Capítulo 39


Quando acordei, Negan estava de costas, olhando para fora pelas grandes janelas. Me sentei na cama e vi minhas roupas descansando na borda do colchão e ri. Negan sempre as recolhia. Ele estava tão compenetrado olhando para fora que não me ouviu levantar e me vestir. Me aproximei dele e o abracei pela cintura, beijando suas costas.

— Você é silenciosa. Tenho que tomar cuidado? — ele perguntou, olhando por cima do ombro e acariciando meus braços envoltos na sua cintura.

— Talvez — resmunguei com voz de sono, sentindo os pêlos da sua barriga na palma das minhas mãos — Pensei que fosse sair depois que eu dormi — comentei. Ele estava só vestindo o jeans.

— Acabei de subir. Você dorme feito pedra — ele riu antes de me colocar na sua frente, me abraçando por trás e encaixando seu rosto entre meu pescoço e meu ombro — Como se sente?

— Ótima — respondo, olhando pela janela e vendo a movimentação de pessoas lá em baixo.

— Nada que uma boa trepada não resolva — ele abafou a risada na minha pele.

— Não seja tão convencido — o cutuquei com o cotovelo. Continuamos assim, abraçados e olhando para fora.

— Já pensou em mudar o sistema daqui? — pergunto, olhando as pessoas lá em baixo. Eu estava temerosa em entrar nesse assunto, não sabia como ele ia reagir, eu não sabia como falar o que eu queria.

Eu não podia chegar e dizer: tudo que você faz é errado, você tem que parar de explorar as outras comunidades. Por mais que seja verdade, ele não via assim, ele achava que estava certo. E eu queria mostrar que estava errado, queria argumentar.

— Porque mudaria? Funciona — ele respondeu, simplesmente.

Realmente funcionava. Mas funcionava por medo. Eu queria que ele visse que poderia ser de outro jeito.

— Você não acha que conseguiria mais se fizesse diferente? — eu pressiono, não querendo realmente pressionar.

— Diferente como?

— Não sei... Você já pensou como seria se uma comunidade trabalhasse com a outra? Apenas comércio, trocas?

— Prefiro todas trabalhando para mim — ele responde debochado. Fazia sentido para ele. Ele estava ganhando.

— Essas pessoas, de Alexandria, Hilltop... São boas pessoas. Não merecem o que estão passando. Eu não acho isso certo, Negan. Isso não é certo.

Tomando uma respiração profunda, ele me virou de frente para ele. Não diria que ele estava confuso, mas ele parecia surpreso por eu estar falando disso.

— Eu respeito à relação que você quer manter com eles. Eu não me importo, contando que eles continuem provendo para mim.

— Isso é errado — eu rebati — É errado você explorar as pessoas. Seria melhor se houvesse só comércio justo. Todos iam crescer. Não haveria mais mortes.

Ele estendeu as mãos e tirou os cabelos de frente do meu rosto.

— É assim que as coisas são. O mundo mudou. Eu fiz o meu, e agora é seu também — Negan segurou minha mão. Do mesmo jeito que eu estava motivada a mostrar para ele meu ponto, ele estava também para mostrar o dele.

Eu me movi para trás e ele puxou a mão dele. Eu meio que esperava que ele fosse ignorar ou realmente discutir comigo, mas eu o parei antes que ele pudesse fazer seu próximo movimento.

— O mundo não mudou, as pessoas mudaram — minhas palavras o pegaram desprevenido, mas ele ficou silenciosamente ouvindo, permitindo que eu continuasse — Eu não quero dizer apenas os mortos voltando. Tivemos que nos tornar outra coisa para sobreviver. Tivemos que nos adaptar e parte disso não é para melhor.

Eu sabia que discutir com ele não era a escolha mais inteligente aqui, mas nós estávamos sendo sinceros um com o outro. Externar meus pensamentos e sentimentos parecia ser a coisa mais honesta a fazer neste momento.

— Como você, por exemplo. Você se tornou um líder, mas eu sinto como isso suga você. Eu sei que você não era assim antes dos caminhantes. Ninguém é o mesmo que era antes. Nós fizemos coisas horríveis para sobreviver... — eu parei, tentando não pensar em tudo que ele já fez — Mas você não precisa fazer desse jeito.

— A sobrevivência é assim — ele parecia estar escolhendo suas palavras com cuidado também — A única maneira de alcançá-la é através da violência e do derramamento de sangue. Se você quer viver, realmente quer viver neste novo mundo, você vai fazer o que for preciso. Estamos falando em tomar decisões lógicas aqui, não um conto de fadas.

— Matar pessoas não é a solução lógica para mim.

Ele passou a mão na boca, um gesto irritado que eu conhecia muito bem.

— Este é o ponto: matar ou ser morto. É o tipo de vida agora, Emma. Se você não se levantar e tomar o que pertence a você, alguém vai. Os caminhantes não são mais o fodido inimigo. Precisamos nos proteger antes de nos matarem primeiro.

Ele tinha um ponto, mas era um ponto fodido, distorcido, como a maioria das pessoas hoje em dia. É difícil manter a mente sã quando tudo o que você vê é morte e destruição.

— Negan, a única razão pela qual eles vão querer atacá-lo é porque você os oprimiu primeiro. Alexandria por exemplo, eu os conheço, eles não querem sangue.

— E eles não vão ter se trabalharem para mim. Isso não é algo negociável — ele falou e eu senti os primeiros fiapos de impaciência na sua voz.

— Você é bom para mim. É como se fosse outra pessoa quando entra por aquela porta. Poderia ser assim com todos. Eu sei que você pode.

— Eu sou bom com você porque... — ele parou, mudou rapidamente o rumo de sua frase, sem querer transparecer a repentina mudança —
É diferente. Acha que tudo isso foi construído em cima de bondade? - ele apontou as mãos ao redor.

— Eu sei que não. Mas não precisa ser mantido com sangue — retruquei e ele se irritou de verdade.

— Essa conversa termina aqui — a voz dele saiu profunda, quase um rosnado. Ele foi até o sofá e vestiu a camisa.

— Você nunca me ouve — respirei fundo. Negan tinha o talento de sugar minha paciência em segundos — Estou tentando te ajudar.

— Não preciso de ajuda. Está tudo bem, como sempre esteve. Não se preocupe com nada.

— Tenho medo de um dia isso virar contra você — eu desejei não ter dito isso em voz alta. Não queria pensar nem por um momento que isso poderia acontecer.

— Eu sei que essas pessoas não gostam de mim. Mas elas me respeitam. Isso basta — ele se endireitou, adotando aquela postura que eu detestava.

— Elas têm medo de você — eu corrigi.

— Isso também basta. Eu as protejo. As mantenho seguras. Elas sobrevivem graças a porra do meu sistema. O que eu faço não está em discussão — disse mais alto, me olhando com os olhos em brasa.

— Talvez a vida seja mais do que apenas sobreviver — a frase saiu dos meus lábios em um tom nostálgico. O peso em minha consciência só fazia aumentar cada vez que eu olhava pra a carranca de Negan.

— Não vamos brigar. Só estava querendo conversar — fui até ele. Quando eu sorri para ele, sua expressão se suavizou e uma onda de alívio tomou meu corpo.

Negan estava acostumado a sempre que nós brigamos, eu bater de frente também, mas eu não queria terminar a conversa brigando, principalmente quando ele ouviu o que eu tinha a dizer. Ele não concordou, mas ele ouviu. O primeiro passo foi dado. Sei que levaria tempo, mas cedo ou tarde ele ia concordar.

Algo dentro de mim dizia que se eu mostrasse para ele do meu jeito, uma hora ele ia entender, poderia demorar — eu não queria que demorasse, porque a ideia de Alexandria e Hilltop atacarem me assustava até a morte — mas ia acontecer.

Quem sabe se eu conseguisse antes disso acontecer, as coisas se acalmassem. Eu não esperava que todos fossem virar amigos, mas poderia haver uma existência pacífica entre todos. Talvez eu esteja sonhando alto demais, mas eu acreditava no que eu sentia.

— Você me enlouquece e me acalma em segundos — ele segurou meu queixo e me beijou.

— Eu sei. Faz parte do meu encanto — murmurei contra seus lábios.

— Me diga uma coisa — Negan me colocou da mesma forma que eu estava antes, minhas costas pressionadas contra seu peito, abraçando minha cintura — Você pensou sobre a nossa conversa de algumas semanas?

— Qual conversa? — tombei meu pescoço para o lado, aproveitando o roçar da sua barba no meu pescoço.

— A que tivemos quando chegamos de Hilltop — senti meu corpo tenso e abri os olhos. Eu pensei que ele não fosse mais voltar com a conversa vamos ter um bebê, mas eu estava enganada.

— Negan... — tentei me virar para ele, mas ele me segurou no lugar.

— Não precisa ser agora — disse calmamente, mas não me relaxou. Esse assunto me deixava tensa.

Eu não tinha pensado muito no assunto porque eu não queria isso, pelo menos não agora. Eu adorava crianças, e ter um bebê seria mágico se não fosse tão perigoso.

— Se você quer tanto um filho, porque pediu para eu ir no Carson depois daquela noite? — perguntei. Eu havia pensando nisso. Ele podia simplesmente não ter me dito nada e esperar acontecer.

— Porque quero que seja uma decisão nossa — Negan me virou para ele, e eu coloquei os braços em volta do seu pescoço. Seus olhos intensos eram totalmente diferentes de alguns segundos atrás — Quero que você queira também.

Quando eu vim para cá, a única coisa que eu queria era ir embora daqui. Só não fiz isso por causa de Jasper. Mas agora, por mais medonho que seja esse lugar, eu estava começando a me adaptar.

Parte disso era pelo que eu sentia por ele. Mas mesmo assim, mesmo com esse... sentimento, eu não via aqui um lugar para ter uma criança, não quando Negan ainda tivesse esse sistema.

Não queria uma criança que crescesse aprendendo que tirar coisas das outras era normal, ou que fosse brincar do lado de fora e visse caminhantes em estacas, pessoas com medo do seu pai... Céus, isso era complicado demais.

— Eu não me importaria de ter um garotinho correndo por aqui — ele riu e eu senti sua mão gentilmente acariciar minha barriga.

Suspirei, absorvendo seu gesto carinhoso. Sua vontade disso era tão pura e verdadeira que fazia meu coração apertar. Me lembrei de quando vi Negan com Judith, a forma carinhosa como ele brincou com ela... Essas pequenas coisas me faziam acreditar que ainda havia algo bom dentro dele.

— Quero ver você falando isso quando acordar com o choro de madrugada. Porque ele iria dormir aqui com a gente — eu arqueei as sobrancelhas, e ele riu, sem se importar.

— A parede da cozinha da de frente com uma sala. Poderíamos quebrar a parede e fazer um quarto todo azul, com brinquedos e essas merdas.

Eu não disse nada por um momento, tentando organizar meus pensamentos. Parecia que ele estava planejando isso. Eu não consegui evitar de lembrar de quando ele me falou da sua esposa. Eles não tiveram filhos, e da forma como Negan falava, era um desejo muito forte que ele tinha.

— Você queria ter um filho antes disso? Com a sua esposa? — soltei a pergunta e vi sua expressão murchar um pouco.

— Nós pensávamos... — ele faz uma pausa, olhando para a janela e depois para mim — Queria que ela saísse do trabalho, que fosse uma coisa tranquila. Mas aí ela ficou doente e...

— Me desculpe — eu o abracei, arrependida de ter tocado nesse assunto. Eu olhei para ele, ainda o abraçando pela cintura — Talvez tenha que ser um quarto rosa.

Ele sorriu, vendo que eu estava entrando cada vez mais no assunto. Era bizarro nós dois estarmos aqui, conversando sobre bebês quando o mundo lá fora era um inferno.

— Vai ser um menino. Tenho certeza. Uma cópia sua ia fritar meu cérebro.

— Nossa, muito obrigado — eu o soltei, fingindo estar ofendida — Até porque alguém como você é bem fácil de lidar.

Ele abriu um grande sorriso que fez eu me perder por um momento.

— Isso é um sim? — ele segurou minhas mãos, e me puxou de volta, com um olhar de cachorrinho.

— Ainda temos tempo. Muito tempo — eu o abracei e fechei os olhos.

Era isso que eu esperava. Que nós ainda tivéssemos muito tempo.


Beijos e até o próximo.


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