Cap 64. Descortinada

— Quando foi que arrumou tempo para me comprar um anel se passou o dia todo na Wishes? — perguntei a Nathan, por mera curiosidade, logo que entramos em seu quarto após o jantar, nos encaminhando para a varanda. — Não sei o porquê da pressa. Você sabe que eu não preciso de uma joia para me lembrar da nossa união.

Bem, talvez eu precisasse.

— Saí mais cedo da clínica para conseguir pegar a Cartier aberta, tinha tudo planejado. E você pode não precisar de um anel para se lembrar da nossa união, mas eu não ficaria tranquilo se não a presenteasse com um. Você merece. Além do mais, é bom que todos olhem e vejam que está comprometida — admitiu ele, um tanto possessivo, o que não era o seu normal.

Senti-me um pouco esquisita com a necessidade de Nathan mostrar que eu tinha um "dono". Se ele achava que os outros precisavam ver que eu era comprometida, ou ele não confiava nele mesmo, ou ele não confiava em mim. Engoli as palavras que gostaria de dizer sobre isso, para evitar desgaste, mas mal sabia eu que o desgaste estava apenas começando.

Sentado no sofá ao meu lado, segurando a mão em que estava o anel, mais uma vez ele passou o dedo pelas marcas da mordida, que a essa altura já estavam quase toda descobertas.

— Que foi que aconteceu, enquanto estive ausente, que fez com que se machucasse mais uma vez? — Ele foi bem direto e meus olhos se encheram d'água, pela lembrança do que havia acontecido à tarde e, também, porque não queria falar sobre aquilo. Porém, não teria como escapar, já que desta vez, sabendo o que me levara à primeira mordida, ele foi bem direto e certeiro: — Aquele seu ex voltou a lhe procurar?

— Não... — Eu baixei a cabeça, tremendo, pensando no que responder, e gaguejei. — Quero dizer, sim, ele me procurou. Mas não... não diretamente.

Quando olhei de volta para Nathan, as lágrimas já escorriam pelo meu rosto e a natural tranquilidade no semblante dele não existia mais. Na verdade, a sua tranquilidade se esvaíra desde que ele enfiara o anel no meu dedo e vira a marca da mordida. Depois daquilo, lá mesmo no restaurante, nós dois entramos num silêncio reflexivo que nem parecia que tínhamos acabado de noivar oficialmente.

— O que você quer dizer com "não diretamente"? — perguntou ele, deixando de segurar a minha mão. — Ele voltou a mandar mensagens?

— Não... Sim! — levantei um pouco a voz, confusa. — Ele enviou uma mensagem, mas não pelo celular... — Esfreguei a mão debaixo dos olhos, para secar as lágrimas, e acabei de espalhar o rímel borrado sobre a base derretida. Tinha certeza de que estava pavorosa. — Hoje à tarde Rosa bateu lá no quarto para me entregar uma encomenda. Um envelope pardo, sem remetente, com um CD... Eu... Eu pensei que fosse o CD que o Gavin prometeu enviar com as minhas fotos. Você sabe que ele prometeu para esta semana. Eu fiquei empolgada, corri para abrir no notebook, mas... não eram as fotos.

Nathan não estava gostando nem um pouco daquela narrativa, eu percebi quando ele coçou a barba de olhos fechados e inspirou profundamente. Resolvi seguir com o relato do que tinha acontecido, mesmo que ele continuasse reagindo mal.

— Não eram as fotos — repeti. — Nathan... — chamei pelo seu nome, para ver se ele abria os olhos, mas ele os comprimiu com os dedos, franzindo a testa. — Taylor mandou entregar um CD com uma música gravada. Foi isso que aconteceu. Eu... juro que... — Engoli em seco antes de continuar: — Eu não sei como ele arrumou o endereço daqui. Juro que não falei nada, mas ele deu um jeito de saber e...

Nathan finalmente abriu os olhos e eu parei de me justificar. Eu podia sentir o fogo saindo de sua íris e me consumindo, como se eu fosse culpada por ter recebido uma encomenda que sequer pedi para receber, que, aliás, preferia mil vezes não ter recebido.

— Hum. Ele deu um jeito de saber... — Senti certa ironia em Nathan ao repetir o que eu dissera.

— Não fui eu! — rebati malcriada. — É isso que você está pensando? Eu não tenho motivo para mentir, Nathan. E fico chateada, muito, muito chateada, de você levantar essa hipótese. Acha mesmo que eu daria o seu endereço para o meu ex? Com que objetivo eu faria isso?

Nathan não sustentou os seus olhos nos meus quando foi a minha vez de incinerá-lo, dando-me as costas para se apoiar no parapeito do balcão. Não falou mais nada sobre a sua desconfiança, quanto a eu ter dado o seu endereço a Taylor, mas não parou com indagações desagradáveis e desnecessárias:

— Quando pretendia me contar que recebeu um presentinho do seu ex? Ou você não pretendia me contar?

Nossa!

Embora estivesse calmo ao falar, Nathan nunca tinha feito nada parecido; apontar o dedo para mim daquele jeito. Era a segunda vez em menos de dois minutos. Eu lhe dava o direito de estar chateado, mas que não descontasse em mim a sua irritação com Taylor. Era culpa dele tudo aquilo, não minha. Eu voltei a chorar, decepcionada com a atitude de Nathan. Por outro lado, tentei compreender que meu noivo, que eu vivia endeusando, era um ser humano, sujeito a sentir emoções negativas como o ciúme.

— Eu não tive chance de contar antes, e só por isso você ainda não estava sabendo do "presentinho". — Apesar da voz entrecortada pelo choro e da ironia ao repetir "presentinho", tentei manter o tom calmo, como o dele, para evitar a todo custo que aquela DR saísse de controle e acabássemos brigando. — Você chegou e logo saímos para jantar; não tinha como falar na frente dos seus pais. Estamos conversando agora e estou abrindo o jogo, não estou? Eu não pretendo e não vou esconder nada de você.

Embora eu já tivesse feito isso antes, eu não ia mais deixar Nathan sem conhecimento dos movimentos de Taylor e de sua tentativa de me reconquistar.

— Então ele enviou uma música... — Nathan deixou o parapeito da varanda e voltou para o sofá. — E o que tinha no CD era apenas isso, uma música?

Eu sentia Nathan distante, ainda que estivesse sentado ao meu lado, com a sua mão novamente sobre a minha.

— Uma música que ele fez para mim. — Achei melhor falar exatamente o que era, antes que ele pedisse para escutar o CD e tirasse as suas próprias conclusões. — E, além disso, ele mandou um arquivo de texto, contendo a letra e um bilhete, no qual ele me pedia uma nova chance. — Puxei o ar, tentando me acalmar, mas relembrei exatamente das palavras de Taylor e, ridiculamente, chorei ainda mais.

— E a dor de receber uma música e um bilhete apaixonado do seu ex foi tanta que você precisou se autoflagelar mais uma vez para conseguir lidar com ela. Precisou se ferir para conseguir lidar com sentimentos que não gostaria de sentir. Você se mordeu para se punir pela culpa de... — ele hesitou, mas por fim disse: —, de repente, perceber que ainda sente algo por ele.

— Não! — gritei e puxei minha mão para junto do meu corpo.

Apesar da minha negativa, era claramente aquilo; sentimentos que não deveria sentir e culpa. Mas e daí que eu estava me machucando? Enquanto eu continuasse sem me deixar levar por completo, vencendo a tentação de correr para os braços do outro, qualquer coisa era válida. Eu me manteria firme, ainda que tivesse que ser através de mordidas diárias.

— Não faz muito tempo que eu perguntei o que você sentiu ao encontrar esse cara no The Heat. Você me respondeu que sentiu raiva, dessa mesma forma enérgica que me respondeu agora. Eu não nasci ontem, Isabelle — ele bufou —, e eu sei que é difícil se desvincular de um grande amor.

Eu baixei a cabeça, olhando para as minhas mãos no meu colo, cutucando os meus dedos para ferir as cutículas. As lágrimas escorriam abundantes e eu não fiz esforço para reprimi-las, pois Nathan tinha razão quanto às suas observações e eu me sentia envergonhada.

Ele se ajeitou no sofá, virando o corpo na minha direção, e continuou a sua linha de raciocínio:

— Eu esperava que me dissesse que era indiferente a ele. Mas no momento que disse que sentia raiva, eu percebi que você não tinha se desligado totalmente do seu último relacionamento. E isso ficou claro quando você decidiu se abrir para mim logo depois. Eu apenas deixei rolar, sem me enganar... — Nathan esticou o braço e segurou minha mão novamente, impedindo-me de continuar ferindo os dedos. — Da mesma forma que não tapei os meus ouvidos e assimilei tudo que você contou, também não tapei os meus olhos. Mesmo ciente de tudo isso, de que ainda há um vínculo com o seu passado; mesmo sabendo que estou dentro de você, mas não absolutamente, pedi a sua mão... Pedi e não me arrependo.

— Nathan...

Como era difícil ser descortinada daquela forma!

— Deixe-me terminar — ele pediu, com toda calma do mundo. — Eu não entrei nessa enganado. Quando você me contou os detalhes da sua história, principalmente sobre o casamento que não chegou a acontecer, eu percebi que você jamais esqueceria o que viveu. E tudo bem, porque eu mesmo, também, nunca vou esquecer que já quase me casei com outra pessoa. Mas eu entendi que apesar disso, você estava disposta a deixar o seu ex para trás, abrir mão dos sentimentos por ele. Assim como eu deixei para trás o que sentia pela Giorgina, quanto à paixão e o desejo. — Ele segurou a minha outra mão e tive coragem de olhar para ele de novo, antes que continuasse a falar: — Eu notei que, pelo seu discurso, você estava incomodada com o fato de ele estar atrás de você e que era seu objetivo tirá-lo de sua vida. Eu fui em frente porque entendi que você tinha sentimentos por mim...

— Tenho — eu o interrompi para corrigi-lo, colocando o tempo verbal correto. — Eu tenho sentimentos por você.

— Eu sei que sim. Você não está comigo só por estar, e eu sinto isso... Só que... Você também tem sentimentos pelo seu ex. Isso é uma realidade que você não pode negar. E se você quiser ficar com esse cara, por menor que seja a sua vontade, eu preciso que você me diga. Nós estamos a um passo de construir algo sólido, para durar a eternidade, e eu só quero estar na sua vida se você me quiser de verdade, para eu ser o único dentro dela.

— Eu quero você de verdade. — Falei sem hesitar. Eu não ia ser derrubada e nem ia ter meu relacionamento arruinado por causa de Taylor. Não importava o quanto ele fosse sinônimo de tentação, ou o quanto eu ainda pensasse nele. Meu presente e meu futuro estavam bem diante de mim, e era em Nathan, e apenas nele, que eu tinha que focar. — Eu não vou negar que, infelizmente, apesar de sentir raiva, sim, esse idiota ainda me causa... pesadelos. — "Pesadelos" não era bem a palavra, ou a única que eu deveria usar, mas não consegui dizer outra, como "desejo". — Nathan, eu não quero mais aquele desgraçado, não quero mais a sua sombra na minha vida, mas ele faz contato e me desestabiliza. Muitas coisas que vivemos vêm à tona com essas atitudes dele... de terrorismo. E eu não estou sabendo lidar com isso. Não sei definir o que sinto, mas não é um sentimento saudável, definitivamente. É com você que me sinto bem.

Ele mexeu a cabeça ligeiramente, assentindo, e correu os dedos pelo meu rosto gelado.

— Por você não saber lidar com o que sente é que sugeri que fosse à Wishes comigo. Você acabou de admitir que não são emoções saudáveis, então está mais do que na hora de trabalhar isso dentro de você. Encare as suas questões de frente, de maneira séria, se quiser acabar com a fissura que a leva de volta ao passado e que, de certa forma, não a permite seguir adiante livre e feliz. Não há um jeito fácil de dizer isso, mas... vai ser preciso um esforço maior se quiser mesmo que as coisas deem certo entre nós dois.

— Mas estão dando certo! — Eu me excedi mais uma vez ao escutar a afirmação de Nathan. Foi como tomar um banho de água fria, congelando-me da cabeça aos pés. Meus lábios tremeram após o meu berro. O que é que ele estava dizendo?

— Linda, eu sou bastante compreensivo e a amo mais que tudo nesse mundo, mas não posso mais ignorar certas coisas. Sei que o amor surgiu antes para mim, que esse sentimento me tomou rápido demais, e que você ainda não sente o mesmo, mas... não dá para ficarmos para sempre com um terceiro elemento interferindo na nossa relação. — Eu baixei o rosto novamente. — Nosso relacionamento está evoluindo mesmo diante dos conflitos individuais que enfrentamos. Não ignoro que você passou por cima de muita coisa quando me aceitou mesmo com o meu passado fetichista, que ainda volta e meia me faz desejar coisas que, racionalmente, não quero mais desejar. Então, se você ainda se pega desejando coisas que não quer desejar — ele se referia a Taylor, lógico —, tente superar como eu, procure ajuda. Não devemos deixar seguir adiante qualquer coisa que possa nos desequilibrar, individualmente ou a nossa relação.

— Eu não fui à Wishes com você hoje, mas irei na próxima oportunidade. Prometo — afirmei com um fiapo de voz, no limite da vergonha. — Eu vou ganhar essa luta. Eu vou deixar para trás o fantasma, de uma vez. Vou. Porque eu quero deixar.

— Acredito que você vai fazer a sua parte, mas esse cara precisa parar de importuná-la. Ficar rondando e marcando os seus passos, não vai ajudar em nada. Se é de sua vontade que ele fique longe, isso precisa ser cumprido. E, se ele não parar, precisaremos tomar providências.

Eu levantei o rosto e arregalei os olhos. O que Nathan queria dizer com "tomar providências"?

— Eu já pedi para ele ficar longe, mas o que mais eu posso fazer? Estou desconfiada de que ele procurou a Lola e pediu o seu endereço. Ela com certeza daria a informação por qualquer trocado. Se ele foi ao The Heat atrás de mim, pode muito bem ter voltado lá para falar com ela.

— Não importa como ele descobriu o endereço. O que importa é que não gostei de saber que não contente em ser dispensado por mensagens, telefonemas, e até mesmo pessoalmente, agora ele resolveu enviar correspondência. Isso é sério, Isabelle. Olhe só o que acontece com você todas as vezes que ele arruma um jeito de aparecer. — Ele beijou a minha mão em cima do machucado. — Se fosse uma coisa boa, você não reagiria dessa forma. E porque sei que não é bom para você é que não desfiz tudo entre a gente e a incentivei a correr atrás dele. — Ai, caramba! — Fiz exatamente o contrário, reforcei a nossa união e trouxe você mais para perto de mim. — Ele girou o anel no meu dedo e depois levantou o meu queixo, forçando-me olhar para ele. — Ele não a deixa feliz, linda, são apenas lágrimas e marcas... psicológicas e agora físicas. Eu sei o caminho para fazê-la feliz e é só nisso que estou pensando.

Voltei a chorar ainda mais, a ponto de soluçar. Nathan tinha toda razão; Taylor não me fazia bem de maneira alguma, e eu não conseguia compreender como parte de mim ainda o desejava. Era tão masoquista, tão irracional! Puxei o meu noivo para perto de mim e o agarrei com força, abraçando-me a ele e derramando meu pranto em seu ombro.

Nathan sabia exatamente que eu estava dividida e ainda assim havia me pedido em casamento; ou seja, ele confiava muito na minha capacidade de deixar o outro ir, e confiava no que eu sentia por ele e no crescimento do nosso relacionamento. Ele estava apostando tudo em nós dois, disposto a me ajudar com os meus problemas psicológicos e a me amar incondicionalmente. Bem, desde que eu não quisesse estar com o outro. E, claro, isso era o mínimo.

— Eu também não gostei do que aconteceu — balbuciei no seu ouvido. — Não era para ele ter pegado o seu endereço e ter me entregado aquela porcaria. Acho que ele está... passando dos limites.

— Um pouco doentio até. Desrespeitoso. Ele sabe que você tem alguém.

— Sim, ele sabe — reforcei a afirmação de Nathan. — Mas está disposto a me ter de volta. Por isso não acho que vá parar. Eu já pedi tantas vezes...

— Se ele não está levando a sério o que você diz, talvez outra pessoa deva impor limites, talvez eu deva falar com ele.

— Não! Por favor. — Afastei-me subitamente do ombro de Nathan e segurei o seu rosto entre as minhas mãos, desesperada com o que ele tinha acabado de dizer. — Eu vou dar um basta nisso. Já sei o que fazer.

Eu não sabia o que fazer; essa era a verdade, mas de forma alguma poderia deixar Nathan falar com Taylor. Provavelmente eles brigariam como rapazinhos de colégio disputando a rainha do baile. A minha palavra tinha que bastar para o meu ex desistir de mim; o meu "não" precisava apenas ser mais convincente.

.......

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