Capítulo 17
Amelie encarou o espelho, e apesar das íris azuladas estarem fixas em seu reflexo, não eram as joias cintilantes que eram envoltas em seu pescoço ou os cachos cuidadosos que eram enrolados em um delicado coque o pivô de sua atenção. A dama estava distante, para além das paredes daquele quarto, longe dos campos e árvores frutíferas. Amelie pensava em ruínas, cheiro de frescor e uma silhueta acima de si, beijando-a, tocando-a, a fazendo sentir. Suas bochechas avermelharam-se no mesmo segundo apesar da mulher concentrada não ser capaz de adivinhar o que a sua traiçoeira mente pensava, sentiu vergonha de si mesma por ter pensamentos impuros, incondizentes a postura de uma dama.
Uma dama... Poderia mesmo se chamar assim? O que quer que tenha acontecido sob o escondido daquelas paredes podres, havia levado a sua honra embora. Mais do que isso, havia entrado em profunda mácula por cometer tal erro com sua semelhante. Em toda a sua vida, nunca havia ouvido insinuações acerca de romances entre seres de igual gênero. Aquilo que partilhou com Delilah com toda a certeza não devia ter acontecido.
Envolver-se com uma dama... Que a Deusa a perdoasse por tamanho desgosto. Não sabia como explicar o que sempre a levava a partilhar de sensações com a oposta, nem sabia como levar para longe aquele sentimento que a fazia sentir o contrário de culpa. Devia se sentir arrependida, suja e imoral. Mas ao pensar nos lábios da dama de cachos castanhos, e nos doces beijos que ela depositava em seus lábios, sentia-se viva. Estranhamente viva.
— Veja se este penteado está do seu gosto, milady.
Amelie piscou, voltando a prestar atenção em seu reflexo. Devido a entrada de luz solar pela abertura da janela, sua figura reluzia em encontro com o brilho das joias e o sol. Passou delicadamente o dedo pelas pepitas brilhantes, e ao tocá-las, lembrou da explícita ordem dada por seu pai, ordenando às criadas que a deixasse reluzente. Ela sabia que tal pedido havia sido feito a fim de encantar os olhos de Arnold, que se aproximou consideravelmente de Edgard no período em que estavam no campo.
No fim das contas, Amelie suspirou constatando, era apenas uma marionete nas mãos dos seus pais. Durante toda a sua vida, cumpriu um papel que a levaria para o Trono, e sempre acreditou que um dia estaria lá. De uma hora para outra, seu desejo foi estraçalhado e o seu corpo abruptamente foi lançado em outra direção. Uma que a levaria para o lado de um homem estranho, misterioso e que dificilmente teria o seu amor. No entanto, Edgard não lembrou-se de perguntar a sua opinião sobre o assunto. Afinal, marionetes não produzem opinião.
— Amelie, querida! Já não lhe disse que não suporto atrasos? — Disse Aida, interceptando a filha ainda na escada. A mulher se abanava como se a sua vida dependesse daquilo, ainda não acostumada com o clima do lugar.
— Perdão, mamãe. Apenas conferi se estava apresentável o bastante para chamar a atenção do Duque. Já tive uma perda antes, e não posso cometer outro erro uma segunda vez.
Mentira. Amelie não passou mais que 5 minutos se encarando, apesar de saber que o vestido de seda fina que a criada havia escolhido, de cor lavanda e com desenhos florais na barra, a deixou estonteante aliado as joias delicadas que complementavam o seu visual. Não lhe importava os cachos que caíam como cascata, encostando em suas bochechas, na tiara de safiras que usava, combinando com a cor dos seus olhos ou em como o vestido lhe caía bem. Não lhe importava ter que sorrir e conversar com Arnold como se fosse de seu gosto fazer isso. Pois, a cada segundo que passava e a iminência de encontrá-la, aquela que realmente era a dona dos seus pensamentos, a deixava torpe.
À metros do Templo das Três Rosas, carruagens formavam uma fila de espectadores curiosos para verem a Sacerdotisa escolhida em ação no evento mais comemorado pela sociedade terithiana. Todos queriam saber como a jovem implacável Delilah Westville se sairia, tendo a missão de entregar tantos corações para aquela que sempre zelou por todos eles.
Cochichos se formavam entre os bancos ocupados pela alta sociedade, afinal a Consagração era um evento criado por eles e para eles. Todos os anos flores eram entregues à Deusa Sibelle na esperança que a oferenda a alcançasse em forma de proteção para os lares terithianos e a garantia de um bom ano de fartura para as famílias de bem. Muitas foram as jovens em destaque na temporada que foram contempladas com tal honra, e todas retribuíam o chamado sendo damas de boa conduta e ótima reputação. Mas, a escolha deste ano...
Muitos questionavam se a escolha partiu do próprio príncipe, tão encantado pela moleca que era capaz de abrandar todos os seus defeitos. As boas senhoras achavam um absurdo que uma jovem que já tenha estampado tantos assuntos condizentes a sua falta de moral estivesse diante de um dever tão grandioso. E se a Deusa, ofendida com tal escolha profana, achasse que os terithianos estavam debochando de sua boa vontade?
— Parece que de uma forma ou de outra, estão todos ansiosos para ver a nova Sacerdotisa em ação.
Quem informava as notícias do lado de fora era Martine, responsável por prepará-la durante os dias de estadia no Templo. A mulher deu uma boa olhada na arrumação da jovem, feita aos moldes da cerimônia. Ao vê-la, Martine entendeu todos os boatos.
— Imagino o que estejam falando. — Delilah abriu um meio sorriso, encarando as mãos enluvadas. Enfim aquele dia havia chegado. Apesar de estar em evidência para toda a alta sociedade do Reino, não era aquilo o que mais lhe preocupava. Apenas uma daquelas pessoas, dentre tantos olhares que a acompanhariam até o altar, fazia o seu estômago revirar.
Amelie. A garota que era tanto mistério quanto era revelação. Delilah sempre achou fácil lê-la, e diante de todas demonstrações de desafeto, sempre presumiu estar um passo adiante da mimada. Mas nos últimos tempos, quando as paredes do seu estranho coração passaram a bater de uma maneira diferente, a vantagem que jurou ter contra a nobrezinha se esfarelou em suas mãos.
Tocou nos lábios ao relembrar o beijo trocado em meio aquelas ruínas, nas expressões que Amelie fazia, nos obscenos atos que ficariam para sempre marcados naquele lugar. Delilah não se arrependia de nada. Tampouco queria ter feito diferente. Em todos os universos, em todos os séculos, Reinos e continentes a serem descobertos, escolheria tê-la novamente em seus braços, para todo o sempre.
— Acho que já está na hora. — Martine avisou, notando a falta de atenção da jovem. — Evite pensar muito. Lembre que na hora da Consagração, todos os corações estarão ligados ao seu.
Delilah assentiu, munindo-se com a cesta de flores e a tocha acessa. O cheiro floral a embebeu, atravessando os sentidos e a levando até o seu destino. Das três espécies que estavam no cesto florido, duas eram comuns a todas as áreas do Reino, mas a última, denominada Rosa de Sangue, era especial. Tal flor apenas nascia naquela época do ano, especialmente nos arredores do Templo. Era chamada de tal forma por sua coloração, assemelhando-se a sangue corrente. Apesar de sua beleza, durava pouco mais que uma noite. Era através dela, somada às outras, que todos os terithianos depositavam a sua crença.
Delilah iniciou os primeiros passos que a colocariam frente à frente aos espectadores que esperavam por ela. Suspirou, concentrando toda a sua força em seus pés, no entanto ao vê-la nas primeiras fileiras, seu equilíbrio ameaçou ceder. Não era possível que todo o significado de beleza tivesse se condensado em uma figura tão arredia. E ao encará-la, Amelie pensou o mesmo.
Delilah estava bela. E não era o mal uso da palavra, pois a jovem irradiava beleza. Nos cabelos, onde uma longa trança havia sido feita, um véu branco adornado com fios dourados pousava em sua cabeça como um pássaro pousado em um galho. Delilah usava brincos longos, que tilintavam conforme ela passava, tão dourado quanto os fios do véu. O vestido branco não era nada como os tecidos cafonas que as Irmãs utilizavam, mas sim um utilizado somente em ocasiões oficiais. A renda cobria-lhe perfeitamente dos pulsos até os pés, caindo como os cabelos de uma anja conforme ela passava. Não havia vento, mas o tecido voava ao seu redor, ora cobrindo-a, ora revelando-a, como uma verdadeira deusa.
Delilah não ousou olhá-la. Imaginava que Amelie estava odiando-a da cabeça aos pés, ao contrário dela, que perderia todo o ar caso a encarasse. Engoliu em seco e continuou, tendo no silêncio o artifício perfeito para que seus pensamentos se erguessem. Lembrou-se das palavras de Martine e da observação que fizera acerca do objetivo de tal evento. Delilah era a responsável por entregar todos os corações terithianos aos pés da Deusa, pedir-lhe por bons ventos e proteção. Mas dispersa, e apaixonada, só havia um pedido que ela poderia balbuciar. Só havia um coração que ela poderia entregar.
Delilah acendeu a tocha pousada na mão de Sibelle, encerrando a cerimônia. Não ousou olhar para trás; seus pensamentos ainda estavam perdidos nos poucos metros que a separavam do altar, quando inconvenientemente as memórias que tanto lutou contra inundavam-lhe como se estivesse em um mar aberto. Todos eles possuíam nome, sobrenome, e um cabelo ruivo para chamar de seu.
Ao estar ajoelhada aos pés de Sibelle, Delilah pediu. Com a tocha em mãos e a cesta aos pés da Deusa, a jovem pediu por seu amor. Não havia como negar que seu coração há tempos estava entregue para Amelie, e assim como a Rosa de sangue, o seu corria em suas veias por ela. Sabia o abismo em que estava caindo, esperando por uma reciprocidade que, conhecendo Amelie e seus preceitos conservadores, nunca aconteceria. Ainda assim, Delilah não pediu que Sibelle a livrasse daqueles pensamentos, ou a perdoasse por tê-los. Amar uma igual não era errado, tampouco motivo de retaliação. Delilah sabia do que queria, e de quem queria, e apesar da outra parte não pensar o mesmo, não se repreenderia por isso.
Amelie soube no momento em que a viu naqueles trajes, encantadora como um diamante, o motivo de precisar fugir do perigo que significava estar perto de Delilah. Seus olhos fixos no caminhar da dama, não foram capazes de mudar o foco nem mesmo quando sua mãe cochichava ironicamente acerca da escolha da Sacerdotisa. Amelie estava hipnotizada, mais uma vez.
Quando todos os presentes se ajoelharam, no mesmo momento em que a Sacerdotisa ajoelhou-se, Amelie dividiu-se em pedir o que fosse melhor para o seu pai e para si. Se casasse com Arnold, seria feliz? Se a beijasse novamente, estaria perdida em mácula?
Desviou o olhar para o assento onde o Duque se encontrava, e em seguida, para o furacão ajoelhado aos pés da Deusa. Sem perceber, Amelie sorriu, mal sabendo que apesar de tanto teimar e lutar contra, seu coração já sabia a resposta.
🜲🜲🜲
O dia seguinte levou a alta sociedade para a Arena Varenhaal, onde o Torneio aconteceria. Nele, cavalheiros duelavam entre si, defendendo a sua honra e provando-se bom o bastante para a sua protegida, a donzela pela qual lutava. Tal torneio, aliado aos bailes, eram os maiores termômetros casamenteiros da temporada.
— Ora, se não é o grande Lord D'Montfort e sua família! — Receptivo, Antenor Varenhaal caminhou até o trio, cumprimentando-os. — Nesta temporada sua filha finalmente defenderá um cavalheiro, ein? Daria-me a honra de saber o felizardo?
— Amelie defenderá o Duque de Yhynth, Arnold Clearvant. — Edgard respondeu com um sorriso no rosto. — Outro dia, era uma pequena e hoje... Oh, como os dias passam rápido.
Amelie sorriu para a falsa sensação paterna do pai, perguntando a si mesma se Edgard a tinha visto crescer.
— E o senhor deve saber que Alteza é um homem muito requerido. É um orgulho para nós que ele tenha aceitado o bordado de nossa querida Amelie.
— Oh, claro, claro, há de ser uma dádiva! Diga-me, menina, acaso está contente com o seu feito? Acha que Alteza tem chances de vencer?
— Torcerei com todo o meu coração para que sim. — Amelie abriu um sorriso robótico, acenando para Arnold, que coincidentemente entrou na conversa.
— Estávamos falando do senhor. Amelie possui grandes expectativas acerca de sua vitória.
— Decerto, Lady D'Montfort. — Arnold pausou para depositar um beijo na mão enluvada da senhora. — Farei o que estiver ao meu alcance para deixar a sua filha feliz.
Amelie sorriu automaticamente diante do brilho no olhar de Aida diante daquela frase sugestiva. Em seguida, justificando precisar conversar com outras senhoras, afastou-se, seguida por Edgard e Antenor, que engataram uma longa conversa sobre cavalos.
— Parece que estamos sozinhos.
— É. — Amelie correu os olhos pela área vasta. Não procurava nada em particular, mas ao menos era melhor que estar com as pupilas fixas em Arnold, que a observava com olhos famintos.
— Sinto-lhe acanhada ao meu lado. — Arnold tocou-a no pulso enluvado, retesando-a. — Ainda está insegura com aquilo?
"Aquilo", era o beijo que haviam trocado. Se Arnold soubesse que aquilo não fazia nem cócegas para o seu acanhamento, diante de tantas outras coisas que fez...
— Não acanhou-me. — Amelie sorriu de maneira firme. Que a Deusa levasse tais pensamentos sórdidos para longe. Naquele momento, ela não poderia fraquejar. — Tenho algo para entregar-lhe. Se já não estiver com outra em sua mente... — E para dizer a verdade, Amelie esperava que sim.
— Oh, nenhuma delas se compararia à senhorita. — Amelie arregalou os olhos, constatando que tais palavras que outrora trariam-lhe tanto encantamento, agora não lhe mudavam em nada. O que estava acontecendo com a sua personalidade? — Tenho imenso prazer em receber um bordado feito por ti.
Amelie sorriu entredentes, retirando da retícula o pequeno tecido branco adornado com abelhas em um pote de mel. Não podia mentir que fez aquele bordado pensando em Delilah e no gostoso cheiro que ela exalava sempre que se aproximava de si.
— Prometo que defenderei este lenço com a minha honra. — Arnold aproximou os lábios de sua mão enluvada, beijando-a com demora exagerada. — E vencerei.
— Até mesmo do príncipe? — Perguntou Amelie em um rápido pensamento. Colocou a mão nos lábios após a fala, temendo a reação de Arnold. Se Edgard soubesse que agiu com grosseria, ela...
— Killian? — Arnold riu enquanto Amelie ainda estava perdida em pensamentos. — Bem, que a Deusa nos dê uma boa luta. Há tempos quero testar se o príncipe deste Reino poderá contra mim.
Arnold acenou, deixando-a para trás em meio aquela frase sugestiva. O Duque adquiriu um brilho diferente no olhar enquanto falava, mas sua mente turbulenta não conseguiu chegar a nenhuma conclusão acerca do estranho sentimento que lhe acometeu após aquela frase.
Já no outro lado da área, enquanto damas e cavalheiros se encontravam para a troca de gentilezas, Killian aproximou-se dos Westville. Contrário a decisão da filha, que desejou ir para o seu assento no momento em que chegou, Austina posicionou-se em uma área de fácil observação.
— Olha quem está chegando! Se não é o Campeão deste Torneio!
— Assim a senhora atribui-me uma responsabilidade imensa. — Brincou Killian, beijando a mão enluvada de Austina. — Ao mesmo tempo, dá-me a força que preciso para lutar.
Killian desviou os olhos para Delilah, que parecia procurar por alguém na imensidão de vestidos bufantes e juras de honra. Austina, percebendo o desconcerto da filha, cutucou-a de modo nada discreto. A dama conteve um gemido de dor ao ser beliscada pela mãe.
— Mamãe tem razão. Deve vencer hoje.
Austina continuou sorrindo em uma maneira nada discreta de avisar que a filha esquecia algo. Killian também lhe olhava com aqueles mesmos olhos de quem queria alertar-lhe que faltava alguma coisa.
— Ao menos que a senhorita já tenha entregue o seu bordado para outro cavalheiro. — Killian decidiu dizer, já que nada saiu dos lábios da dama dispersa.
— Então creio que ninguém vencerá. — Delilah sorriu. — Não trouxe bordado.
Ao mesmo tempo, os olhos de Killian e Austina se arregalaram. Garon, que conversava sobre o segredo para obter lucros em lugares de ampla concorrência, não percebeu o grande clima que havia se instaurado no ambiente.
— Ah... — Foi tudo o que Killian disse. Austina ainda permaneceu boquiaberta.
— Uma echarpe me parece muito mais interessante. Veja. — Delilah deslizou a echarpe azul-celeste, tomando-a nas mãos. Em seguida, sem rodeios, aproximou-se de Killian, envolvendo o tecido cor de céu em volta do pescoço do príncipe. — Enquanto eles têm bordados sem graça, Alteza tem uma echarpe muito bonita. A mim me parece uma vantagem.
Killian alisou o tecido em seu pescoço, processando o feito de Delilah. Seus olhos pareciam tentar entender o que havia acontecido, enquanto Austina não poderia estar mais enraivecida com as atitudes da filha. A mulher sentia as suas pálpebras tremerem.
— Tem razão. — Killian riu depois de um tempo. — Sentirei-me deveras mais seguro se estiver munido com isto. Lady Westville, a senhorita é a minha salvadora.
— Ah, não é pra tanto. — Delilah deu de ombros, sorrindo de volta. Ela adorava aquele jeito acanhado do príncipe, de alguma maneira a fazia colocá-lo em sua lista de melhores pessoas. — Agora vai lá e chuta o traseiro do Duque. Isso tá liberado, né?
Austina com toda certeza queria dar umas boas palmadas na filha. Killian riu mais uma vez.
— Bom, acho que sim. Vou dar o meu melhor. — Disse Killian ajoelhando-se em seguida. É claro que tal ato chamou a atenção de todos. — Prometo vencer, Lady Westville.
Delilah acenou animadamente assim que Killian se afastou, apenas parando quando Austina a beliscou.
— Ai! — Delilah resmungou, alisando o braço. — O que eu fiz?
— Quer que eu comece em ordem cronológica? — Austina ralhou, puxando a filha e Garon, que nada entendeu, para a área de observação. — Que ideia foi essa de não fazer um bordado para o príncipe!?
— Uma donzela oferecer um bordado em troca de juras de amor e blá blá blá não me parece muito contemporâneo...
— E o que seria contemporâneo para a sua cabeça de vento, ein?
— Que nós donzelas pudéssemos praticar nossas habilidades com a espada também. Sempre quis saber a sensação de segurar uma... — Delilah suspirou, apoiando a mão no queixo, alheia à indignação da mãe.
— Tá vendo o que acontece se a criar solta desse jeito? — Austina ralhou com Garon, que levantou as mãos em rendição. — Eu sempre disse para não a deixar de qualquer jeito. Sempre liberou tudo, agora ela é assim...
Garon e Delilah trocaram um olhar cúmplice. O pai sabia que não havia como Delilah ter crescido de outro jeito, já que o seu modo desbocado partia do seu interior. Mas nada disse, já que as primeiras partidas já iam começar.
Não era uma batalha de verdade, bem longe de assemelhar-se às antigas guerras por território. No Torneio de Varenhaal, nobres reuniam-se para colocar os assuntos em dia, aparecer em vestidos caros, o que não diferenciava muito o que faziam no dia a dia. Para os cavalheiros que empunhavam a espada de madeira, era uma oportunidade a mais para encantar a dama desejada.
Killian alisou a echarpe mais uma vez, sorrindo para si mesmo. Delilah era uma dama deveras peculiar, e ele possuía prova disso na primeira vez que se viram, onde ela estava com terra nos tornozelos e um rasgo no vestido. Antes de iniciar a sua primeira luta, imaginou se Mabelle, sua mãe, gostaria dela. Esperava que sim.
Killian não teve dificuldades em sua primeira luta, assim como Arnold e pouco a pouco os dois avançavam. As damas cruzavam os dedos, soltando gritinhos quando um dos favoritos lançava a espada contra a garganta do oponente, finalizando a luta. Austina balançava insistentemente o leque, provocando um ruído perturbador em meio ao calor que fazia e os cochichos em geral. Em menos de 20 minutos, Delilah já estava cansada daquela atração.
Varreu a arena à procura de uma pessoa específica e ignorando o latejar de seu pescoço, de tanto esticar-se em sua procura, apenas parou quando a encontrou. Amelie estava do outro lado do campo de observação, abanando-se delicadamente. Automaticamente, os lábios cheios da outra abriram-se em um sorriso solar ao vê-la.
Delilah sentia-se como uma daquelas jovens tolas a suspirar na janela à procura de um príncipe montado em um cavalo de crista branca. É claro que possuía certo gosto em ler tal narrativa, mas o que era ficção deveria permanecer apenas naquelas páginas amareladas. De repente e sem pedir permissão, aquele sentimento conseguiu adentrar em seu coração trancafiado.
Amelie assistiu a três lutas de Killian e a segunda de Arnold. Ver o primeiro, o qual ela sempre assumiu estar apaixonada, e o segundo, que ela tinha certeza em desgostar, juntos no mesmo espaço e não sentir nada era uma coisa nova. Não era como se seus sentimentos estivessem nulos, não. Se ela olhasse para o outro lado do observatório, especificamente para uma jovem de cabelos cacheados e vestido azul, seus sentimentos transbordariam tanto que duvidava ser capaz de contê-los.
Sabia que deveria sufocar aqueles sentimentos. Seja lá o que estivesse sentindo por Delilah, sim, porque não havia de ser amor, não deveria ser relevante. A dama sugou parte de sua vida, intrometendo-se em seu caminho. Talvez se não fosse por ela àquela altura estaria de casamento marcado com Killian, prestes a realizar o seu sonho de menina. Com a ajuda de Florence, Killian gostaria dela. Mesmo com aquelas palavras cruéis ditas por ele no encontro com a prima, Amelie nutria esperanças de cair nas graças do príncipe se não fosse por Delilah. Talvez fosse uma expectativa tola, mas ela gostaria de acreditar.
Horas mais tarde, o embate mais esperado levou Killian e Arnold para a final. Era como se Delilah e Amelie estivessem na arena, cada uma em lados opostos, mas com o puro desejo de se encontrar. Todos queriam saber qual dama levaria a melhor, mas entre as duas, não havia mais competição. Não existia Arnold e Killian na relação que elas nutriam, assim como não havia outro desejo e pensamento que não fosse o de amar.
Por isso, compartilhando olhares e palavras que os lábios não eram capazes de completar, ambas as damas não viram quando, de um combate árduo e cheio de reviravoltas, saiu um vencedor. Não viram quando o público vibrou por um deles, tampouco viram o desgosto do outro. Não viram o sorriso que um deles dirigiu a si, enquanto o outro buscou no olhar de sua prometida o consolo que precisava. Amelie e Delilah não prestavam atenção. Entreolhando-se e amando-se em segredo, esconderam-se em um mundo onde os dois nobres não poderiam adentrar.
A visão das pupilas azuis de Amelie foi substituída pela silhueta de Killian, que sorria. Delilah lentamente subia o olhar até ele, vendo no brilho dos olhos pretos a vitória alcançada. A dama quis sorrir, mas ainda nutria os pensamentos na jovem encoberta pelo príncipe, e no olhar que acabaram de trocar.
— Venci pela senhorita, Lady Delilah. — Killian ajoelhou-se em frente à ela, pondo a echarpe em sua frente. — Seus pensamentos ajudaram-me a avançar.
Delilah não poderia retribuir. Não poderia confundi-lo mais. Não era justo com Killian, com ela, com Amelie. Se a amava, precisava dizer. Se era com ela que queria ficar, precisava tentar.
Killian ainda sorria em busca de uma resposta quando os olhos de Delilah varreram em busca de uma silhueta que não seria capaz de encontrar. De onde estava, agora restava o vazio. Segundos antes de Killian obstruir o seu campo de visão, viu nos cílios baixos um olhar de decepção. E depois não viu mais nada.
— É claro. Fico feliz que tenha vencido. — Delilah conseguiu dizer, engolindo em seco. Não suportava mais aquele sentimento retesado em seu peito. Da próxima vez que a encontrasse, precisava dizer. Precisava tirar aquele estranho sentimento do seu coração.
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