VINTE E OITO - Despedidas

O cabelo ondulado de minha mãe estava perfeitamente penteado para trás, seus olhos fechados como se dormisse, e seu rosto tão magro quanto da última vez que tinha a visto. Minha memória percorreu nossos momentos antes que ficasse doente, ela sempre tinha sido dura e desconfiada, mas seu abraço era minha casa. Minha mão encontrou a de minha mãe.

— Devem ter usado o soro em você enquanto ainda era um feto, com seis meses de gestação, seu sistema nervoso ainda não estava completamente formado, e foi capaz de se adaptar ao soro, com ajuda do gene de seu pai, por isso não enlouqueceu. Mas para fazer você se tornar o que é, deve ter sido uma quantidade absurda, e é incrível que realmente tenha dado certo, que você, ou ela não tenham morrido no processo.

Escutei a explicação complicada de Ka, quando ela explicava os efeitos do soro no organismo de minha mãe, e o quanto era difícil que Jessè tivesse conseguido algo assim.

— É isso que está a matando, esse câncer, é decorrente do soro, e está em toda parte. Ela não tem muito tempo, Jase, as alternativas já acabaram há muito, e agora só nos resta esperar que ela se vá, e garantir que não aconteça de uma forma dolorosa. — Escutei, e um soluço vindo de mim mesma me pegou desprevenida.

Minhas lágrimas escorreram pelo meu rosto descontroladamente,  e um som estrangulado saiu de minha garganta, um ombro firme encontrou com o meu, e vi meu irmão, Stefano chorando, assim como Jase.

Só ela sabia o quanto mais tinha feito por mim.

Depois que eles finalmente se encontraram... É uma pena. Ouvi uma voz em minha mente que não me dei o trabalho de identificar.

Senti uma pequena pressão em minha mão, tão pequena que quase passou despercebida. Meu olhar foi do rosto pálido de minha mãe para a mão fria que eu segurava firmemente.

— Ela mexeu. — Falei, minha voz saindo quase como um suspiro.

— Isso não é possível, Theodora, por mais que eu queira... — Ka começou, mas Jase já estava ao meu lado.

A mão de minha mãe apertou novamente, dessa vez, mais forte.

— Ela definitivamente se mexeu. — Foi a vez de Jase falar.

Ka se aproximou, estendendo as duas mãos sobre minha mãe. Cura, algo que poucos manipuladores de água podiam fazer, combinado com habilidades secundárias úteis, como a Opressão. Mas tudo tinha um limite, e nem o mais habilidoso curandeiro do quadrante vermelho tinha conseguido curar minha mãe.

— Parece que seu cérebro esta mais ativo. — Ela contou. — Pode ser que realmente esteja perto de acordar, mas seu câncer continua aí.

Como se ouvisse, os olhos de minha mãe se apertaram, e então abriram devagar, se mantando quase colados, para que pudessem se acostumar com a luz depois de meses de escuridão.

— O que isso significa? — Ouvi alguém perguntar.

— Pode ser a melhora antes do fim... — Escutei Ka responder e mais lágrimas escorreram pelo meu corpo.

— Vamos deixá-los sozinhos. — Ka falou.

Eu não sei quanto tempo passou comigo encarando todo pequeno movimento que minha mãe fazia na tentativa de despertar. Mas sei quem não saiu daquela enfermaria. Jase. Stefano. Felipa. Raphael.

Meu irmão estava exatamente ao meu lado quando finalmente os olhos dela se focaram em nós. O olhar angustiado de minha mãe se suavizou um pouco quando saiu de mim e foi para Stefano e Jase. Ela engoliu seco e fez uma careta de dor. Provavelmente a dose de remédios para dor estava passando o efeito.

Felipa saiu para buscar Ka, mas eu não ousava me mexer. Minha mãe abriu a boca, e testou sua voz, que saiu rouca e fraca demais. Ela suspirou, e se remexeu na cama.

— Eu... — Tentou novamente. E Jase se aproximou, segurando a outra mão de minha mãe firmemente. O olhar dela encontrou com o dele, e seus olhos se encheram de lágrimas.

— Desculpe. — Sua voz saiu como um suspiro, quase baixa demais para entendermos.

— Agora sei que fez por ela. — Meu pai falou, levando a mão até o topo da cabeça de minha mãe, acariciando seu cabelo gentilmente. Ela fechou os olhos ao sentir o gesto. — Não me importo com que era. Sei que o que vivemos foi de verdade. O que importa é a família que construímos. O amor que compartilhamos.

Meu peito se afundou, enquanto minha garganta se apertava em um nó.

Minha mãe assentiu, e seus olhos se voltaram para Stefano.

— Eu... senti sua falta. — Falou com esforço. — A cada segundo...

Meu irmão ficou imóvel por alguns segundos, a respiração de minha mãe se tornando cada vez mais pesada.

— Eu senti sua falta também. Muito. — Ele falou por fim, fazendo-a soluçar.

Quando seu olhar dolorido encontrou o meu, meu coração quase parou.

— Theodora... — começou. — Tudo que fiz... - disse - ... era necessário... me desculpe, filha.

Como um filme, tudo que aconteceu nos muquifos, passou pela minha cabeça. Os dias sem comida, o pequeno quarto cheio de percevejos, minha mãe sempre cansada demais, com dor demais para fazer qualquer coisa. Todas as brigas incessantes por ela achar que eu era estranha demais, tudo porque não queria que nos encontrassem.

Ela tinha cometido muitos erros, tinha mentido, tinha feito com que eu odiasse a mim mesma, e as vozes terríveis que me atormentavam, mesmo sabendo exatamente porque eu as ouvia. tinha se aproximado de meu pai por uma missão. E tinha me escondido de minha própria família.

Aquela mulher na cama tinha feito realmente todas aquelas coisas. Mas ela tinha desistido da sua própria vida por mim. Ela estava ali para que eu vivesse.

— Eles vieram por você... — ela disse, e então seu rosto se contorceu mais uma vez de dor. — Eu não...

— Tudo bem, mãe... — Falei, meu polegar fazendo um carinho gentil em sua mão. — Tudo bem.

Ka entrou novamente na enfermaria, e minha mãe balançou a cabeça firmemente.

— Não vai te fazer dormir, vai apenas ajudar com a dor. — Diante do silêncio de Rosa, Ka rapidamente afundou uma seringa em sua veia do braço.

A respiração pesada de minha mãe se acalmou, depois de um tempo. E Jase enxugou as lágrimas que molhavam seu rosto.

— Estamos bem... mãe. — Foi a vez de meu irmão falar, a ultima palavra quase agarrando em sua garganta. Eu sabia como era aquilo, aquele bloqueio, tinha sido assim com Jase.

Ela assentiu, e engasgou, sua respiração voltando ao normal, com um simples toque de Ka.

— Não deve demorar muito, agora. — A curandeira falou.

— Vamos ficar bem, mãe. — Stefano continuou, tocando a testa de minha mãe com o dedo indicador, assim como ela fazia comigo nos poucos momentos que tínhamos sem brigas.

— Amo...

— Amo você. Nós amamos. — Sussurrei por fim, e com um pequeno sorriso, seus olhos se fecharam, e seus pulmões soltaram pela ultima vez o ar que a mantinha viva.

 

Oláa pessoas! Alguém ai precisa de um lencinho?

Já compraram a versão física de AMDC?

Saiu um bookteaser lindo la no meu insta, então em ainda n viu corre la pra ver e não esqueçam de me dizer oq acharam!

Tem algumas vaguinhas pro grupo do whats, alguém ai quer entrar?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top