Cap 67. Vento do oeste

Deixei o prédio de Lola desorientada. Apesar de a conversa não ter sido das mais desgastantes, que raiva daquela garota e de seu jeito debochado de falar e de encarar assuntos sérios! Definitivamente era alguém com quem eu deveria me relacionar com reservas, ou, se possível, parar de me relacionar. Estava provado por A mais B que ela não prestava e que qualquer quantia nas suas mãos valia bem mais do que a nossa amizade.

Estava provado que não havia amizade.

Uma rajada de vento frio passou por mim enquanto eu devaneava na calçada, e me peguei seguindo para onde ele soprava, andando devagar para a esquerda em direção à Sunset Strip.

Fiz um esforço enorme para conseguir chegar até a esquina, ainda que ela estivesse a menos de cem metros do prédio de Lola. E foi na esquina que parei, com as palmas das mãos assadas pelo atrito do apoio nas muletas, para descansar um pouco e olhar para a fachada da Code Six.

A boate que por muito tempo havia sido meu local de trabalho fictício já estava com as luzes acesas, piscando o seu letreiro de neon cor-de-rosa, pronta para receber os baladeiros de plantão. Um cartaz no quadro de vidro ao lado da bilheteria fazia propaganda do DJ renomado da noite, anunciando sua temporada na casa até domingo, e outro cartaz, ao lado, mostrava a programação do final de semana seguinte. E foi então que vi que haveria uma festa, no último sábado de março, com o nome de Taylor Hanson em destaque.

Sentindo um instantâneo frio na barriga, aproximei-me do cartaz para ler os detalhes em letras menores, e assim fiquei sabendo que o meu ex daria uma de mestre de cerimônias, fazendo participação especial como DJ em uma noite só para mulheres. A OPEN BARchelorette Party, nome dado ao evento que eu já detestava, designava-se como uma festa de despedida de solteiras com bebida liberada. Quanta ironia! Meu estômago passou do frio de ansiedade para a queimação de raiva e continuou se corroendo enquanto eu relia todas as informações do cartaz, só para ter certeza de que eu não tinha lido errado.

Sentindo-me ainda mais atordoada, atravessei a faixa dupla da Sunset, deixando o prédio da boate para trás e parei do outro lado da rua em frente a uma pizzaria, de onde me peguei olhando de novo para o letreiro da Code Six sem nem piscar.

Hipnotizada, fui dali para o passado sem muito esforço, revivendo parte da noite em que a minha farsa do emprego naquela boate foi revelada e o meu relacionamento com Taylor chegou ao final. Minha mente foi tomada pelo momento em que, ao ser, insistentemente, acusada pelo meu ex-noivo de tê-lo traído com Isaac no The Heat, senti-me obrigada a contar toda a verdade. Taylor precisava de uma explicação para eu ter chegado em casa abraçada ao seu irmão bêbado, então foi o que lhe dei, mesmo sabendo que a verdade seria tão dura e destruidora quanto a narrativa bizarra e doente que ele havia criado em sua cabeça.

— Eu trabalho no The Heat — revelei baixinho, encarando o chão, envergonhada por ter mentido para Taylor por tanto tempo.

— Você o quê? — A surpresa era nítida no tom de sua voz somada ao franzido de sua testa. Transtornado era o adjetivo certo para defini-lo. — Mas que história é essa?

Isaac tentou amenizar o efeito da minha confissão, dizendo ao irmão que eu não fazia striptease, que apenas servia drinques no The Heat, mas o X da questão não era o que eu fazia e sim o fato de ter mentido sobre o meu local de trabalho. Taylor ficou por alguns segundos tentando processar a informação, alternando o olhar cheio de ressentimento entre mim e Isaac.

— Mas... E aquela história de trabalhar na Code Six? Eu a deixava na porta quase todas as noites.

— Eu menti — admiti. — Tive medo de que você me julgasse quando soubesse do The Heat; que achasse que eu era como a maioria das garotas que trabalham naquele clube. Foi por isso que inventei o trabalho na outra boate.

— Você me fez de idiota esse tempo todo! — Com o seu rosto vermelho de raiva, Taylor foi se desfigurando aos poucos. — Você sabia disso, Isaac?

— Ele não sabia de nada, nos encontramos por acaso. — Fiz questão de reforçar que o nosso encontro no The Heat naquela noite não fora planejado, antes que Taylor voltasse a insinuar que nós dois tínhamos um caso.

— Você mentiu pra mim, Isabelle. E se mentiu sobre isso, pode ter mentido sobre qualquer outra coisa. — Taylor continuava irritado, mas agora com os olhos cheios d'água. Sua raiva se diluindo em mágoa, mas sem perder o tom agressivo. — Como espera que eu acredite que eram apenas drinques o que você servia?

Ouvir Taylor insinuar que eu oferecia o meu corpo no clube de striptease fez o resto do meu autocontrole desaparecer como num passe de mágica. Eu tinha noção da minha falha por ter mentido para ele, mas isso não lhe dava o direito de me chamar de puta, ainda que não tivesse usado a palavra em si. Aproximei-me dele, sentindo a minha mão pesar, e acertei em cheio um tapa em seu rosto, deixando as marcas dos meus dedos, bem delineadas, na sua bochecha, para que dali a uns dias ele ainda se lembrasse da minha ira.

— Como você tem coragem de falar uma coisa dessas? — gritei em meio às lágrimas, empurrando-o para longe de mim. — Você me conhece o suficiente para saber que eu não faria esse tipo de coisa. Eu menti, menti para você, sim, porque eu tinha certeza de que me julgaria se soubesse que eu estava trabalhando no The Heat. Exatamente como você está fazendo agora! Mas eu sempre trabalhei de maneira honesta, Taylor. Não fiz nada demais. Óbvio que não!

— Isabelle, olhe só para a sua roupa. — Seu olhar crítico desceu pelo vestidinho bandage branco da fantasia de noiva, que realmente era bem revelador, fazendo-me sentir nua e suja. — Está quase tudo à mostra.

— Vá para o inferno! Você continua me insultando! — Fora de mim, berrei com ódio na cara dele, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, ardendo e coçando em contato com a maquiagem.

— Ficamos meses tentando melhorar a nossa imagem na mídia — Taylor se referiu à fase ruim que ele e seus irmãos tinham passado recentemente, estampando os tabloides mais infames. Isaac por ir preso após tentar agredir a esposa, e Zac por ter seu namoro com uma ex-prostituta, bem mais velha que ele, revelado — para agora descobrir que todas as noites você servia marmanjos com os peitos praticamente de fora.

Isaac tentou intervir, pedindo para Taylor pegar leve comigo, mas pelo visto ele não estava nem aí para nada, cego e mergulhado em ódio, atirando palavras pesadas como balas de revólver. Praticamente morta por dentro, parti para cima dele, chorando, gritando e socando o seu peito com a lateral das mãos fechadas, as duas ao mesmo tempo, ouvindo o som seco da batida na sua caixa torácica, dura como pedra, assim como o seu coração.

— Olhe o que você está fazendo! Pare de me fazer me sentir um lixo!

— Quando você pretendia me contar? — Taylor agarrou os meus punhos para tentar me conter, mas continuei berrando e me debatendo enquanto ele me enchia de perguntas acusatórias. — Ia fazer o que depois do nosso casamento? Continuar se expondo e me expondo? Ia continuar trabalhando num clube de strip?

— Eu nem ia mais trabalhar lá, se quer saber! — esbravejei. — Essa foi a minha última noite. Pergunte ao Isaac.

— E essa foi a nossa última noite — Taylor rebateu sério, soltando os meus punhos e dando um passo atrás.

— Taylor, preste atenção. — Isaac mais uma vez tentou interferir. — Ela não fez nada demais, tá? Eu estava lá, eu vi. Você está de cabeça quente.

— Fique na sua. Você é outro que não mede as consequências de nada! Temos um álbum para lançar e você fica por aí dando margem para estampar capas de revistas da pior forma possível. Vocês dois!

Acuada e chorosa, joguei-me no sofá e me encolhi, tentando assimilar as últimas palavras de Taylor direcionadas a mim. Nem se meu peito tivesse sido dilacerado por uma machadada ele estaria doendo tanto.

— Essa é a nossa última noite? — Levantei-me de súbito, desafiando-o com a voz firme. — Foi isso mesmo o que você disse?

— Você mentiu pra mim... — Taylor resmungou em um tom mais baixo. — Ainda bem que não me casei com você, pois sequer merece esse anel que coloquei no seu dedo.

Isaac foi até o irmão e segurou os seus ombros com as duas mãos.

— Você está nervoso, vai se arrepender disso depois. Isabelle te ama.

— Amo sim! — gritei de onde estava. — Mas tome essa merda de volta, seu babaca! — Arranquei com dificuldade o anel da minha mão inchada e, com o ódio me corroendo, arremessei-o na direção de Taylor. — Eu que digo "ainda bem que não me casei com você". Ou você acha que eu ia mesmo querer ficar com um cara que me conhece há anos, mas acha que sou uma putinha?

— Eu não disse nada disso. — Taylor afastou Isaac e se aproximou de mim, tentando se justificar, talvez um pouco arrependido.

— Você disse, sim! Disse quando duvidou que eu servia apenas drinques! Disse quando me julgou pela roupa que eu estou vestindo! — Eu sentia o meu rosto vermelho e a cabeça pulsando de dor, de tanto gritar e chorar. — Eu não esperava isso de você.

— Você me pegou de surpresa, eu que não esperava... — Taylor parou de falar por alguns instantes e, aparentemente mais calmo, tentou fazer um carinho em meu rosto. A ideia de ser tocada por ele me deu repulsa e me desvencilhei de seu toque dando um passo para trás. — Nosso casamento é daqui a dois dias. Vamos conversar.

— Ah! Agora você quer conversar? Depois de me atacar, me julgar e me humilhar? Depois de dizer em alto e bom som que eu não mereço me casar com você? Cate a aliança que eu joguei por aí e dê para outra! E lembre-se de escolher alguém que não se importe de viver moldada pelo que você acha certo. Seu hipócrita de merda!

Saí do transe com o som das buzinas dos carros no trânsito e olhei em volta. Eu não estava no apartamento de Taylor no meio do caos, mas na rua, em frente à Code Six, tremendo com o vento ainda mais frio e mais intenso, com as mãos doendo por me sustentar por tanto tempo nas muletas, com o estômago implorando por comida e lágrimas descendo livremente.

Fiz sinal para o primeiro táxi parado na faixa de pedestres e entrei.

— Boa noite — disse ao motorista. — Você poderia me deixar na Selma Avenue, condomínio West Wind?

.......

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