Cap 81. Casca grossa

Deitada na cama, encolhida, e coberta até o queixo, acompanhei a movimentação de Taylor pela casa até o dia começar a amanhecer. Não consegui pregar os olhos, muito menos quando meu ex sossegou e o angustiante som do silêncio dominou o apartamento, quando precisei lidar com o amargo sabor das minhas lágrimas. Puxei o edredom e cobri toda a cabeça, encolhendo-me ainda mais e sufocando-me naquela falsa sensação de proteção.

Não percebi em qual momento me desconectei dos problemas e finalmente adormeci, mas quando acordei, mal conseguindo abrir os olhos devido às pálpebras inchadas, as preocupações voltaram imediatamente à minha cabeça.

A primeira coisa que eu precisava resolver era a minha dívida com Lola, a qual eu não queria que aumentasse, e que devia ter crescido consideravelmente depois de eu passar quase doze horas naquele programa sexual fantasioso que só aconteceu na cabeça dela.

Deixei o quarto e fui até a sala, esperando encontrar o meu ex e conversar sobre o que faríamos para resolvermos a situação, mas achei apenas um bilhete em cima da mesa de jantar.

Fui para a minha reunião no Landon. Mary deixou algumas roupas no armário do Zac, escolha alguma e me encontre lá para almoçarmos ali por perto. Que tal?

Espero que esteja melhor.
Saudades,
T.

PS: Não acha que seria interessante desbloquear o meu número no seu celular? ;)

Resolvi acatar as sugestões de Taylor, porém, em um primeiro momento, somente quanto a usar alguma roupa de Mary e desbloqueá-lo no meu celular, afinal, eu não poderia ir até a casa de Lola usando aquela camiseta, e seria bom ter o seu número disponível para qualquer emergência.

Depois de fazer minha higiene matinal e prender o cabelo bagunçado e volumoso em um coque alto; escolhi no armário de Zac um vestido longo, de fundo escuro, com estampa de flores — a melhor opção para alguém sem calcinha — e calcei uma sandália rasteirinha que encontrei ao lado da mesa do computador. Caso tudo desse certo na negociação com a vadia, talvez eu fosse até Taylor para almoçarmos juntos.

*****

Voltar ao apartamento de Lola não foi nada fácil. Fiquei um tempão, parada em frente à porta, pensando se devia ou não usar a minha cópia da chave para entrar. Talvez fosse melhor tocar a campainha e me comportar como se fizesse uma visita, certamente a última que faria àquele lugar.

Enquanto me decidia, tremendo e suando frio, antecipando o embate desagradável que teria com a piranha, ouvi gritos vindos lá de dentro, berros desesperados que me fizeram tremer ainda mais.

Me solta! Seu filho da puta! Chega! Não, Jay! Me solta!

Cale a boca, piranha! Sei que você quer...

Os berros seguintes chegaram até a mim abafados, como se a boca de Lola tivesse sido tapada, mas pude notar que ela se encontrava em alguma situação que não gostaria de estar. A azia me queimou por dentro quando percebi o que provavelmente acontecia. Consegui imaginar a cena com muita clareza: Jayden sobre Lola, enquanto ela chorava e se debatia, tentando se livrar, inutilmente, daquele porco estuprador.

Sem nem pensar nas consequências, enfiei a chave na fechadura e entrei. Lola podia ser a prostituta safada que fosse, mas eu não a deixaria passar por aquilo. Não mesmo.

Jayden levantou os olhos quando me viu chegar e passou a língua pelos lábios, como se comemorasse mais um pedaço de carne suculento depositado em seu prato. A minha presença e os meus gritos de socorro, no entanto, não foram suficientes para inibir o filho da puta, que continuou com a calça arriada, sobre Lola no sofá. O estuprador abafava os gritos da garota com a mão sobre a sua boca e pressionava o seu tórax com o antebraço. E, com a outra mão, apertava seu pulso contra o estofado, para impedi-la de reagir. Reação que seria impossível de qualquer forma, com o tanto de força que ele imprimia para penetrá-la.

Cheia de coragem ao me colocar no lugar de Lola, ao relembrar o abuso que eu sofrera e a ameaça que o porco me fizera, corri para o sofá e tentei puxar Jayden pela camisa, porém o meu esforço foi o mesmo que nada.

— Quer entrar na brincadeira, boneca? — rosnou, em meio aos grunhidos secos.

— Saia de cima dela! — Soquei os seus ombros a ponto de me machucar, antes de agarrá-lo pela gola da camisa, em mais uma tentativa de tirá-lo dali. — Saia de cima dela, seu imundo!

Conformei-me que o meu empenho não surtiria efeito, pois o diabo era pesado demais e, ainda por cima, fazia muita pressão no sentido contrário. Lola se debatia do jeito que dava enquanto era violentada, e aquela cena se tornou deveras angustiante. Jayden não ia parar e não havia nada que eu pudesse fazer.

Ainda tentei puxá-lo mais uma vez, mas acabei caindo no chão com a força que ele fez com o braço esquerdo para me empurrar.

— Entre na fila, boneca. Vou comer sua bocetinha, mas agora estou bem ocupado! — Jayden gemeu, e faltou muito pouco para eu vomitar.

— Fuja, Riot!

Quando me levantei rapidamente e saí de seu campo de visão, Lola deve ter achado que eu levara em conta a sua preocupação comigo e acatara o seu conselho, mas a verdade é que eu não iria embora sem acabar com aquilo. A vadia precisava de ajuda e eu era a única ali para ajudá-la. Enquanto Jayden gemia, voltando a abafar os gritos de Lola, corri para a cozinha e peguei a faca de carne no suporte de madeira sobre a bancada, retornando à sala, armada, para ameaçá-lo.

— Saia de cima dela! Agora! — gritei, empunhando a faca na altura da testa com as duas mãos. Esperava que o choro e a tremedeira não fossem empecilhos para intimidá-lo. — Pare! Seu porco, maldito! — Dei alguns passos à frente, parando com a faca apontada em sua direção, a menos de um metro do sofá.

— Ah, delícia... — Jayden gemeu lentamente, dando estocadas mais espaçadas e firmes. — Calminha, boneca — lançou-me um sorrisinho, ofegante —, ninguém quer se machucar aqui...

Avancei mais uns passos para mostrar que não estava de brincadeira, encostando a ponta da lâmina na lateral de seu pescoço. O meu ataque, em reação à sua defensiva cheia de ironia, fez com que ele se distraísse por um instante, e o descuido foi o suficiente para Lola livrar-se da mão sobre sua boca e voltar a fazer escândalo. Enquanto ela gritava por socorro, com a voz estremecida devido ao choro, Jayden se ergueu devagar, suspendendo a cueca e a calça, levantando os braços em sinal de rendição.

Lola subiu o short de malha do pijama enquanto chorava, sentada encolhida junto ao braço do sofá, e eu tratei de me manter firme, com a lâmina afiada apontada na direção do abdômen do filho da puta.

— Se mande daqui antes que eu chame a polícia! Seu desgraçado!

— Já acabou... Shh. Shhh. Baixe a faca, belezinha.

— Não é você que dá ordens! — gritei, transtornada, chorando tanto quanto Lola. — Vaza! Vaza daqui!

Ele desceu as mãos para subir o zíper da calça e afivelar o cinto e, sem tirar os olhos da faca, caminhou em passos laterais até a mesa, onde pegou seu paletó estendido no encosto de uma cadeira, antes de dirigir-se para a saída. Esperei Jayden bater a porta e me apressei para trancá-la. Em seguida, larguei a faca sobre a mesa de jantar e corri de volta para o sofá, para ver como Lola estava.

Deixei o antagonismo de lado e me sentei bem perto dela, abraçando-a e chorando junto a nossa dor.

— Obrigada. — Ela sussurrou com o rosto enterrado em meu ombro.

— Desculpe por não ter conseguido impedir. — Ao repetir a frase dita por Taylor, compreendi o sentimento de impotência ao qual ele havia se referido na noite anterior. — Se tivesse chegado um pouco antes, aquele escroto não teria feito isso com você.

— Eu não queria... — Lola não conseguiu continuar a frase e permaneceu com o rosto afundado em meu ombro, soluçando, frágil como eu nunca a havia visto antes, como nunca imaginei que um dia fosse ver. — Eu não queria que Jayden viesse pra cá depois da noitada na boate.

Sabia que falar sobre um assunto delicado como aquele era bem difícil, especialmente por eu ter sido, também, violentada por aquele crápula. Entretanto, depois de uma longa pausa para respirar, Lola quis se abrir, e achei por bem não a impedir, oferecendo todo apoio que estava ao meu alcance.

— Ele insistiu e me provocou, prometendo-me mais drogas, e eu acabei cedendo. Ele sabe como convencer qualquer um facilmente, Riot, faz isso como ninguém... Então nós viemos para cá, nos enchemos de bala e fodemos o resto da madrugada inteira. — Pela primeira vez eu vi vergonha em suas palavras, misturadas ao ódio e ao sofrimento. — Quando acordamos, pedi para que ele fosse embora, inventei que tinha um cliente para receber... Só que Jayden queria mais. — Lola chorou com um pouco mais de vontade, curvando-se no sofá e deitando encolhida com a cabeça apoiada nas minhas pernas. — Eu não estava a fim. Nem um pouco a fim... Eu pedi para que fosse embora um milhão de vezes, mas ele me deu um tapa, me empurrou e me imobilizou nesse sofá, e... o resto você viu.

Enxuguei minhas lágrimas e fiquei em silêncio, pensando no que dizer a ela, ao mesmo tempo em que me questionava se não seria melhor me manter calada. No fim, minha curiosidade falou mais alto, para tentar entender como funcionava a relação íntima dos dois.

— Vocês costumam se relacionar sexualmente? Digo, de maneira consensual.

Lola sacudiu a cabeça, afirmando.

— Sempre rola. Ontem, depois que você deixou a boate, subi com os gêmeos para a área VIP, e eu e Jayden fizemos nossa festinha... Foi bom, mas... eu não queria que ele viesse para a minha casa. — Ainda com a cabeça em minhas pernas, ela esticou os braços e envolveu minha cintura. — Não era para ter acabado desse jeito.

— Sinto muito, Lola. — E sentia mesmo. — Ele já tentou... Bem, já tentou dessa forma antes, à força, ou hoje foi a primeira vez?

Lola sacudiu a cabeça de novo, e fiquei na dúvida quanto à resposta, até que ela esclareceu:

— Ele tentou uma vez... Em um quarto VIP do The Heat. Jayden veio pra cima, mas enfiei minhas unhas bem no meio da cara dele. Arranquei sangue, para que toda vez que se olhasse no espelho, se lembrasse de nunca mais tentar me pegar à força.

Estava explicada a cicatriz que o bandido exibia no rosto, e, também, estava claro que a marca não o impedira de ser um estuprador nojento.

— Lola, desculpe-me pelo que vou dizer... — Acariciei seus cabelos, tirando-os do rosto e enxugando suas lágrimas. — Você é muito esperta para achar que um talho no rosto faria esse escroto mudar quem ele é. Onde ficou seu discernimento? Se ele já tinha tentado estuprá-la antes, era óbvio que tentaria novamente. E eu não entendo... Não entendo como você consegue se relacionar com alguém assim, sabendo de sua má índole. Você não sente medo?

— Não fui feita para sentir medo. Não posso me permitir fraquejar, não nesse meio que vivo. Ou se cria uma casca grossa, ou não se vai muito longe.

Lola queria passar a imagem de durona, mas eu tinha minhas dúvidas se ela era realmente inabalável daquele jeito. Não era o que parecia. Não largada no meu colo, agarrada a mim como se eu fosse a única pessoa no mundo. Continuei acariciando os seus cabelos, colocando-os para trás da orelha, enquanto avaliava as minhas próximas palavras.

— Se eu não me importasse minimamente com você, eu não abriria a minha boca para lhe dar conselhos, mas, sinto que preciso dizer... — Sem mexer a cabeça, Lola ergueu os olhos para mim. — Não é melhor repensar sua dinâmica com esses dois? Porque, por mais casca grossa que você seja, o que aconteceu aqui foi muito grave, e não quero que volte a acontecer.

— Obrigada pela preocupação, mas eu dependo dos gêmeos, e eles dependem de mim. Não vou repensar. Não posso repensar. — Ela fungou e enxugou as lágrimas antes de se sentar e continuar: — Não tenho como abrir mão do esquema. Essa simbiose não vai acabar mesmo depois do que aconteceu aqui hoje.

Era muito sangue-frio para uma pessoa só. Se eu fosse um pouco mais louca teria decepado o pau do desgraçado com a faca de carne, e ela afirmava que a relação dos dois, ao menos a profissional, continuaria intacta.

Achei melhor não me envolver mais a fundo no problema já que eu também optara por deixar o filho da puta e seu irmão impunes. Se eu tinha os meus motivos, ela também tinha os dela.

*****

— Eu sei que um banho não vai apagar o que você sofreu, mas espero que ajude — disse a Lola, assim que voltei de sua suíte, onde eu lhe havia preparado um banho quentinho, cheio de sais e espuma, digno de um SPA.

— Você vem comigo? — Ela tentou fazer uma graça, dando-me piscadinhas e um sorriso triste, que considerei melhor que nada. Sinal de que a vivacidade de sua alma atrevida estava voltando aos poucos. — É brincadeira, viu? Antes que me xingue.

Levantei-me e estendi a mão para ela.

— Vou acompanhá-la até o banheiro, mas não à banheira. — Retribuí o sorrisinho, pois queria animá-la um pouco mais. — Prometo que esfregarei suas costas, se houver necessidade. Mas com o escovão, lógico.

Fomos juntas para a suíte, e Lola se despiu na minha frente sem problemas, entrando na banheira depois de me agradecer, mais uma vez, pelo cuidado que estava dedicando a ela. Avisei que a esperaria na sala, para que relaxasse em paz, mas ela me pediu para ficar.

— Você não disse que esfregaria as minhas costas? — Pegou o escovão apoiado à borda junto à parede e o jogou para mim, fazendo-me pensar rápido para não o deixar cair no chão. — Vou precisar de uma ajudinha.

Mantive-me onde estava; encostada ao batente da porta, com os braços cruzados e o escovão na mão, como uma mãe impaciente que aguarda o filho acabar o banho. Lola mexeu um pouco na espuma, com o pensamento que me pareceu voar longe, e então seu semblante tornou a se fechar.

— Você tem sido para mim algo que nunca fui para você... — Ela fechou os olhos enquanto escorregava o corpo na banheira, ajeitando-se e deixando a água cobri-la do pescoço para baixo. — Uma verdadeira amiga.

— Lola... — Puxei o ar, pois embora ela tivesse aquela percepção, eu não considerava que existia amizade entre a gente. — Eu fiz e estou fazendo por você o que faria por qualquer outra nessa situação.

— Você é boa. Essa é a grande diferença entre a gente. — Ela desviou seus olhos dos meus e desconfiei que estava prestes a chorar de novo. — Enquanto hoje você tentou impedir que eu padecesse debaixo daquele verme, ontem eu deixei que Jayden abusasse de você e me senti poderosa quando ele a ameaçou. Tenho a vaga lembrança, inclusive, de que achei graça.

— Uhum. É. Você riu.

— O fato de que eu estava bem louca, totalmente drogada, não me exime da culpa pelo que lhe aconteceu. Mereci passar pelo que passei com Jayden, e você, Riot, não precisava tirar o filho da puta de cima de mim, poderia até ter gargalhado se quisesse.

— Jamais faria isso.

— Eu sei que não.

Entrei de vez no banheiro e me sentei na tampa da privada ao lado da banheira, pois, apesar de não querer me estender ali, percebi que a conversa tinha tudo para ser longa.

— Não gostei nem um pouco do que aconteceu ontem, não só de você ter consentido com o abuso, mas de tudo que me aprontou. No entanto, mesmo cheia de motivos, eu nunca desdenharia da sua dor.

— Você não é apenas boa, é ainda melhor; estende a mão sem olhar a quem e, principalmente, sem pensar em levar vantagem em nada... — Lola dobrou as pernas e as abraçou por debaixo d'água, curvando-se. — Depois do que armei pra você, sei que jamais vai me perdoar.

— Jamais é uma palavra muito forte. Caso tenha se esquecido, eu a perdoei quando você me extorquiu e me drogou em seguida. — Lola se afundou na banheira, e esperei ela emergir para continuar minhas considerações sobre o perdão. — Mas, é fato, o que aconteceu ontem foi bem mais grave.

— Pode despejar sua raiva em mim.

— Eu pensei em fazer isso quando cheguei aqui, mas agora não tem porquê. O que lhe aconteceu fez com que sentisse na pele o que eu senti... O que eu ainda sinto, e que, provavelmente, sentirei o resto da minha vida. Essa dor, essa dor, basta. Não preciso gritar verdades na sua cara e fazer com que se sinta ainda mais miserável.

Nós nos encaramos, dividindo no silêncio a mesma tristeza, o peso do abuso, que nos unia e nos separava ao mesmo tempo.

Lola afundou na banheira novamente e depois se levantou, voltando a deixar a cabeça de fora e os braços apoiados nas bordas. Ficamos mais um tempo em silêncio, mas então, incomodada, acabei dizendo de uma vez o motivo da minha ida até o apartamento.

— Eu vim para acertarmos as contas. — Fez-se um grande silêncio novamente. — O valor que me pediu pelo programa é metade da minha parte nos lucros da apresentação no The Heat. Quando Dennis entregar nosso pagamento a você, pode ficar com tudo.

— Você não me deve nada. — Ela rebateu de imediato, deixando-me um pouco surpresa. — Quem lhe deve alguma coisa agora sou eu.

— Quero que fique com tudo, Lola. A minha parte, que receber do gerente, será o pagamento pelo programa e pelos dias que fiquei aqui.

— É sério, Riot, não precisa me pagar pelo programa — insistiu —, muito menos pela hospedagem.

— Mas eu quero. — Bufei. — Sua generosidade, como você mesma pontuou, é bem diferente da minha; tem sempre um preço. Quero zerar tudo, porque...

— Por quê? — Levantou uma das sobrancelhas, alerta.

— Lola, eu vim buscar as minhas coisas. Acabou nosso acordo. — Resolvi deixar tudo às claras, embora eu tivesse uma grande desconfiança de que ela percebera o fim do nosso trato desde que comecei o assunto do acerto de contas. — Não tem mais parceria no Strippers Party e, também, nas apresentações do The Heat. Eu não vou mais fazer nem uma coisa nem outra. Chega.

Ela ficou calada por um tempo e se ajeitou na banheira, subindo o tronco e deixando parte dos seios para fora da espuma.

— Rá! — Lola deu um soco lateral na água, molhando o lado de fora e dando-me um susto. — Já sei! Conseguiu enfeitiçar mais um otário. Foi isso, não foi, Tumulto? — Claro que ela continuava sendo ela. Sem a máscara, era a mesma Lola debochada e agressiva. — Saiu para dar uma trepada, que você nem queria, e no final das contas arrumou outro namoradinho.

— Isso não é da sua conta! — exaltei-me. — Mas é claro que não arrumei um namoradinho. — Achei melhor pontuar que eu não tinha nada com Taylor.

— Então resolveu voltar para o boy-calcinha?

Respirei fundo.

— Não, Lola...

— Por que se não é isso, e se também não vai ser bancada pelo loirão popstar, é o que então? Descobriu que a sua boceta é de ouro, por acaso? Porque só assim poderia se dar ao luxo de me entregar toda a sua grana e dar no pé.

— Vá se foder! — Não consegui manter a linha. Ilusão minha achar que ela tinha evoluído como ser-humano depois de ter sido estuprada meia hora atrás.

— Não precisa falar nada, não. Tá na cara que tem alguma coisa estranha aí — resmungou. — Acha que não notei que chegou aqui com uma roupa que não faz parte do seu figurino ousado? Esse vestidinho sulista todo romântico é de quem? Da mulher do popstar? Qual foi a proposta milionária que recebeu? Viver a três?

— Lola, olhe só... — Bati as duas mãos nas coxas e me levantei, completamente sem paciência. — Você está de-li-ran-do! Eu vou arrumar as minhas coisas.

— Riot, não! — Ela gritou quando virei as costas para deixar o banheiro e depois baixou o tom. — Espere um pouco, vamos conversar...

Ignorei seu chamado e deixei o banheiro, fechando a porta para evitar ouvir aquela voz insuportável e começar um grande bate-boca. Eu já tinha ameaçado um escroto com uma faca, não queria correr o risco de precisar usar o artefato novamente.

*****

Eu arrumava as minhas últimas coisas dentro das malas, quando Lola chegou à sala, uns vinte minutos depois, com o rosto inchado de quem tinha acabado de chorar novamente.

— Não queria que você se fosse. — Ela se agachou ao meu lado e pegou uma das minhas calcinhas de dentro da mala.

— Ah, queria, sim. Você se esforçou bastante para isso, aliás.

— Deixe-me mostrar que pode ser diferente daqui pra frente. — Pegou o sutiã do conjunto, levando-o junto com a calcinha ao nariz. — Posso ficar com essas?

Mostrei, com sinais, que não me importava que ela ficasse com as peças.

— Eu gostaria que você tivesse me dado razões para ficar, Lola, mas não foi o caso. A partir de agora é você aqui e eu em outro lugar. Bem distante, de preferência.

Pressionei a tampa da mala e puxei o zíper de uma vez só, com força, pontuando a minha decisão com o barulho característico que ele fez.

— Você não vai me dizer para onde vai?

— Claro que não. — Depois de colocar as malas em pé, estiquei-me e olhei para ela com as mãos na cintura. — Acabou, Lola.

— Quero ter certeza de que vai ficar bem. — Ela se levantou também, com os olhos marejados. Parecia sincera.

— Vou dar o meu jeito, como sempre dei. Preocupe-se com você agora, até porque, comigo você nunca se preocupou.

A piranha voltou a chorar, e percebi que não era ceninha para me comover.

— Vou sentir sua falta. — A vadia se aproximou, correndo o indicador carinhosamente pela linha do meu maxilar. — Você foi o mais próximo que tive como uma amiga.

— Se com uma amiga você fez o que fez... — murmurei, deixando a continuação no ar e desviando o rosto de seu toque. — Lola, eu preciso ir.

Fui surpreendida com um abraço apertado, do qual não tive como escapar.

— Sei que errei e que não tem desculpa; mas quero que saiba que estarei sempre aqui. — Lola fungou no meu ouvido, mas continuou derramando lágrimas como se tivesse morrido alguém. — Obrigada mais uma vez pelo que fez por mim hoje, serei sempre grata. Sempre. Estenderei as mãos toda vez que precisar e principalmente quando não tiver mais ninguém para estendê-las a você. — Ela me apertou ainda mais e saí do meu modo estático, envolvendo-a com os braços que antes repousavam ao longo do meu tronco.

Lola era quem não tinha ninguém.

— Eu... preciso ir — reforcei, sem saber o que fazer diante de tanto drama. Afastei-me e segurei o rosto da minha ex-parceira com as duas mãos, olhando-a nos olhos. — Cuide-se, e não deixe mais aquele monstro se aproveitar de você. Deve ter um jeito de se livrar dos gêmeos, e sei que você é esperta o bastante para conseguir, esperta o bastante para desejar que isso aconteça. Você tem muito potencial, Lola, e não precisa dividi-lo com bandidos. Quero que me prometa que os largará de mão.

Lola desviou o olhar para o chão.

— É complicado — sussurrou, enxugando as lágrimas —, mas prometo tentar.

Apertei-a mais uma vez e, em silêncio, peguei minhas malas, puxando-as em direção à porta.

— Adeus, Lola.

.......

[ Nota ]

→ Pra mim foi tão ruim escrever essas cenas de abuso sexual, mas estava no roteiro desde o começo. :/ O que vocês acharam do adeus da Isabelle e da Lola?

.......


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