Capítulo 10



"Certa vez, fui perguntada acerca dos motivos que me fazem apreciar a temporada casamenteira. Sim, por quê no olhar de um cavalheiro, tal gosto é completamente descabido. Nunca respondi.

Mas hoje, passado um dia do grandioso Festival da Colheita, peguei a minha pena e me vi pensando sobre os motivos pelos quais me fazem ser uma entusiasta de tal assunto. E hoje, lhes digo:

O que me encanta na temporada casamenteira é a imprevisibilidade.

Em uma temporada casamenteira, lordes podem transformar-se em lacaios, e ladys... Ah, as ladys podem transformar-se em tudo. São verdadeiras lagartas em casulo de borboleta, preparando-se para a graciosidade que lhe trará atrativos aos olhos compenetrados.

Termino aqui a minha introdução sobre a alegria de vivenciar esse evento aguardado em nosso amado Reino para lhes confidenciar:

Apesar de ter ciência da imprevisibilidade de tal evento, e contar com os anos de experiência sendo uma notável observadora de nossa sociedade, escrevo com todas as letras que nenhum evento de outrora havia me preparado para este.

Onde vemos não uma lagarta em vestes de borboleta, mas uma loba em vestes de carneiro.

Ah, a imprevisibilidade das temporadas... Quem poderia me jurar, que tal dama, debutando em trajes indecorosos, seria a candidata mais apresentável ao título de Sacerdotisa do Templo das Três Rosas? Não me ache precipitada, caro leitor, pois lembro-lhe de meu conhecimento acerca desse mercado e a veracidade de minhas apostas.

Ora, ainda não sabe quem é a dama cantarolada pelos meus graciosos passarinhos?

Pois eu lhe digo: Delilah Westville, a dama cigana que arrebatou o coração de nosso honrado príncipe, a Lilith em vestes de Sibelle, a jovem que pelo bem, ou pelo mal, está nos cochichos da sociedade. Quem esquecerá de tal dama, após sua entrada triunfal no baile Lacouver, ou de sua dança hipnótica na Festa da Colheita? Não é de se admirar que haja dezenas de rapazes à sua espera.

Ah, as ladys... São capazes de transformar-se em favor do que deseja. São capazes de guerrear entre si pelo melhor partido.

Mas não Delilah Westville. A dama que nasceu das entranhas de Lilith e Sibelle não está no meio de guerras. Está acima delas, deixando um rastro de sangue de rapazes tolos, que vêem no seu retrato de menina-loba, o caminho de sua salvação."

Crônicas de uma Lady Bem-Aventurada, edição 201.


🜲🜲🜲


Edgard jogou o panfleto em cima da mesa, e em seguida juntou as mãos em frente ao rosto. Aida e Amelie permaneciam em silêncio, e a primeira mulher, sem saber se já era lhe permitido apossar-se do panfleto, apenas esperou pelas instruções de seu marido.

— Veja. É isto que ganho investindo tanto em seus estudos, Amelie?

— Papai, eu...

— Calada! — Edgard vociferou, batendo as mãos na mesa. — É uma decepção, Amelie. Não é capaz de se oferecer para um príncipe?

— Lord D'Montfort, nossa filha tentou muito, mas a Dama Westville...

— Dama Westville? — Edgard riu, batendo a mão na testa. — Refere-se à filha de Garon Westville? A fedelha que até ontem morava na lama? Não posso acreditar que aquele idiota do Killian tenha achado o que guarda dentro das calças no lixo, para se envolver com uma qualquer!

— Lord D'Montfort, por favor! — Aida manteve o tom de voz baixo, assemelhando-se a um sussurro. As criadas entreolharam-se, mas nada podiam dizer, temendo irritar o dono da casa. — Lady Bem-Aventurada não deve ter escrito algo tão positivo sobre tal dama...!

— Leia, Aida. — Nas palavras de Edgard, tais palavras eram o assombro de uma ordem.

A mulher de face assustada pegou o panfleto entre as mãos trêmulas, lendo cada frase exposta em tinta preta. Por vezes, levantava o olhar para encarar a filha, que tremia sem poder se conter.

— Lady Bem-Aventurada não a elogiou. Saída das entranhas de Lilith... Ora, tais palavras não são graciosas! Não gostaria de ter Amelie em tal descrição.

— Pouco me importa a forma como tal fedelha é descrita. — Edgard aumentava o tom de voz, silenciando a mulher, que sorria nervosa. — O que me importa é o fato de ter contribuído significantemente para o Templo para qual finalidade? Amelie nem mesmo será a Sacerdotisa!

— Ainda não é certo. — Aida murmurou, apertando a mão da filha por debaixo da mesa. Amelie assustou-se, pois demonstrações de carinho eram raras em sua casa. No entanto, ao olhar para a mãe e vê-la tão assustada quanto ela, entendeu que o ato da mãe era pra acalmar a si própria. — Lady Bem-Aventurada pode ter se enganado. Teremos que esperar o convite oficial, e pelas Graças da Deusa, será endereçado à Amelie. Não é, minha querida?

Amelie assentiu, sorrindo fraco. A derrota na Festa da Colheita ainda a acometia, mas mais do que isso, lembrava-se constantemente da conversa que teve com Delilah. Por quê a dama continuava vencendo em tudo, e para ela, nada? Lhe enfurecia o quanto a sorte sorria para aquela dama, apenas para vê-la renunciar a todas as Graças que recebia. O intuito de Delilah era humilhá-la?

— Senhor, perdoe a intromissão.

— Acaso não deixei claro que não aprecio ser interrompido em uma reunião familiar? — Edgard rosnou, fazendo a criada se encolher.

— Perdão, milorde. Mas o que faço então com a visita que o aguarda?

— Uma visita? — Edgard perguntou com relutância. — E quem seria?

— Não perguntei, milorde. É um homem de boa aparência.

— Ora... — Edgard se levantou, criando um som estridente ao empurrar a cadeira. — Lady D'Montfort, o quê está acontecendo nessa casa que ninguém é capaz de cumprir o seu trabalho?

A criada olhou para a mulher que continuava sorrindo, robótica.

— Falarei com a governanta, milorde. Agora, não deve ir ter com a visita? Ele poderia dizer que os D'Montfort o deixaram esperando.

— Decerto, essa seria a frase mais branda que profeririam de nós.

Em passos audíveis, Edgard deixou o cômodo, deixando o silêncio incômodo entre as criadas, que não sabiam se retiravam ou não o desjejum mal-tocado, se ofereciam condolências às donas da casa, ou simplesmente sumiam. Já Aida e Amelie, não sabiam se cumpriam o papel de anfitriãs, ou se sua condição feminina os impediriam de realizar tal feito. Amelie foi a primeira a interromper o silêncio, aturdida.

— Papai odeia-me.

Aida não respondeu. Não pôde responder. O quê poderia ela dizer para consolá-la, quando nem servia para realizar tal ato em si mesma?

— Devemos... Devemos esperar por novas instruções do seu pai. Seja para apresentarmo-nos à visita ou... Realizar qualquer outra coisa.

Amelie assentiu, abaixando os olhos ao notar os passos ágeis da mãe. Levantou o olhar por um breve segundo apenas para encarar as criadas, que a observavam com pena. Odiava aquela sensação.

O panfleto causador da discórdia jazia esquecido e, antes que pudesse pensar, Amelie estava em posse dele. Leu cada palavra pausadamente, assimilando as frases completas. Delilah apesar de não elogiada descaradamente, também não estava sendo mal falada como ela desejava. Qual dama não gostaria, ainda que o decoro a impedisse, de ser vista como uma succubus ou uma sereia, incapaz de afugentar? E por mais que lhe doesse admitir, e ela nunca o faria em voz alta, não havia melhor definição para aquela que dançou tão despreocupadamente, movimentando-se sem pretensão. Era realmente uma loba em pele de carneiro, alimentando-se dos anseios dos cavalheiros tolos, preparando-se para o bote.

Não havia dama na temporada com poder igual ao dela.

— Amelie, onde está a sua mãe?

Foi tirada de seus devaneios pela voz cortante de Edgard, que apesar da frieza no tom de voz, exibia um sorriso caloroso na face alva. Mas aquele sorriso não era para ela, estava cansada de saber disso.

— Mamãe levantou-se e não disse para onde ia. — Amelie prontamente largou o panfleto, levantando-se como o decoro exigia quando avistou o rapaz que o seguiu; devia ser esta a visita. — Bom dia, milorde. Aceita se juntar a nós ao desjejum? — Amelie sorriu e fez o máximo para soar perfeitamente educada, como o pai gostaria. Olhou para ele, na esperança de sua aceitação, mas este, encarando a criada com uma expressão pouco harmoniosa, em nada fazia questão de observá-la.

— Oh, não desejo dar trabalho para as criadas. — O rapaz respondeu com educação. Ainda não havia se apresentado, o que a deixou sem jeito para prosseguir a conversa. Antes que o fizesse, no entanto, Edgard tomou a fala.

— Arnold, disse-lhe que poderia me esperar na sala de visitas. Irá ter muito tempo para conhecer a residência, isto se o que diz sobre ficar de vez em Terithia for verdade.

— Ah, juro pela Deusa que é. — Arnold sorriu para Amelie, exibindo os dentes perfeitamente alinhados. A dama sorriu de volta, sem saber ainda se deveria ficar e escutar a conversa, ou pedir licença e se retirar. Algo naquele cavalheiro a fazia sentir uma certa familiaridade, mas ela não sabia dizer qual. — Depois de tanto tempo em alto mar, sinto saudades de casa. Não há nada melhor que sentir o cheiro familiar de seus ambientes favoritos e estar entre os seus. Além de, é claro, apreciar todas as atrações que Terithia tem a oferecer. — Ao final da frase, Arnold sorriu de modo sugestivo para Amelie, que corou imediatamente ao perceber os olhares que compartilhavam. — Esta é a sua filha? Lembro de tê-la visto quando ela era mais ou menos... "Deste" — Ele fez o gesto. — Tamanho.

— Oh, não diga como se as idades fossem tão afastadas! — Edgard riu, voltando-se à filha. — Esta é Amelie. O meu tesouro.

Amelie sorriu ao ser descrita dessa forma, mesmo que não fosse pelas razões que queria. Era tida como um tesouro pelo o que ela tinha a ganhar sendo uma dama, e só. Mas gostava de acreditar que bem lá no fundo, onde nem a luz pode penetrar, existia algum afeto naquelas palavras.

— É um prazer. — Amelie realizou uma mesura, portando-se com perfeição.

— Arnold Clearvant, seu criado, milady. — Arnold a tomou pela mão, depositando um beijo ligeiro. Amelie, corada da cabeça aos pés, assentiu sem jeito, pega de surpresa pelos aspectos galantes do jovem. — É um prazer reencontrá-la novamente.


🜲🜲🜲


Na residência dos Westville, as paredes pareciam ranger com a animação. Desde que Delilah a informou sobre a visita do príncipe, dias atrás, Austina andava de um lado para o outro, incapaz de conter-se. Lidia e Rique ainda eram os mesmos, mas duplamente mais animados pela visita real. E Garon, sentado em sua cadeira, folheava sem interesse o jornal.

— Oh, pela Deusa! — Austina atirou-se em cima da criada que trazia o panfleto. — Achei que esse papel não chegaria nunca.

— Perdão milady, havia fila para comprar.

— Ah, agora que ele finalmente está aqui, pouco importa os pormenores! Dê-me aqui, depressa, depressa!

A criada entregou-lhe o panfleto, como ordenado, e rapidamente voltou aos seus afazeres. Austina andava de um lado para o outro e lia, parando por vezes para arquear as sobrancelhas. Ao final, exclamou um grito.

— Delilah, minha filha! Venha depressa, venha ligeiro!

Delilah escutou os gritos do andar inferior enquanto permaneceu estática até que a criada terminasse de moldar os cachos do seu penteado. Foi estritamente proibida de se arrumar sozinha, e isso incluía banho, vestes e penteado. Sem poder contrariar a mãe, aceitou. Mas ficaria muito mais feliz se pudesse ajeitar-se sem a ajuda de ninguém.

— Ficou de seu gosto, senhorita?

— Sim, sim. — Delilah se olhou no espelho, vendo o coque arrumado pela criada. Ondas cacheadas caíam em volta do seu rosto, e para finalizar, foi enfeitada com uma tiara de cristal. — Obrigada.

— Ah, não precisa me agradecer! — Disse a criada, se esquivando. — Sua mãe ordenou que a deixasse irresistível para o príncipe.

— Agradeço mesmo assim. — Delilah piscou, ouvindo novamente os chamados da mãe. — Bom, agora devo ir ou então... Mamãe deixará a capital ensurdecida.

Delilah estava prestes a deixar o quarto quando a criada a chamou. Parando, a dama voltou o olhar para a origem do som.

— Algo errado com o vestido?

— Não, o vestido está lindo. — A criada sorriu, sem jeito. Observou a sua senhorita, trajada com um vestido azul-celeste que lhe caía até os tornozelos, adornada com tiras de seda translúcida, que assemelhava-se às nuvens em um dia de céu aberto. Estava realmente divina. — Apenas queria ter certeza do meu trabalho. Está perfeito.

Delilah sorriu, acenando gentilmente. Ao descer as escadas, sentiu um frio na barriga ao pensar na visita do príncipe e como isso seria interpretado pela sociedade, e para o próprio. Já haviam falado de uma possível união, onde ela pediu tempo para pensar, mas... Não poderia contar com esse tempo para sempre.

— Oh, aí está! Por um momento pensei que eu seria obrigada a... — Austina se calou ao olhar para a filha já nos últimos degraus. — Delilah, minha filha, está linda! Oh, como o príncipe ficará encantado ao te ver...! Fizemos bem em encomendar essa cor.

Delilah assentiu, sorrindo fraco. Se soubesse que estava pronta para se casar, teria dado um jeito de derramar sopa quente no vestido.

— O quê queria ter comigo, mamãe?

— Oh, sim sim sim. Lady Bem-Aventurada falou de ti! Não entendi palavra alguma do que disse, mas seu nome está no panfleto...! Deixe eu pegar...

Austina olhou para os lados, procurando o papel que outrora estava em sua mão. Onde ele poderia ter ido parar?

— Mamãe, a mana Lila é uma Lilith? — Rique perguntou, portando o panfleto em mãos. Em seguida, Lidia o pegou, gerando um corre-corre pela casa.

— Ora essa, menino! Devolva já isso!

— É mesmo...! — Lidia arregalou os olhos castanhos. — Mana, aqui tá dizendo que come gente.

— Como gente? — Delilah arqueou as sobrancelhas, perdida.

— Isso é história das crianças! Ah, se eu pego...

— Mas é verdade! — Disse Lidia correndo da mãe. — Tá dizendo que é uma loba que come gente!

Delilah olhou para o pai, que em nada podia explicar a situação. Seja lá o que estivesse acontecendo, havia coisas mais importantes para se preocupar.

Saindo da bagunça criada entre Austina e seus irmãos, Delilah caminhou até o molho de cartas, passando-as com avidez. Soltou um muxoxo audível quando terminou a inspeção, constatando não haver nada endereçado à si.

— Esperando alguma correspondência?

A voz do pai atrás de si a fez se assustar levemente. Recompondo-se, assentiu sem muita animação.

— E esta correspondência seria de Lorde Ruffen, acertei? Minha filha, essas coisas levam tempo. Mal faz 5 dias que o abordou.

— Mas e se ele... Não aceitar?

— Dará um jeito. Sei que dará. — Garon disse em um tom incentivador. — É a minha filha, afinal.

Delilah sorriu, incapaz de permanecer entristecida ao lado do pai. Em seguida, apontou para o pequeno caos a alguns passos de onde estavam, observando a cena entre Austina e os gêmeos, que se recusavam a acompanhar as criadas para que estas os aprontassem novamente.

— E a mamãe? Acha que ela permitirá?

— Deixe que eu me resolvo com a sua mãe. — Garon sorriu, acariciando as bochechas da filha. — Pense apenas em sua recepção hoje.

— Pai, acredita mesmo em minha animação para isso?

— Delilah... — Garon prendeu o riso, repreendendo-a. Era realmente o que mais a conhecia, mas nem por isso deveria ir contra Austina, que prezava tanto por essa recepção.

— Eu sei, papai. Não vou colocar o príncipe para correr.

Garon realmente esperava que não.


🜲🜲🜲


No Castelo de Kreonellf, massivos eram os cochichos que rodeavam as muralhas de pedra, acerca dos futuros acontecimentos que os aguardavam. Esperavam que o Rei ainda tivesse as Graças de muitos anos à frente do reinado, mas a vida era surpreendente e tão logo, deviam se acostumar com a ideia de um novo reinado – e uma nova rainha –. Muitas eram as apostas acerca de tal posição, mas todos centravam as esperanças em um nome em comum:

Delilah Westville.

— Tem certeza de que é uma boa ideia visitar a família de tal dama? Veja, Alteza, o senhor é o anseio de todas as senhoritas de Terithia. Se visitar esta dama, não estaria dizendo a todas que está colocando uma delas em vantagem?

— É aí que se engana, meu bom Randolf. — Killian suspirou, terminando as últimas conferências em seu cavalo. — Esta dama não deseja se tornar minha esposa. Ao menos por enquanto.

— Custo a acreditar em tal afirmação. Não estaria tal dama a fazer-lhe joguinhos de conquista? Sei como é a mente das mulheres, meu príncipe... Tais figuras são deveras traiçoeiras.

— Delilah não é esse tipo de dama. — Killian afirmou. — Tem o meu coração nas mãos e faz pouco caso dele. Se fosse um jogo, eu estaria a saber.

— Sem nunca ter se relacionado com uma jovem sequer? Oh, quando seu pai lhe instruía a acompanhar Arnold em bordéis... Era para precaver-lhe de tais vigaristas.

Killian endureceu a expressão com a menção ao seu pai e seu primo, Arnold. Possuía motivos suficientes para não querer a lembrança dos dois naquele momento.

— Papai instruiu-me em muitos assuntos, mas desejo eu mesmo tomar as rédeas da minha vida.

— Sim, decerto é o seu direito. — Randolf pontuou. — Mas interessar-se por uma Nova-Rica? Não falo pela posição social da dama, mas do grupo ao qual ela pertence... os Revolucionários. É uma horda de baderneiros!

— Para mim, parece uma boa gente em busca de direitos iguais.

— Direitos iguais...? Ora, se assim fosse... — Randolf riu. — Tais levantes não terminam em boa coisa. Se Alteza tomar o partido desta dama e for mal interpretado pelos Nobres Reais...

— Randolf. — Killian chamou a atenção do homem de meia idade, segurando-lhe os ombros.

— Sim, Alteza?

— Deseje-me sorte. Conhecendo-a, devo precisar.

— Alteza estava ouvindo minhas ponderações? Alteza, Alteza...! Não vai aguardar uma carruagem que possa lhe transportar! Andar a cavalo não é...

Randolf tossiu, vendo o rastro de poeira que Killian deixou para trás ao trotar para longe com o cavalo. Aquele jovem nunca lhe escutava. Que a Deusa o desse forças para suportá-lo como Rei.

Lidia e Rique estavam como dois bonecos de cera, sentados lado a lado. Austina constantemente se levantava, verificando os vasos de plantas, dando ordens na cozinha, ralhando com as criadas. Delilah ao olhar o vai e vem da mãe, sentia náuseas – também pelo espartilho apertado que a fazia querer vomitar. –

— Senhora. — A voz grave da governanta interrompeu o silêncio, chamando a atenção de todos. — Ele chegou.

— O quê está esperando? Mande-o entrar! — Austina sorriu, aprumando-se. — Levantem e sorriam, levantem e sorriam!

Os gêmeos se entreolharam, revirando os olhos; gostariam muito mais de estarem revirando aquele cômodo de cabeça para baixo. Delilah se levantou com dificuldade, não sabendo se era o aperto do espartilho ou a ansiedade que lhe consumia a mente, ou as duas coisas juntas. Garon levantou-se em seu papel de chefe da casa, sendo o primeiro a recebê-lo. Ou deveria.

— Alteza! — Austina tomou a frente, sorrindo de orelha a orelha. — É um prazer recebê-lo em nossa residência! Não fique acanhado, venha, venha!

Garon e Delilah trocaram um rápido olhar antes de caminharem um passo à frente, parando ao lado de Austina. Os três faziam uma breve reverência, seguido por Rique e Lidia que se abaixavam de maneira zombeteira. Observando o cenário, Killian riu ligeiramente, acabando a tensão imposta.

— Por favor, levantem-se. Vim como um convidado ávido para provar o famoso Caldo da Felicidade.

Delilah agradeceu, sentindo a barriga doer pelo aperto. No entanto, não estava preparada para o caminhar do príncipe em sua direção tão logo se ergueu. Frente a frente com ele, sorriu desconcertada.

— Oh, quando eu poderia pedir que as cozinheiras preparassem um bom carneiro assado...! Ou um leitão ao molho de limão...

— Acredite, minha senhora, nenhum prato saciaria a minha vontade de comer tal especiaria. Diga-me que foi a senhora mesmo que preparou, ou será o meu fim. Sua filha falou tão bem deste preparado...

Killian foi conduzido à sala de visitas, onde foi lhe foi servido chá e biscoitos de leite. Lidia e Rique observavam com vontade; foram instruídos a não pegar nada, ordens da mãe.

— Oh, não poderia eu recusar um pedido de Alteza... Preparei o caldo com gosto.

— Se é assim, mal posso esperar para provar.

— Poderá provar esta vez e mais, se assim a Deusa permitir...

— Está um clima deveras abafado, não? — Cortou Delilah, se abanando. Ela poderia jurar que se derreteria em suor. — Não deveríamos servir uma bebida mais agradável ao príncipe? Um suco, talvez?

— Agradeço, mas já me sinto satisfeito com o chá.

— É, minha querida, ele já está perfeitamente satisfeito... — Austina sorriu, encarando Delilah com severidade. — Diga-me Alteza, seu pai está em boa saúde?

— A mais perfeita saúde, com a Graça da Deusa.

— Oh, isso é bom, muito bom! — Austina bateu palmas, assustando-o. — Decerto Alteza pensa que até pode adiar seu matrimônio, visto a boa saúde do Rei, mas tenho pra mim que não tem melhor hora que essa para presenteá-lo com alguns netinhos.

— Devo perguntar a Lauben se o almoço demora muito a sair? — Perguntou Delilah, hiperventilando.

— Minha querida. — Austina disse entredentes. — Quando o almoço estiver pronto, Lauben avisará. Deixei essa ordem explícita para ela.

— Ah, certo... — Delilah murchou no sofá, evitando o olhar do príncipe, que pigarreava.

Pigarreou por uma vez, duas... A terceira, denunciava aos presentes que alguma coisa estava errada.

— Pela Deusa, o príncipe engasgou! — Rique foi o primeiro a apontar, causando uma comoção geral. Austina correu até ele, afoita, e Delilah a seguiu, batendo com força nas costas dele.

— Papai, a mamãe matou o príncipe! — Lidia gritou, balançando o pai que permanecia parado no centro da sala, sem saber o que fazer.

Killian tossia, lacrimejando pelo incômodo do engasgo e a dor dos bofetes de Delilah.

— Eu acho que... Já estou bem. — Killian arfou com dificuldade. — Não precisa mais me bater.

— Oh, eu... — Delilah recolheu a mão, envergonhada. — Desculpa. Queria te desengasgar.

— E conseguiu! — Passado o susto, Austina batia palmas, vitoriosa. — A minha filhinha tem tantas qualidades...

"Mãe, a senhora poderia parar de me empurrar para um casamento por um segundo, por favor?" Era o que Delilah queria dizer. Mas apenas sorriu, voltando a se sentar.

Quando todos estavam na mesa e o medo do pior havia passado, o acontecimento acabou em risadas. Killian sorriu, envergonhado.

— Devo mesmo agradecer a Lady Delilah.

— Ah, não é pra tanto. — Delilah riu.

— E então, meu querido. — Austina abriu um sorriso afetuoso, esperando ansiosa pela resposta. Delilah observou o tratamento íntimo, típico de sua mãe. — O que achou do meu tempero?

— Eu acho que eu realizaria minhas atividades como príncipe satisfeito, se soubesse que seria recompensado com um preparo como este.

— Oh! — Austina sorriu, completamente derretida. — Eles não te alimentam bem no Palácio, querido? Por isso está tão magrinho... Ah, venha, venha sempre que quiser!

— Mãe! — Delilah a silenciou.

— Está tudo bem. — Killian sorriu de maneira gentil. — Sua mãe certamente está na lista de pessoas que eu gostaria de ser filho. E olha, que tirando o nome de minha falecida mãe, só tem o dela.

— Oh, Alteza...! — Austina se derramou em lágrimas, saindo de seu lugar para o abraçar. — Sempre que quiser, terá essa mãe preta pra te acolher, viu? Fora o Caldo da Felicidade, tem uma centena de pratos que sei fazer e modéstia à parte, tempero igual ao meu não há.

Killian assentiu, prometendo fazer mais visitas. Brincou com Lidia e Rique, que lhe ensinavam diferentes brincadeiras e conversou sobre caçadas com Garon, que lhe explicava os motivos de não fazer gosto delas. Em seguida, pediu permissão para caminhar pelo jardim com Delilah.

— Sozinhos? — Garon arqueou a sobrancelha.

— Não, a minha intenção...

Antes que Killian explicitasse a intenção de convidar uma dama de companhia para os acompanhar, Austina tomou a fala, colocando-se na frente de Garon.

— E por quê não poderiam? Não vão muito longe, não há motivos para sermos tão rígidos.


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