Capítulo 2 - Alicia

Quase vinte anos depois

Caminhei pela fortaleza da rainha, minha mãe era uma mulher autoritária, ela odiava o fato de que a próxima rainha não seria eu, sua filha, mas sim uma mulher que viesse a se casar com meu irmão, o nosso reino Keidra, ainda se recuperava dos estragos sofridos, eu não participei das guerras, nossos deuses sabiam o quanto tudo fora destruído, a cidade do Solstício ficara destruída, muitos morreram naquele dia.

Curvei-me para minha mãe antes de ficar de pé, a espada pendia em minha cintura, meus olhos estavam focados no rosto da mulher que me deu a vida. Ela se orgulhava de mim, sempre dizia que eu estava infinitamente mais preparada para governar que o meu irmão.

— Alicia, como estão as coisas na fronteira?

— Exatamente como previmos, nenhum homem em toda Lorak se atreveria a pisar em nossas terras. — Minha mãe assentiu. — E quanto aos preparativos para a ida de todas a cidade do Solstício?

— Gabriely está cuidando dos últimos detalhes, alguns meninos já chegaram a um ano de idade e serão entregues aos pais, para que cresçam em Eindor.

— Algum problema com as mães? Sempre há uma que não quer se afastar do filho.

— Até o momento nenhuma, majestade.

— Fico feliz, espero que Gabriely sirva a próxima rainha com tanta lealdade quanto tem para com você. Ela tem futuro. — Minha mãe levantou-se do trono, ela já usava um vestido azul, em Keidra todas as mulheres usavam trajes de batalha, porém na cidade do solstício éramos obrigadas a usar vestido quase o tempo inteiro.

Minha mãe parou a minha frente e me observou de cima a baixo, como se medisse o quanto eu cresci.

— Você se tornou uma mulher forte, poderosa e que está cada vez mais assumindo uma posição de prestigio por mérito próprio, sua coroa não lhe dá privilégios já que o seu irmão será o rei, as pessoas lhe respeitam pelo poder que você está aprimorando mais a cada dia.

— É uma honra ouvir tais palavras, minha mãe.

— É uma honra saber que eu criei uma mulher como você. — Curvei a cabeça. — Agora vá se trocar, temos que ir à Cidade do Solstício.

Suspirei com a ordem e caminhei para fora do alojamento da rainha, minha casa era quase colada a dela, entrei no ambiente e me joguei no tapete, observando o telhado, eu odiava ir a Cidade do Solstício, duas semanas convivendo pacificamente com os homens de Eindor, sem permissão para lutar com eles. Apenas convivendo com o meu pai que mal conheço e meu irmão estúpido e príncipe herdeiro.

— Alicia? — Gabriely me chamou.

— Estou aqui. — Sorri.

— Ainda está usando estes trajes? A rainha vai vir aqui te dar uma surra.

— Você é minha guarda-costas.

— Eu sou, mas não posso lutar com a rainha para protege-la.

— Eu odeio a Cidade.

— Eu sei, mas não sente falta de ninguém em Eindor?

Fiquei em silêncio, a minha vida estava em Keidra, meu pai e eu pouco conversávamos, mas em todas as vezes que o fazíamos ele dizia que tinha orgulho da mulher que eu estava me tornando. Levantei-me e fui até o quarto de banhos, me livrando das roupas e entrando na minha tina de água morna.

Relembrei a história de nossa criação, a história que ouvi tantas vezes enquanto crescia, era quase como ouvir a voz da minha mãe narrando-a para mim:

Há muito tempo, quando o mundo era apenas oceanos e as estações e horários se confundiam, quando o mundo não possuía qualquer fagulha de vida, Karol, a deusa da noite, criou Lorak, uma terra repleta de animais e florestas.

Karol queria criar um mundo completamente novo, então dividiu o continente em três reinos: Keidra, Eindor e Cidade do Solstício.

Naquele dia, Karol dividiu a noite do dia, organizou as estações em Lorak e na Cidade do Solstício, ela criou o homem e a mulher.

A deusa lhes deu uma missão, viver, prosperar suas terras, mas cada sexo em seu reino, reunindo-se apenas quatro vezes por ano.

Em suas palavras finais aos humanos antes de partir ao seu reino, acima do nosso, Karol disse-nos para jamais submetermos uns aos outros: Homens e mulheres são iguais em minha criação, então nunca abram mão disso.

Respeitem as leis sobre as quais este continente fora criado, mulheres não podem entrar em Eindor e homens não podem entrar em Keidra, mas na Cidade do Solstício, eles viveriam em harmonia.

Nossas leis foram sendo aprimoradas, após a guerra de quase vinte anos antes, nenhum homem era permitido na fronteira com Keidra, assim como nenhuma mulher era permitida em Eindor, cabível de sentença de morte aqueles que tentarem atravessar.

As sacerdotisas eram as únicas que ainda conversavam com Karol, elas nos diziam as palavras da deusa, ninguém mais conseguia conversar diretamente com Karol.

Saí da água e sequei meu corpo, antes de começar a vestir o vestido, era quase inverno, o tempo esfriava depressa, saí do quarto de banhos e vi Gabriely sentada na cadeira junto à mesa tomando um cálice de vinho.

— Você não vai se vestir apropriadamente? — Questionei.

— Claro que sim, quando entregar a princesa ao castelo da Cidade do Solstício em segurança. Até lá sou sua guarda-costas leal.

— Essa é a lei mais absurda de toda Lorak! — Afirmei.

— Fale mais alto Alicia, acho que o seu pai não ouviu em Eindor.

Bufei e a garota riu, ela prendeu seus cachos em um rabo, antes de indicar a porta, os cavalos estavam prontos, nossos poucos pertences indispensáveis estavam presos em nossas selas. Começamos a viagem de vários dias até a Cidade.

Durante o caminho nós montávamos acampamento ao pôr do sol e voltávamos a desmontar tudo ao amanhecer. Sequer parávamos para um almoço, à noite, procurávamos um rio de onde pudéssemos tirar água para cozinhar nossas caças e fazermos a limpeza de nossos corpos.

Andar com o vestido estava me deixando louca, o tecido fino prendia-se a qualquer planta no caminho até os riachos, mas eu não poderia me prender a isso apenas continuava seguindo meu caminho.

Ao chegar no rio avistei roupas em sua margem e peguei minha espada, logo vi uma pessoa nadando no rio, eu não precisava pensar muito para saber quem entre todas as mulheres de Keidra seria louca o bastante para nadar naquele lugar.

— Não tem medo de ser devorada por serpentes gigantes? — Questionei rindo.

— Serpentes gigantes não existem em rios princesa. — Gabriely rebateu.

— Tem certeza disso? — Inquiri. — Acho que vi algo enorme entrando na água ali do outro lado.

Ela se virou para olhar e eu ri.

— Sua mente é muito cruel! — Ela disse. — Você precisa de uma lição de bondade.

— E quem me dará uma lição?

— Acho que terei de pedir a alguém que conheço para fazer isso.

— Saia logo daí, antes que você morra com alguma doença por estar no frio.

— Se preocupa com a minha saúde princesa?

— Eu me preocupo com a minha segurança. Você ainda é minha guarda-costas, o que farei de minha vida sem você por perto para me livrar de minhas enrascadas.

Gabriely saiu da água e eu me virei de costas enquanto ela se vestia, assim que estava pronta ela pigarreou e eu me virei de volta para ela, pensando em interrogar sua total indiferença sobre ir a Cidade, há não muito tempo Gabriely detestava tanto aquele lugar quanto eu.

— O que foi? — Ela perguntou enquanto trançava o cabelo molhado.

— Quem você quer encontrar?

— Como assim? — Ela esboçou seu sorriso cínico, eu a conhecia bem o bastante para saber que quando usava esse sorriso, era sinal de que ela não estava querendo me contar algo.

— Você sempre odiou a Cidade do Solstício, mas desde que voltamos no outono que não tem se importado de seguirmos para lá agora no inverno.

— Não sei aonde queres chegar com esta conversa.

— Quem é ele Gabriely?

— Princesa, sou sua guarda-costas e também sua amiga, desde que consigo me entender por guerreira, mas há coisas em minha vida que não são interessantes para ninguém.

Ergui uma sobrancelha e virei-me para retornar ao acampamento, Gabriely estava alguns passos atrás de mim, eu queria poder dizer a ela que tudo isso daria em nada, que nenhum homem jamais se casou com uma guardiã real, mas não pude, não queria machucá-la, Gabriely era minha amiga e eu não poderia quebrar seu coração com palavras cruéis.

Ela veria isso por si mesma.

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