Cap 75. Desabafando
Foi rezando e fazendo o sinal da cruz que depois da minha discussão com Lola cheguei ao prédio de Mirana, no qual consegui entrar e passar pela portaria sem problemas. Reforcei as orações assim que toquei a campainha de seu apartamento, pois ela tinha me tratado cordialmente no The Heat, questionado sobre a minha dor, mas como me trataria agora era uma incógnita.
Pedi a Deus para que fosse bem recebida — eu tinha essa esperança — porque já havia passado da hora de nos entendermos.
Mirana abriu a porta vestida para a academia e demonstrou surpresa quando me viu.
— O que você está fazendo aqui? — Aparentemente a sua boa recepção no The Heat tinha sido algo fora da curva. — A mom me disse; você foi do clube para a casa da vagabunda. Desci do palco que nem uma otária na intenção de ajudá-la e você já tinha se pirulitado com ela. A amizade das duas está firme e forte, pelo jeito. — Mirana estreitou os olhos, cheia de rancor, e depois usou a ironia: — Quando é o próximo showzinho de vocês no The Heat agora que melhorou do pé?
— Mirana... — murmurei, com o peito doendo e o rosto implorando piedade. — Podemos conversar um pouco, sem brigar?
— Eu já estava de saída. E não acho que temos o que conversar. Seja lá o que tenha acontecido com você ontem, imagino que já deva ter resolvido.
— Não tem nada resolvido. Nathan terminou comigo... — Minha voz oscilou.
— E o que tenho a ver com isso? — Deu ombros.
— Não precisa ser tão dura. — Quase me engasguei, tentando disfarçar a vontade de chorar. — Sinto falta de você. De sua amizade, de seus conselhos...
— Ah, sente? Hum. Bom saber. Agora faça uma reflexão e veja de quem é a culpa de termos nos afastado.
— Minha, eu sei. — Levei as duas mãos sobrepostas ao peito. — Eu assumo a responsabilidade por ter mentido para você. Mas não acha que já deu tempo de a gente superar o que aconteceu?
— Não. Não acho, não. — Ela virou o rosto, evitando os meus olhos. — Não tem nem como pensar nisso; não enquanto você tiver amizade com a Lola.
— Então me ajude. — Juntei as mãos em prece, demonstrando o meu desespero. — Eu preciso me livrar dela. Sei que não parece que preciso me livrar, talvez nem pareça que eu quero isso realmente, mas é urgente.
— Quer que eu a mate, ou quer só uma ajuda para enterrar o corpo? — Mesmo irritada ela não perdia a chance de fazer uma piadinha. — Eu teria um imenso prazer de fazer uma coisa ou outra, mas aquele macacão de presidiária não me cairia bem.
— Mina, isso é sério. Por favor. Eu estava prestes a dar um jeito na minha vida; ia me afastar dessa coisa de showzinho com a Lola, do mundo de striptease... — Com um fiapo de voz, consegui completar: — Eu ia me casar com o Nathan...
— Você o quê? Ia se casar? — Mirana fez uma careta espontânea ao estreitar os olhos e finalmente escancarou a porta para que eu entrasse em sua casa.
— Ia. No mês que vem. Não vou mais. — Sentada no nosso antigo sofá, com Mirana ao meu lado, finalmente desabei em lágrimas. — Estávamos morando juntos desde o dia que você me colocou pra fora daqui, e o Nathan não demorou a colocar uma aliança no meu dedo...
Percebi que Mirana observava as minhas marcas roxas, das mordidas mais recentes no pulso, e as mais esverdeadas, que eu dera anteriormente na mão.
— Uau! — Não era deboche, ela parecia verdadeiramente chocada. — Quanta coisa eu perdi...
— Mina — funguei —, agora que eu e Nathan terminamos, estou refém da Lola. Estou meio que desesperada. Ela me deixou ficar em seu apartamento, mas cheia de regras absurdas.
— Hum. — Mirana pressionou os lábios um no outro e os esticou como um bico de pato. — O que você esperava? Que ela fosse facilitar pra você? Que fosse cobrar um dólar, colocá-la no colo e dar conselhos? — contra-argumentou, cheia de razão. — Ela só está sendo quem sempre foi, e você nunca deveria ter se envolvido com essa garota. Você está presa na rede dela e vai ser difícil se livrar. Você já foi chantageada uma vez e não aprendeu?
— Eu preciso de sua ajuda, Mina.
— Ah. Minha ajuda? O que você espera que eu faça depois de o que fez comigo? Ainda estou magoada, Isabelle. Não imaginava que fosse precisar dizer isso com todas as letras. Se não quer contribuição para o assassinato da vadia, veio até a mim pra quê? Pedir para voltar a morar aqui? — Meu olhar desolado indicou que era exatamente aquilo. — Não. Você não pode voltar. Entendo que esteja passando por maus bocados com aquela lá, mas vai ter que se virar sozinha. É um mal necessário e educativo.
— Não tem nada de educativo. A Lola quer que eu faça shows com ela, completamente nua. Na internet, Mina! Eu não posso fazer isso. Eu não quero!
— Então não faça. A menos que ela esteja com uma arma apontada para a sua cabeça, você não é obrigada a nada.
— Foi a condição que ela me deu para poder ficar em sua casa. E nesse momento eu não tenho para onde ir. Então é praticamente como ter uma arma apontada para a minha cabeça.
— Peça um tempo para arrumar um lugar, negocie. — Ai! Mirana não ia mesmo se curvar ao meu problema. — O que houve com o Nathan? Vocês estavam tão felizes... Eu vi que o diabo loiro esteve com você naquele dia em que se acidentou. O fim teve a ver com isso?
— Em parte, sim, mas... não posso jogar a culpa toda sobre ele.
Aproveitei que Mirana se dispôs a me ouvir e desabafei, contando a ela tudo o que tinha acontecido desde que eu fora morar na mansão de Nathan; como em menos de vinte dias eu tinha saído do meu status de solteira para o de comprometida e visto tudo terminar tão rápido quanto havia começado.
— Eu gostei do Nathan de cara, fiz a maior torcida e sempre achei que ele era um presente do Universo para você. Agora já não tenho certeza. Não ter respeitado as suas vontades foi lamentável... Difícil de defender, viu? — Suspirou. — Sei que está arrasada; mas de repente foi melhor ter colocado ponto final logo no começo. Dos males, o menor. Com essas atitudes, Nathan se mostrou um cara inseguro, e agora que voltou a beber, instável. Você não sabe como isso poderia ficar no futuro. Quem bebe pode se tornar agressivo, e ele foi bruto com você. — Concordei com a cabeça. — Agora some o descontrole causado pela bebida ao ciúme. Você trabalha dançando para homens, seminua. Acha que ele aguentaria?
Lola tinha me dito a mesma coisa.
— Acho que não. Naquele dia, no da minha primeira apresentação com a Lola, fiz de tudo para Nathan ir me ver, mas ele recusou porque não queria me assistir me despindo para outros... Aquilo me deixou bem chateada, porque ele sempre soube que eu vivo disso; foi lá no clube que ele me conheceu. Sem contar o discurso que sempre fazia; de que era bem resolvido quanto à minha ocupação.
— Aceitar, na teoria, é fácil. Na prática é que são elas...
— Mas o surto dele, na realidade, foi pela proximidade de Taylor. Esse foi o grande problema. Nathan não aguentou o tanto que o idiota me perturbou; isso acabou mexendo com ele por tabela. E ainda piorei a situação com a minha ida ao West Wind... — lamentei. Mirana já estava sabendo que eu procurara Taylor para pedir que se afastasse, mas ao relatar a história omiti o nosso beijo, pois isso, especificamente, não era o centro do problema no momento. — Não posso me eximir de parte de minha culpa; sempre estive meio lá, meio cá, dividida entre um e outro.
— Mas pelo que disse; você não escondeu isso do Nathan.
Confirmei com um ligeiro movimento de cabeça.
— Então... Claro que não foi legal você ter começado um relacionamento assim, dividida, mas se Nathan disse que seria paciente, cabia a ele manter a palavra. Não se culpe tanto pelas coisas que o seu noivo aceitou e não conseguiu suportar.
Eu apenas escutava e absorvia, tentando ganhar forças.
— Nesse momento, Isabelle, quem tem que se culpar é ele; pelos limites que você colocou e que não foram respeitados. Tanto o sexo desprotegido quanto usar calcinha durante o ato.
— Usar calcinha é um comportamento muito bizarro... — murmurei, infelizmente me lembrando da cena grotesca.
— É bastante comum esse fetiche, inclusive com a calcinha da parceira. O que acho bizarro é ele não ter respeitado o que você queria. "Não" é "não". Acredito que Nathan tenha feito sem intenção de magoá-la, como forma de se sentir seguro, potente, mas você tem o direito de achar broxante ver um homem de lingerie.
— Não acho só broxante, acho meio... sei lá... repulsivo. Gostaria de não achar. Sério. Queria muito ter a mente aberta para aceitá-lo como é... Mas o que posso fazer?
— Nada. Quem sabe com o tempo você mude seus conceitos? — Torci o nariz para ela. — Isso é possível, Isabelle. Só que agora, nesse momento, aceitar ou não homens de lingerie não importa. Você não tem mais um parceiro fetichista. Ele decidiu terminar e você vai ter que seguir em frente...
— Mais uma vez...
— Isso, mais uma vez.
Mirana passou a mão na minha cabeça e minha reação ao seu carinho foi puxá-la, sem jeito, para um abraço.
— Dói tanto, tanto... Fiz muitos planos, sonhei, sonhei tão alto... Eu estava tão envolvida, tão apaixonada...
— Vocês acabaram de terminar, dói mesmo, mas vai passar... — Mirana se afastou um pouco e eu me ajeitei no sofá, virando-me de frente para ela.
— As derrapadas que ele deu e os argumentos que usou para terminar foram terríveis, mas não tem como parar de gostar de uma hora para outra. Tínhamos questões, mas tínhamos coisas boas também... Muitas.
— Ele foi taxativo? Era isso mesmo que ele queria; terminar, ou você sentiu alguma incerteza?
— Ele não disse que queria, disse que precisava. Que precisava se tratar e que eu precisava ir atrás do Taylor. Que tínhamos que cuidar de nossos vícios antes de tentarmos dar certo juntos. Como alguém que parte o meu coração e me empurra de volta para o meu ex, acha que teremos chance de ter um futuro algum dia? Foi isso que ele fez; me deu um pé na bunda com passagem comprada para um destino certo.
— Então você vai fazer o que ele sugeriu e voltar para o diabo? — Como eu apenas chorava e não tinha condições de falar nada, muito menos tomar decisões com o rombo recente no peito, Mirana deu sua opinião: — Eu discordo do Nathan. Acho que o caminho não é esse. Não acho que para superar um vício você deva se jogar de cabeça nele. Ninguém se livra de uma droga a usando cada vez mais. Ele, por exemplo, vai ficar sóbrio se continuar bebendo? Não vai. Não faz sentido você cair nos braços de quem um dia lhe fez mal e correr o risco de reviver uma história ruim. Não se machuque mais, Isabelle... — Ela segurou firme a minha mão direita, a da tatuagem e dos hematomas. — Você precisa, primeiro, ter amor verdadeiro por você mesma, para depois amar outra pessoa. Insistir no sonho fracassado não vai levar você a lugar algum.
— Eu sei que não... — Meu Deus! O quanto mais eu conseguiria chorar? — Taylor e Nathan, cada um de um jeito, ajudaram a construir e a demolir os meus sonhos.
— Perdoe-me pelo que vou dizer; mas você que deixou os seus sonhos nas mãos de outras pessoas. Isso não se faz. — Mirana tinha toda razão. — Você acha que será capaz de esquecer, de deixar para trás o sentimento pelos dois?
Eu não respondi a ela com palavras, mas com mais lágrimas. Querer não significava que eu ia conseguir. Tanto um quanto o outro, à sua maneira, estavam incrustados em mim.
— Agora eu preciso resolver algo mais prático. — Enxuguei as lágrimas, a coriza e funguei, tentando me recompor. — Preciso de um lugar para ficar, Mirana. Já estou com muitos problemas; não vou aguentar a Lola me assediando de tudo quanto é maneira.
Nesse momento, a porta do apartamento se abriu e outra garota que trabalhava no clube entrou. A loira, baixinha como Mirana, deu um "oi" rápido e, percebendo que se tratava de uma conversa particular, encaminhou-se para o corredor, provavelmente indo ocupar, no quarto, o lugar que antes era meu.
— Eu posso avisar caso saiba de alguma vaga em outro apartamento. Às vezes alguma das garotas anuncia um quarto, mas não tem como você ficar aqui. — Mirana levantou-se subitamente. — Eu tenho certeza de que você vai saber se virar muito bem com a Lola. A vadia não é a única boa de lábia no mundo.
Não havia como dialogar com Mirana quando o assunto envolvia o nome da piranha mor, pois ele sempre acabava na lembrança de que eu fora desleal com a minha amiga. Achei melhor deixar para lá e aceitar que teria que resolver de outro jeito o meu problema com Lola. Agradeci a Mirana pelo seu tempo e despedi-me em seguida, deixando o seu apartamento com um misto de alívio e peso.
Alívio por ela ter me escutado, mas peso porque ela ter me escutado nada tinha a ver com ela me querer de volta em sua vida.
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[ Nota ]
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