Cap 63. Rescue me

Meu rosto continuava inchado de tanto chorar, após a milionésima leitura da matéria com Taylor, quando lá pelas 4 da tarde Rosa bateu à porta do quarto.

— Senhorita Isabelle, desculpe incomodar, chegou uma encomenda para você.

Deixei a cama com dificuldade e abri a porta, para receber um envelope de tamanho ofício.

— Obrigada, Rosa. Sabe quem enviou isto aqui? — perguntei ao reparar que não havia remetente.

— Não sei, não, senhorita, falaram nada não. Foi o rapaz da entrega que trouxe.

Tateei o envelope de papel pardo e senti uma caixa de acrílico no formato de embalagem de CD. Uma boa hora para chegarem as minhas fotos, enviadas por Gavin, que me prometera entregá-las naquela semana. Agradeci à Rosa por ter me chamado e corri para abrir o envelope e ligar o laptop. Enfim tiraria o foco de Taylor — e de sua vontade de me ter de volta — para focar no meu futuro; o mais importante.

Enquanto o sistema operacional do computador que Nathan deixara comigo carregava, examinei o CD-R e as palavras escritas de caneta azul permanente na bolacha. Fiquei sem entender o que Rescue me tinha a ver com as minhas fotos, por que Gavin escolhera Resgate-me como título. No fim, abstraí, pois as palavras misteriosas não fariam a menor diferença, o importante era o conteúdo.

— Ah, Gavin, deus da arte da fotografia, mal posso esperar para ver o que temos aqui... — falei para mim mesma, enfiando o CD no drive. — Mas... que... merda é essa?

Não se tratava de um CD de fotos, e de cara concluí que aquilo nada tinha a ver com o fotógrafo. O conteúdo listado no drive c: indicava um arquivo de texto e outro de áudio, ambos com o mesmo nome escrito na bolacha do CD: Rescue me. Se no envelope não tivesse o meu nome, Isabelle Lopes Ferreira, juraria que haviam entregado a encomenda no lugar errado.

Para acabar com a curiosidade, dei dois cliques no arquivo de áudio. Pá! foi como se tivesse tomado um tiro. Seco e direto no alvo.

Era a voz dele, de Taylor; nasalada, potente, melódica e única, começando a música sem nenhuma introdução instrumental. Um Eu te amo, como nunca amei alguém antes, cheio de dramaticidade, entrou sem pedir licença nos meus ouvidos e no meu coração, fazendo-me voltar a chorar antes mesmo de os próximos versos e notas se apresentarem. E quando essas seguiram adiante, aumentaram a intensidade do meu pranto, tornando as sensações mais dolorosas cada vez que a música crescia e ele apelava para me ter de volta usando versos suplicantes: Você pode abrir a porta? Estou de joelhos...

No arquivo de texto, no qual, não sei como, tive coragem de clicar, havia a letra completa da música e um recado de Taylor para mim, que, com os olhos embaçados pelas lágrimas incessantes, esforcei-me para ler:

Rescue me

Eu te amo, como nunca amei alguém antes

Você poderia abrir a porta? Estou de joelhos

Implorando

Abra a porta, deixe-me entrar

Falta-me ar

Ver você partir assim doeu

Resgate-me desse sonho ruim

Lembro-me dos bons que desejamos partilhar

Você ainda lembra? Lembra?

Chegar, partir, retornar

Me dê a sua mão, juntos podemos voar

Você poderia abrir a porta?

Trancado nessa jaula, fingindo estar bem

Por quanto tempo mais?

Resgate-me desse sonho ruim

Lembro-me dos bons que desejamos partilhar

Você ainda lembra? Lembra?

Não há mais ninguém para me fazer sorrir

O sorriso que você roubou depois de eu levar tudo embora

Você poderia abrir a porta?

Tem um mundo para nós dois

Um mundo para eu te dar, compartilhar

Você precisa se abrir quando ouvir o chamado

Resgate-me desse sonho ruim

Lembro-me dos bons que desejamos partilhar

Você ainda lembra? Lembra?

Resgate-me de onde você me deixou

Debaixo do tapete

Onde eu um dia a quis esconder

Pise mais se quiser

Eu faria qualquer coisa para ver

Você iluminar o quarto escuro e a cama quente de um lado só

Abra a porta e deite-se comigo

Resgate-me desse sonho ruim

Lembro-me dos bons que desejamos partilhar

Você ainda lembra? Lembra?

Eu te amo, como nunca amei alguém antes

É tarde

Mas não pode ser tão tarde para mim

Tarde para nós dois

Venha

Estou implorando por um resgate

— x —

Belle,

Rescue me fala por si só, mas quis escrever um pouco mais. Compus essa música assim que me dei conta de ter perdido uma mulher incrível; a única que amei e vou amar para sempre. Não vou desistir de você. Espero que minhas palavras tenham tocado a sua alma. São palavras de amor, de verdade. Mal posso esperar para receber mais uma chance de você, para ser resgatado desse pesadelo que tenho vivido longe de seus braços.

Seu eterno, T.

Percorri as palavras dele uma dezena de vezes enquanto tentava respirar. Como era difícil reorganizar os meus pedaços diante daquela declaração de amor tão linda. Senti verdade vinda de Taylor e, por reconhecer veracidade e paixão em suas palavras, acabei-me em espasmos entre um soluço e outro, comprimindo meu peito. Por sentir que desejava loucamente o que ele tinha para oferecer, debati-me e apertei os lençóis, mordendo os lábios para não gritar.

É tarde

Mas não pode ser tão tarde para mim

Tarde para nós dois

Fechei o arquivo de texto e coloquei Rescue me para tocar mais uma vez, pegando a Boom Beat para olhar o rosto de Taylor na capa. No passado, eu havia reclamado de sua falta de interesse de vir atrás de mim após o término, pois esperava que ele insistisse um pouco mais, e agora, no timing mais errado possível, eu tinha uma overdose do maldito, arrependido, a fim de reconstruir o que perdemos.

Sem me dar conta, levei o dorso da mão à boca e o mordi no mesmo lugar antes machucado pelos dentes. Desta vez não fiz força para sair sangue, mas comprimi o suficiente para ficar marcado e me fazer sofrer. Qualquer coisa era válida para dissipar a dor no peito após a dose dupla de Taylor que eu ingerira nas últimas horas. Ler a matéria da Boom Beat abalou-me as estruturas, mas a música dinamitou a minha fundação. Eu quem precisava de alguém para me resgatar dos escombros onde me encontrava, e temia que, diante do peso do adversário, Nathan não fosse suficiente para me guiar até a saída.

Meus olhos encontravam-se tão inchados que mal os conseguia abrir, os cílios molhados e pesados das lágrimas não estavam nem perto de voltarem a secar, mas mesmo acabada, com o coração esmigalhado, continuei ouvindo a música até perder as contas de quantas vezes ela se repetiu.

*****

— Linda, cheguei! Você está aí?

Não saberia dizer por quanto tempo Nathan bateu à porta. Eu acabara de acordar de um sono profundo. Levei longos segundos para me situar no tempo e no espaço, até me sentir na minha cama, no meu quarto, onde Rescue me continuava tocando em looping. Estiquei-me até o laptop, desliguei aquela merda de música maravilhosa e, cheia de sono, respondi a ele com a voz rouca:

— Oi! Acabei de acordar. Você me espera tomar um banho rápido?

— Sem pressa. Fique bem maravilhosa. Vamos sair para jantar, fiz reserva em um restaurante novo. Acho que vai gostar de lá... Ah, e os meus pais vão com a gente.

Vontade nenhuma de me arrumar, de sair, de socializar, mas não tinha o que inventar para ficar em casa. Podia usar o gesso como desculpa mais uma vez, mas Nathan já havia feito reserva, e eu não lhe faria desfeita.

*****

Cheguei à sala de estar da mansão após o meu banho, toda arrumada, esperando que não tivesse errado no visual para jantar fora. Talvez fosse um pouco demais o meu vestido prateado de gola alta, colado no corpo, mas era um dos poucos que eu tinha para ir a lugares mais sofisticados. Enquanto esperava pelos Smiths, sentada no sofá, peguei um espelho na bolsa para me olhar mais uma vez, só para ter certeza de que carregara na maquiagem o suficiente para ninguém perceber os resquícios do meu choro. Aproveitei e conferi, também, a mão direita, na qual eu havia aplicado base e corretivo para camuflar as marcas arroxeadas e profundas dos meus dentes.

— Uau! Você está mais do que maravilhosa.

Virei-me para ver Nathan chegar à sala, bastante sorridente, com uma calça jeans escura, um pouco mais justa do que as de costume, camisa social branca e blazer cinza.

— Ah... Obrigada — agradeci sem ânimo. — E você não está fazendo por menos.

Ele se aproximou e se sentou ao meu lado, passando o braço pelos meus ombros, e, depois de agradecer o elogio, deu uma fungada em meu pescoço.

— Minha princesa cheirosa teve um bom dia?

Eu deveria ser sincera, dizer não e acabar com o clima, ou dar a resposta padrão, sim, foi tudo bem, e seguir com a noite tranquila? Na dúvida, fiquei no meio do caminho:

— Mais ou menos...

Nathan se afastou um pouco para olhar no meu rosto e o acariciou com delicadeza, alisando uma de minhas bochechas com dois dedos. Torci para ele não exagerar no carinho, ou eu me acabaria em lágrimas novamente.

— Não gostei dessa voz triste, aconteceu alguma coisa?

— Deveria ter ido com você à Wishes. Eu me arrependi de não ter aceitado o convite. — Com tudo que me acontecera naquela tarde, minha afirmação era quase verdadeira. — E como foi o seu dia por lá? — Depois de desconversar com a primeira resposta, mudei de vez o foco da conversa.

— Toda vez que vou à clínica é bastante cansativo. Sempre tenho muito trabalho a fazer, e o caminho de ida e volta pela estrada até Malibu adiciona mais cansaço. Teria sido muito agradável se eu tivesse tido o prazer de sua companhia. — Ele apertou a minha bochecha e me culpei por, de certa forma, ter pensado em Taylor o dia inteiro.

— Vou com você na próxima vez. Prometo que não fugirei mais. — Acariciei os seus cabelos úmidos perto da orelha, e Nathan me roubou um beijo nos lábios.

Nancy e Simon chegaram ao recinto um pouco depois, e logo saímos para o jantar no Chaoshan, um restaurante de culinária Cantonesa recém-inaugurado em Beverly Hills e que, segundo Nathan, estava muito bem cotado pela crítica.

*****

Acostumada a pedir comida chinesa pelo telefone e comer naquela embalagem dobradinha, quase caí para trás ao entrar no salão do Chaoshan. O cinco estrelas era de tirar o fôlego. Se não fosse pela sapatilha no pé, a bota de gesso, as muletas e o desânimo, eu teria adorado desfilar meu Louboutin pelo mármore, que não só pavimentava o chão, como revestia as paredes e os tampos das mesas de carvalho. Para onde eu olhasse, só via luxo. Levantei os olhos para admirar os lustres chineses no teto repleto de vigas enormes de madeira e, ao lado de Nathan, continuei adentrando o salão, passando pelo ambiente principal, que se dividia em outros menores, separados por telas de madeira esculpidas com formas geométricas e desenhos asiáticos. O restaurante inteiro era iluminado para criar um ambiente intimista, e detalhes de luz azul tornavam-no mais aconchegante.

A recepcionista nos levou a uma mesa de canto perto do bar, de onde se podia escutar uma música oriental instrumental ambiente. Eu e Nathan nos acomodamos no sofá, e seus pais se sentaram à nossa frente em poltronas acolchoadas.

Estar naquele ambiente agradável com Nathan, Nancy e Simon, ajudou a me distrair um pouco, porém, mesmo assim, não consegui deixar de lado a carga emocional que Taylor havia depositado nos meus ombros durante a tarde. Entre conversas, comidas e bebidas, esforcei-me ao máximo para manter um sorriso no rosto, pois não pretendia transparecer o meu verdadeiro humor. No entanto, não sabia por quanto tempo mais eu conseguiria disfarçar que não estava bem.

Bastou a senhora Nancy engatar um papo sobre o principal tema do nosso almoço e contar a Nathan o que imaginara para o casório que comecei a suar frio. O assunto se desdobrou em sugestões de lugares para a lua de mel e nomes para bebês, mas o efeito da animação de todos não foi o melhor em mim, pelo contrário. Salivei em excesso, e faltava muito pouco para que vomitasse. Àquela altura eu não conseguia mais ouvir sobre matrimônio e suas ramificações e, ao mesmo tempo, manter felicidade sincera no rosto.

Pedi licença para ir ao banheiro e deixei por lá as coisas que não conseguira digerir durante o dia e mais o tanto que não engoli naquele jantar. Evitei chorar, para não voltar horrorosa para o meu lugar, no entanto, ao sair do banheiro para retornar à mesa, levei comigo o gosto amargo na boca.

Nathan acabou percebendo que eu não estava bem, e até estranhei que ele tivesse demorado tanto para notar.

— Acho que a costela de porco com ameixa não caiu muito bem. — Coloquei na comida a culpa pelo abatimento quando ele perguntou sobre como me sentia.

— Não me diga que é meu netinho que está vindo aí? — A senhora Nancy não tinha noção do perigo. Corria o risco de eu vomitar em cima da mesa se não mudássemos de assunto. — Estou louca para ser avó. Nós estamos. Não é, Simon?

— Mãe! — Nathan a reprimiu e perguntou a mim: — Quer ir lá fora tomar um ar?

— Não, estou melhorando. Peça água, por favor. — Recostei-me em seu ombro respirando profundamente, para tentar aliviar o embrulho no estômago e a pressão no peito. — Não pretendo ter filhos tão cedo, senhora Nancy. — Achei melhor deixar claro.

Ajeitei-me no sofá e esperei que ela falasse algo mais, mas a acidez na minha voz deve ter bastado para todos entenderem que eu não estava gostando daquela pressão.

Quando o prato principal chegou, apesar de me sentir melhor do enjoo, mal toquei na comida. Belisquei uma coisa ou outra apenas para não ser indelicada. Continuei sem apetite pelo resto do jantar, mas Nathan insistiu para eu provar um pouco de sua sobremesa, pedindo para que fechasse os olhos enquanto levava a colher até minha boca.

— Não abra os olhos ainda. Diga-me de que é feito este doce?

Chutei alguns ingredientes que, segundo Nathan, estavam corretos, mas ele pediu para eu continuar de olhos fechados, pois me faria experimentar uma segunda sobremesa.

Enfim recebi o sinal para que descerrasse os olhos e deparei-me com meu noivo segurando a clássica caixinha vermelha da Cartier. Ele a abriu diante de mim, revelando um anel solitário de platina com o icônico design de 1895, o qual ostentava um enorme diamante e vários outros menores cravejados no aro. Deslizando a bunda pelo sofá e esbarrando na mesa, ele deu a volta e se ajoelhou na minha frente.

— Isabelle, só para garantir — riu —, você aceita se casar comigo?

Meus olhos, alternando entre o anel e a expressão feliz de Nathan, iniciaram o processo de lacrimejar. E as lágrimas, que logo desceriam em cascata enquanto meu estômago se revirava, não eram porque eu estava surpresa e emocionada — okay, eram por isso também —, mas por eu não ser honesta com Nathan nem corresponder de maneira igual aos sentimentos dele, e, por consequência, não ser digna daquele anel. Eu não era merecedora do compromisso com um cara tão bacana.

— Estou apenas um dia atrasado — disse ele, agachado diante de mim. — Agora sim estou fazendo o pedido completo. Quero você como minha esposa, com tudo que tem direito.

— "Diamantes são os melhores amigos de uma garota"* e meu filho é o melhor que uma garota pode querer. O que está esperando para dizer sim, querida? — Nancy me incentivou, e foi então que percebi o silêncio no qual eu submergira.

— Eu... Nossa! Uau! Sério. Não estava esperando. Você é... Não acredito que você fez isso, mesmo. — Dei uma risadinha sem graça sob os olhares atentos do trio. — Eu disse que não precisava...

Nathan aguardou a minha resposta, ajoelhado aos meus pés. E eu que, apesar de mexida, para não dizer totalmente abalada, com as palavras de Taylor, ainda não precisava de camisa de força, segui o lado racional e reafirmei o que dissera antes:

— Sim, sim. — Sacudi a cabeça para sair do transe. — Vamos nos casar!

Enquanto lágrimas escorriam pelo meu rosto, Nathan deslizou o anel pelo dedo anelar direito até o fim. Foi então que reparou, apesar da maquiagem e da luz difusa, o machucado em minha mão. Ele não disse nada em voz alta, mas a maneira como me encarou, alisando com o polegar a camada de base que cobria a mordida, deixou bem claro que conversaríamos sobre o meu autoflagelamento em breve.

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[ Notas ]

Diamonds are a girl's best friend - esta música é talvez a mais famosa cantada por Marilyn Monroe no filme Os homens preferem as loiras de 1953.

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As fotos de inspiração para o restaurante Chaoshan podem ser vistas no meu Instagram (caasitaylorfic).

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