelie já não podia continuar organizando seus pertences sem fingir que seu estômago não se contorcia apenas com a presença a passos de distância da outra. Suspirou profundamente, arrependendo-se no mesmo instante ao inalar o mel que provinha da pele de Delilah.

— A senhorita já teve a sua dose de irritação diária? Então que tal agora retirar-se do meu quarto!?

— E perder a sua expressão adorável enquanto finge me odiar? — Delilah retrucou, abrindo um sorriso de lado. Ultimamente, ou melhor dizendo, desde sempre, as expressões de Amelie diante de si eram um deleite. A junção das sardas com o avermelhado de suas bochechas eram um colírio para os olhos.

— Eu... eu não... — Amelie piscou diversas vezes diante daquele flerte escancarado. Deuses, Delilah nunca pararia de ser irritante. — Por quê a senhorita não continua importando-se com os seus produtos ou seja lá o que faça em seu tempo livre?

— Acho que eu consigo conciliar as duas coisas. Digo, importar-me com as vendas e com a senhorita.

Amelie piscou novamente, torpe. Fechou os punhos, torcendo para que a vermelhidão em suas bochechas não fosse tão aparente.

— Uma mulher à frente de negócios... Isso é um disparate à posição que ocupamos.

— Não acho. Sinto-me realizada com o que faço.

— Ah, é claro... Ter todas as nobres que outrora a espezinhava em seus pés deve ser gratificante. Não entendo tal comoção por tais produtos... Não há de ser grande coisa.

Delilah riu, arriscando um passo à frente. Mestre em decodificar Amelie D'Montfort, sabia que a dama estava mentindo.

— É uma pena que a senhorita não esteja entre elas. — Delilah soltou um muxoxo, diminuindo a distância. — Adoraria tê-la em meus pés. Adoraria... — Enfim, Delilah cortou a distância, alisando preguiçosamente a linha entre o ombro e o pescoço de Amelie. — Sentir o meu cheiro em ti.

Amelie arrepiou-se da cabeça aos pés. Fechou os olhos, sentindo as pernas fraquejarem.

— A senhorita não deve... Acha mesmo que eu usaria qualquer coisa que fizesse? Lamento informar, mas todos os meus produtos são importados. Não me atreveria a pôr algo em minha pele quando nem mesmo sei a procedência.

— Devo mesmo presumir que a senhorita não está entre as minhas admiradoras?

Amelie não poderia. Seu corpo ameaçou cambalear assim que o polegar de Delilah alisou a sua nuca, arranhando propositalmente. Delilah possuía um toque de luxúria e sedução em cada uma das palavras sopradas, e ela seria uma completa mentirosa se dissesse que não se sentia afetada por elas.

— Nunca. — Apesar da certeza que quis tecer em suas palavras, tal fala saiu como um ganido. — Odeio-te. Odeio-te com todo o meu ser.

— Adoro quando mente. — Delilah sorriu antes de beijá-la em seu pescoço. Como sentiu saudades da sensação da pele macia nos lábios desejosos.

— Eu realmente odeio o quanto a senhorita é petulante! — Amelie fechou os punhos, virando-se com rapidez. Frente a frente, prenderam a respiração, a centímetros de distância uma da outra. — Se julga conhecer-me tanto, então diga-me, em que estou pensando?

Delilah preferiu não falar, mas fazer. Lentamente, mas com um toque de urgência, a dama aproximou-se, selando os lábios. Amelie assustou-se por um momento, sentindo o choque entre a boca macia e os seus lábios que pouco a pouco, abriram-se para recebê-la. Queria se afastar ao mesmo tempo que queria mais daquela carícia. Queria que Delilah passeasse por todo o seu corpo, seus braços, seus lábios, todo o seu ser. Sabia que o que estava fazendo era um erro, um extremo pecado e que seria condenada pela eternidade por seus atos. Mas naquele momento, nem toda a junção de seu falho autocontrole a faria se afastar.

Delilah a segurou pela cintura com delicadeza, saciando-se com os lábios da outra. Estava apaixonada por aquela que estava em sua frente e não temia admitir. Amelie atraia-a com suas palavras ácidas, suas expressões irritantemente beijáveis e simplesmente por ser ela. Praguejava contra o destino por tê-la jogado naquele beco sem saída, mas não podia negar que permaneceria perdida em prazer.

— O quê a senhorita pensa que está fazendo? — Perguntou Amelie, segundos depois de ter se afastado de supetão. Limpou os lábios inchados, sentindo o vazio entre eles, saudosos pelo afastamento da rival. — Agarrando-me desse jeito...

— Não fiz nada que nós duas não queríamos fazer.

— Diz-me que foi de minha vontade estar atracada com a senhorita!? — Amelie riu, incrédula. — Ora, sua...

— Esquece-se do momento que tivemos no lago? Ou nas ruínas? Só a senhorita nega o que está acontecendo entre nós, Amelie. E precisamos decidir o que fazer em relação a isso.

— Não está acontecendo nada entre nós! Tudo o que aconteceu foi um devaneio de mal gosto. Agora que voltei à mim, tenho certeza que não suporto estar diante da senhorita.

Amelie permaneceu virada para o outro lado enquanto proferia palavras que doíam-lhe como o acerto de uma faca afiada. Apertou os braços, sentindo frio, mesmo que o tempo lá fora não indicasse sinal nenhum de uma mudança repentina no tempo.

— Sabe. — Começou Delilah, sentando-se. Dedilhava o bordado do lençol, sem encará-la diretamente. — Quando cheguei a este Instituto, achei que tê-la por perto seria um problema divertido de lidar. Não a levei a sério inicialmente. Mas com o tempo percebi que não é essa megera que aparenta ser, Amelie. Ainda é uma mimada, mas uma mimada com muitas turbulências para lidar.

— O quê acha que sabe sobre mim? — Amelie falhou a voz, contendo a vontade de tocar em seus lábios. Odiava aquilo, parecer vulnerável na frente de quem quer que fosse. Delilah não devia ver o seu lado mais feio, nem que para isso ela pensasse para sempre que era a pior das damas. — Odeio esse seu lado que está sempre tirando conclusões de assuntos que não lhe dizem respeito! Ter um título comprado não a faz conhecedora de todas as coisas!

— Não preciso supor nada quando é a senhorita que me mostra tudo! — Delilah respondeu no mesmo tom, passando a encará-la. Ali mesmo, naquele momento quando optava por não a encarar, Amelie entregava-lhe o livro de sua vida, e ela não era incapaz de ignorar. — A tive nos meus braços por vezes suficientes para saber que há um mundo de expectativas em que é obrigada a segurar.

Amelie não respondeu. Não havia como Delilah saber, tendo a família que tinha. Onde não havia pressão e nem expectativas. Onde ela pudesse ser quem desejasse, sem preocupar-se em ser vista como uma decepção.

— Sei que não pode revelar aos seus pais quem verdadeiramente é. Sei quantas expectativas eles mantêm sobre ti. Mas temos como fugir deles. Viajando, conhecendo o mundo, apenas nós duas. Podemos, a senhorita pode, fazer isso.

Antes que se desse conta, Delilah tocava gentilmente em seu ombro, longe de qualquer sentimento sexual, apenas um oferecimento de conforto que, deuses, como Amelie queria aceitar. Conhecer mares e desertos com Delilah, atravessar fronteiras e respirar um ar diferente do qual foi submetida por todos aqueles anos. Em seus contos de fada, sempre esperou que um príncipe a viesse salvar. Esse príncipe sempre ganhou o semblante de Killian. Mas agora, diante daquele convite, o castelo onde sempre esperou despedaçava-se diante de seus olhos. E das cinzas, formou-se a melhor visão que poderia ter.

— Um relacionamento entre duas damas!? — Amelie balançou a cabeça em negação, afastando-se. — Isso é completamente imoral. Eu não poderia...

— O amor é imoral? Ter o direito de amar quem deseja é imoral?

— A senhorita não entenderia. — Amelie choramingou, confusa. — Não nasceu nobre. Não sabe nada sobre a pressão que há em nós, damas, desde o nascimento para nos casarmos e termos filhos. Como posso fugir disso para...

— Ser feliz? — Completou Delilah, dolorosamente compreensiva. Queria abraçar Amelie com toda a sua força e dizer que tudo estava bem. Mas como poderia, se nem mesmo ela poderia ter certeza do futuro, tão cruel com mulheres? — Será verdadeiramente feliz ao lado de um homem que não ama, criando crianças que nascerão em um lar sem amor?

— Fui criada dessa forma. — Amelie respondeu, ríspida. — Amor não é mais valioso que alianças matrimoniais. Se preciso for, para o bem da minha família, entregarei-me de corpo e alma para aquele que meu pai julgar adequado.

"Porque esse é o meu destino." Amelie quis dizer, por trás dos cílios úmidos. Queria pegar na mão de Delilah, atravessar as portas do Instituto e iniciar uma nova vida longe das correntes que a aprisionavam. Mas no mundo em que vivia, não era possível sonhar. Era doloroso.

Delilah parecia genuinamente abalada com as palavras de Amelie. Imaginou um cenário onde as duas exploravam o mundo sozinhas, apesar das dificuldades em seu difícil caminho, seriam capazes de suportar pois tinham uma a outra. Mas Amelie havia dito não. Não para o sonho, não para o relacionamento delas, não para o seu amor.

— Não sou como a senhorita. — Amelie prosseguiu. — É revolucionária e apesar de ter um certo desgosto quanto a isso, a acho admirável. A senhorita é o que é. Não teve receio em abordar-me acerca do seu amor, apesar do tabu presente no amor entre o mesmo gênero. Não houve uma pessoa no mundo que a impedisse de criar uma marca própria, em um cenário comandado por homens. Direcionou as atenções para nós, mulheres, e criou produtos que realmente suprissem as nossas necessidades e que melhor ainda, não nos matassem. Provou ser revolucionária quando chegou e enfrentou-me quando mais ninguém ousava fazer. Mas eu, Amelie D'Montfort, não posso trilhar o mesmo caminho que o seu.

"A senhorita pode." Era o que os lábios de Delilah ameaçavam dizer. Entreabriu-os, processando as verdadeiras palavras de Amelie, que a revelavam como era, e sem poder rebater as duras palavras que escutou, os fechou. Queria pegar em suas mãos, beijá-las, e a amar como merecia.

— Como a senhorita é cruel, Lady Amelie. — Delilah abriu um sorriso entristecido, voltando-se para a porta. Suas lágrimas ameaçavam cair, e não, não daria esse gosto para a sua rival. Se tivesse que chorar, faria isso longe dela. — Preferia que continuasse me xingando até o final. Assim, seria fácil esquecê-la.

— Até, plebeia. — Amelie disse, uma última vez.

— Até, nobrezinha mimada. — Respondeu a outra, deixando-a só. Quando saiu, abriu um pequeno sorriso com a certeza de que Amelie era sim uma de suas admiradoras. A forma técnica como discutiu o seu produto provava que ela havia o experimentado. Não precisava de muitas delas. Apenas aquela a qual guardava o seu coração.


🜲🜲🜲


Ouvindo o click da porta, Amelie desabou. Sentiu-se com trinta anos a mais após o fim daquela dura conversa. Encarou o vazio; não havia como voltar atrás. Delilah deveria se manter longe e a sua vida voltaria ao normal, como sempre esteve.

Que mentirosa. Não se recupera após um forte furacão. E ao longo daquelas semanas, conviveu com um poderoso, mortal e encantador.

Levantou a tampa que o mantinha escondido, pegando o recipiente com cuidado. Abriu e inalou, sentindo o cheiro dela naquele pequeno vidro. Quando os produtos foram lançados e diante da alta procura por eles, Amelie intimou a criada a conseguir e apenas respirou aliviada quando o teve em suas mãos. É claro que também a intimou a manter segredo sobre tal aquisição, não queria que ninguém soubesse de sua afeição à rival. Nem ela própria, seria melhor assim.

Delilah entrou como um jato em seu quarto, jogando-se de qualquer maneira na cama larga mas que naquele momento, nunca pareceu tão pequena para toda a sua tristeza. Permaneceu daquela maneira durante todo o início da tarde e não se incomodou quando o rosto começou a formigar devido a posição. Nenhuma dor comparava-se aquela que sentia no coração.

— Senhorita. — Rosa avisou sua chegada com duas batidas na porta, antes de entrar. — Sei que já deve ter arrumado a sua mala, mas venho ver se...

Rosa parou abruptamente após vê-la prostrada em cima da cama. Não era do feitio da dama apresentar-se daquela forma; algo muito sério havia de ter acontecido.

— Senhorita?

Na terceira vez, Delilah atendeu o chamado, levantando-se. Estava com o rosto amassado e vermelho, como quem tivesse chorado.

— Ainda não arrumou suas malas? Achei que já estivessem arrumadas...

— Ah. — As malas. Se não ouvisse o instinto de seu cérebro – que descobriu naquele momento se tratar do coração – e decidisse por não seguir Amelie, não estaria naquela deplorável situação e consequentemente faria a sua tarefa.

— Devo arrumar?

— Não, Rosa, deixe que eu mesma arrumo. — Respondeu Delilah com um leve suspirar. Vendo a criada sem opções, voltou atrás, abrindo um sorriso gentil. — Aceito uma pequena ajuda. Pequena mesmo. Nem pense em fazer tudo.

Delilah movimentava-se e exalava animação, tentando parecer a mesma de sempre, mas Rosa conheceu-a suficientemente ao longo daquelas semanas para farejar que algo estava errado. A dama não estava como de costume apesar de suas brincadeiras, mas como ainda não julgava ser íntima o suficiente para abordá-la, decidiu a animar com outro assunto.

— Soube que não houve outro assunto entre as reuniões de criadas nesta semana. Todas queriam obter o "NewMoon Westville" para as suas senhoras. Há aquelas que perguntam ávidas sobre as reposições...

Delilah sorriu, ouvindo o nome de sua nova marca. "NewMoon", uma nova fase de sua vida, novos ares, novos amores... Novamente, o pensamento recaiu sobre Amelie, a fazendo diminuir a intensidade de sua animação.

— É mesmo? — Delilah perguntou, dobrando a primeira peça. Não deixava de admirar, como bem disse Amelie, o fato daquelas mulheres que outrora não davam nada por ela estarem digladiando-se por seus produtos. Saltou para um lugar que apesar de sempre ter almejado, e trabalhado insaciável para um dia estar, lhe dava frio na barriga sempre que a informação de que estava lá, servindo de referência no segmento de cuidados femininos, passava por sua mente. Ainda era difícil de acreditar, mas ela finalmente havia chegado lá. — Lorde Ruffen e eu decidimos iniciar a distribuição com cautela, em etapas. A primeira, o reconhecimento, consiste em alimentar o mercado com poucas unidades, por isso o fato de poucas terem adquirido. Agora que sabemos o gosto e a demanda, iniciaremos as vendas em larga escala.

Rosa sorriu, ajudando-a. Delilah já havia chegado com aquela maturidade, isso era um fato. Mas olhando-a daquele ângulo, ela não podia negar que aos seus olhos, a jovem estava mais crescida.

— Ah, perdoe-me. — Delilah sorriu de maneira triste. — Estou aqui falando tanto e certamente esse não é um assunto que queira ouvir.

— Bem, de fato. — Rosa iniciou para o espanto da dama. — Digo, adoraria ouvi-la por horas atualizando-me de todos os planos futuros para as vendas do NewMoon mas... Sinto que não é esse o assunto que a senhorita quer conversar agora.

Delilah arregalou os olhos, perguntando-se como Rosa sabia que algo não estava bem. Era algo em sua expressão? Apressando-se para a tranquilizar, ela respondeu:

— Como assim? — Disse Delilah rindo. — Não há outro assunto.

— Nem este que está deixando o seu rosto tão triste? Não somos tão próximas, mas...

Dessa vez, foi Delilah quem se aproximou, largando as roupas. Fez o mesmo com a tarefa de Rosa, a tomando pelas mãos.

— Deixa-me triste quando pensa que não somos amigas. Deste Instituto, me dói muito que eu não possa levá-la comigo. Não sei quem serei sem a sua companhia.

Rosa encarou-a com surpresa por poucos segundos, afinal era Delilah. Ela quem havia lido a situação errada, esperando sempre pelo pior das senhoritas que passavam por aquela casa. De todas as que já acompanhou, não se lembrou de nenhuma que a pedisse para ficar. Mas Delilah era diferente. E foram aquelas palavras gentis que fizeram os seus olhos marejarem.

— Lady Lefrance nunca permitiria isso. — Respondeu Rosa entre o riso e choro. — Preciso preparar a casa para a temporada seguinte.

— Então isso significa que terei que viver para sempre aqui. — Delilah riu, limpando as lágrimas da amiga. — Bom, talvez mamãe me coloque aqui de novo, se... eu ainda estiver aqui.

— Se a senhorita ainda estiver aqui?

— É. — Delilah suspirou. Ainda não havia esquecido de suas aspirações iniciais. Conquistar a sua independência e procurar um melhor rumo para a sua vida. Ao pensar que poderia ser ao lado de Amelie, sua boca curvou-se em lamentação. — Não sabemos do futuro. Talvez, na próxima temporada, esteja eu a enviar cartas para ti. De um lugar que nem mesmo meus olhos podem imaginar.

— O motivo para decidir ir embora está dentro dessa casa? — Rosa decidiu perguntar, apertando a mão de Delilah, que olhou para baixo e para os lados, antes de responder.

— Não posso dizer que esse é o único motivo. Já desejava partir antes, mas... — Sem rodeios, Delilah decidiu contar-lhe o ocorrido das últimas semanas. Quando lentamente, sem perceber, encantou-se por Amelie. — Foi o que aconteceu.

— A senhorita e a filha do Marquês de Sars... — Rosa concluiu, sem surpresa.

— Não me parece chocada.

— Não estou. Não totalmente. — Rosa sorriu, apertando os olhos. — A senhorita vivia suspirando pelos cantos e eu concluí logo que não era pelo príncipe. Não tinha certeza se era por Lady Amelie, mas as senhoritas bicavam-se muito.

Estava tão óbvio assim? Deuses, quando havia virado uma boba apaixonada!?

— Não vai repreender-me? Nem achar estranho a minha afeição?

— E por qual motivo deveria eu achar estranho? Não há nada de estranho em cultivar o amor. Nem mesmo por Lady Amelie. — Rosa deu uma risadinha, aninhando-a como uma irmã mais velha. Afagou os cabelos da dama, dando-lhe o carinho que precisava.

— Então por quê Amelie não pensou dessa forma? Eu, que sempre entendi as minhas afeições de maneira livre, começo a me perguntar se não é errado apaixonar-me por outra dama.

— Lady Amelie tem muitos papéis a desempenhar. Até pouco tempo, era a futura rainha perfeita, a filha perfeita, a debutante perfeita e agora, a futura duquesa perfeita. Acredito que ela não tenha espaço para pensar de outra forma.

Rosa tinha razão. Amelie possuía muito a carregar, e ela sabia disso. Poderia pegar um pouco de todas as atribulações para si e beijar todas as feridas, mas não era fácil. A linha do sonho era muito distante da realidade.

— E o que eu devo fazer, Rosa? — Perguntou Delilah, com um tom de voz perdido.

— Esperar. O amor cura e resolve tudo. — Rosa respondeu, trazendo-a para si. E até o momento em que a sua presença foi solicitada, avisando-a que a sua carruagem estava pronta, permaneceram grudadas, compartilhando afeto.


🜲🜲🜲


Rosa foi a primeira pessoa a se despedir de Delilah. Contiveram o choro, já soltado enquanto estavam arrumando as malas e pensando em formas de continuarem a se encontrar. Rosa seria mais que bem vinda na residência Westville, mas sabia ser difícil encontrar um espaço na lotada agenda de tarefas preparadas por Lefrance. Abraçaram-se, amigas, prometendo uma próxima vez.

Enquanto avançava para despedir-se de Cedritte, Delilah desviou o olhar para o lado, onde a metros Amelie despedia-se em uma animada conversa de Jolie e Clorance, que a intimavam a comparecer em ambas as residências para atualizar-lhes das novidades com o Duque. Amelie assentiu, com um sorriso amarelo, e neste momento seus olhos azuis flagraram o encarar de Delilah. Suas bochechas avermelharam-se, e o coração palpitou, trazendo à tona toda a conversa que tiveram. A dama que encarou primeiro foi a primeira a desviar o olhar, não querendo saber de planos que levariam a sua amada para o caminho do altar.

— Por favor, não deixe de me visitar! — Recomendou Cedritte, abraçando-a enquanto enxugava as lágrimas. — A senhorita foi a única a preencher os meus dias enquanto estive aqui. Adoraria se não perdêssemos o contato.

— Nunca iremos nos afastar se depender de mim. — Respondeu Delilah, devolvendo o abraço. — Sinta-se convidada a me visitar também. Precisamos continuar a colocar a conversa em dia.

Cedritte assentiu, a abraçando mais uma vez. Delilah ainda teve tempo para olhar a fachada do Instituto mais uma vez, lembrando-se de todos os momentos que viveu ali. Parecia ter acontecido há uma vida atrás, e não há semanas. Desde a primeira vez que pisou naquele lugar e enfrentou Zoeh e seus pensamentos retrógrados, ou quando molhou o colo de Amelie com chá. Os momentos que compartilhou com Cedritte, regando plantas ou a vendo bordar. As conversas que teve com Rosa, o compartilhar de sonhos, e o desejo genuíno para que a amiga realizasse os dela. Sentiria saudade, admitia, até mesmo das lições de Lefrance. Tudo parecia ter passado tão rápido.

— Pensando se deve ficar? — Zoeh a interceptou, assustando-a levemente pela rápida aproximação.

— Poderia, se eu quisesse? — Respondeu no mesmo tom, sorrindo.

— Não seguro minhas pupilas por um tempo além do qual devem ficar. Devem voar e encontrar o seu próprio ninho.

Delilah assentiu, acreditando mesmo que sentiria saudades das metáforas de Zoeh. O que era loucura, visto o revirar de seus olhos nas primeiras vezes que as ouviu.

— No entanto, algo me diz que construirá o seu com as próprias mãos. Bem, de certa forma, já fez isso. Está construindo uma bela estrada, Delilah. Espero que caminhe bem por ela.

— E onde está o discurso de que mulheres não podem trilhar o caminho que seja de sua escolha? — Delilah não pode deixar de provocar, por fim.

Zoeh riu de maneira contida. Delilah era Delilah, afinal. Tempestuosa, arrebatadora, incapaz de se calar. E eram tais qualidades que a faziam ser uma mulher incrível.

— Talvez até mesmo os mais antigos gaviões possam ser dobrados, se estiverem diante de uma nova prole promissora. — Zoeh afastou-se com tapinhas no ombro da dama, deixando-a com o reconhecimento daquelas palavras. De todas as coisas boas, aquela era mais uma que colocaria em sua mala e em seu coração.

Uma a uma, as carruagens se afastaram, os pássaros de Lady Lefrance iniciando um novo rumo. Em frente a fachada, a dona do Instituto só poderia torcer para que seus vôos nunca a levassem para caminhos tempestuosos. Deveriam voar alto, por um caminho de intenso sol.

Amelie olhou para o lado de fora, sentindo o chacoalhar da carruagem em seus pés. O Instituto já começava a ganhar distância, e em certo momento, antes de conquistar um novo caminho, sua carruagem e a de Delilah se cruzaram, deixando-as lado a lado. Os olhos de Delilah encontraram os seus, castanhos e azuis que nada e tudo diziam ao mesmo tempo. Os lábios murcharam-se, os rostos tornaram-se tristes, e o caminho oposto se seguiu. Novamente, estavam e seriam opostas, desconhecidas, como sempre foram antes de alma e corpo se conhecerem e se desejarem à luz do luar e sob as paredes das ruínas.


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