Cap 74. Calculando o preço
Eu não tinha mais o que fazer naquela mansão. Embora os meus braços e pernas pesassem duas toneladas cada um e sentisse que minha cabeça tinha sido atingida por uma bola de demolição, precisava arrumar ânimo para fazer as minhas malas e ir embora dali.
Ainda deitada na cama, olhei para o relógio na mesinha ao lado e vi que faltavam alguns minutos para as onze. Fazia apenas uma hora desde que eu tinha me jogado na cama, mas a sensação é de que eu tinha me afundado ali por muito mais tempo.
Com dores em todos os músculos, consegui me levantar e caminhar até o armário e, no momento que o abri para começar a colocar as roupas sobre a cama, tive outra crise de choro. Era muito difícil acreditar que o homem que me prometera segurança, um futuro, que dizia me amar e colocara uma aliança em meu dedo tinha simplesmente desistido de tudo isso.
Muito difícil acreditar por que, Isabelle? Ele não foi o primeiro.
Em menos de uma hora, consegui arrumar todas as minhas coisas nas malas. O único pertence que deixei para trás foi a foto de mim e Nathan, abraçados e felizes no gramado, a qual observei por uns cinco minutos no porta-retrato sobre a penteadeira antes de deixar o quarto.
Senti alívio quando passei pela sala e não vi Nathan por ali. A aura de mágoa a me envolver era tanta que eu preferia não ter que olhar para ele novamente; naquele momento nem nunca mais.
*****
O The Heat segunda à noite era uma derrota por si só, e eu cheguei no clube, daquele jeito acabado, para completar o cenário. Entrei por trás com as minhas malas e fui para o vestiário, para ver se encontrava socorro por lá.
Claro que eu não tinha ido ao inferno para trabalhar; a minha ideia era ter um abrigo e, de quebra, tentar descobrir o paradeiro de Lola, para quem eu tinha ligado algumas vezes antes de sair de casa. Se a piranha não tinha me atendido, poderia ser que ela estivesse ali.
Ganhei um abraço da housemon, que me disse que fazia uns três dias que Lollie Pop não aparecia no clube. E, quando me virei para me sentar no banco, dei de cara com Mirana, que tinha acabado de chegar do salão em seu traje de trabalho.
— Oi — cumprimentei-a sem pensar.
Mirana me olhou com uma cara estranha, desconfiada, examinando o meu rosto, e me toquei que eu ainda estava deformada pelo tanto que havia chorado. E o pior é que eu tinha certeza de que qualquer coisinha me faria voltar ao processo de desidratar e deformar.
— Oi — surpreendentemente ela me respondeu. — Aconteceu alguma coisa?
A minha fragilidade era tanta que só o fato de Mirana se importar me fez voltar a chorar novamente. E eu sabia que para ela ter se compadecido, é porque eu estava mesmo péssima, a ponto de dar pena. Eu não sentia mais a mesma proximidade com Mirana, não depois de ter sido expulsa de sua casa e de ter a nossa amizade arruinada, mas já que ela tinha se disposto a me ouvir — tinha, né? — eu saí de onde estava e a abracei.
Não senti reciprocidade no abraço, mas ela também não me impediu de chorar em seu ombro.
— Sente-se aqui. — Mirana me posicionou no banco e se acomodou ao meu lado. — O que aconteceu?
— Nathan... — Ao falar o nome dele, não consegui continuar a frase.
Mirana pediu para a housemon providenciar um copo de água com açúcar, e no tempo que a senhora levou para ir e vir, eu só consegui chorar, soluçar e tossir. A dor de perder Nathan e a decepção era dilacerante.
— Beba isso aqui, vai ajudar... — Com a palma da mão em curva sob o meu queixo, Mirana encaixou o copo em minha boca.
Enquanto eu bebia a mistura calmante, o DJ anunciou Irena Wee, o codinome de Mirana, e, sem que eu conseguisse explicar uma vírgula do que tinha acontecido, ela teve que deixar o vestiário para a sua apresentação.
A housemon se encarregou de continuar me acalmando, e, logo depois, Lola adentrou o recinto, com o seu jeito esporrento e inconveniente de sempre.
— Riot! Que merda foi essa, hein? Vi as suas ligações e a mensagem avisando que estaria aqui. Sua sorte é que eu estava por perto. — Levantei os olhos encharcados para ela. — Nossa! Você tá péssima.
— E-e-ele ter-terminou comigo.
— Oh, Deus! Que merda! Ou eu deveria dizer "que bom"? — Nem consegui mandar Lola calar a boca, tamanho descontrole, e ela continuou falando sem parar, tomando todas as decisões por mim. — Primeiro: vamos sair daqui. Nada de ficar dando espetáculo para essa gente. Você é Penny Riot, minha parceira, tem um nome a zelar. Segundo: pare de chorar por causa de homem! Argh! Trate de engolir o choro! Vamos! Vou levar você para a minha casa.
Eu nem pude recusar a oferta de Lola; era pegar ou largar. Aliás, foi para isso mesmo que eu tinha ido atrás dela, porque ficar em sua casa era a minha única alternativa. Talvez ela me enlouquecesse nas duas primeiras horas de convívio, o que seria bem ruim dado o meu estado, mas, talvez, e o mais provável, era que eu a fizesse desistir da oferta nesse mesmo tempo.
— Que coisa doida. Outro dia você apareceu lá no meu apê e me disse que estava noiva, toda contente esfregando o diamante na minha cara, e agora, tipo passe de mágica, diz que acabou. Aliás, vocês começaram e terminaram na velocidade da luz — concluiu Lola, enquanto estávamos no Mercedes, indo do The Heat para a sua casa. — Vai me contar que porra que aconteceu? E pare de chorar, Riot! É só um homem! Tem outros por aí.
— Dá para respeitar o que eu sinto? Se você não consegue se envolver com ninguém, eu consigo. Eu... eu era louca por ele.
— Já está até falando tempo certo; no passado. Era. — Riu. — Você era louca de querer ele, isso sim. Está certo, o cara é cheio da grana. Mas... e daí? Foda-se. Piroca grossa? Sim. Mas foda-se também. Você arranja coisa melhor que o hobbit fetichista, assim ó! — Ela estalou os dedos.
Eu quase ri ao ouvir o mais novo apelidinho que Lola dera a Nathan, imaginando-o como um dos personagens do filme O Senhor dos Anéis; baixinho, descabelado, orelhas pontudas, pés peludos e o acessório extra; calcinha de renda, mas logo voltei a me concentrar na dor no meu peito.
— E aquele gatão loiro que estava atrás de você? Invista nele. Agora é a hora. Partidão também.
— Pois saiba você que grande parte dessa merda toda tem a ver com o gatão, tá? — Quase cuspi de raiva. — Você deu o endereço do Nathan para ele e fez o meu relacionamento se desestabilizar todinho. Foi reação em cadeia.
— Não venha me culpar. O gatão a iria achar de qualquer jeito, mesmo que eu não me metesse. Ele estava decidido. E se o seu boy-calcinha não conseguiu segurar a onda de ter um cara bonito e gostoso dando em cima de você, ele jamais aguentaria vários. — Ela me deu uma olhadela. — Sua vida é essa, Riot; atrair os caras, causar tumulto. Pense a longo prazo o quanto de dor de cabeça você teria.
— Eu ia largar essa vida.
— Ia. Não vai mais — ela determinou. Mas o pior é que era isso mesmo. — Agora cabeça erguida e bola pra frente.
*****
Lola me deu a opção de dormir aquela noite no quarto do prazer ou no palácio gótico. O primeiro, por ter uma cama usada só para sexo, não me agradava em nada; e o outro, no qual eu teria que dividir a cama com ela, me agradava menos ainda.
— Tem problema se eu ficar no sofá?
Lola me permitiu acampar por ali, falou que eu poderia me servir com alguma coisa na cozinha e avisou que precisaria sair de novo. Basicamente eu havia interrompido a sua noite de trabalho com o meu pedido de socorro e agora nada mais justo que ela voltasse para o batente. Não me surpreendi nem um pouco com o fato de ela não ficar ali me bajulando ou insistindo para saber o que tinha acontecido nos pormenores. Eu não quis dizer e Lola também não estava muito a fim de escutar.
Depois de ter ficado longas horas sem comer, finalmente peguei um saco de salgadinhos industrializados, um copo de suco de goiaba que estava pronto na geladeira e me sentei à sua bancada para pensar na vida, em como eu tinha saído de uma situação confortável na mansão de Nathan direto para um covil, para a incerteza do que viria em seguida.
Aquele era o momento que eu poderia falar para a doutora Miwa: "eu não disse que a panela de pressão estava prestes a explodir? E, caramba, tem feijão para todos os lados, escorrendo pelas paredes. Só que dessa vez não tenho nem mais forças para limpar".
*****
Eu percebi quando Lola chegou de volta, e notei, também, que ela não estava só. Fingi que dormia, mas ouvi os gritinhos, os sussurros, o som do agarramento e os passos em direção ao corredor. Certamente ela retornara para casa com um cliente, e eu, intrusa, a menos que fosse surda, como bônus pela hospedagem, escutaria o sexo selvagem pelo restante da madrugada.
Permanecer muito tempo na casa de Lola não era uma opção, até porque ela nem tinha me oferecido essa possibilidade. Ouvindo o som dos gemidos, passei as horas pensando em qual solução eu daria para o meu problema, porque era certo que eu teria que resolver aquilo muito rápido.
Ainda estava acordada quando Lola passou de volta para a sala com o seu cliente e se despediu dele, fechando a porta e comemorando que finalmente poderia dormir. Festejei em silêncio junto com ela, e, vendo a luz do dia começar a entrar pela fresta das cortinas, finalmente fechei os olhos.
*****
Lola saiu de seu quarto por volta das dez da manhã e a essa hora eu já tinha arrumado a minha bagunça, tomado banho e preparava algo para comer.
— Bom dia, Riot. Dormiu bem?
Não era ironia. Ela realmente achava que eu poderia ter dormido bem no sofá com a trilha sonora que havia me proporcionado. Isso sem contar o fato de que eu havia tomado um fora do meu noivo poucas horas antes. Sem noção era o sobrenome de Lola, mas que bom que ela tinha sido educada para perguntar.
— Uhum. Dormi — menti.
— São quinhentos dólares a acomodação com café da manhã. — Quase me cortei acidentalmente com a faca, mas Lola riu de seu comentário e o desmentiu em seguida. Fiquei aliviada por ter sido apenas uma brincadeira de mau gosto, mas o problema foi que o meu alívio não durou muito tempo. — Você pretende ficar por aqui?
— Hmm, não sei. Preciso avaliar as minhas opções.
— Eu sei que você não tem opções — afirmou, coçando uma das nádegas que emoldurava a calcinha fio-dental, enquanto abria a geladeira. — É que, se você quiser ficar, eu vou ter que explicar as minhas regras. Eu nunca dividi esse apartamento com ninguém, e, bem, nem pretendia.
Porra!
— Então você, basicamente, está dizendo que não me quer aqui.
— Não é isso, veja bem: eu só não estava esperando receber um hóspede fixo. Mas... eu entendo que você não tem um lugar para ir e, claro, não vou deixar minha parceira sem um teto. Mas... você sabe; regras... — Lola veio para junto de mim na bancada.
— Regras... Hm. Você quer que eu divida o aluguel. Justo.
— O aluguel, claro. — Ela apoiou um litro de leite em cima do mármore e pegou algumas bananas no cesto ao lado. — E você vai ter que entrar no esquema da casa.
— E qual é o esquema da casa? Dividir as faxinas, o dia de cozinhar...
Lola riu escandalosamente e claro que aquilo me irritou. Como ela podia achar graça de qualquer coisa, rir a qualquer hora?
— Tumulto, não seja bobinha. Eu tenho alguém que vem limpar o apartamento uma vez por semana. O único cômodo que eu limpo com frequência é o quarto do prazer, por motivos óbvios. Esse aí é assim; sujou, limpou. — Lola plugou o liquidificador na tomada e colocou um pouco de leite na jarra. — A comida cada uma faz a sua. E já vou avisando que, como estou sempre fora de casa, é na rua que eu almoço e janto na maioria das vezes.
— Por mim está ótimo — respondi, vendo-a cortar as bananas e juntá-las ao leite. — Quanto você vai me cobrar para ficar aqui? Pode dizer sem cerimônia porque já estou esperando o seu precinho salgado. Este apartamento é bem melhor que o da Mirana.
— E a minha companhia é bem melhor também, diga-se de passagem. — Riu. — Mas antes de eu dizer o valor, preciso colocá-la a par de outras coisinhas... — Lola ligou o liquidificador para preparar a sua vitamina e ficamos aguardando o barulho do motor terminar para que ela continuasse a sua explicação. — O apartamento é pequeno, você sabe, e embora eu tenha deixado que dormisse no sofá na noite passada, não acho que é uma boa ideia você se instalar de vez na sala. Eu perco a minha liberdade, as visitas podem ficar constrangidas, você pode ficar constrangida... E, bem, eu colocaria você para dormir no quarto do prazer, mas sei que não gostou da ideia... E a verdade é que realmente não é uma boa solução. Eu trabalho ali com certa frequência e não seria nada prático toda hora pedir licença a você. — Percebi aonde ela queria chegar. — Para ficar aqui, vai ser como você fazia no apê da cubaninha; vai ter que dividir a cama comigo. Eu sei que essa ideia não é de seu agrado também, mas veja pelo lado bom, você poderá se lembrar do seu ruivo toda vez que me vir de calcinha.
— Lola! — revirei os olhos.
— Mantenha o bom humor, Riot! Mantenha o bom humor. — Olhei para ela de cara feia, demonstrando que o bom humor estava bem distante de mim. — Falando sério; não tem outra opção aqui em casa.
— Posso usar um colchonete? — perguntei, seguindo a dona da casa, que foi tomar a sua vitamina sentada no sofá. — Eu não me importo de ficar no chão.
— Caramba! Pode usar um colchonete, sua fresca, mas não achei que seu medo de mim fosse tão grande. Tumulto, você é gostosa pra caramba, e não é segredo que sou doida para dar uns amassos nesse seu corpinho e lamber a sua bunda, e outras coisas, mas não vou abusar de você. Pode dormir comigo sem medo.
— A gente decide isso depois. — Eu ficaria no chão com certeza. — Mas me diga quanto vai custar por mês.
— Não se preocupe com o valor, porque o que ganharemos juntas com as nossas apresentações vai ser suficiente para me pagar.
— Eu só quero me certificar de que você não vai me extorquir como fez daquela vez. Não quero assumir dívidas que não vou poder pagar. Ficar devendo dinheiro a você é o mesmo que cair numa cova.
— Nossa! Como você é rancorosa. Esquece aquilo.
— Hum! — Eu guardava rancor mesmo. Minha primeira negociação com ela tinha sido traumatizante. — Então... O valor do aluguel é...
— É o seguinte: estamos juntas no Strippers Party e isso vai continuar como está, não vai? — Confirmei com um resmungo, porque nem adiantava dizer "não" agora que minhas esperanças como modelo tinham voltado à estaca zero. Aliás, eu nem queria pensar muito nisso, para não deprimir de vez. — E eu quero que você se junte a mim nas apresentações virtuais. Este é o preço para ficar aqui; duas apresentações por semana no meu quarto do prazer. O dinheiro que você receberia pelo serviço ficará para mim em troca da hospedagem.
— Nem ferrando! — esbravejei. — Prefiro dormir na rua a aparecer nua na internet me esfregando em você. Pirou?
— Isso é profissional.
— Ha! Piada! — Ri de nervoso. — A resposta é "não". Não aceito! Posso muito bem tirar o dinheiro do aluguel do que eu receber com as apresentações no The Heat e no Strippers Party. Não me venha com esse preço alto que você acabou de inventar. Meu corpo não está à venda, nem mesmo em mercado virtual!
— Seu corpo já está à venda há muito tempo. Você é que ainda não percebeu. É isso o que você vende; sua carne, e nem precisa ficar completamente nua, você já se expõe o suficiente. Aceite logo as apresentações virtuais, deixe de hipocrisia e comece a fazer seu nome comigo; você vai longe.
— Não vou a lugar algum do seu lado, e você... vá a merda, antes que eu me esqueça!
Eu me levantei puta da vida, com vontade de dar na cara dela, mas só peguei a minha bolsa de mão, que estava em cima da mesa, e saí porta afora.
.......
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