Parte 3 - 5
''Venha, garoto'', disse Ludka, apoiando a mão no ombro do menino.
Quando os dois começaram a andar em direção ao celeiro, ela perguntou: "Qual o seu nome?''.
''Não sei. Se quiser, me chame de Dois. É por causa da raiva que provoquei no velho, e porque serei, a partir de amanhã, um a mais no trabalho forçado. Duas influências'', disse o menino.
''Hã? Está sendo irônico?'', desconfiou a moça.
''Não. Só não lembro de meu nome, e crio apelidos em formas de números baseados em minhas influências. Eles são frios como eu''.
''Certo. Mas não precisa se explicar tanto.'' Ela lançou um olhar sério, porém doce para o garoto. ''Então... Dois. Não lembra de seu nome... Como o esqueceu?''
''Não lembro de nada desde que fui posto na caminhonete.''
''Hum... Lá dentro tem crianças com histórias assim também. Com passados misteriosos... eles são tão medrosos e protetores...''
''Aqui só tem crianças?'', ele lembrou-se do que Heiko lhe disse.
''E dois adolescentes. Porque é um lugar pequeno." Ela franziu o rosto, triste. "Os adultos ficam num lugar ao norte daqui...''
Ludka abriu o celeiro. Antes que Dois pudesse pensar na mentira que foi contada para Heiko sobre seus pais estarem no local, olhou para dentro dele.
Existiam cinco ali. Todos loiros. Todos usando pijamas sujos com listras azuis claras e brancas na vertical, com números no peito. A cor dos cabelos uniu-se com a sujeira e formou um contraste dos mais jovens com a moça limpa de cabelos negros.
''Vi que tá mancando. Entra aí e me mostra o que dói.'' Ela olhou para o pé que o menino suspendeu. ''Isso deve estar infeccionado... e com esse pano sujo ainda..." E desamarrou o braço da jaqueta. "Espere aí.''
A moça fechou o celeiro e foi até o casebre.
Ele percebia a tristeza da jovem. Sentou-se no chão de terra do lugar e pensou: ''Talvez eu não deva me importar com essa tristeza. Talvez não tenha sido eu o causador dela''.
Os olhares iam para ele. Os cinco pequenos alemães, todos sujos do rosto aos pés. As três crianças tinham medo nas expressões. Os dois adolescentes tinham raiva.
Ambos estavam sentados ou deitados em seus colchões, que eram alguns dos poucos objetos que existiam no pequeno lugar.
Passou alguns minutos, antes de Ludka voltar com uma sacola com álcool, algodão e um curativo. De baixo do braço ela segurava um pijama listrado.
''Isso é o que posso fazer pelo seu corte'', disse a moça, molhando o algodão com o álcool, ajoelhada no chão de terra.
''Infelizmente já deve estar bem infeccionado. Mas isso vai ajudar mesmo assim.'' Ela aproximou o algodão úmido do corte, e avisou para o garoto, olhando nos olhos dele: ''Vai arder um pouquinho''.
Ele fez um careta de dor, que foi imitada por ela, mostrando complacência.
A mulher colocou o curativo e enrolou o pé de Dois em um pano limpo.
''Não deve mais doer'', ela disse, abrindo um sorriso para o garoto.
''Por que me trata bem? Com sorriso? Não é racional ter empatia por um escravo'', disse, vendo o olhar dela entristecer-se de novo.
Ela não respondeu. Só abaixou o olhar, levantou-se e deixou o pijama no chão.
Antes de sair do celeiro e fechar a porta, Ludka ordenou com um olhar sério: ''Apague a luz e vá dormir quando terminar de se vestir''.
Dois tirou as roupas e vestiu o pijama, sem nenhuma inibição dos olhares raivosos e medrosos.
Ele olhou em volta. Não haviam colchões sobrando. Um portador de um olhar raivoso levantou-se do seu, o cedendo: ''Ei, garoto. Você tá mais cansado. Pode ficar aqui''.
Sem buscar entender a situação, Dois pegou sua roupa do chão e foi até o colchão, que era o último, com os jovens olhares ainda nele.
Antes de deitar-se, colocou a jaqueta em baixo do colchão. E, antes de fechar os olhos e pensar, viu o adolescente com o aspecto sério e com os braços cruzados na sua frente. Pensou: ''Aquela moça não queria ser gentil comigo. Só fez o curativo pra eu render melhor no trabalho forçado. Talvez a raiva que ela sinta por mim esteja escondida. A empatia dela não é verdadeira. Afinal, não tem como sentir empatia por um número ou por um escravo''.
*
Na madrugada do dia seguinte, o garoto foi acordado. Abriu os olhos. Viu o adolescente que lhe cedeu o lugar em pé: ''Garoto! Acorda!''
Ele olhou em volta com a vista embaçada. Reparou nos olhares ansiosos das crianças, que estavam também em pé.
O garoto levantou-se do colchão. Foi-lhe dito: ''Se junte aos outros! A gente vai fugir daqui''.
Após vê-los aflitos, Dois questionou-se. Pensou: ''Não há sentido em fugir. Se precisam de nós, não podemos deixá-los na mão. Se fizemos algo de errado, é justo sermos seus escravos''.
E com seriedade expôs: ''Não podemos fugir. Eles precisam de nosso trabalho''.
''O quê?... Você é doido?'', perguntou o adolescente, falando baixo e olhando com cara de espanto para o garoto.
''Não sou. Se nos submetem a isso é por algum motivo. Por necessidade, ou por justiça.''
''Aqueles judeus desgraçados culpam todos os alemães! Isso é justiça?'', rebateu o menino, esforçando-se para falar baixo.
''Culpam pelo quê?'', Dois perguntou, ainda sério.
''Hã?... Isso é sério?!... Esqueça essa brincadeira e vá logo!'' O garoto empurrou Dois para junto dos outros.
Após alguns minutos, o outro adolescente, que estava vigiando pela janela, observando a luz do casebre, chegou no primeiro e falou que ela tinha sido apagada.
O primeiro esperou mais um instante, querendo ter certeza de que quem estivesse no local estaria dormindo. Sabia que era possível o velho ou o filho dele aparecerem para fazer ronda.
Ninguém apareceu. Depois de um tempo, o primeiro foi até a porta do celeiro com um alicate na mão e puxou a corrente do portão. Colocou a cabeça do alicate fechada entre o gancho do cadeado e forçou a abertura da ferramenta, até que conseguiu quebrar o cadeado. E guardou dentro da calça a ferramenta.
''Os menores esperem aqui dentro. Fiquem agachados e em silêncio por enquanto. Todos venham juntos no nosso sinal, lentamente'', disse o segundo adolescente, o líder.
Os maiores foram na frente. Eles olharam para a janela da casa e não viram ninguém acordado.
Aproximando-se do muro de tijolos de uns quatro metros, o líder chamou os outros menores com a mão. Todos correram, com exceção de Dois, que seguiu o que foi dito, carregando a antiga roupa e vestindo o resto da jaqueta, que não estava mais tão molhada.
O adolescente não esbravejou por não terem ido lentamente. A ansiedade da situação não permitiu.
O líder ficou de costas rente à parede, fazendo um apoio com as mãos, e sinalizou para o outro maior subir. Após isto acontecer, este ficou sentado no muro, com uma perna para dentro e uma para fora.
Todos os menores subiram pelo apoio do líder, sendo puxados pelo outro maior em cima. Dois foi o último a ir, não tendo mais a opção de contrariar os fugitivos.
Com a maioria do lado de fora, o adolescente de cima falou em voz de sussurro: ''Venha!'' Ele esperava o outro com os braços esticados.
Ouviram um barulho vindo de dentro do casebre.
''Não!... Vai! Sai daqui! Eu sou muito pesado e não tenho nada a perder'', o líder falou, já não controlando o tom de voz.
''Eu aguento! Vem logo'', o outro insistiu, também não falando mais baixo.
''Não seja burro! Alguém está vindo! Vai embora!''
O de cima do muro se entristeceu, sendo convencido a ir. Antes disto acontecer, foi interrompido pelas últimas palavras que ouviu do líder: ''Salve a todos. E não se importe se tiver que morrer por isso. E... lembre-se deste nosso mal planejamento como um exemplo''.
Assim foi concluída a fuga e iniciado o caminho para salvar também os adultos. E Dois teria muito o que entender durante o percurso.
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